FACULDADE PAULUS DE TECNOLOGIA E COMUNICAÇÃO. Genealogia do Gênero: O processo de subjetivação do feminino

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Transcrição:

FACULDADE PAULUS DE TECNOLOGIA E COMUNICAÇÃO Genealogia do Gênero: O processo de subjetivação do feminino Claudia G. Bogossian RESUMO As questões sobre gênero envolvem uma série de discussões sobre o quanto somos naturalmente homens ou mulheres, e o quanto nosso gênero é construído culturalmente, socialmente. Esta pesquisa pretende discutir, a partir dos conceitos de genealogia, arqueologia e subjetivação, de Michael Foucault, como se dão os processos de criação de identidades dos gêneros. Palavras-chave: genealogia, arqueologia, subjetivação, Michael Foucault, gênero. ABSTRACT Bogossian, Claudia G. GENEALOGY OF GENDER: The female subjectivity process. São Paulo, 2015. (Trabalho de Iniciação Científica apresentado à Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação). The issues of gender involve a number of discussions about how we are naturally men or women, and how our gender is culturally constructed, socially. This research aims to discuss, from the Michael Foucault s concepts of genealogy, archeology and subjectivity, how the process of creating genres identities works. Key-words: gender, genealogy, archeology and subjectivity. 1

1. INTRODUÇÃO A sociedade é permeada de discursos que reforçam e reproduzem nossa cultura e, consequentemente, nossos comportamentos. As diferentes categorias identitárias e seus preconceitos e descriminações são inseridos continuamente em nossos corpos, gestos, habilidades, pensamentos e atitudes, e, assim, nos tornando homens e mulheres, padronizados dentro da categoria de nosso gênero entendido aqui como uma construção das relações sociais estabelecida por cada cultura a partir das diferenças entre homens e mulheres (SCOTT, 1995 apud ALTMANN; SOUSA, 1999). Desde criança, algumas práticas educativas, na Educação Infantil, agem como forma de controle de comportamentos e fazem com que as diferenças entre meninos e meninas e suas características sejam naturalizadas (FINCO, 2008); comportamentos são impostos, corrigidos e inseridos nas crianças, na tentativa exaustiva de transformá-las em meninos e meninas de verdade e futuros homens e mulheres de verdade ; existe uma promoção dos estereótipos de gênero que é baseada no que estas pessoas seriam de verdade homem e mulher, respectivamente. (V. Viviane, 2013) Para Pierre Bourdieu (1995 apud SOUSA E ALTMAN, 1999), o mundo social constrói o corpo por meio de um trabalho permanente de formação e imprime nele um programa de percepção, de apreciação e de ação. É durante esse processo que os corpos são masculinizados e feminilizados, assumindo um caráter natural para tal. O corpo é a primeira forma de comunicação, por isso, ponto primordial de imposição de comportamentos. A partir dos escritos de Michael Foucault, entendemos que os comportamentos vão sendo impressos em nosso corpo e gestos e atitudes se tornam naturais; após o século XVIII, a forma de estudar o corpo mudou e priorizou-se a forma de controlá-lo, de exercer poder sobre ele. Uma anatomia política, que é também igualmente uma mecânica do poder, está nascendo; ela define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina. A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos dóceis. (FOUCAULT, M. 1987. p. 164) 2

O processo de naturalização de gênero inicia-se na infância, mas durante toda a vida continua sendo reforçado e reproduzido por todas as instituições de nossa sociedade, como, por exemplo, a mídia e o jornalismo. 2. GENEALOGIA DO GÊNERO Os conceitos de poder, genealogia, arqueologia e subjetivação presentes nos estudos de Michel Foucault nos possibilitam um olhar interessante para a análise das questões de gênero. Partido dos conceitos fundamentais em sua obra é possível compreender os discursos que permeiam nossa sociedade, que reproduzem e reforçam o estereótipo binário dos gêneros. As tecnologias do poder, que permeiam todos os âmbitos sociais, criam e impõem verdades, transformando alguns saberes em dominantes. Para entender como se dá esse processo de transformação de saberes, Foucault acredita que não é buscando a origem de tudo - herkunft que encontraremos a verdade; com base nos estudos de Nietzsche, que recusa as pesquisas da origem, ele busca nas genealogias essa compreensão (FOUCAULT, 2003). Ao pesquisar a origem, o passado, seguindo uma continuidade histórica, não iremos compreender se os saberes são verdadeiros de fato; mas através das genealogias, que se dão na descontinuidade do tempo, é possível analisar de perto as transformações e inversões dos discursos. Segundo Foucault, genealogia é o combate aos efeitos do poder, que dão aos saberes o caráter científico, verdadeiro, com o uso dos saberes locais. Foucault nunca busca, em suas análises, saber quem ou qual é esse poder, mas sim compreender que efeitos do poder circulam entre os enunciados científicos (FOUCAULT, 2006) e como e por que eles se modificam, formulando novos enunciados que passam a ser aceitos cientificamente. Portanto, a genealogia não vai contra aos saberes, mas sim contra ao poder, aos instrumentos de poder que estão entremeados nas instituições da sociedade, que transformam os saberes em científicos e verdadeiros, criando novos discursos (FOUCAULT, 2003). Não podemos deixar de lembrar que ao intitular um saber como científico, como verdadeiro, é sempre em detrimento de outro, que passa automaticamente a ser visto como errado, sem importância. Podemos entender os saberes sobre os gêneros como saberes dominados; ao longo da história, das lutas e do 3

