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Transcrição:

Clederson Cristiano dos Santos* Marcelo Loeblein dos Santos**c O direito sucessório do companheiro: uma análise acerca da inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil Resumo: Este artigo aborda o direito sucessório do companheiro e do cônjuge sobreviventes no ordenamento jurídico brasileiro. Tem como principal objetivo analisar os critérios observados na sucessão do companheiro na união estável, avaliando a posição do sobrevivente como condição de herdeiro necessário, além da situação em que o companheiro sobrevivente concorre com descendentes comuns e exclusivos do falecido de forma a esclarecer o instituto da união estável de acordo com os ditames da Constituição da República e do atual Código Civil. A partir desse exame é que se passa a delinear especificadamente a situação sucessória do cônjuge e do companheiro no ordenamento jurídico brasileiro, tratando de verificar se as disposições do Código Civil de 2002, que tratam de forma diversa a sucessão do companheiro em relação à do cônjuge, estão em conformidade com a Constituição Federal de 1988. Palavras-chave: União estável. Sucessão. Cônjuge. Companheiro. The succession law companion: a review about the unconstitutionality of article 1790 of the Civil Code Abstract: This article boards the right successor of the surviving companion and of the spouse in the legal Brazilian ordainment. It has like principal objective analyses the criteria observed in the succession of the companion in the stable union, valuing to position of the survivor like condition of necessary heir, besides the situation in that the surviving companion competes with common and exclusive descendants of the died one of form to explain the institute of the stable union in accordance with the dictates of the Constitution of the Republic and of the current Civil Code. It is from this examination that it goes on outlining specific the situation successor of the spouse and of the companion in the legal Brazilian ordainment, negotiating of checking if the arrangements of the Civil Code of 2002, that treat the succession of the companion as a different form regarding that of the spouse, are in accordance with the Federal Constitution of 1988. Keywords: Stable union. Succession. Spouse. Companion. * Graduado em Direito Pela FAI Faculdades de Itapiranga SC. E-mail: cleder.md@hotmail.com. ** Graduado em Letras e Direito pela Unijuí. Mestre em Direito pela UCS. Professor do Curso de Graduação em Direito da Unijuí. E-mail: marceloloeblein@yahoo.com.br. Revista do Curso de Direito da FSG Caxias do Sul ano 6 n. 12 jul./dez. 2012 p. 69-82

Introdução Antes da Constituição Federal de 1988, as uniões informais entre homem e mulher não eram reconhecidas pela legislação vigente, sendo definida pela doutrina e jurisprudência como concubinato, porém sem o status de entidade familiar. Com a promulgação da Carta maior, especificamente no seu artigo 226, parágrafo 3º, ocorreu o reconhecimento da união estável como entidade familiar, surgindo, assim, por consequência, direitos e deveres entre os conviventes, e entre os eles, o direito sucessório. No ano de 1994, foi criada a Lei 8.971, que dispôs sobre a sucessão dos conviventes. Após dois anos, surgiu a Lei 9.278/1996, que atribuiu direitos e obrigações aos companheiros, semelhantes àqueles casados pelo regime de comunhão parcial de bens regulando o art. 226, parágrafo 3º, da Constituição Federal. Em 2002 houve a promulgação do novo Código Civil, que veio na contra mão do que a doutrina e a jurisprudência vinham preceituando, deixando os conviventes supérstites numa condição muito inferior aos cônjuges sobreviventes, criando, assim, inúmeras discussões sobre a aplicação do artigo 1.790, único preceito legal que dispõe sobre o direito sucessório dos companheiros. Portanto, o estudo que se pretende desenvolver tem por fundamento os aspectos gerais da união estável, seu efetivo reconhecimento como entidade familiar perante a sociedade, além de colocá-la a salvo de toda forma de discriminação em relação a outras entidades familiares. 1 O direito sucessório na união estável O direito sucessório dos companheiros foi, por muito tempo, disciplinado pelas súmulas 35, 380 e 382 do Supremo Tribunal Federal. Sobre as referidas súmulas: a) Súmula 382: a vida em comum sob o mesmo teto, more uxório, não é indispensável à caracterização do concubinato. b) Súmula 35: em caso de acidente de trabalho ou de transporte, a concubina tem direito de ser indenizada pela morte do amásio, se entre eles não havia impedimento para o matrimônio. c) Súmula 380: comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum. 1 1 WALD, Arnoldo. O novo Direito de Família. Curso de Direito Civil Brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 239. 70 Revista do Curso de Direito da FSG ano 6, n. 12, jul./dez. 2012

