1 A CONTRIBUIÇÃO METODISTA ÀS POLÍTICAS AFIRMATIVAS NO BRASIL Almir de Souza Maia Beatriz Helena Vicentini R e s u m o Este artigo integra a pesquisa(1) sobre a contribuição metodista para a construção de políticas e estabelecimento de ações afirmativas no Brasil, movimento iniciado na década de 1970. Traz informações sobre a chegada dos afrodescendentes ao país e descreve a discriminação sofrida por eles ao longo de séculos. Trata do compromisso com os excluídos assumido pela Igreja Metodista. Evidencia a postura a favor da inclusão social liderada pela Universidade Metodista de Piracicaba e registra sua participação na formação da Faculdade Zumbi dos Palmares em 2003. Unitermos: Igreja Metodista, políticas afirmativas, afrodescendentes, UNIMEP, UNIPALMARES Synopsis This article forms part of a research on the Methodist contribution to the construction of policies and the establishment of affirmative actions in Brazil, a movement which started in the 1970s. It gives information about the arrival of Africans in the country and describes the discrimination suffered by them over the centuries. It discusses the commitment to the excluded assumed by the Methodist Church. It shows the posture in favor of social inclusion led by the Universidade Metodista de Piracicaba and records its participation in the formation of the Faculdade Zumbi dos Palmares in 2003. Terms: Methodist Church, affirmative actions, Africans, UNIMEP, UNIPALMARES R e s u m e n Este artículo integra la investigación sobre la contribución metodista para la construcción de políticas y el establecimiento de acciones afirmativas en Brasil, movimiento iniciado en la década de 1970. Trae informaciones sobre la llegada de los afrodescendientes al país y describe la discriminación sufrida por ellos a lo largo de siglos. Trata del compromiso con los excluidos asumido por la Iglesia Metodista. Evidencia la postura en pro de la inclusión social liderada por la Universidade Metodista de Piracicaba y registra su participación en la creación de la Faculdade Zumbi dos Palmares, en el 2003. Términos: Eclesia Metodista, acciones afirmativas, afrodescendientes, UNIMEP, UNIPALMARES Introdução O Brasil é considerado a quinta nação mais populosa do planeta - cerca de 193 milhões de habitantes em 2010 - e é o segundo país em população negra do mundo. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2008, 51,2% desses eram considerados 1 MAIA, A.S; ELIAS, B.V. Methodist contribution to the affirmative policies in Brazil. Piracicaba: Centro de Documentação e Pesquisa, 2009. Pesquisa realizada em 2009 e patrocinada pela General Board of Higher Education and Ministry (GBHEM) of the United Methodist Church, EUA.
2 negros, categoria onde se incluem também os mulatos ou pardos, confirmando projeção de que a quantidade de negros superaria a de brancos na população. 2 Entretanto, essa presença étnica marcante não é acompanhada por uma participação econômica e social, tendo se mantido, ao longo de toda a história do país, a marca da discriminação e de condições adversas para sua ascenção social. Os negros chegaram ao país como escravos, trazidos da Guiné e Angola (África) a partir de 1530. Até 1850, entre 3 e 5 milhões de africanos tiveram como destino o Brasil, número que representa 37% do tráfico negreiro entre a África e as Américas. Quando houve a abolição da escravidão brasileira, em 1888, o país contava com 14 milhões de brancos, 2 milhões de negros e 6 milhões de pardos, o que mostra a composição étnica que marcaria o país ao longo das décadas seguintes. 3 Foi dessa origem de pobreza que a população negra se desenvolveu ao longo do século XX. Libertos, sem qualquer compensação pela escravidão, os negros tiveram à disposição apenas subempregos, sendo vistos como perigosos, inadequados como mão de obra dentro de um sistema de trabalho livre. O país preferiu os brancos para o seu desenvolvimento ao incentivar ondas migratórias nas décadas de 1940 e 1950, quando era dada preferência àqueles que atendessem a necessidade de se preservar e desenvolver na composição étnica da população as características mais convenientes da sua ascendência européia. 