UMBANDA EM ARACAJU: UMA RELIGIÃO PLURAL.

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25 a 27 de maio de 2010 Facom-UFBa Salvador-Bahia-Brasil UMBANDA EM ARACAJU: UMA RELIGIÃO PLURAL. Janaina Couvo Teixeira Maia de Aguiar 1 RESUMO: Este artigo expõe sobre os aspectos característicos da Religião Umbandista em Aracaju, ressaltando um dos aspectos fundamentais na sua formação: a diversidade. Analisamos o processo de formação da Umbanda a partir da oralidade e de pesquisas em jornais Desta forma, a partir de uma análise etnográfica, juntamente com a oralidade, analisaremos a formação da Umbanda na Capital Sergipana e como, a partir do estudo de um ritual dedicado à entidade Exu, é possível visualizarmos a diversidade presente nesta religião. PALAVRAS CHAVE: Umbanda, Diversidade, Memória. 1 Licenciada e Bacharel em História-UFS, Especialista em Arte, Educação e tecnologias Contemporâneas UNB, aluna do Bacharelado em Museologia UFS. janainacouvo@gmail.com.

INTRODUÇÃO A religião umbandista possui uma característica importante desde o seu surgimento: a diversidade. Isto quer dizer que cada terreiro de umbanda possui autonomia para modificar ou reinterpretar os aspectos religiosos que compõem os seus rituais. O resultado disto pode ser observado nos vários terreiros de Umbanda de Aracaju, onde, apesar de manter certa unidade em seus princípios, os seus rituais são bastante diversificados, não sendo possível encontrar um terreiro de umbanda totalmente semelhante a outro. Sendo assim, torna-se difícil discutir quanto a uma síntese umbandista, já que ela se apresenta diversificada em suas formas ritualísticas. Não há uma Umbanda oficial, em relação a qual as mudanças constituiriam deturpações; na realidade, cada terreiro dispõe e combina à sua maneira, elementos de uma rica e variada religião 2. Se analisarmos a umbanda através de um continuum 3, colocando numa extremidade o candomblé e na outra o kardecismo, observamos que várias combinações ritualísticas podem surgir. Assim, podemos encontrar rituais umbandistas associados aos do candomblé, de práticas indígenas, do baixo espiritismo, do esoterismo, do catolicismo e de práticas kardecistas. Quando Ortiz 4 estudou este processo, utilizou-se de dois conceitos que colocam os rituais umbandistas em dois pólos: o mais ocidentalizado e o menos ocidentalizado. O pólo menos ocidentalizado se encontra mais próximo das práticas afro-brasileiras, enquanto o mais ocidentalizado tende a se destacar 5, aproximando-se das práticas espíritas. Estes dois conceitos possuem como base os valores da sociedade, onde, segundo Ortiz, enquanto o pólo mais ocidentalizado está associado à classe dominante, o pólo menos ocidentalizado se aproxima das classes populares. Entretanto, na atualidade, fica difícil perceber esta separação, já que não existe, em Aracaju, um terreiro de umbanda que seja freqüentado somente pela classe média. 2 MAGNANI, 1991:43 3 CAMARGO, 1961. 4 ORTIZ, 1991. 5 IDEM, p. 97.

