COOPERAÇÃO DE DEFESA ENTRE OS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA E O BRASIL: construindo confiança em torno dos interesses nacionais



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Transcrição:

KEITH W. ANTHONY COOPERAÇÃO DE DEFESA ENTRE OS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA E O BRASIL: construindo confiança em torno dos interesses nacionais Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Orientador: CMG (FN-RM1) José Cimar Rodrigues Pinto. Rio de Janeiro

C2013 ESG 2013 Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitido a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG Assinatura do autor Biblioteca General Cordeiro de Farias Anthony, Keith. Cooperação de defesa entre os Estados Unidos da América e o Brasil: construindo confiança em torno dos interesses nacionais / Cel. Keith Wayne Anthony. Rio de Janeiro: ESG, 2013. 48 f. Orientador: CMG (FN-RM1) Rodrigues Pinto. Trabalho de Conclusão de Curso Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2013. 1. Geopolítica. 2. Relações internacionais. 3. Cooperação em segurança.

A todos da família que durante o meu período de formação contribuíram com ensinamentos e incentivos. A minha gratidão, em especial aos meus pais; minhas filhas Erin, Emily e Katerina; e a minha noiva Yasmin pela compreensão, como resposta aos momentos de minhas ausências e omissões, em dedicação às atividades da ESG.

AGRADECIMENTOS Reconheço e lamento os sacrifícios suportados pelas minhas filhas ao longo dos anos passados na minha vida militar. Aos meus professores de todas as épocas por terem sido responsáveis por parte considerável da minha formação e do meu aprendizado. Aos estagiários da melhor Turma do CAEPE Força Brasil pelo convívio harmonioso de todas as horas. Ao CMG (FN-RM1) Rodrigues Pinto pelos ensinamentos e orientações que me fizeram refletir, cada vez mais, sobre a importância de se estudar as perspectivas do Brasil no cenário internacional.

RESUMO O foco desta monografia é discutir como os atuais esforços de cooperação em segurança dos Estados Unidos da América (EUA) podem ser expandidos na sua finalidade de aumentar a parceria de defesa com o Brasil no século XXI. As relações bilaterais dos EUA com o Brasil evoluíram de uma aliança que teve seu principal desenvolvimento durante e imediatamente após a 2ª Guerra Mundial para um atual estado de ceticismo e dúvida. Apesar de o Brasil e os Estados Unidos terem insistido na intenção de manter os valores fundamentais e os interesses compartilhados daquela aliança, persistem certos mal entendidos e alguma desconfiança em ambos os lados, que servem como obstáculos para o estabelecimento de uma relação mais estreita. Compreende-se que o nível da cooperação no futuro vai depender de muitos fatores. Conforme o Secretário de Defesa dos EUA Leon Panetta afirmou ao visitar o Brasil em abril de 2012, "nós reconhecemos que os EUA e o Brasil não vão concordar em cada matéria. Não há dois países, nem mesmo os aliados mais próximos, que concordam sempre." Por isso, esta monografia procura destacar algumas áreas de interesses mútuos no setor da defesa que podem servir como uma base para a melhoria das relações bilaterais por meio da cooperação e colaboração, o que inclui uma análise de como os atuais esforços bilaterais podem ser expandidos, de forma a aprimorar a parceria de defesa entre os EUA e o Brasil. Nesse sentido, uma das principais recomendações deste estudo é que as iniciativas atuais para cooperação em defesa devem se concentrar na construção de maior confiança (através de acordos específicos de defesa e acordos de transferência de tecnologia, informação e programas de intercâmbio de pessoal e outras iniciativas militares), com o objetivo de apoiar as metas de segurança nacional, os objetivos e os interesses de ambos os países. Na abordagem deste estudo, a metodologia direcionou-se para a análise dos objetivos e interesses nacionais dentro das estratégias de defesa e segurança de ambas as nações, bem como para os documentos oficiais disponíveis, declarações políticas e observações de analistas políticos e da mídia. Palavras-chave: Geopolítica. Relações internacionais. Cooperação em segurança.