4 A educação, durante anos, permaneceu como privilégio das elites. À época da escravidão a legislação proibia que os negros frequentassem escolas públicas; 5 até poucos anos antes do início do século XX o único avanço foi autorizá-los a frequentarem aulas em escolas públicas no período noturno. 6 Até mesmo no que se refere à vida religiosa havia discriminação: somente a partir de 1960, quando uma lei de caráter nacional foi promulgada punindo atitudes de discriminação racial, é que as congregações religiosas católicas atuantes no Brasil tiraram de seus estatutos e normas internas a proibição de negros e mestiços de entrarem para a vida religiosa. 7 Ao contrário de sistemas de apartheid, com separação de espaços físicos para moradia, transporte, lazer e a proibição da miscigenação, como ocorreu em muitos países, a discriminação brasileira se consolidou nas esferas econômica e social. Com o passar dos anos, 2 Desafios do Desenvolvimento. Brasília, IPEA, maio 2008. 3 LESSA, Carlos. Jornal da Ciência. Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, 2002. 4 BRASIL. Decreto 7967, Art. 2º, de 18/9/1945. 5 BRASIL. Decreto 1331, de 17/2/1854. 6 BRASIL. Decreto 7031-A, de 7/9/1878. 7 SANTOS, Frei David Raimundo. As religiões são importantes para os afrodescendentes. Disponível em: http://latinoamericana.org/textos/portugues/dossantos.htm. Acesso em: 16/8/2009.
3 embora o Brasil tenha se caracterizado mundialmente como uma nação sem preconceito, ela se desenvolveu de forma mais sutil, o que não impedia, no entanto, determinadas manifestações racistas, introduzidas nas piadas mais comuns, em expressões adotadas pela língua ou até mesmo na proibição de uso de elevadores sociais em prédios e a exigência de boa aparência para acesso a emprego. Em 1990, 65% da massa carcerária brasileira era constituída por negros. 8 15 anos depois, chegando a 400 mil presos, o Ministério da Justiça indicava que a maioria deles era constituída de negros e pardos, entre 18 e 20 anos. 9 Em 2002, se consideradas as estatísticas da chamada linha da pobreza, 65,8% dos brasileiros nessa condição ainda eram os negros. Em 2007 o Ministério do Trabalho divulgou oficialmente que homens brancos tinham rendimentos médios 55,7% superiores aos dos negros em todo o país. Em 2008 uma pesquisa que mapeou o universo das 500 maiores empresas do país indicava que apenas 3,5% de negros ocupavam cargos executivos. 10 Segundo dados de 2009, 60% dos trabalhadores negros brasileiros têm rendimento de aproximadamente US$500, 59,5% estão empregados na construção civil e 55,3% não possuem garantias trabalhistas. Em denúncia feita pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2010, relacionada a trabalhadores em condições degradantes ainda existentes no Brasil, três em cada quatro eram negros. 11 No entanto, conhecidos os números do PNAD de 2008, o que se verificou foi uma significativa melhora, se analisado o período dos 15 anos anteriores em termos de ascenção social: em 1993 apenas 23,8% dos negros estavam na classe média, com quase 80% nas classes D e E. Em 2008 o percentual subiu para 53,5%, incluindo-se nesse segmento as classes A, B e C, segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas. 12 Ações afirmativas Em 1988, com a promulgação da nova Constituição Brasileira, o racismo passou formalmente a ser considerado crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de 8 USP. Pesquisa desenvolvida pelo Núcleo de Estudos de Violência da Universidade de São Paulo. 9 BRASIL. Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, 2004. 10 Pesquisa IBOPE/Instituto Ethos. Disponível em: http://blog.controversia.com.br/2008/6/23/negros-tem-so-35- dos-cargos-de-chefia. Acesso em: 10/8/2009. 11 PAIXÃO, Marcelo. Pesquisa realizada pelo economista, da Universidade Federal do Rio de Janeiro diz que para a ONU, o trabalhador está sujeito a condições degradantes quando enfrenta jornadas exaustivas, mantém dívidas com o empregador e corre risco de morte. Disponível no Portal Nacional do Pacto contra Erradicação do Trabalho Escravo (http://www.reporterbrasil.com.br/pacto/clipping/view/1120). Acesso em: 4/7/2010. 12 DANTAS, Fernando. 53,8% dos negros já estão na classe média. Disponível em: http://blogdofavre. ig.com. br/2010/03/535-dos-negros-brasileiros-ja-estao-na-classe-media/ Acesso em: 25/6/2012.