contexto histórico, os saberes locais sobre homem e mulher foram sofrendo inversões; as técnicas do poder agiram sobre esse saber e as obrigações e diferenças entre os sexos se tornaram saberes dominados e um discurso de caráter científico. A partir da análise genealógica é possível compreender como esse discurso foi sendo construído ao longo do tempo, quais instrumentos foram atribuindo caráter científico ao discurso de que a mulher deve ser doce, calma e submissa, enquanto o homem deve ser violento, dominador e nunca demonstrar fraqueza. 3. SUBJETIVAÇÃO DO GÊNERO O conceito de subjetivação é também fundamental para compreendermos como o discurso binário de gênero é tido como o único correto em nossa sociedade. Para Foucault, o sujeito é constituído sob dois aspectos, que ele chama de objetivação e subjetivação. Os mecanismos de objetivação são aqueles que pretendem fazer do homem um objeto, através dos processos disciplinares que agem para transformar o indivíduo em dócil e útil. Os mecanismos de subjetivação são os processos presentes em nossa sociedade que fazem o homem se confessar como um sujeito, com uma identidade determinada, que lhe é atribuída, imposta como sua. O processo de subjetivação se transforma ao longo da história, visto que o contexto histórico em que o indivíduo está inserido modifica a sua relação com o mundo exterior e as formas que o poder e o saber permeiam e agem na sociedade. Sendo assim, há múltiplas maneiras de se subjetivar, dependendo do espaço e tempo que se encontra. Foucault resgata nos gregos as práticas de cuidado de si, ou técnicas de si ; na polis o sujeito era livre, ele tinha o direito de fazer suas escolhas. Na sociedade moderna o indivíduo perde esse direito, a modernidade é característica pela normatividade, a moral burguesa impõe os padrões normativos de sujeito, em que o indivíduo deve ser higiênico, obediente e submisso (RAGO, 2008). A confissão é fundamental para o processo de subjetivação. Expondo sobre a história da sexualidade, Foucault explica como o cristianismo e seu pastorado trazem consigo diversos procedimentos e técnicas para a verdade, para a produção das verdades; a confissão é uma dessas técnicas, que envolve os indivíduos diretamente, já que ela promove o hábito do constante exame de si. O pastorado ensina as verdades e faz suas ovelhas se vigiarem para não caírem nas tentações de seus desejos, pois ele 4

sabe que deverá confessar cada pensamento (FOUCAULT, 2006). Ao aceitar uma verdade como sua, o sujeito passa a se dizer dentro daquela verdade, ou seja, cria sua identidade a partir de conceitos, ideias e ideologias construídas e inventadas como cientificamente corretas e verdadeiras. Ao transformar os saberes sobre homens e mulheres, em discurso de diferenças entre os gêneros, em que um é sempre submisso e outro sempre dominador, os indivíduos da sociedade aceitam o discurso como verdadeiro e são subjetivados dentro dessa moral, sendo assim se confessam como submissos ou como dominadores, dependendo do sexo que são, e criam suas identidades a partir desses conceitos, dessas ideias, dessas ideologias e se transformam em sujeitos submissos ou dominadores. 4. GOVERNO DO EU Ser menino e ser menina, homem e mulher, é uma identidade cultural e social que aprendemos, reproduzimos, mas não deixando de, ao mesmo tempo, contrariar, criar e recriar novas formas de ser homem e mulher. Percebemos sempre a representação e categorização dos humanos nessa perspectiva binária, ou você é homem, ou você é mulher. Mesmo atualmente, com o discurso da pluralidade sexual e afetiva sendo explorado e divulgado, compreende-se sempre a comparação entre o ser do jeito que os homens são, ou do jeito que as mulheres devem ser. As técnicas do eu nos capacitam a escolher, a agir sobre nós mesmos para alcançarmos um objetivo, não proposto por nós mesmos. No texto Governando a alma: a formação do eu privado, Nikolas Rose (1988) fala que essas técnicas são propostas pelos experts da alma, para, através da auto inspeção, reconhecermos o tipo de pessoa que somos e aquelas que queremos ser, a partir dos modelos propostos. Ou seja, as tecnologias do eu permitem que o sujeito aja sobre sua alma, fazendo com que ele se enquadre a esses modelos. É a partir desses modelos que se processa a governamentalidade da alma apresentada por Jorge Ramos do Ó: A governamentalidade corresponderia, assim, ao desencadear de toda uma arte caracterizada pela heterogeneidade de autoridades e agencias, empregando igualmente uma desmesurada variedade de técnicas e formas de conhecimento científico destinadas a avaliar e melhorar a riqueza, a saúde, a educação, os costumes e os hábitos da população. (RAMOS DO Ó, 2007) 5