ABSTRACT The focus of this monograph is to discuss how current U.S. security cooperation efforts can be further expanded in the pursuit of enhancing defense partnership with Brazil for the twenty-first century. U.S. bilateral relations with Brazil have evolved from an alliance during and immediately after World War 2, to skepticism and doubt today. Although Brazil and the United States continue to maintain shared core values and interests, there exist certain misperceptions and a level of mistrust on both sides, which serve as obstacles in forging a closer relationship. The level of cooperation in the future will depend on many factors. As Defense Secretary Panetta smartly stated while visiting Brazil in April 2012, the United States recognizes that the US and Brazil will not agree on every matter. No two countries, not even the closest allies ever do. This monograph highlights the numerous areas of mutual interest in the defense sector that may serve as a foundation for improved bilateral relations through mutually beneficial cooperation and collaboration. It also includes an analysis on how current bilateral efforts can be expanded to improve the defense cooperation relationship between the U.S. and Brazil. One of the key recommendations of this study is that current approaches towards defense cooperation must focus on building increased trust (through specific defense technology agreements and accords, information and personnel exchange programs, and other defense initiatives), with the aim of supporting the national security goals, objectives and interests of both countries. The methodology for this study involved analyzing the national goals, objectives and interests in both nation s current security and defense strategies, as well as publicly available official documents, policy statements, and observations by political analysts and the media. Keywords: Geopolitics. International relations. Security cooperation.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ACD AGSIM BRICS CAEPE CDS CSNU DD END ENS ESG EUA FEB FMI PANO MRE ONU OTAN P&D TNP Acordo de Cooperação em Defesa (DCA, sigla em inglês) Acordo Geral de Segurança da Informação Militar (GSOMIA, sigla em inglês) Brasil, Índia, Rússia, China e África do Sul Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia Conselho de Defesa Sul-Americano Conselho de Segurança das Nações Unidas Departamento de Defesa (DOD, sigla em inglês) Estratégia Nacional de Defesa Estratégia de Segurança Nacional (EUA) Escola Superior de Guerra Estados Unidos da América Força Expedicionária Brasileira Fundo Monetário Internacional Principal Aliado não-otan (MNNA, sigla em inglês) Ministério de Relações Exteriores Organização das Nações Unidas Organização do Tratado do Atlântico Norte Pesquisa e Desenvolvimento Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares

SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO... 8 2. PANORAMA HISTÓRICO E CONTEMPORÂNEO GERAL... 14 3. INTERESSES EM UMA COOPERAÇÃO DE DEFESA MAIS PRÓXIMA... 23 3.1 OS INTERESSES DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA... 23 3.2 OS INTERESSES DO BRASIL... 27 4. AUMENTANDO A CONFIANÇA ENTRE OS DOIS GOVERNOS... 31 4.1 ESFORÇOS BILATERAIS... 32 4.2 O QUE OS EUA PODEM FAZER... 34 4.3 O QUE O BRASIL PODE FAZER... 37 5. UMA PARCERIA DE DEFESA PARA O SÉCULO XXI... 39 6. CONCLUSÃO... 43 REFERÊNCIAS... 47

8 1 INTRODUÇÃO O Brasil é uma potência global. O Brasil também é uma força positiva para a estabilidade, não só nas Américas, mas em todo o mundo. Nós pensamos que esta é uma oportunidade real. Os Estados Unidos, assim como outros países, estão enfrentando restrições orçamentárias, com relação ao futuro; acreditamos que a melhor maneira de abordar o futuro é desenvolver parcerias, alianças e relações com outros países para compartilhar: informações, assistência e capacidades. Dessa forma, podemos oferecer maior segurança para o futuro. Esse é o nosso objetivo, e eu acho que esse é o objetivo do Brasil também. (informação verbal). 1 Em abril de 2010, os Estados Unidos da América (EUA) e o Brasil assinaram um pacto histórico de defesa denominado Acordo de Cooperação de Defesa (ACD). Este foi o primeiro acordo bilateral desde que o acordo de cooperação de 1952 foi denunciado, em 1977, resultando em três décadas de uma menor cooperação militar e coordenação entre os dois países, como consequência de perspectivas ultrapassadas de alguns analistas e tomadores de decisões, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, tornando-se um dos maiores empecilhos para o progresso das relações entre os dois países. O Secretário de Defesa dos EUA, William Gates, e o Ministro de Defesa do Brasil, Nélson Jobim, naquela ocasião, ampliaram o alcance dos acordos ao acrescentar a cooperação relacionada com a defesa no campo da tecnologia, incluindo a pesquisa e o desenvolvimento, apoio logístico, segurança tecnológica, sistemas e equipamentos militares, aquisição de produtos de defesa e a partilha de experiências operacionais e tecnologia de defesa. 2 Os acordos também ajudaram a fomentar uma maior aproximação no intercâmbio em educação e formação militar. Em abril de 2012, o Presidente Barack Obama e a Presidente Dilma Rousseff aprofundaram os termos do acordo de 2010, estabelecendo o Diálogo de Cooperação em Defesa entre os Estados Unidos da América e o Brasil. Na ocasião, o Secretário de Defesa Leon Panetta, durante a sua reunião com o Ministro da Defesa do Brasil, Celso Amorim, comentou que o Acordo serve como um reconhecimento formal dos muitos 1 Discurso proferido durante a visita do Secretário de Defesa dos EUA, Leon Panetta, perante o Ministro da Defesa do Brasil, Nélson Jobim, em 12 de abril de 2010, em Brasília, Brasil. 2 DOWNES, Richard. Trust, engagement and technology transfer: underpinnings for U.S. Brazil defense cooperation. In: Strategic Forum, National Defense University, Aug 2012, p. 1.

