Caixa 4.1. A evolução estrutural das exportações de serviços na economia portuguesa Na teoria económica os serviços eram tradicionalmente considerados como não transaccionáveis nos mercados internacionais, por oposição aos bens que estavam sujeitos à concorrência internacional. Actualmente, os avanços significativos das tecnologias de comunicação e informação permitiram que um número crescente de serviços se tenha tornado transaccionável. Com efeito, um facto importante da actual fase de globalização, caracterizada pela reorganização dos processos produtivos a nível mundial, é o aumento acentuado do comércio internacional de serviços. O forte crescimento das transacções internacionais de serviços reflecte, em larga medida, a intensificação do processo de integração das economias de mercado emergentes nos mercados mundiais (Gráfico 1). O aumento do peso das economias de mercado emergentes nas trocas comerciais a nível global é ainda mais evidente no comércio de bens. Pelo contrário, no caso do grupo das economias avançadas, o dinamismo das exportações de serviços tem excedido o das exportações de bens. A economia portuguesa tem vindo a acompanhar a tendência internacional de crescente importância das exportações de serviços. As exportações portuguesas de serviços representaram 28.3 por cento das exportações totais de bens e serviços no período, face a 26.1 por cento no período 1981-1986 (Gráfico 2). O seu peso no PIB também aumentou, tendo passado de 6.4 por cento em média no período 1981-1986 para 8.3 por cento no período 1. Apesar deste aumento, as exportações portuguesas de serviços em rácio do PIB ainda se situam abaixo do observado na maioria dos outros países europeus, com destaque para a Irlanda que registou um peso superior a 25 por cento no período. A forte internacionalização do sector de serviços na Irlanda está, em larga medida, relacionada com a presença muito significativa de filiais de empresas multinacionais nos sectores financeiro e de alta tecnologia 2. Esta caixa analisa a evolução das exportações portuguesas de serviços, comparando-a com a ocorrida em outros países. A análise empírica é baseada na informação contida na base de dados Comptes Harmonisés sur les Gráfico 1 EXPORTAÇÕES MUNDIAIS DE BENS E SERVIÇOS Valores em dólares norte-americanos Serviços Bens 1 500 1 300 Total mundial Economias avançadas Economias de mercado emergentes 1500 1300 Total mundial Economias avançadas Economias de mercado emergentes 1 1 900 700 900 700 500 500 300 300 1985 1988 1991 1994 1997 2003 1985 1988 1991 1994 1997 2003 Notas: Economias avançadas inclui Estados Unidos, Canadá, França, Bélgica/Luxemburgo, Alemanha, Itália, Países Baixos, Reino Unido, Irlanda, Escandinávia, Áustria, Suiça, Espanha, Grécia,, Israel, Japão, Austrália, Nova Zelândia, Coreia do Sul, Hong Kong, Singapura e Taiwan. Economias de mercado emergentes inclui Turquia, União Sul-Africana, Equador, México, Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Tunísia, Egipto, Indonésia, Índia, Malásia, Filipinas, Tailândia, Brunei, Bangladesh, Sri Lanka, Rússia, China e Indochina. (1) De acordo com dados do INE e do Banco de, as exportações portuguesas de serviços representaram 10.8 por cento do PIB em 2008. (2) Ver Grimes, Seamus () Ireland s Emergence as a Centre for Internationally Traded Services, Regional Studies, 40:9, 1041 1054. Relatório Anual 2008 Banco de 153
Capítulo 4 Procura e Contas Externas Gráfico 2 EXPORTAÇÕES DE SERVIÇOS Pesos no PIB Pesos nas exportações totais de bens e serviços 30 1981-86 06 70 1981-86 06 25 60 20 15 10 50 40 30 20 5 10 0 Itália Roménia Alemanha Polónia França Finlândia Espanha Reino Unido Noruega Suécia Hungria Suiça Países Baixos Grécia Bulgária Dinamarca Áustria Bélgica Irlanda 0 Alemanha Roménia Polónia Hungria Finlândia Itália Países Baixos França Suiça Noruega Suécia Bulgária Áustria Irlanda Espanha Bélgica Dinamarca Reino Unido Grécia Echanges et l Economie Mondiale Balance des Paiements (CHELEM-BAL) do Centre d Études Prospectives et d Informations Internationales (CEPII) que reporta fluxos anuais de balança de pagamentos em termos nominais (a unidade é o dólar norte-americano) de forma comparável para mais de 200 países/grupos de países. Todos os cálculos foram efectuados em termos nominais dada a ausência de informação em volume, pelo que não é possível distinguir entre as componentes volume, preço e cambial na evolução das quotas de mercado. Considera-se essencialmente o horizonte temporal de 1995 a, uma vez que nos anos anteriores não existe suficiente detalhe em termos do tipo de serviços transaccionados. As quotas de mercado das exportações portuguesas de serviços nas exportações mundiais aumentaram ao longo dos últimos vinte anos, o