Posteriormente, com a Constituição Federal de 1988, o legislador tratou da devida proteção estatal das uniões estáveis, equiparando-as às famílias matrimonializadas, solucionando os problemas sociais da época. Com a vigência das Leis 8.971/94 e 9.278/96, também houve regulamentação da matéria. Não resta duvidas que de que o companheiro já obteve direito adquirido, tendo em vista que a matéria foi regulamentada por diversos dispositivos legais. Anteriormente à Lei 8.971/94, o ordenamento Civil não havia regulado qualquer tipo de direito sucessório aos conviventes, regulando-se a participação nos bens pela Súmula 380 do Superior Tribunal Federal, referindo- -se ao direito sucessório dos companheiros da seguinte forma: [...] comprovada a existência da sociedade de fato entre os concubinos, é cabível sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum. Regulamentando a regra constitucional, a Lei 8.971, de 29 de dezembro de 1994, concedeu ao companheiro sobrevivente o direito à herança dos bens deixados pelo falecido. A existência da união estável colocou o companheiro sob a égide da referida lei, na ordem da sucessão dos herdeiros antes dos colaterais. Antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002, as regras sucessórias eram aplicadas, conforme as leis 8.971/94 e 9.278/96, da seguinte ordem, primeiramente no artigo 2º, incisos I, II e III, da Lei 8.971/94: (a) havendo filhos do falecido ou comuns, o companheiro sobrevivente teria direito a ¼ (um quarto) dos bens do de cujus; enquanto não constituísse nova união; (b) não havendo filhos do autor da herança, mas apenas ascendentes, o companheiro sobrevivente teria direito ao usufruto da metade dos bens do autor da herança; (c) o companheiro sobrevivente teria direito à totalidade da herança, na falta de ascendentes e descentes; (d) sem prejuízo de participação na herança, teria ainda direito real de habitação em relação ao imóvel destinado à residência da família, enquanto vivesse ou não constituísse nova união ou casamento, regra esta, disposta no artigo 7º, único da Lei 9.278/96. No entanto, a Lei 10.406/02, atual Código Civil, tenha feito alterações em matéria de Direito das Sucessões dos companheiros, as inovações não atenderam o princípio da igualdade, afinal, o novo texto trazido pelo Código Civil possui contradições, de modo que, ao mesmo tempo em que diz que a união estável reger-se-á pelo regime de comunhão parcial, concede direitos diferenciados aos casados e aos conviventes em matéria de direitos sucessórios. Clederson Cristiano dos Santos e Marcelo Loeblein dos Santos O direito sucessório do companheiro 71

Tratou o legislador de toda a matéria sucessória do companheiro em um único artigo, o qual seja o artigo 1.790, que além de não fazer relação aos companheiros como herdeiros necessários, os quais foram elevados a essa qualidade os cônjuges pelo artigo 1.845, ao lado dos ascendentes e descendentes, o novo Código Civil não previu direito de usufruto sobre a herança, nem direito real de habitação sobre o imóvel da família, de modo que o companheiro só terá direito a herança dos bens adquiridos na constância da união estável e a título oneroso. Certo é que o regime de bens aplicado aos companheiros no momento da separação é o regime da Comunhão Parcial de Bens como indica o artigo 1.725 do Código Civil de 2002: Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens, sendo as regras aplicadas na separação dos companheiros idênticas as da separação do casamento sob o regime de comunhão parcial. Com isso, cabe o seguinte questionamento; se os conviventes, no momento da separação, são amparados pela lei e tratados de forma idêntica aos cônjuges sob o regime de comunhão