9 interesses de segurança e valores compartilhados entre as duas economias mais robustas e as democracias mais populosas das Américas". A partir da efetivação daqueles acordos, tem ocorrido maior realização de exercícios militares bilaterais e regionais entre os dois países; o Departamento de Defesa dos EUA tem recebido um maior número de pedidos para participar em exercícios militares brasileiros e, também, mais convites para a participação de alunos nas escolas militares do Brasil. (informação verbal). 3 Ao mesmo tempo, os Estados Unidos reconhecem e apoiam as pretensões do Brasil em alcançar maior liderança global e acreditam que tal desiderato necessita de uma maior cooperação em defesa. Tal posicionamento, por parte dos EUA, advém, entre outras razões, pela constatação dos benefícios de uma relação mais cooperativa com o Brasil, conforme ficou evidenciado por ocasião do pedido do Presidente George W. Bush ao Presidente Luís Inácio Lula da Silva para que o Brasil assumisse a missão de estabilização da República do Haiti, cuja crise política permanente ameaçava o próprio interesse nacional dos EUA no Caribe, entre outras razões, devido à ameaça de deslocamento em massa de refugiados para o seu território; e durante a resposta ao terremoto no Haiti, em janeiro de 2010, quando milhares de soldados norte-americanos e brasileiros ombrearam juntos, proporcionando ajuda para o povo haitiano. Foi a maior cooperação militar entre os EUA e o Brasil desde a 2ª Guerra Mundial. Observa-se, assim, que há várias maneiras de fortalecer as relações em defesa entre os EUA e o Brasil. Por exemplo: com o estabelecimento de mecanismos bilaterais de consulta sobre questões de segurança regionais e globais, como parceiros iguais; e pelo fortalecimento dos laços pessoais e institucionais em matéria de defesa, por meio do intercâmbio de informações. Pelo exposto, verifica-se que os acordos recentes ajudaram a fomentar uma maior cooperação, abrindo perspectivas para uma maior agregação de valor no intercâmbio de informações, nos projetos de pesquisa e desenvolvimento científicos, na educação e formação militar, apoio logístico e aquisição de equipamento militar. Entretanto, os efeitos do afastamento político e militar, ocorrido após a denúncia 3 Extraído da transcrição do discurso de Secretário de Defesa dos EUA, Leon Panetta, perante o Comando, o Corpo Permanente e os Estagiários de Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia, durante sua visita à Escola Superior de Guerra (ESG), no Rio de Janeiro, em 25 de abril de 2012.