Assim funciona a sociedade de controle: fluxo constante. Diferente da sociedade disciplinar que Foucault fala em Vigiar e Punir (1987), na sociedade de controle parece que temos liberdade de escolha todo o tempo, porém somos ininterruptamente incitados a fazer uma nova escolha, para nos sentirmos livres; quando, na verdade, escolhemos apenas entre o que nos foi proposto. É preciso deixar claro que as opções propostas não são apresentadas abertamente ao sujeito, são as relações de poder que circulam pela sociedade que cumprem este papel. Esta compreensão dos jogos de poder obriga a verificar que nas sociedades modernas o domínio da moralidade foi remetendo cada vez menos para sistemas universais de injunção e proibição e mais para um quadro de liberdade regulada. Cada singularidade passou a ser vista como um ponto de passagem objetivada de princípios e forças de poder. (RAMOS DO Ó, 2007) 5. CONCLUSÃO Perceber de que formas a mídia e o jornalismo reproduzem os discursos de gênero é fundamental para não mais deixar que o discurso seja naturalizado em nossa sociedade e em nós mesmos. Treinar o nosso olhar é criar a capacidade de compreender o mundo ao nosso redor e refletir sobre ele, não assumindo discursos prontos que impõem comportamentos em nós; é perceber que estamos sendo incitados a escolher sempre as mesmas coisas, os mesmos caminhos, os mesmos preconceitos, mas que, com discursos mascarados, nos parecem novas opções. Ser menino e ser menina, homem e mulher, é uma identidade cultural e social que aprendemos, reproduzimos. Através do processo de subjetivação, internalizamos comportamentos de tal forma que construímos nossa identidade a partir de verdades ditas e impostas pela sociedade. Sendo assim, homens e mulheres crescem e vivem presos a uma identidade, acreditando que as características que os definem são inatas e imutáveis, quando na verdade foram impressas em seus corpos e mentes. A lição mais importante que Foucault passa em seus escritos é: pensar é resistir. O que quer dizer que é preciso observar e analisar as Verdades, questionar sua veracidade, e contrariar, criar e recriar novas formas de ser homem e de ser mulher. 6

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAUMAN, Z. Identidade. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2005.Belo Horizonte: Autêntica, 2004. BUTLER, Judith. Críticamente subversiva. In: JIMÉNEZ, Rafael M. Mérida. Sexualidades transgresoras. Una antología de estudios queer. Barcelona: Icária editorial, 2002, p.p. 55-80. FINCO, Daniela. Socialização de gênero na Educação Infantil. Ciênc. Let, Porto Alegre, n.43, p.261-274, 2008. FOUCAULT, Michael. Vigiar e punir. Tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis, Vozes, 1987.. Verdade e poder. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização, introdução e tradução de Roberto Machado. São Paulo: Edições Graal, 26 ed, 2013. p 35 54. Nietsche, a genealogia e a história. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização, introdução e tradução de Roberto Machado. São Paulo: Edições Graal, 26 ed, 2013. p. 55-86. Genealogia e poder. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização, introdução e tradução de Roberto Machado. São Paulo: Edições Graal, 26 ed, 2013. p 262 277 LOURO, Guacira Lopes. O corpo estranho. Ensaios sobre sexualidade e teoria queer. MOTTA, M. B. (org.). 1978 - Sexualidade e poder. In: FOUCAULT, M. Ética, sexualidade, política. Coleção Ditos e escritos V. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.. 1984 O retorno da moral. In: FOUCAULT, M. Ética, sexualidade, política. Coleção Ditos e escritos V. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. 7

RAGO, Margareth. Novos modos de subjetivar: a experiência da organização Mujeres Libres na Revolução Espanhola. Rev. Estud. Fem. [online]. vol.16, n.1, pp. 187-206, 026X2008000100019&lng=en&nrm=iso>. RAMOS DO Ó, J. O governo do aluno na modernidade. Foucault pensa a educação, Seguimento, p. 36-45, 2007. ROSE, Nikolas. Governando a alma: a formação do eu privado. In: Silva, Tomas Tadeu da (org). Liberdades reguladas. Petrópolis: p. 30-45, 1988. SOUSA, E. S. & ALTMAN, H. Meninos e meninas: expectativas corporais e implicações na Educação Física escolar. Cadernos Cedes, ano XIX, n.48, p.52-68, 1999. WEBGRAFIA V. Vivane. Os lucros da transfobia entram pela porta dos fundos. 2013. Disponível em: 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0104- http://www.ibahia.com/a/blogs/sexualidade/2013/08/06/os-lucros-da-transfobia-entrampela-porta-dos-fundos/ 8