4 reclusão, nos termos da lei. 13 Nos anos seguintes, seus desdobramentos, vindos em forma de lei, levariam a indicar a pena de reclusão de um a três anos e multa. 14 Entretanto, as chamadas ações afirmativas foram iniciadas muito antes, a partir de iniciativas dos próprios negros. No início do século XX (1931), a Frente Negra Brasileira teve, entre suas propostas, a educação como meio de ascensão social, levando à inclusão de mais de 400 negros na Força Pública de São Paulo. O Teatro Experimental do Negro, criado na década de 1940 do século passado, contribuiu para a formação de atores negros. Em 1978 surgiu o Movimento Negro Unificado, a partir de uma manifestação de várias organizações negras nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo em protesto contra a morte, sob tortura, de um trabalhador negro e a discriminação de atletas negros expulsos de um clube na capital paulista. Foi a partir dos anos 1980 que as ações afirmativas se ampliaram para a esfera pública, especialmente a área educacional e o mercado de trabalho. Até então a discriminação do negro na sociedade brasileira se escondia adequadamente sob o conceito de democracia racial, que passou a ser considerado efetivamente como um mito. Do ideal do Brasil mestiço começaram a surgir ações que caminharam para o reconhecimento étnico-racial dos negros. A luta nos anos seguintes priorizava a garantia do acesso à educação para começar a romper a imensa distância até então existente entre brancos e negros na sociedade brasileira. Uma das primeiras entidades a se organizarem foi a Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (EDUCAFRO), uma rede de cursinhos pré-vestibulares comunitários que funcionava em forma de voluntariado e era coordenada pelo Serviço Franciscano de Solidariedade. Foi também nesse período (1997) a criação de uma organização não governamental denominada Sociedade Afrobrasileira de Desenvolvimento Sócio Cultural (AFROBRAS), que reunia artistas, intelectuais e profissionais liberais e teve como primeiro projeto concreto viabilizar duas mil bolsas de estudos na educação superior particular para afrodescendentes. A entidade teria papel fundamental na criação, anos depois, da primeira instituição de educação superior voltada prioritariamente para afrodescendentes em toda a América Latina: a Faculdade Zumbi dos Palmares (UNIPALMARES). Começaram, então, a se concretizar, a partir de 2001, várias iniciativas no que se refere ao sistema de reserva de vagas na educação superior pública através de cotas para negros. É também desse ano a reconhecida participação brasileira na Conferência das Nações Unidas Contra o Racismo, realizada em Durban, cuja declaração final, extremamente 13 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Artigo 5º, Inciso XLII. 14 BRASIL. Código Penal Brasileiro, Art. 140.