parcial de bens, por que motivo no momento da dissolução da união, pela morte de um dos conviventes, são tratados de maneira distinta às regras sucessórias dos cônjuges? Sendo que o regime aplicado às uniões estáveis, como taxativamente trata o artigo 1.725 do Código Civil, salvo contrato estipulado entre as parte, é o regime de comunhão parcial de bens? Eis aqui o desrespeito aos conviventes, também, o fundamento que dá respaldo para que seja declarado inconstitucional o artigo 1.790 do Código Civil de 2002, que difere a sucessão do companheiro à do cônjuge, de modo a desrespeitar os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, assunto que será tratado nos itens seguintes. 2 A (in)constitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil O tratamento diferenciado em relação ao direito sucessório do companheiro ao cônjuge tem levantado grande discussão jurídica acerca da constitucionalidade ou não do artigo 1.790 do ordenamento civil. Dantas Júnior (2005) é um destes que defendem a inconstitucionalidade do referido artigo, entendendo que a determinação constitucional de que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento não indica uma hierarquia entre as entidades familiares. 72 Revista do Curso de Direito da FSG ano 6, n. 12, jul./dez. 2012

Com isso, Cintra (2007, p. 342) propõe que a real intensão do constituinte foi igualar a proteção e os direitos dos membros dessas entidades familiares. Isto é, os papéis exercidos pelo cônjuge e pelo companheiro dentro de cada entidade familiar são os mesmos, portanto, ocupam posições equiparadas. O que em outras palavras, demonstra que não pode haver distinção entre os direitos dos cônjuges e dos companheiros no momento de suceder, sob pena de violação de direitos fundamentais, inclusive, violação aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Cabe demonstrar que a jurisprudência do Estado do Rio Grande do Sul já decidiu neste sentido, afastando a aplicação das normas do Código Civil de 2002 e aplicando o contido no texto constitucional, veja-se: Agravo de instrumento. Companheiro sobrevivente. Direito à totalidade da herança. Parentes colaterais. Exclusão dos irmãos da sucessão. Inaplicabilidade do art. 1790, inc. III, do CC/02. Incidente de inconstitucionalidade. Art. 480 do CPC. Não se aplica a regra contida no art. 1790, inc. III, do CC/02, por afronta aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e de igualdade, já que o art. 226, 3º, da CF, deu tratamento paritário ao instituto da união estável em relação ao casamento. Assim, devem ser excluídos da sucessão os parentes colaterais, tendo o companheiro o direito à totalidade da herança. Incidente de inconstitucionalidade arguido, de ofício, na forma do art. 480 do CPC. Incidente rejeitado, por maioria. Recurso desprovido, por maioria (RIO GRANDE DO SUL, 2007). No mesmo sentido extrai-se da jurisprudência do Estado do Paraná: Administrativo. Militar. Pensão. União estável. União estável equiparada ao casamento para todos os efeitos. Desde a Constituição Federal de 1988, a união estável foi equiparada ao casamento para todos os efeitos e, portanto, cônjuge e companheira merecem tratamento idêntico, não devendo esta última ser discriminada em relação à ex-mulher (PARANÁ, 2005). Como se percebe, a discussão acerca da sucessão na união estável não se restringe somente à situação do regime de bens, se trata de direito de dignidade e igualdade para com os companheiros que ao lado de seus afetos, constroem laços de segurança, respeito e amor uns com os outros, edificados sob fortes pilares os quais suportam problemas de determinada família no decurso de sua jornada, para que ao final da vida toda essa estrutura seja desmontada pelo preconceito da justiça para com aqueles que coexistem sob o regime da união estável, veja-se: A partir do momento em que a união estável foi elevada à condição de entidade familiar, merecedora de tratamento igualitário em relação àquela decorrente do casamento tradicional, torna-se indispensável o reconhecimento em seu âmbito da existência de um regime de bens. Trata-se de consequência lógica da isonomia que Clederson Cristiano dos Santos e Marcelo Loeblein dos Santos O direito sucessório do companheiro 73