que contrasta com a evolução relativamente decepcionante observada nas exportações de mercadorias no mesmo período 3. Entre 1985 e, as exportações portuguesas de serviços registaram um crescimento acumulado da sua quota de mercado nas exportações mundiais de 32.8 por cento em termos nominais (Gráfico 3). Este aumento de quota resultou essencialmente de ganhos registados até meados dos anos noventa, tendo-se verificado uma estabilização ao longo da última década. O mesmo tipo de perfil é observado na evolução das quotas de mercado das exportações portuguesas de bens, embora se tenham registado importantes perdas de quota nas exportações de bens nos últimos anos. Em termos de quotas sectoriais, apresentou uma quota de mercado nas exportações mundiais de turismo equivalente a 1.2 por cento, em média, no período 1985-, o que compara com uma quota de mercado média de 0.6 por cento nas exportações totais de serviços (Gráfico 4). No entanto, o aumento mais significativo de quota ao longo deste período ocorreu no sector de transportes, que mais do que duplicou a sua quota nas exportações mundiais do sector. Comparando o ganho total de quota das exportações portuguesas de serviços com o ocorrido em outros países europeus, observa-se que este foi superior ao verificado em Espanha, onde a quota aumentou 20.7 por cento em termos acumulados entre 1985 e. Em contraste, as quotas de exportação de serviços da Alemanha e da Itália diminuíram em termos acumulados 18.0 e 28.4 por cento, respectivamente. Em França, observou-se uma redução acentuada e sustentada da quota nas exportações mundiais de serviços desde os anos noventa, atingindo uma perda acumulada de mais de 50 por cento no período 1985-. (3) Ver Amador, J. e Cabral, S. (2008), O desempenho das exportações portuguesas em perspectiva: uma análise de quota de mercado constante, Banco de, Boletim Económico-Outono, pp. 219-241 para uma análise da evolução das quotas de mercado das exportações portuguesas de mercadorias. 154 Banco de Relatório Anual 2008
Gráfico 3 Gráfico 4 QUOTA DE MERCADO NAS EXPORTAÇÕES MUNDIAIS DE SERVIÇOS Resultados acumulados em termos nominais QUOTA DE MERCADO DE PORTUGAL NAS EXPORTAÇÕES MUNDIAIS DE SERVIÇOS Níveis em termos nominais 160 140 Espanha Itália Alemanha França 1.6 1.4 Total de serviços Viagens e turismo Transportes 1.2 120 80 60 1.0 0.8 0.6 0.4 0.2 40 1985 1988 1991 1994 1997 2003 0.0 1985 1988 1991 1994 1997 2003 Quadro 1 ESPECIALIZAÇÃO DAS EXPORTAÇÕES PORTUGUESAS E MUNDIAIS DE SERVIÇOS PRINCIPAIS CATEGORIAS Pesos no total de exportações de serviços em percentagem e índices Balassa Pesos nas exportações portuguesas Pesos nas exportações mundiais Índices Balassa Transportes 17.4 19.9 19.0 22.9 21.4 22.0 0.8 0.9 0.9 Viagens e turismo 59.3 52.2 54.9 31.4 27.5 29.0 1.9 1.9 1.9 Serviços de comunicação 2.9 3.2 3.1 2.0 2.2 2.1 1.4 1.4 1.4 Serviços de construção 2.5 2.6 2.6 2.6 2.0 2.2 1.0 1.3 1.2 Seguros 0.8 0.7 0.8 1.8 2.3 2.1 0.5 0.3 0.4 Serviços financeiros 2.7 1.4 1.9 4.5 6.2 5.5 0.6 0.2 0.3 Serviços de informação e informática 0.6 0.9 0.8 1.8 4.1 3.2 0.3 0.2 0.3 Direitos de utilização 0.3 0.3 0.3 4.7 5.0 4.9 0.1 0.1 0.1 Outros serviços fornecidos por empresas 11.0 16.2 14.2 22.3 23.6 23.1 0.5 0.7 0.6 Serviços de natureza pessoal, cultural e recreativa 1.4 1.3 1.3 1.1 1.2 1.2 1.3 1.1 1.1 Operações governamentais 1.1 1.2 1.2 3.3 2.6 2.9 0.3 0.5 0.4 Outros serviços não especificados (n.e.) 0.0 0.0 0.0 1.5 1.8 1.7 0.0 0.0 0.0 Nota: Todos os índices Balassa superiores a 1 estão assinalados na tabela. Relatório Anual 2008 Banco de 155
Capítulo 4 Procura e Contas Externas Em, três sectores sobressaem pelo seu elevado peso nas exportações de serviços (Quadro 1). O sector de viagens e turismo é o dominante, representando em média mais de 50 por cento do total no período. No entanto, registou-se uma diminuição substancial da importância relativa deste sector nas exportações totais ao longo dos últimos anos, em particular a partir de 2001. Pelo contrário, o sector de transportes, que é o segundo mais relevante nas exportações portuguesas de serviços, aumentou o seu peso desde 1999, representando cerca de 20 por cento do total no período mais recente. As exportações portuguesas de outros serviços fornecidos por empresas 4 também cresceram de forma significativa ao longo dos últimos dez anos, correspondendo a mais de 16 por cento do total no período. Relativamente às restantes categorias, verificou-se um ligeiro aumento do peso dos serviços de comunicação e dos serviços de construção nas exportações portuguesas ao longo deste período. Observou-se também um aumento da importância relativa do sector de serviços de informação e informática, se bem que este continue a apresentar um peso reduzido nas