Houve, durante o processo de institucionalização, uma tentativa de unificação dos rituais e doutrinas umbandistas. Porém, apesar de todas as tentativas das federações em conseguir unificar ritualisticamente a umbanda, isto não foi possível, já que se trata de uma religião que possui características próprias em cada casa de culto. Pesquisadores como Birman ressaltam que o processo de assimilação das influências vai estar de certo modo condicionado à forma de organização interna do grupo 6. Sendo assim, a umbanda se apresenta aberta a este processo, que resulta também da inexistência de uma hierarquia que possa manter os fiéis unidos segundo uma mesma regra. A umbanda, em sua variedade de formas, apresenta um quadro no qual as influências do candomblé, ou do catolicismo, ou de práticas religiosas indígenas, kardecistas, ou de outras práticas espiritualistas, podem aparecer mais fortes ou fracas nos terreiros, resultando combinações muito diversas 7. Toda esta diversidade é observada pelos vários estudiosos nas diversas regiões do país 8. Esta diversidade resultou também em várias interpretações sobre as entidades. Associam-se a estas, características biográficas de espíritos que em vida tiveram um comportamento humilde, como os pretos-velhos, ou então espíritos que viveram em posição social difícil, que são relacionados aos exus. As associações das entidades com o cotidiano das pessoas são encontradas principalmente nos terreiros freqüentados por camadas mais populares, destacando-se ainda que nestes terreiros o caráter ambíguo e polivalente dessas entidades é bem maior. Procedendo-se à análise do campo religioso umbandista de Aracaju, vamos encontrar um campo bastante diversificado em formas rituais. São terreiros de umbanda que assimilaram influências do nagô, do candomblé, do toré, do espiritismo cardecista, do catolicismo, e de práticas esotéricas. Alguns ressaltam a importância dos aspectos africanos na umbanda, outros, os aspectos espíritas que associam esta religião com o espiritismo e, ainda aqueles que buscam as raízes da umbanda em antigas civilizações 9. Para demonstrar a diversidade da umbanda em Aracaju, selecionamos um ritual comum aos terreiros de Umbanda. A partir das especificidades presentes na 6 BIRMAN, 1991: 81. 7 MACIEL, 1992: 126. 8 Ver ORTIZ (1991), NEGRÃO (1996), BIRMAN (1991), PORDEUS (1993), MACIEL (1992), entre outros. 9 A umbanda branca surgida sob a orientação de Zélio de Moraes busca a origem da umbanda no Oriente.

etnografia desse ritual, é possível percebermos como a umbanda possui especificidades que caracterizam os terreiros. RITUAIS PARA EXU EM ALGUNS TERREIROS DE UMBANDA DE ARACAJU O Culto A Exu nos Cultos Afro-Brasileiros Cacciatore, em seu dicionário de cultos afro-brasileiros, considera os exus enquanto entidades as quais são atribuídas algumas funções associadas a vida cotidiana das pessoas. São entidades que apresentam um comportamento ambíguo, relacionadas de forma pejorativa ao demônio. Eles estão associados àqueles que abrem os caminhos. 10 No candomblé corresponde ao orixá mensageiro entre Homens e divindades. Na religião umbandista a concepção de Exu ficou muito próxima daquela visão influenciada pelo moralismo cristão que tende a aproximá-lo da figura do diabo. Esta proximidade se deve, entre outras coisas, ao caráter de trickster 11 que é atribuído a ele, caracterizando-o como um entidade cheia de malícia. Além disso, a sua ligação com a sexualidade também contribuiu para relacioná-lo ao demônio, já que este é visto como uma entidade associada aos amores carnais. Observa-se que este processo de demonização de Exu teve início nos candomblés bantus, onde Bastide coloca que seus chefes religiosos se especializam, muitas vezes, na fabricação de estatuetas de Exu 12, adorando-as. É importante colocar que essas estátuas eram caracterizadas por chifres e capas pretas, típicas representações do diabo cristão. Ortiz se refere a um estudo sobre o pensamento mágico-religioso bantu que ressalta a existência de uma dicotomia entre magia branca e magia negra 13, onde se nota que o feiticeiro está sempre em oposição ao antifeiticeiro. No Brasil, podemos observar que esta dicotomia colocou a umbanda associada à magia branca, e a quimbanda à magia negra. Observa-se, ainda, que enquanto na quimbanda há uma necessidade de manter as influência das tradições africanas, em que Exu passa a obter maior importância, na umbanda há uma tentativa de afastamento dessas tradições. 10 CACCIATORE, 1977 : 123 11 BASTIDE, 1978 : 170 12 IDEM, 1978 : 174 13 ORTIZ, 1991 : 132.