a Constituição estabeleceu entre o concubinato estável e o casamento, que deve ser interpretada sem restrições. Não se pode, razoavelmente, admitir uma entidade familiar desprotegida, e a tanto significaria aquela em que seus partícipes não soubessem qual o destino dos bens na hipótese de dissolução. 2 Importa ainda ressaltar que parte da jurisprudência tem aplicado a norma constitucional justamente nesse sentido de igualar casamento e união estável para fins de importância perante o Estado. 3 Tal anotação enfatiza, de maneira mais plena, a igualdade entre companheiros e cônjuges, representando o outro lado da doutrina que defende a igualdade entre ambos, devendo ser interpretada sem restrições, isso significa automaticamente, direitos iguais entre os companheiros e os cônjuges também no momento de suceder. O que se pode observar com o contido no artigo 1.790 do Código Civil é que, além de inconstitucional, afrontar os princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana, de modo que o princípio da igualdade está previsto no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, que dispõe: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, a segurança e a propriedade, [...], e o princípio da dignidade da pessoa humana, inserido no artigo 1º, inciso III, da Constituição federal de 1988, é o princípio mais importante da Carta Magna, afinal a dignidade da pessoa humana é considerada o principal direito fundamental constitucionalmente garantido, servindo de fundamento e meio de interpretação para todos os outros direitos amparados por nossa lei maior, a Constituição. 4 Com isso, a real interpretação deste princípio leva à concretização de valores superiores, direitos e garantias fundamentais, inalienáveis e irrenunciáveis por qualquer ser humano. E, por se tratar de princípio ético, de inquestionável inafastabilidade, é vinculante dos poderes estatais e qualquer norma constitucional ou infraconstitucional que lhe contraria sofra inegável ilegitimidade e deve ser afastada de plano do ordenamento jurídico. 2 OLIVEIRA, Basílio de. Direito alimentar e sucessório entre companheiros. Rio de Janeiro: Destaque, 1997. p. 108. 3 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do Direito de Família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 180. 4 CINTRA, Larissa Cavalcanti. A inconstitucionalidade da sucessão do companheiro no Código Civil de 2002: proposta de compatibilidade com a legalidade constitucional. In: FARIAS, Cristiano Chaves de (Coord.). Leituras complementares de Direito Civil: o Direito Civil- -Constitucional em concreto. Salvador: Jus Podivm, 2007. p. 335-371. 74 Revista do Curso de Direito da FSG ano 6, n. 12, jul./dez. 2012

Assim, os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade juntamente com os demais direitos fundamentais, representam conteúdos marcantes para a elaboração e constituição do Estado Democrático de Direito, exercendo, deste modo, papel indiscutível na política, justiça e democracia atuais. Sobre a importância da observação dos princípios constitucionais que envolvem os direitos fundamentais sob o foco dos direitos sucessórios do companheiro, veja-se: O direito das Sucessões deve especialmente servir para a proteção da família constituída pelo falecido, nos termos do art. 226, caput, da Constituição Federal e, assim, cumprir importante função imposta pelo legislador constituinte de viabilizar a maior segurança e justiça no âmbito das relações civis. A concorrência sucessória se afigura como importante instituto que propicia a concretização dos princípios da eticidade (sob o prisma da dignidade da pessoa humana daqueles que, autenticamente, mantiveram relações familiares com o falecido até o fim da existência deste); da socialidade (levando em conta o solidarismo social que enfeixa todas as relações jurídicas do sistema jurídico) e da operabilidade (diante da indispensabilidade de as normas jurídicas se tornarem mais próximas da realidade social, sem o distanciamento que tradicionalmente se verificou, especialmente sob a égide do Código Civil de 1916). 