10 do Acordo de Cooperação de 1952, persistem pela natural desconfiança entre políticos de nações diferentes, mormente em um mundo sob constante mutação; e por uma menor atenção dada pelos EUA à América do Sul, particularmente em função de suas obrigações com a Europa, o Oriente Médio e, mais recentemente, com a Ásia. Para complicar o problema, novas áreas de fricção vieram a agravar este afastamento, tais como: iniciativas da UNASUL que excluem os EUA (mas incluem governos ativamente antiamericanos); diferenças sobre a manutenção do embargo e o reconhecimento internacional de Cuba; algumas preocupações decorrentes do tratado nuclear de não-proliferação de armas nucleares; ações unilaterais dos EUA no mundo; as ambições percebidas das ONGs e governos internacionais sobre a Amazônia; ausência de endosso às ambições brasileiras para conquistar um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas; e desacordos sobre as relações diplomáticas e suporte ao regime iraniano; dentre outras. Além disso, o estabelecimento de uma parceria de defesa, entre os EUA e o Brasil, carece da implementação de medidas para a plena vigência de alguns documentos fundamentais que definem responsabilidades, obrigações, direitos e expectativas de ambos os lados. Por exemplo, o Acordo de Cooperação em Defesa (ACD) e o Acordo Geral de Segurança da Informação Militar (AGSIM), assinados em 2010, necessitam da ratificação do Congresso Nacional Brasileiro para serem implementados. 4 Em curto prazo, a ratificação desses acordos já serviria como base para o desenvolvimento de uma parceria em defesa, além de orientação para a aquisição de conhecimentos e capacidades integrais para a realização das aspirações internacionais do Brasil, uma vez que o Brasil tem que considerar parcerias estratégicas com países que possam contribuir para o desenvolvimento de tecnologias avançadas, no interesse do desenvolvimento da base industrial de defesa. Esses documentos, quando ratificados irão facilitar: (1) o intercâmbio de informações classificadas essenciais para as vendas comerciais; (2) a cooperação 4 U.S. DEPARTMENT OF STATE. Fact Sheet: U.S. Brazil Defense Cooperation. The White House: Office of the Press Secretary, 2012. Disponível em: <http://www.defense.gov/news/fact_sheet_us- Brazil_Defense_Cooperation_14MAR2 011.pdf>. Acesso em: 4 abr. 2013.

11 operacional; e (3) o desenvolvimento da base industrial militar de defesa. 5 Entretanto, o governo dos EUA ainda aguarda a ratificação pelo Congresso Brasileiro (desde abril de 2010 e novembro de 2010, respectivamente) para poder avançar. 6 Entende-se que, se não houver vontade política para ratificar esses documentos, é improvável que sejam alcançados os níveis de confiança suficientes para a transferência de tecnologia avançada, ou para a criação de uma verdadeira parceria de defesa, oportunidade que não deve ser desperdiçada. Tal atitude necessária, todavia, não é certa de que poderá ocorrer e, portanto, faz-se mister que a questão venha a ser abordada em um processo construtivo que permita que venha a ser obtida. Apesar de tudo isso, acredita-se na existência de vontade política para que os entendimentos avancem, o que justifica a presente preocupação com o tema. Recentemente, o próprio Presidente Barack Obama citou que o desejo de restabelecer o relacionamento dos Estados Unidos com o Brasil é uma prioridade da sua administração. 7 Além disso, ele explicitou sua visão de política externa de cooperação com outros países como um elemento fundamental da estratégia nacional norteamericana, aceitando a ascensão de outras nações amigas e procurando trabalhar com elas em parceria para garantir a segurança global, o que faz total sentido com a emergência dos BRICS, o Brasil incluído entre eles. Nas circunstâncias peculiares apresentadas acima, por si motivadoras de investigação, constata-se a ausência de estudos sobre o processo descrito que permitam a formulação de análises mais precisas sobre o mesmo. Nesse sentido, a questão central desta investigação estará direcionada para o descobrimento de quais medidas, tomadas como premissas, permitirão ao Brasil adquirir as condições necessárias e suficientes à sua inclusão entre aqueles parceiros mais próximos dos EUA e, dessa forma, serão capazes de contribuir para contornar as percepções existentes em ambos os lados da relação. 5 DOWNES, Richard. Trust, engagement and technology transfer: underpinnings for U.S. Brazil defense cooperation. In: Strategic Forum, National Defense University, Aug 2012, p. 1. 6 Atualmente, a ACD se encontra na Casa Civil e o AGSIM fica no Ministério das Relações Exteriores. 7 UNITED STATES. The White House. U.S. National Security Strategy, Washington, DC., 2010, Disponível em: <http://www.whitehouse.gov/sites/default/files/rss_viewer/national_security_strategy.pdf>. Acesso em: 13 ago. 2013.