5 polêmica e subscrita pelo governo brasileiro, pela primeira vez admitiu formalmente a existência do racismo, em seu artigo 2º: Reconhecemos que o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e as formas correlatas de intolerância são produzidas por motivos de raça, cor, descendência, origem nacional ou étnica, e que as vítimas podem sofrer formas múltiplas ou agravadas de discriminação por outros motivos correlatos, como o sexo, o idioma, a religião, opiniões políticas ou de outra índole, origem social, situação econômica, nascimento ou outra condição. 15 A Conferência, que contou com a presença de 18 mil participantes, incluindo 16 chefes de Estado, 58 ministros das Relações Exteriores e mil representantes de organizações não governamentais, teve resultados instáveis, na análise da Alta Comissária das Nações Unidas para Direitos Humanos, Louise Arbour, oito anos mais tarde: os estados ainda resistem em reconhecer a existência do fenômeno do racismo. As leis nacionais e medidas para a sua eliminação são inadequadas ou ineficazes na maioria dos países. 16 No Brasil, ao mesmo tempo em que alguns ministérios passavam a garantir 20% de suas contratações para afrodescendentes, a partir de 2002 o Ministério das Relações Exteriores passou a conceder 20 bolsas de estudos federais a afrodescendentes que se preparassem para o concurso de admissão ao Instituto Rio Branco, encarregado da formação do corpo diplomático brasileiro. 17 A partir de 2003 foi tornada oficial a exigência de adoção da disciplina História e Cultura Afro-Brasileira e da África para todos os estudantes do ensino médio. O governo federal criou, ainda nesse ano, a Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, que propiciou, como desdobramento, a criação de superintendências e coordenações de promoção da igualdade racial em vários estados e municípios brasileiros. Várias cidades passaram a incluir cotas para negros em concursos para seleção de cargos públicos. Uma nova consciência de raça começava a crescer com a adoção opcional, em muitas cidades, do Dia da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro. 18 Um novo programa de acesso a instituições particulares de educação superior criado pelo governo federal em 2004, o Universidade para Todos (PROUNI), passou a garantir 30% de suas vagas 15 ONU. Relatório da Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Intolerância. Durban: Organização das Nações Unidas, 2001. 16 Países da América Latina e Caribe preparam revisão da Conferência da ONU contra o racismo. Disponível em: www.brasilia.unesco.org. Acesso em: 8/8/2009. 17 MOEHLECKE, Sabrina. Ação afirmativa: história e debates no Brasil. Cadernos de Pesquisa. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, nov. 2003 (versão online). 18 A data refere-se ao assassinato de Zumbi, líder do maior grupo de escravos negros fugidos que a história das Américas registrou. Foram cerca de 30 mil, que se mantiveram durante mais de 100 anos no chamado Quilombo de Palmares no Brasil.
6 anuais para negros e pardos. Segundo o Prof. José Jorge de Carvalho, da Universidade de Brasília, em 7 anos, mais jovens negros entraram em universidades públicas do que nos 20 anos anteriores. Somente em 2009 foram mais 50 mil universitários negros incorporados à educação superior pelo PROUNI, o que representou um acréscimo de 5% no sistema. 19 A implementação de ações afirmativas e, especialmente, a política do estabelecimento de cotas, vieram acompanhadas de muita polêmica, inclusive nos meios acadêmicos e universitários. Um dos principais argumentos utilizados era a sua inconstitucionalidade, levando juristas a repetirem debates já ocorridos em outras partes do mundo, inclusive nos EUA, questionando se ações afirmativas caracterizariam a garantia de um direito ou o estabelecimento de um privilégio. O caso brasileiro, considerando-se a Constituição de 1988, teve diferentes interpretações. Os que defendem as ações afirmativas fundamentam-se no entendimento de que, para além da igualdade formal, a Magna Carta estabeleceu no seu texto a possibilidade do tratamento desigual para pessoas ou segmentos historicamente prejudicados nos exercícios de seus direitos fundamentais. 20 Até porque a própria Constituição estabeleceu a proteção do mercado de trabalho para a mulher através de incentivos específicos e a reserva de percentual de empregos públicos para pessoas portadoras de deficiências. 