5 Como tudo no direito é discutível e normalmente não existe apenas uma corrente de entendimento, no tema a que se refere à inconstitucionalidade do artigo 1.790 não funciona de maneira diferente. Pode perceber que, ao menos na prática, pelo fato de ainda não ter sido declarado inconstitucional o contido no artigo 1.790 do Código Civil, muitos doutrinadores e juristas ainda defendem que o referido artigo não fere a Constituição Federal, muito embora, com as exigências da sociedade e, certamente, o direito sucessório do companheiro ainda terá espaço mais amplo no ordenamento civil de 2002, fazendo com que todas as discussões referentes ao assunto sejam, um dia, extintas. E, enquanto a discussão perdura, cabe ao poder judiciário decidir sobre tema, aplicando as normas conforme seu entendimento dentro de cada caso concreto. O tratamento diferenciado passa a ser ofensa aos princípios aqui referidos, já que a inegável desvantagem sucessória referida ao companheiro fere os dispositivos da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Fazendo com que, no próximo tópico, seja feito um comparativo entre os artigos 1.790 e 1.829 do Código Civil, pois referem-se, respectivamente, às regras de direito sucessório do companheiro e do cônjuge. 5 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Concorrência sucessória à luz dos princípios norteadores do Código Civil de 2002. Revista Brasileira de Direito de Família, ano 7, n. 29I, abr./ maio 2005, p. 24. Clederson Cristiano dos Santos e Marcelo Loeblein dos Santos O direito sucessório do companheiro 75

3 Comparativo entre os artigos 1.790 e 1.829 do Código Civil, que tratam do direito sucessório do companheiro e do cônjuge Em relação à concorrência entre o cônjuge e os descendentes do falecido é condicionada ao regime matrimonial de bens e, conforme estabelece o artigo 1.829, inciso I, do Código Civil, o cônjuge será excluído da sucessão se o regime de bens adotado for o da comunhão universal ou o da separação obrigatória, e, ainda, se for o da comunhão parcial, o cônjuge falecido não tiver deixado bens particulares. Assim, o cônjuge concorrerá com os descendentes quando tiver sido casado no regime da separação convencional, participação final dos aquestos e comunhão parcial de bens, sendo neste último, apenas em relação aos bens particulares. Concorrendo com os descendentes comuns ao casal o cônjuge terá uma quota igual aos que sucederem por cabeça, não podendo tal quota ser inferior a um quarto (1/4) da herança. Se concorrer com descendentes exclusivos do autor da herança, terá direito a uma quota igual a dos descendentes, contudo sem a reserva de um quatro (1/4) da herança. Já em relação à concorrência do cônjuge com os ascendentes, independe do regime de bens e ele concorrerá sob todos os bens deixados pelo de cujus. Terá uma quota igual a um terço (1/3) da herança se concorrer com ambos os ascendentes de 1º grau, isto é, o pai e a mãe, e a metade da herança se concorrer com apenas um ascendente de 1º grau, ou se o grau for maior. Inexistindo descendentes e ascendentes o cônjuge receberá a totalidade da herança, não existindo a previsão de concorrência com os colaterais, cabendo ainda ressaltar que foi atribuído o direito real de habitação para os cônjuges independente do regime de bens. Por outro lado, em relação ao direito sucessório do companheiro, o Código Civil de 2002 não o reconheceu como herdeiro necessário. O companheiro também foi excluído da ordem da vocação hereditária, sendo regulado no Capítulo I, Título I, do Livro V, da Parte Especial da sucessão em geral, ao invés de estar no Capítulo I, do Título II, da sucessão legítima. Com isso, Veloso (2006, p. 242) assevera que o art. 1.790 merece censura e crítica severa porque é deficiente e falho, em substância. Significa um retrocesso evidente, representa verdadeiro equívoco. O caput do artigo 1.790 restringe o direito sucessório do companheiro apenas aos bens adquiridos a título oneroso durante a união estável. O patrimônio adquirido pelo autor antes da união a título gratuito não faz parte 76 Revista do Curso de Direito da FSG ano 6, n. 12, jul./dez. 2012