12 A apresentação do contexto, do problema e da indagação central sugere a existência de, pelo menos, uma singularidade, transformada em objeto de estudo que se pretende enfrentar ao longo desta monografia; qual seja: o estudo dos obstáculos para a construção de uma relação mais estreita e cooperativa entre os EUA e o Brasil e de suas implicações para o surgimento de divergências sobre questões de segurança regionais e globais. Como proposta preliminar para o encaminhamento do problema e da questão central decorrente, a seguinte hipótese foi formulada: um maior incremento na cooperação em defesa entre os EUA e o Brasil depende, preliminarmente, da adoção de medidas específicas que ampliem o grau de confiança entre esses países. Para apoiar a abordagem da questão central e da hipótese, foram estabelecidas como questões norteadoras as seguintes: - Quais os fatores que contribuíram e continuam a contribuir para o surgimento de percepções errôneas entre os EUA e o Brasil? - Quais os fatores, no passado, levaram a um (des)congelamento das relações diplomáticos entre o Brasil e os EUA? O que mudou? - Quais são as medidas prioritárias que poderão ampliar a confiança entre as nações estudadas e, por consequência, a cooperação em defesa entre elas e quais são os desafios atuais? - Como construir confiança entre as nações (diante das questões anteriormente apresentadas), com a finalidade de estabelecer uma parceria de segurança cooperativa? - O que ganha cada nação a partir de uma parceria bilateral de cooperação de defesa? Dessa forma, o objetivo principal desta monografia procurará demostrar como estabelecer uma melhor parceria nos assuntos de defesa para o século XXI, para o que contribuirá o objetivo secundário de desenvolver uma compreensão mais aprofundada sobre como as diversas áreas de interesses mútuos no setor de defesa podem servir como uma base para a melhoria das relações bilaterais, cujo conteúdo serão destacadas algumas iniciativas, programas e acordos bilaterais que poderão contribuir para a convergência de interesses entre os países em estudo.

13 Com a finalidade de melhor delinear o estudo em tela, ressalta-se que a metodologia empregada foi a hipotético-dedutiva, baseada em pesquisa documental e bibliográfica, as quais permitirão o conhecimento do material relevante, tomando-se por base o que já foi publicado em relação ao tema. O trabalho representa posicionamento pessoal e não oficial ou decorrente de política do Governo dos Estados Unidos. Por tanto foram avaliados diversos documentos publicados pelos dois governos, incluídos os sítios governamentais, bem como uma análise de questões bilaterais publicadas por diferentes fontes governamentais e acadêmicas, todos de código aberto e disponíveis ao público. Além disso, em extensivas leituras sobre as relações entre Estados Unidos e Brasil, principalmente nos aspectos politico-militares, foi possível formar uma compreensão mais ampla e aprofundada das diversas perspectivas, a partir de vários pontos de vista. Para alcançar os objetivos descritos acima, o estudo está organizado em seis seções, sendo esta introdução a primeira. A segunda consiste de um panorama histórico da cooperação em defesa, com a intenção de apresentar um contexto histórico geral. As seções 3 a 5 tratam das áreas que formam os principais pilares para uma parceria de defesa para o Século XXI. A seção final é a conclusão, que trará um resumo dos pontos-chave e das descobertas.

14 2 PANORAMA HISTÓRICO E CONTEMPORÂNEO GERAL A fim de compreender as questões atuais que afetam as relações EUA-Brasil, deve-se, inicialmente, perscrutar o passado. Neste capítulo, discutir-se-á, brevemente, vários eventos político-militares, cujos resultados frustraram as expectativas de contribuírem para harmonizar a complexa relação entre o Brasil e os EUA, em virtude de mal entendidos surgidos em ambos os países. Entre os anos de 1889 e 1940, os EUA e o Brasil mantiveram o que pode ser descrito como uma "aliança não escrita". Esta relação originou apoio diplomático recíproco e um forte senso de amizade entre as duas nações. 8 No entanto, em questões específicas permaneciam pontos de vista divergentes. No caso do Brasil, a mais polêmica delas dizia respeito às frequentes intervenções militares dos EUA nos assuntos internos dos países da América Latina. 9 Entre 1941 e 1942, quando os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial começaram a afetar os países do Hemisfério Ocidental, os EUA iniciaram intensas negociações bilaterais para que o Brasil se juntasse ao esforço de guerra dos aliados. Aos olhos do Departamento da Guerra dos EUA, "o apoio total do Brasil era necessário devido à importância estratégica da costa nordeste do Brasil durante a primeira fase da guerra". 10 Em agosto de 1942, o Brasil assinou os Acordos de Washington, adentrando no conflito ao lado dos aliados e declarando guerra à Alemanha. Como parte dos acordos, os EUA ofereceram ao Brasil um pacote de empréstimo econômico da ordem de cem milhões de dólares e também se comprometeram em auxiliar na modernização e no reequipamento das suas Forças Armadas. O Brasil por outro lado, ofereceu aos EUA a possibilidade da construção e utilização de uma base militar norte-americana na cidade de Natal, no nordeste do Brasil, além de constituir uma divisão de tropas de combate (Força Expedicionária Brasileira - FEB) para participar na Segunda Guerra Mundial. Após a vitória dos Aliados em 1945, a liderança do Brasil desiludiu-se quando o 8 HIRST, Monica, The United States and Brazil: a long road of unmet expectations. New York: Routledge, 2005, p. 1. 9 Idem. 10 Especificamente, a ameaça dos submarinos alemães contra navios aliados carregando material. Ibid., p.4.