21 Anteriormente, a legislação eleitoral brasileira já havia estabelecido uma cota mínima de 30% de mulheres para as candidaturas de todos os partidos políticos. Um dos argumentos dos que criticam a sua adoção é que as ações afirmativas desconsideram a ideia do mérito individual, favorecendo um grupo em detrimento de outro, o que também contribuiria para a inferiorização do grupo supostamente beneficiado, incapaz de vencer por si mesmo. Os principais opositores insistem que a questão das cotas não pode se restringir à questão racial, mas deve se ampliar para um problema de caráter socioeconômico, que abrangeria uma problemática ainda maior no Brasil. Seu principal argumento é a defesa em torno de políticas universalistas que gerassem maiores oportunidades e qualidade na educação básica oferecida e na expansão da educação superior. Por trás desse argumento se fixa a lógica de que, ao se beneficiar a população mais pobre, necessariamente estariam sendo beneficiados também os negros que seriam o maior percentual desse universo. Lideranças 19 José Jorge de Carvalho é professor da Universidade de Brasília, onde participou da elaboração dos parâmetros do sistema de cotas da UnB, o pioneiro do país. O docente também coordena o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT). Entrevista ao site http://educacao.uol.com.br. Acesso em: 4/7/2010. 20 MARTINS, Sérgio. In: MOEHLECKE, Sabrina. Ação afirmativa: história e debates no Brasil. Cadernos de Pesquisa. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, nov.2003 (versão online). 21 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Título II - Dos direitos e Garantias Fundamentais, capítulo II - Dos Direitos Sociais, artigo 7º e Título III - Da Organização do Estado, capítulo VII - Da Administração Pública, Art. 37.
7 negras rebatem o argumento indicando que ele reforça ainda mais a vinculação entre negro e pobreza. Neste contexto, o estigma atua reforçando uma ciranda perversa na qual a existência da pobreza surge como parte constitutiva e natural de nossa realidade, especialmente quando sua cor é negra [...] pobreza se enfrenta com um conjunto amplo de políticas de cunho universalista, tendo como pano de fundo o crescimento econômico e a distribuição mais equânime da riqueza. Racismo, preconceito e discriminação devem ser enfrentados com outro conjunto de políticas e ações. Conjunto esse que, infelizmente, ainda está por se consolidar. 22 O Estatuto da Igualdade Racial, aprovado em 20 de julho de 2010, é um documento amplamente negociado por políticos, governo e movimentos populares, que acabou por decepcionar a grande maioria dos movimentos negros organizados. A ele não se incorporaram as políticas públicas de saúde específicas para o negro, inicialmente previstas, e nem a garantia de cotas no serviço público, partidos políticos e universidades, amplamente debatida, mas o governo defende o Estatuto, com seus 65 artigos, como uma nova ordem de direitos para os negros brasileiros. Ao sancioná-lo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou que a democracia brasileira parece mais justa e representativa com a entrada em vigor do Estatuto da Igualdade Racial. Estamos todos um pouco mais negros, um pouco mais brancos e um pouco mais iguais. 23 A Universidade Federal da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), também criada em 20 de julho de 2010, é uma instituição pública concebida para atender as demandas dos integrantes da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Seus campi estão instalados em Acarape e Redenção (Ceará), esta última a cidade que pioneiramente aboliu a escravatura em 1883, e terão capacidade para atender cinco mil alunos, sendo metade deles originários de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. A outra metade é reservada para alunos brasileiros. Segundo Paulo Speller, reitor da UNILAB, o projeto prevê o desenvolvimento de ações conjuntas com outras instituições sociais e comunitárias que se destacam na integração étnico-racial e na cooperação com países africanos e asiáticos, entre as quais a Faculdade Zumbi dos Palmares ocupa lugar de destaque. 24 Em seu primeiro vestibular, em 2011, a 22 THEODORO, Mario. A guisa de conclusão: o difícil debate da questão racial e das políticas públicas de combate à desigualdade e à discriminação racial no Brasil. In: THEODORO, Mário (org.). As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil 120 anos após a abolição. Brasília: IPEA, 2008. 23 Lula diz que democracia fica mais justa com Estatuto. Agência Brasil de Notícias. Acesso em: 21/7/2010. 24 SPELLER, Paulo. A universidade Afro-Brasileira e a ousadia na integração internacional. Afirmativa Plural, Ano 6, nº 31, 2009. p. 36-37.