Ao se analisar a doutrina dessa religião, vê-se que ela se baseia no principio de evolução. Daí a umbanda e a quimbanda fazerem parte de um mesmo sistema religioso, onde há uma ligação, ou seja, uma passagem da magia negra à magia branca. Porém, na quimbanda existe ainda certa divisão baseada em níveis, a saber: o nível superior, onde encontramos os exus-batizados, e o nível inferior onde estão os exuspagãos. Os exus-batizados são aqueles que estão à caminho da evolução; apesar de pertencerem à quimbanda, eles praticam o bem sem perder completamente as características que lhe são peculiares, mostrando-se, assim, uma entidade ambivalente. Já os exus-pagãos são aqueles que trabalham exclusivamente para o mal, porém, podendo evoluir. Na umbanda só se encontram os exus-batizados, os que estão aptos a participar do reino da luz. 14 É importante ressaltar, porém, que essa visão de Exu como o demônio cristão pode ser encarada como uma forma de expor o perigo que essa entidade demonstra na manutenção da ordem. Assim, a prática de culto aos exus nos tempos atuais desperta na memória coletiva a produção do passado escravocrata. A configuração Exu negro-diabo simboliza a magia do negro revivendo as práticas mágicas dos escravos contra os senhores 15. Quanto à forma de interpretação, está vinculada às concepções cardecistas, em que eles passam a ser vistos como espíritos de malandros, marginais, pessoas que sofrem devido às condições precárias de vida, pessoas que foram desprezadas. No caso das pomba-giras, mulheres que não tiveram alternativa de vida a não ser a prostituição. Ainda tem-se a interpretação dessa entidade seguindo a influência das tradições africanas. A partir dessa influência, Exu é visto como um escravo do santo, mantendo, assim, uma ligação com os orixás. Ele faz intercâmbio entres este e os homens, além de estar subordinado aos ditames dos orixás. DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA Inicialmente partimos para a compreensão de como o culto a Exu é realizado nos seis terreiros selecionados. Observamos que alguns realizam estes rituais todas as 14 IDEM, 1991:138 15 TRINDADE, 1982

sextas-feiras, outros às segundas e ainda tem aqueles que realizam de 15 em 15 dias, ou uma vez ao mês. Nos dias em que ocorrem estes rituais os médiuns se apresentam usando roupas nas cores vermelho e preto, tendo apenas em dois terreiros permanecendo os mesmos com roupas brancas. É comum entre eles ficarem descalços, mantendo um contato maior com o chão, a terra, que possui importância considerável para esta manifestação religiosa. No entanto, apenas em um dos centros os médiuns permanecem com os pés calçados durante todos rituais. Outro elemento presente em todos os centros, sem exceção, é um local destinado às representações iconográficas e simbólicas destas entidades, local que é conhecido como o Quarto de Exu. Geralmente ele fica no lado esquerdo, permanecendo com sua porta aberta apenas durante as sessões dedicadas às entidades, sendo o acesso permitido somente para os iniciados. Em uma das casas pode-se observar que, ao contrário das demais, esta coloca o Quarto de Exu ao lado do congá dentro do espaço sagrado, e ainda um outro na entrada do centro. Além disso a representação iconográfica desta entidade não está relacionada a imagens de gesso, que são utilizadas em outros centros, e sim, à presença de um pote médio, com algumas inscrições, algumas bebidas e taças, inexistindo qualquer imagem. Ao analisarmos o ritual em si denominado Sessão de Exu, partiu-se de um tipo ideal desta cerimônia baseado nas suas características: médiuns deverão estar usando roupas preto e vermelho, dançando ao som dos atabaques, bebendo e fumando demasiadamente, conversando de forma bem descontraída. Este ritual acontecendo às sextas-feiras, após a meia noite, que é o horário apropriado para o culto a estas entidades. No Centro Santo Antônio de Boré, a sessão para os exus acontece logo após a dos orixás, sempre depois da meia noite. Todos os seus médiuns estão vestidos de preto e vermelho e descalços. Ao som dos atabaques as entidades vão sendo incorporadas de acordo com a chamada presente nas músicas. Estes bebem, fumam e atendem as pessoas que os procuram com seus problemas, sem necessariamente precisar de serem chamadas pelo cambone. Este ritual é realizado de 15 em 15 dias, sempre às sextas-feiras. No Centro Espírita Caboclo Sete Flechas. Foi observado que isto acontece todas a segundas-feiras, sempre às 20 horas. Todos os iniciados estão com as roupas preta e vermelha havendo uma certa ordem ritualística, ou seja, primeiro o sacerdote incorpora seu exu para, logo em seguida - observando a ordem dos pontos