15 país não foi convidado para participar das conferências de paz no pós-guerra. 11 Esse erro de cálculo em relação às expectativas do Brasil tornar-se-ia uma das maiores frustrações diplomáticas dos brasileiros, agravadas com as prioridades estabelecidas por parte dos EUA no pós-guerra focadas na Europa (e em certa medida no Japão), em detrimento de uma parceria mais estreita e de maior empenho no desenvolvimento na América Latina. Apesar da percepção do ressentimento existente após a guerra e da falta de um papel mais significativo para o Brasil na diplomacia internacional, particularmente nas Nações Unidas, as relações político-militares entre os dois países permaneceram estreitas. Os EUA continuaram a apoiar o Brasil, principalmente sob a forma de fundos de cooperação militar, o que permitiu manter a influência norte-americana sobre a doutrina e a formação dos militares brasileiros. Em 1946, foi introduzido o conceito de Estado-Maior Conjunto na doutrina e, logo em seguida, ocorreu a criação de uma escola de guerra conjunta (a Escola Superior de Guerra - ESG), cujo modelo se espelhava na Escola Nacional de Guerra dos EUA em Washington, DC. 12 Desde o início da Guerra Fria, o Brasil manteve as políticas anti-soviéticas que o alinharam com as expectativas políticas e militares dos Estados Unidos. 13 Regionalmente, os EUA contaram com o apoio do Brasil para o estabelecimento do sistema interamericano. Na verdade, o Brasil atuou como um aliado especial dos EUA durante a Conferência do Rio de Janeiro de 1947, onde foi assinado o Tratado Inter- Americano de Assistência Recíproca e também apoiou os EUA na Conferência de Bogotá de 1948, onde a Organização dos Estados Americanos foi criada. 14 Entre os anos 1960 e 1970, no entanto, essa noção de aliança e proximidade com os Estados Unidos foi gradualmente se deteriorando. Os governos militares, as preocupações com os direitos humanos, o desejo de maior autonomia política e econômica e o programa de energia nuclear do Brasil, tornaram-se, dentre outros 11 O Brasil foi o único país latino-americano a enviar tropas à Europa durante a Segunda Guerra Mundial e tinha grandes expectativas para uma melhor representação nos foros políticos internacionais do pósguerra. 12 HIRST, Monica, The United States and Brazil: a long road of unmet expectations. New York: Routledge, 2005, p. 6. 13 Idem, p. 5. 14 Ibidem.