8 UNILAB ofereceu 360 vagas, igualmente divididas para brasileiros e estrangeiros e distribuídas em seis cursos. Houve três mil estudantes brasileiros inscritos e as aulas se iniciaram em março daquele ano. 25 Em 26 de abril de 2012 o Supremo Tribunal Federal decidiu, por unanimidade, que as cotas raciais nas universidades são constitucionais. Naquela data, segundo a Advocacia Geral da União, 13 universidades brasileiras já possuíam políticas de cotas raciais e outras 20 combinavam o critério de raça com a questão social para fazer a seleção dos candidatos. 26 A Igreja Metodista compromisso com os excluídos 27 A questão do racismo só recebeu das igrejas evangélicas brasileiras espaço específico de atuação e preocupação a partir dos anos 1980. A Igreja Metodista, entretanto, sempre apresentou como uma de suas marcas de fé o comprometimento com a justiça social, a defesa e promoção social dos mais fracos e oprimidos vistos como vítimas da estrutura socioeconômica. Também prega a tolerância e respeito às diferentes culturas e religiões. O Credo Social da Igreja Metodista, já com mais de cem anos, estabelece de maneira mais ampla: A Igreja Metodista não só deplora os problemas sociais que aniquilam as comunidades e os valores humanos, mas orienta a seus membros [...] a propugnar por mudanças estruturais da sociedade que permitam a desmarginalização social dos indivíduos, grupos e das populações [...] Em 1982 a Igreja Metodista aprovou um documento referencial para seu posicionamento, denominado Plano para a vida e missão da Igreja (PVMI) e que em 2012 completa 30 anos. Nele, ao expor a herança wesleyana, é feita menção ao compromisso permanente metodista com os aspectos sociais que envolvem o ser humano: De modo especial, os metodistas se preocupam com a situação de penúria e miséria dos pobres. Como Wesley, combatem tenazmente os problemas sociais que oprimem os povos e as sociedades onde Deus os tem colocado, denunciando as causas sociais, políticas, econômicas e morais que determinam a miséria e a 25 UNILAB: número de brasileiros inscritos no processo seletivo supera expectativas. Disponível em: http://www.unilab.edu. br/noticias/2011/02/01/unilab-numero-de-brasileiros-inscritos-no-processo-seletivosupera-expectativas. Acesso em: 25/6/2012. 26 STF decide, por unanimidade, pela constitucionalidade das cotas raciais. Publicado em 26/4/2012. Disponível em: http://g1. globo.com/vestibular-e-educacao/noticia/2012/04/stf-decide-por-unanimidade-pelaconstitucionalidade-das-cotas-raciais.html 27 Esse item do artigo contou com a contribuição de Diná da Silva Branchini Coordenadora do Ministério de Ações Afirmativas Afrodescendentes da 3ª Região Eclesiástica da Igreja Metodista - São Paulo.