do direito sucessório do companheiro. Haverá situações em que o companheiro sobrevivente nada receberá, pelo fato dessa restrição. Em relação à concorrência sucessória do convivente com os descendentes comuns, artigo 1.790, inciso I, do Código Civil, o companheiro terá direito a uma quota igual ao dos descendentes, sem a reserva legal de um quarto (1/4) que existe para o cônjuge. Na concorrência com descendentes exclusivos, de acordo com artigo 1.790, inciso II, ele terá direito a uma quota referente a apenas metade do que couber aos descendentes exclusivos, quando em situação igual o cônjuge terá direito a uma quota igual ao dos descendentes. O inciso III do referido artigo prevê a concorrência do companheiro com outros parentes sucessíveis, qual seja, os ascendentes e colaterais até o 4º grau, em que o companheiro terá direito à mesma quota, qual seja, de (1/3) um terço da herança, e, especificamente apenas dos bens adquiridos onerosamente durante a união estável, sendo evidente a desigualdade de tratamento para o companheiro, tendo em vista que o cônjuge afasta os parentes colaterais da sucessão e tem direito aos bens particulares do de cujos. E, por fim, o inciso IV do artigo 1.790 do ordenamento civil prevê a possibilidade do companheiro ter direito a totalidade da herança quando não sobrevier nem descendentes, ascendentes e colaterais. Observa-se que a totalidade da herança, a que se refere o inciso IV, inclui apenas os bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, menosprezando ainda mais o companheiro sobrevivente. Salienta-se que não é sobre toda a herança que trata o caput do artigo 1.790, pois, a matéria está presa, vinculada, e tem de ser compreendida diante do comando do caput do mencionado artigo. 6 Com isso, denota-se que todos os bens particulares, do de cujus, adquiridos fora da união estável, irão para os filhos ou pais deste, ou seja, aos descendentes e ascendentes, não tendo o companheiro sobrevivente nenhum direito a estes bens, somente aos bens adquiridos onerosamente na constância da união. Importante relatar que os bens particulares do falecido, (aqueles havidos fora da união estável) podem, na falta de herdeiros necessários, serem deferidos aos parentes até o quarto (4º) grau, em que os mais próximos excluem os mais remotos da herança, ou então na falta destes, os bens irão para o Município ou ao Distrito Federal, não tendo o companheiro nenhuma participação aos bens particulares do de cujus. 6 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: direito das sucessões. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 7. Clederson Cristiano dos Santos e Marcelo Loeblein dos Santos O direito sucessório do companheiro 77

Contudo, ao mesmo tempo em que se demonstra que o companheiro não terá direito à partilha dos bens particulares do falecido, autores se posicionam de maneira oposta ao disposto no caput do artigo 1.790, da seguinte forma: Não vejo razão alguma para que o companheiro sobrevivente concorra, e apenas com relação à parte da herança que for representada por bens adquiridos onerosamente durante a união estável, com os colaterais do de cujus. Nada justifica colocar-se o companheiro sobrevivente numa posição tão acanhada e bisonha na sucessão da pessoa com quem viveu pública, contínua e duradouramente, constituindo uma família, que merece tanto reconhecimento e apreço, e que é tão digna quanto a família fundada no casamento. 7 Para melhor compreender a situação em que ficarão os companheiros no momento da sucessão, pode-se citar, por exemplo, uma mulher que conviveu durante 15 anos com um homem, contínua e publicamente, com o intuito de constituir família, como se casados fossem, sem adquirir qualquer bem durante a união estável, esta nada irá herdar, pois os bens deixados pelo de cujus eram particulares, ou seja, anteriores a união estável. Assim, a companheira, no máximo terá direito real de habitação em ralação a casa em que o casal vivia, no caso de esta ser um bem particular do falecido. Deste modo, não se trata de prestigiar o casamento em detrimento da união estável, mas de tratar os dois institutos de maneira igual, frente aos dispositivos e aos princípios constitucionais já abordados ao longo deste estudo. Restringir a incidência do direito sucessório do companheiro sobrevivente aos bens adquiridos onerosamente pelo de cujus na vigência da união estável não tem nenhuma razão, não tem lógica alguma e quebra todo o sistema, podendo gerar consequências extremamente injustas: a companheira de muitos anos de um homem rico, que possuía vários bens na época em que iniciou o relacionamento afetivo, não herdará coisa alguma do companheiro se este não adquiriu outros bens durante o tempo da convivência. Ficará essa mulher, se for pobre, literalmente desamparada, mormente quando o falecido não cuidou de beneficiá-la em testamento. 8 Ainda há questionamentos acerca deste inciso IV, do art. 1.790, se a totalidade da herança restringe-se ao objeto do direito sucessório do companheiro ou a todos os bens do autor da herança. 7 Idem, p. 19. 8 VELOSO. Zeno. Do direito sucessório dos companheiros. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Direito de família e o novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 243. 78 Revista do Curso de Direito da FSG ano 6, n. 12, jul./dez. 2012