16 motivos, polos de tensão com sucessivas administrações norte-americanas. 15 Na época, o programa nuclear do Brasil se tornou muito controverso nos EUA, pois visualizava uma capacidade de enriquecimento de urânio que permitiria o desenvolvimento de armas nucleares. Em última análise, os EUA desejavam manter a região livre de armas nucleares, sendo este o princípio fundamental do Tratado de Tlatelolco, do qual o Brasil foi signatário em 1967. Infelizmente, a maneira pela qual ocorreram as negociações diplomáticas, bem como as percepções posteriores quanto as intenções do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares de 1968 (TNP), acabaram produzindo um sentimento antiamericano dentro dos segmentos militares, políticos e científicos brasileiros. 16 Estes segmentos se sentiram ofendidos com a ideia de que os Estados Unidos e outras grandes potências poderiam manter arsenais nucleares, mas o Brasil não podia. Para o Brasil, o programa nuclear se tornaria um símbolo de desenvolvimento autônomo e uma questão de soberania nacional e a atitude de negar-lhe acesso a esta sofisticada tecnologia confirmou a crença de que estes regimes internacionais de controle eram discriminatórios porque "desarmam os fracos, enquanto as potências nucleares mantinham seus privilégios e restringiam os poderes não-nucleares de desenvolvimento de tecnologia, mesmo para fins pacíficos. 17 Em 1977, os EUA e o Brasil rescindiram o acordo militar bilateral que vigorava desde 1952 e, por volta de 1980, a cooperação de defesa tinha atingido o nível mais baixo de relacionamento em todos os tempos, coincidindo com a oposição dos EUA a todos os programas militares envolvendo tecnologias sensíveis. 18 Este embargo Americano afetou a maioria dos programas nacionais do Brasil para o desenvolvimento de armas convencionais, satélites, tecnologia de mísseis e de energia nuclear. 19 Como em grande parte da América Latina, no mesmo período, os militares 15 HIRST, Monica, The United States and Brazil: a long road of unmet expectations. New York: Routledge, 2005, p. 6. 16 Ibid, p. 8. 17 COSTA, Thomaz Guedes da. Grand strategy for assertiveness: international security and U.S. Brazil Relations. In: Challenges to Security in the Hemisphere Task-Force Seminar, Center for Hemispheric Policy, University of Miami, p. 8. Disponível em: <https://www6.miami.edu/hemisphericpolicy/task_force_papers/costa-grand_strategy_for_assertiveness.pdf>. Acesso em: 30/09/2013. 18 EINAUDI, Luigi. Brazil and the United States: The need for strategic engagement. In: Strategic Forum, National Defense University, Mar 2011, p. 9. 19 COSTA, op cit., p. 4.

17 ocuparam a Presidência da República brasileira por mais de vinte anos, focando suas ações mais na segurança interna e no anticomunismo do que na defesa militar tradicional. Com a redemocratização, em 1985, embora os EUA mantivessem relações cordiais com o Brasil, não houve engajamento ativo entre os dois países em questões de política externa. Ao mesmo tempo, o Brasil criticou as intervenções militares dos EUA na região e a falta de atenção durante a crise econômica latino-americana, demonstrando estar, cada vez mais, insatisfeito com as políticas econômicas coercitivas por parte dos Estados Unidos da América. 20 Em 1988, por ocasião da promulgação da Constituição Federal brasileira, no Título III, versando sobre a organização do Estado; em seu Capítulo II, ao referir-se à União; artigo 21, que trata das suas competências; na alínea a), os legisladores do Brasil registraram de forma expressa que toda a atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional. Além disso, a mesma Constituição Federal, em seu artigo 4 o, ao regular as relações internacionais do Brasil, entre seus princípios, prevê a igualdade entre os Estados, ensejando a hipótese de que não se deveria aderir a Tratados desiguais ou que tenderiam a manter as desigualdades entre Estados, como parece para muitos brasileiros ser o caso do TNP. Com o fim da Guerra Fria e do conceito de um mundo bipolar, houve oportunidade para todas as nações ajustarem suas políticas de segurança internacionais em relação às demais. No entanto, a relação entre os EUA e o Brasil sofreu uma série de retrocessos, sobretudo quando o Brasil não endossou ações militares lideradas pelos EUA, sem o aval das Nações Unidas, em crises globais e regionais, como a Guerra do Golfo em 1991, no Haiti em 1994 e no Kosovo em 1998. Essa falta de apoio político por parte do Brasil teve repercussão negativa diante das expectativas dos EUA e acabou por limitar futuros esforços de cooperação de defesa entre os dois países. Durante os anos 1990, o Brasil entrou em uma nova era, transformando sua 20 HIRST, Monica, The United States and Brazil: a long road of unmet expectations, New York: Routledge, 2005, p. 9.