[...]. 29 Em 1985 a Igreja criou a Comissão Nacional de Combate ao Racismo, a partir do I 9 exploração e anunciando a libertação que o Evangelho de Jesus Cristo oferece às vítimas de opressão. Reforçando sua preocupação social e de inclusão, o PVMI define como missão da Igreja atuar em qualquer situação onde a opressão e morte negaram a realidade da vida com a qual Deus se compromete desde o começo do mundo; as estruturas sociais que se tornaram obsoletas e desumanizantes, opressoras e injustas. Nesse contexto surge, então, uma menção específica ao negro, indicando como meios de atuação, entre outras, criar estruturas e instrumentos que visem ao desenvolvimento da consciência nacional para promoção dos discriminados e marginalizados: o negro, o índio, a mulher, o idoso, o menor, deficientes, aposentados e outros. 28 O documento Diretrizes para a educação na Igreja Metodista, também aprovado em 1982, deteve-se no tema ao indicar que o racismo é um mal social que merece atenção de toda ação educativa: Toda a ação educativa da Igreja deverá proporcionar aos participantes condições para que se libertem das injustiças e males sociais que se manifestem na organização da sociedade, tais como: [...] o racismo [...] a usurpação dos direitos do índio Encontro Nacional Negro Metodista, realizado no Rio de Janeiro, com apoio financeiro da Junta de Mulheres Metodistas dos Estados Unidos e do Programa de Combate ao Racismo do Conselho Mundial de Igrejas. Houve a participação de 42 metodistas negros vindos de várias partes do país. 30 Seu objetivo era identificar as posturas racistas dentro da própria Igreja, como na hinologia e literatura adotadas na escola dominical, e promover lideranças para atuar em programas de inclusão e diversidade. Da Comissão Nacional de Combate ao Racismo resultaram as versões regionais, existindo atualmente pastorais em várias regiões. Na 3ª Região Eclesiástica foi instituído o Ministério de Ações Afirmativas Afrodescendentes desde 2005, voltado para a sensibilização das igrejas em relação ao racismo, preconceitos e discriminação raciais e também para o resgate do valor cultural afro-brasileiro, a auto-estima étnico-racial e a releitura bíblica a partir da presença africana. Esses movimentos também geraram grupos atuantes fora do território metodista na década de 1980 do século passado, sob as lideranças negras evangélicas e católicas, 28 IGREJA METODISTA. Vida e Missão. 3 ed. Piracicaba: Ed. UNIMEP, 1983, p.xx,xxi,xxii. (Plano para a vida e missão da Igreja, aprovado pelo 13º Concílio Geral da Igreja Metodista em julho de 1982). 29 IGREJA METODISTA. Vida e Missão. 3 ed. Piracicaba: Ed. UNIMEP, 1983. p.xiv. (Diretrizes para a educação na Igreja Metodista, aprovado pelo 13º Concílio Geral da Igreja Metodista em julho de 1982). 30 Entrevista com Antonio Olympio de Sant Anna, parcialmente reproduzida no jornal Expositor Cristão em maio de 2009. Disponível em: www.metodista.org.br/index.jsp?conteudo8479. Acesso em: 10/8/2009.
10 facilitando o surgimento de uma movimentação ecumênica em torno do tema. No Rio de Janeiro, com o apoio do Instituto Superior do Estudo das Religiões (ISER), 16 afrodescendentes metodistas, batistas e católicos organizam um grupo de trabalho objetivando produzir uma Teologia Negra de Libertação, a partir do trabalho dos líderes populares. 31 Em 1986 foi criada a Comissão Ecumênica Nacional de Combate ao Racismo (CENACORA) reunindo representantes das igrejas que então compunham o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil - Metodista, Episcopal, Evangélica de Confissão Luterana, Presbiteriana Unida, Católica. Uniram-se, ainda, ao órgão recém-criado, a Igreja Católica Ortodoxa Siriana e a Igreja Evangélica Luterana. Em São Paulo surgiu, em 1988, o Coral Resistência Negra, que nasceu da proposta de uma mulher metodista, Benedita de Oliveira, e do valioso comprometimento do Maestro Moisés da Rocha, também metodista. Esse grupo, cuja proposta é promover discussões e denunciar o preconceito, inicialmente foi acolhido na Igreja Metodista da Luz. Hoje é um grupo ecumênico e independente. No Rio Grande do Sul, a Organização não Governamental (ONG) Centro Ecumênico de Cultura Negra começou em 1987 nas dependências da Igreja Metodista de Porto Alegre. Atualmente tem como uma de suas ações a viabilização de cotas raciais, através de convênio com o Instituto Porto Alegre da Igreja Metodista (IPA), que possibilita bolsa integral de estudo para o acesso de pessoas negras à Universidade. 