cantados, as outras entidades serem incorporadas. À medida em que se inicia os cânticos, os iniciados que pertencem às entidades chamadas se aproximam do meio do espaço sagrado e as incorpora. Cada Exu ou Pomba Gira que chega já possui seu espaço delimitado, além disso, as consultas são realizadas mediante a inscrição feita antes da sessão. As entidades também fumam, bebem e dançam em torno das músicas dos atabaques. O Centro Imaculada Conceição já apresenta um ritual para os exus bastantes diferente dos dois já analisados, a começar pelas roupas dos médiuns que são brancas, estando os mesmos de sapatos. Não existem os atabaques e nem há uma ingestão demasiada de bebidas e uso de cigarros, sendo estes controlados. As consultas acontecem livremente, sem certo Controle burocrático. Neste centro a sessão acontece uma vez ao mês sempre às sextas-feiras, às 20 horas. Outro centro que também difere dos demais é o centro Ogum Marinho. Neste, a sessão dos exus é realizada à meia luz, tendo no meio do espaço sagrado uma oferenda contendo bebidas, cigarros, flores, velas e algumas comidas. Todos os médiuns usam roupas preta e vermelha além de permanecerem descalços. Há certa hierarquia religiosa em que a primeira entidade a ser incorporada é a do sacerdote seguida pelos demais iniciados. Foi registrada neste centro a presença dos atabaques e do uso de bebidas e cigarros com freqüência pelas entidades, que ao som dos cânticos dançam, zombam de algumas pessoas e conversam com outras que fazem suas consultas. A casa de culto que mais chamou a atenção pela marcada diversidade existente foi a Casa de Caridade Navegantes de Oxalá, principalmente por esta se auto identificar como representante da Umbanda Esotérica. Durante todo o ritual para Exu observou-se que os médiuns estavam todos diante de um único atabaque. Um aspecto bastante interessante chamou a atenção, a presença de cristais no Quarto de Exu, chamado também de Tronqueira. No próprio discurso do Exu observou-se uma preocupação com a energia das pessoas. O uso de bebidas e de cigarros é quase mínimo, sempre ressaltando que são líquidos purificadores. As consultas são feitas sem haver uma organização burocrática. É uma cerimônia que se inicia sempre às 20 horas, de 15 em 15 dias, às sextas-feiras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Durante a comparação, tendo como parâmetro uma sessão ideal dos Exus, pôde-se observar como a diversidade é um aspecto que permeia todas as casas de culto representantes da umbanda em Aracaju. Quando os sacerdotes foram questionados quanto a esse aspecto é ressaltada uma característica primordial da religião: A gente faz um filho de fé hoje, mas a partir da hora que você faz ele, que você solta, que você dá um cargo, então, da hora que ele sai da sua casa, que ele vai trabalhar, ele vai ser guiado pelas próprias entidades dele, principalmente pelos exus, pelos donos de cabeça. Então, a partir daquele momento ele vai manipular a casa dele da maneira que o Santo, o Orixá, O Exu dele pedir (Wellington Sacerdote) Refere-se à autonomia dos terreiros de umbanda que possuem liberdade para assimilar as influências, reinterpretando-as de acordo com a orientação espiritual de seus guias. É esta autonomia que vai dar espaço para a diversidade encontrada na umbanda. Em se tratando de seus rituais, especificamente a sessão dos exus analisada nesta pesquisa, observou-se um campo bastante diversificado, seja demonstrando uma aparente simplicidade em seus atos ritualísticos, seja demonstrando uma complexidade em seus rituais. O que justifica a hipótese de que se trata de uma manifestação religiosa por si só diversificada em suas formas ritualísticas, apesar de com essa diversidade compor uma religião única: a religião Umbandista.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BASTIDE, Roger. As Religiões Africanas no Brasil. São Paulo: Ed. Pioneira, Vol. I e II, 1960. BIRMAN, Patrícia. O Que é a Umbanda. São Paulo: Abril Cultural/Brasiliense, 1985. CAMARGO, Cândido Procópio Ferreira de. Kardecismo e Umbanda. São Paulo: Pioneira, 1961. CACCIATORE, Olga Gudolle. Dicionário de Cultos Afro-Brasileiros. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária/SEEC/RJ, 1977. MACIEL, Cleber. Candomblé e Umbanda no Espírito Santo: práticas religiosas afro-capixabas. Vitória: Departamento Estadual de Cultura, 1982 MAGNANI, José Guilherme C. Umbanda. 2ª Ed. São Paulo: Ática, 1991. NEGRÃO, Lísias Nogueira. Entre a Cruz e a Encruzilhada. São Paulo: Edusp, 1996. ORTIZ, Renato. A Morte Branca do Feiticeiro Negro Umbanda e Sociedade Brasileira. 2ª Ed. São Paulo: Brasiliense, 1991 TRINDADE, Liana Salma. Exu: Símbolo e Função. São Paulo: FFLCH/UFF, 1985