18 identidade nacional como um país reconhecido como um ator relevante nos assuntos regionais e globais. Os objetivos da política externa do Brasil passaram a incluir a expansão do Mercosul, a melhoria das relações com os EUA, e o estabelecimento de relações mais estreitas com a Rússia, Índia e China e África do Sul (BRICS). 21 O Brasil participou da Missão de Observação Militar Equador-Peru (MOMEP), uma missão de paz regional, que incluiu também as forças dos EUA, Argentina e Chile, e continuo enviando tropas para participar em operações de manutenção da paz em Angola, Moçambique e Timor Leste, entre outros. Em 1995, apesar dos Tratados já assinados, dos dispositivos constitucionais e das resistências internas, o Brasil aumentou seu compromisso com o regime de nãoproliferação, o qual incluiu: (1) a renúncia a qualquer intenção de produzir, adquirir ou transferir mísseis de longo alcance, (2) a ratificação do Tratado sobre Armas Convencionais, e (3) o compromisso em aderir ao Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis. 22 Em 1997, o Brasil assinou o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP). Embora a assinatura de cada um desses acordos tenha ajudado a melhorar as relações em matéria de segurança, entre os dois países, alguns brasileiros acreditam que os regimes internacionais de controle têm restringido o Brasil no desenvolvimento de suas próprias capacidades nacionais e só servem aos interesses das potências nucleares. 23 Essa última argumentação tem um certo respaldo no próprio TNP que prevê o desarmamento geral dos possuem armas nucleares. Enquanto os detentores dos referidos artefatos são percebidos por não tomar medidas efetivas para o cumprimento desta meta que é de todos; países como o Brasil, em condições de desenvolver tecnologia nuclear, assumem posição de desconfiança em relação ao futuro do tratado e ficam menos inclinados a aprofundar seus compromissos. Os ataques terroristas contra os EUA, em 11 de setembro de 2001, afetaram radicalmente a geopolítica internacional, e mais ainda, a maneira dos EUA interagirem com a comunidade internacional em relação à sua própria segurança nacional. Na 21 HIRST, Monica, The United States and Brazil: a long road of unmet expectations, New York: Routledge, 2005, p. 11. 22 Idem. 23 Ibidem.

19 verdade, parte da Doutrina Bush, proporia mais tarde, que os EUA estavam dispostos a fazer tudo o que o país considerasse necessário (com ou sem consenso internacional), para proteger os seus interesses de segurança nacional. 24 Após os ataques, e por mais de 12 anos, os EUA mantiveram-se totalmente empenhados na guerra global contra o terror, o que incluiu os conflitos no Afeganistão e no Iraque, assim como atividades de contraterrorismo global contra a Al Qaeda e outros elementos radicais do Islã. O Brasil, juntamente com outras nações latino-americanos, motivado por suspeitas sobre as intenções e ações globais dos EUA, tornou-se cada vez mais crítico em relação à pretensa hegemonia dos EUA. Ao mesmo tempo, alguns tomadores de decisão do governo dos Estados Unidos sentiram que a atitude independente do Brasil era "preocupante e frustrante", e consideraram o Brasil como "um parceiro não confiável, sem vontade de tomar as decisões difíceis necessárias para manter o mundo seguro no ambiente da segurança internacional. 25 Em 2009, o Ministro da Defesa explicitava o posicionamento do Brasil nas suas relações internacionais quando declarou que na condição de ser, "... capaz de se defender, o Brasil vai estar em uma posição de dizer não quando tiver que dizer não. Ele será capaz de construir o seu próprio modelo de desenvolvimento. 26 Este exemplo da retórica política baseada na autonomia diplomática serviria como um marco para a estratégia do presidente Lula (2003-10). Em suma, a estratégia da política externa do Brasil incentivou uma maior unidade continental, um esforço para criar uma hegemonia consensual para salvaguardar os interesses regionais do Brasil e obter apoio para um papel mais importante na política internacional, vale dizer, uma participação de alto nível mundial. 27 Dentro da região, isso incluiu a assunção do comando da Missão de 24 UNITED STATES. The White House. U.S. National Security Strategy, Washington, DC., 2010, Disponível em: <http://www.whitehouse.gov/sites/default/files/rss_viewer/national_security_strategy.pdf>. Acesso em: 13 Aug 2013. 25 COSTA, Thomaz Guedes da. Grand strategy for assertiveness: international security and U.S. Brazil Relations. In: Challenges to Security in the Hemisphere Task-Force Seminar, Center for Hemispheric Policy, University of Miami, p. 10. Disponível em: <https://www6.miami.edu/hemisphericpolicy/task_force_papers/costa-grand_strategy_for_assertiveness.pdf>. Acesso em: 30/09/2013. 26 Esta declaração foi anunciada em Brasília, em 2009, por ocasião de comentário sobre a Estratégia Nacional de Defesa. 27 DOWNES, Richard. Trust, engagement and technology transfer: underpinnings for U.S. Brazil defense cooperation. In: Strategic Forum, National Defense University, Aug 2012, p. 3.