32 Também, foram criados Fóruns Permanentes de Mulheres Negras Cristãs no Rio de Janeiro e São Paulo em 2000, por iniciativa da CENACORA, tendo na liderança mulheres negras metodistas. No Rio de Janeiro estas mulheres têm participado de movimentos políticos e busca de direitos das mulheres contra o sexismo e o racismo. Em 2005, durante a Consulta Nacional da Igreja Metodista sobre Racismo, várias conclusões foram formalizadas e encaminhadas a órgãos diretivos nacionais metodistas. Entre elas destaca-se a que afirma: que a Igreja Metodista assuma uma postura pública contra o racismo e a favor das ações afirmativas e inclusivas e em relação aos afrodescendentes e outros grupos minoritários, que a questão raça e etnia sejam abordadas em todos os encontros e eventos promovidos pelas igrejas e instituições metodistas, de maneira a promoverem desmistificação da igualdade racial e a explicitação das manifestações de racismo, que seja criado um fórum para acolher e tratar os casos de racismo na 31 SANTOS, Frei David Raimundo. As religiões são importantes para os afrodescendentes. Disponível em: http://latinoamericana.org/textos/portugues/dossantos.htm. Acesso em: 16/8/2009. 32 Disponível em: http://www.cecune.org.br/educacao.html. Acesso em: 28/8/2009
11 Igreja, que se inclua no Código de Ética da Igreja estrutura de justiça eclesiástica que garanta sanções em casos de posturas e atitudes racistas. 33 Segundo o bispo Luiz Vergílio, 34 o 16º Concílio Geral da Igreja Metodista, realizado em 1997, aprovou, por proposta da Comissão Nacional de Combate ao Racismo e à Discriminação, uma política de cotas para negros e negras em nossas escolas, como resgate de uma dívida histórica e a favor da formação de lideranças sociais. No entanto, até hoje a proposta conciliar não vigora formalmente nas instituições da Igreja. Foi nesse mesmo Concílio que o bispo Adriel de Souza Maia, então presidente do Colégio Episcopal, também distinguiu a questão dos negros de forma clara na mensagem distribuída à nação brasileira ao final do encontro: Não é possível transpor o término destes cinco séculos sem nos darmos conta das dívidas sociais que contraímos para com os povos que aqui viviam. Eles foram dizimados ou reduzidos em número e cultura a meros espectros [...] temos dívidas para com aqueles que foram trazidos para esta terra na humilhante condição de escravos. Há que confessar este nosso débito assumido por toda a sociedade, inclusive as igrejas. 35 Em 2006 encontros regionais caminharam na mesma direção, aprovando outros documentos que expressam reivindicações e anseios de grupos de pessoas negras metodistas em relação à inclusão cultural e valorização da negritude no meio metodista, como a inclusão da temática racial dentro da programação das igrejas e dos currículos educacionais das instituições metodistas; programas de inclusão de negros na educação; mapeamento dos negros metodistas; elaboração de uma Carta Pastoral que aponte as diretrizes da Igreja Metodista em relação à questão racial. O Colégio Episcopal assumiu a prioridade de elaborar essa manifestação em forma de Carta Pastoral. Lideranças negras que hoje atuam na própria Igreja entendem, entretanto, que a temática da desigualdade sócio-racial, o racismo e seus desdobramentos - preconceito de cor e discriminação racial - ainda estão em processo de assimilação dentro da Igreja Metodista brasileira. Entretanto, de maneira pessoal, ao longo dos últimos anos, bispos metodistas, inclusive afrodescendentes como o bispo Luiz Vergílio, têm se manifestado sobre o tema, escrevendo sobre a questão das ações afirmativas: 33 IGREJA METODISTA. Recomendações à Igreja Metodista. Consulta Nacional sobre Racismo. São Paulo, SP, 29/4 a 01/5/2005. 34 ROSA, Luiz Vergílio Batista. Igreja, Ações Afirmativas e Políticas de cidadania. In: Identidade. Boletim do Grupo de Negr@s da EST/IECLB, v. 09, janeiro-junho 2006. 35 IGREJA METODISTA. Plano Nacional: Ênfases e Diretrizes & Mensagem da Igreja Metodista à Nação. 16º Concílio Geral. Biblioteca Vida e Missão/Documentos, nº 4, 1997.