O correto consiste em considerar que é a totalidade da herança como todo o patrimônio do falecido, caso este não tenha deixado herdeiros necessários ou parentes até o quarto grau, pois o artigo 1.844 do Código Civil de 2002 estabelece que a herança só vá para o Estado nas hipóteses em que não sobrevier cônjuge, companheiro, nem parente algum sucessível. Salienta-se que não havendo parente sucessível, terá direito à totalidade do acervo hereditário, alusivo ao patrimônio obtido, de modo oneroso ou gratuito, durante a convivência, e até mesmo aos bens particulares do de cujus por força do disposto no art. 1.844 do Código Civil, 9 o que reforça o posicionamento de que o Estado só terá direito aos bens do de cujus se este não tiver nenhum parente sucessível, nem mesmo companheiro sobrevivo, pois caso o falecido tenha deixado somente o companheiro como herdeiro, este receberá sua meação em relação aos bens adquiridos onerosamente na constância da união e também receberá, na falta de herdeiros necessários e parentes até o quarto grau, os bens particulares do de cujus, como disposto no artigo 1.844 do Código Civil. O Código Civil de 2002, não fez menção quanto ao direito de habitação nem ao usufruto vital para os companheiros, direito adquirido anteriormente por meio das Leis 8.971/94 e 9.278/96, entende-se que continua vigente o parágrafo único do artigo 7º, da Lei 9278/96. Neste contexto, é perceptível que em quase todas as situações que o cônjuge é tratado de forma mais benéfica do que em relação ao companheiro. Portanto, está detectada a existência de dois institutos hereditários diferentes, pois um é relacionado às hipóteses de casamento, e o outro para os sujeitos da relação familiar advinda da união estável. Resta averiguar se estas desigualdades são compatíveis com os aspectos e valores assegurados pela Constituição Federal de 1988. A Carta Magna de 1988 admitiu a diversidade de entidades familiares protegendo-as e garantindo a sua legalidade. A preocupação em dar proteção legal à diversidade de entidades familiares demonstra a mudança da ótica valorativa constitucional e impede que se pretenda dar tratamento desigual a elas. 10 O fim social da norma constitucional foi a equiparação das uniões estáveis à condição de família com o intuito maior de salvaguardar e proteger os direitos daqueles que se encontram envolvidos neste tipo de relação, revelando o grande avanço em matéria constitucional no que diz respeito à ordem social, evidenciando 9 DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 1230. 10 TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. Clederson Cristiano dos Santos e Marcelo Loeblein dos Santos O direito sucessório do companheiro 79

a preocupação do legislador com as necessidades contemporâneas, com olhos postos no futuro, ciente de nossa realidade fática cambiante. 11 Deste modo, é inoportuno que o Código Civil tenha regredido no direito sucessório do companheiro, pois nas legislações anteriores (Leis 8.971/94 e 9.278/96), a união estável já recebia tratamento equiparado ao casamento. O correto seria cuidar, em igualdade de condições às pessoas cônjuges, da sucessão do companheiro. Tal conclusão decorre da constatação de que, desde o advento das Leis nº s 8.971/94 e 9.278/96, os companheiros e os cônjuges passaram a receber igual tratamento em matéria de Direito de Sucessões: ora como sucessores na propriedade, ora como titulares de usufruto legal, considerando que, por força de normas infraconstitucionais, desde 1996 existe tratamento igual na sucessão entre cônjuges e na sucessão entre companheiros, deveria ter sido mantido tal tratamento para dar efetividade ao comando constitucional contido no art. 226, caput, da Constituição Federal. 12 Percebe-se que a atual situação e proteção legal constitucional conferida à união estável torna injustificável o tratamento desigual que se está aplicando na sucessão do companheiro em relação à do cônjuge. Considerações finais A Constituição Federal de 1988 alterou o conceito de direito de família ao reconhecer em seu artigo 226 e parágrafos, o instituto da união estável e a família monoparental, além do casamento, que até então era a única forma de constituição de família legítima. Com isso, criou-se a defesa do pluralismo das entidades familiares em que o texto constitucional conferiu ampla proteção à família, independentemente da sua forma de constituição, dando proteção tanto àquela formada pelo casamento, quanto aquela formada pela união estável. Posteriormente, com a edição do Código Civil 2002, o legislador inovou em matéria relativa à sucessão do companheiro. Entretanto, as inovações não atenderam o princípio da igualdade, afinal, o novo texto trazido pelo Código Civil possui contradições, de modo que, ao mesmo tempo em que descreve que a união estável reger-se-á pelo regime de comunhão parcial, concede direitos diferenciados aos casados e aos conviventes em maté- 11 KRELL, Olga Jubert Gouveia. União estável: análise sociológica. Curitiba: Juruá, 2003. p. 84. 12 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Concorrência sucessória à luz dos princípios norteadores do Código Civil de 2002. Revista Brasileira de Direito de Família, ano 7, n. 29, abr./ maio 2005, p. 46. 80 Revista do Curso de Direito da FSG ano 6, n. 12, jul./dez. 2012

ria de direitos sucessórios, desrespeitando os princípios Constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Mesmo que o casamento e a união estável possuem formas diversas de constituição, o argumento de que o cônjuge teria maior vínculo afetivo com o de cujus não justifica o tratamento diferenciado na matéria sucessória, dando mais direitos sucessórios ao instituto do casamento do que em relação ao instituto da união estável, pois ambas possuem um elo forte de ligação que é o afeto, elemento considerado de extremo valor jurídico. O legislador determinou que a sucessão do companheiro se limitaria aos bens adquiridos onerosamente durante a vigência da união estável, sendo que o artigo 1.790 do Código Civil de 2002 reduziu a porção de direitos até então conquistados pelos companheiros por meio das Leis 8.971 de 1994 e 9.278 de 1996. Esta restrição está ausente da sucessão do cônjuge, o que comprova o preconceito existente. Portanto, entende-se que a inconstitucionalidade do referido artigo é a melhor solução ao problema que envolve o tema, pois a determinação afronta os princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana, de modo que o princípio da igualdade está previsto no artigo 5º da Constituição Federal de 1988 e o princípio da dignidade da pessoa humana, inserido no artigo 1º, inciso III, da Constituição federal de 1988, é o princípio mais importante da Carta Magna, considerado o principal direito fundamental constitucionalmente garantido, servindo de fundamento e meio de interpretação para todos os outros direitos amparados por nossa lei maior, a Constituição. Referências BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 2011.. Código Civil. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. CAHALI, Francisco José. Direito das sucessões. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e união estável: requisitos e efeitos pessoais. Barueri: Manole, 2004. CINTRA, Larissa Cavalcanti. A inconstitucionalidade da sucessão do companheiro no Código Civil de 2002: proposta de compatibilidade com a legalidade constitucional. In: FARIAS, Cristiano Chaves de (Coord.). Leituras complementares de Direito Civil: o Direito Civil-Constitucional em concreto. Salvador: Jus Podivm, 2007. p. 335-371. DANTAS JÚNIOR, Aldemiro Rezende. Concorrência sucessória do companheiro sobrevivo. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese, v. 7, n. 29, p. 128-144, abr./maio 2005. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: direito das sucessões. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. Clederson Cristiano dos Santos e Marcelo Loeblein dos Santos O direito sucessório do companheiro 81

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