exportações portuguesas de serviços no período mais recente. Em contraste, verificou-se uma redução significativa da importância das exportações de serviços financeiros: o seu peso nas exportações portuguesas de serviços diminuiu de 2.7 por cento em para 1.4 por cento em. Importa igualmente colocar a estrutura portuguesa de exportações de serviços em perspectiva, comparando-a com o observado a nível mundial através do cálculo de indicadores de vantagem comparativa revelada, designadamente o índice de Balassa (1965) 5. Este indicador é definido como o rácio entre o peso de um dado sector nas exportações do país em análise e o peso desse mesmo sector nas exportações mundiais. Se o indicador apresentar um valor superior a 1, então o país é classificado como sendo relativamente mais especializado, ou seja, como tendo uma vantagem comparativa revelada no sector. revela uma clara e sustentada vantagem comparativa no sector de viagens e turismo ao longo da última década (Quadro 1). O sector de serviços de comunicação apresenta igualmente coeficientes de especialização elevados ao longo de todo o período, embora inferiores aos observados no sector de viagens e turismo. As exportações portuguesas encontram-se também relativamente especializadas em serviços culturais, observando-se contudo alguma redução nos índices de Balassa ao longo do período. Pelo contrário, registou-se um aumento da especialização das exportações portuguesas em serviços de construção, o que se traduziu em índices de Balassa superiores a 1 a partir de 2001. Todos os restantes sectores dos serviços apresentam índices de especialização inferiores a1namédia dos períodos considerados. Interessa também analisar a especialização relativa das exportações portuguesas tomando um conjunto de países como referencial de comparação. O Quadro 2 ilustra a especialização relativa das exportações portuguesas de serviços face aos outros países inicialmente beneficiários do Fundo de Coesão da União Europeia (UE), Espanha, Grécia e Irlanda. Existem diferenças acentuadas entre as estruturas sectoriais das exportações de serviços destes países no período. Comparando e Espanha, são notórias algumas semelhanças, nomeadamente a forte especialização de ambos os países no sector de viagens e turismo. No entanto, nos casos da Grécia e, principalmente, da Irlanda as diferenças em termos de especialização relativa são significativas. A Irlanda apresenta coeficientes de especialização extremamente elevados nos sectores de serviços de informação e informática e de serviços de seguros, enquanto a proporção do sector de serviços de transportes nas exportações gregas é mais do dobro do registado na média mundial. O comércio internacional de serviços aumentou significativamente ao longo da última década e tem vindo a ganhar importância nas agendas da Organização Mundial de Comércio e da UE. No âmbito da Directiva Serviços da UE, têm-se registado esforços progressivos no sentido da criação de um verdadeiro mercado interno de serviços, através da eliminação das barreiras legais e administrativas à livre circulação de serviços e à liberdade de estabelecimento entre Estados-membros. Estes desenvolvimentos inserem-se numa tendência mais lata de crescente integração económica a nível mundial e reforço da fragmentação internacional da produção, devendo intensificar-se no futuro com reflexos no desempenho das empresas portuguesas. (4) Arubrica da balança de pagamentos outros serviços fornecidos por empresas inclui serviços de intermediação comercial; serviços de aluguer sem tripulação; serviços agrícolas, mineiros e industriais; serviços de investigação e desenvolvimento; serviços jurídicos, contabilísticos, de consultadoria em gestão e de relações públicas; serviços de arquitectura, engenharia e consultadoria técnica; serviços de publicidade, estudos de mercado e de opinião pública; serviços entre empresas afiliadas; e ainda outros serviços residuais. (5) Balassa, B. (1965), Trade liberalization and revealed comparative advantage, The Manchester School of Economic and Social Studies, vol. 33, nº2, pp. 99-123. 156 Banco de Relatório Anual 2008
Quadro 2 EXPORTAÇÕES DE SERVIÇOS POR PRINCIPAIS CATEGORIAS, MÉDIA Pesos no total de exportações de serviços e índices Balassa Pesos nas exportações totais de serviços (em percentagem) Índices Balassa Mundo Espanha Irlanda Grécia Espanha Irlanda Grécia Por memória: Quota no total de exportações mundiais de serviços.0 0.6 3.8 2.2 1.3 Transportes 21.4 19.9 16.5 4.7 47.3 0.9 0.8 0.2 2.2 Viagens e turismo 27.5 52.2 51.6 8.8 42.2 1.9 1.9 0.3 1.5 Serviços de comunicação 2.2 3.2 1.5 1.5 1.2 1.4 0.7 0.7 0.5 Serviços de construção 2.0 2.6 1.7 0.0 0.8 1.3 0.8 0.0 0.4 Seguros 2.3 0.7 0.7 16.4 0.7 0.3 0.3 7.1 0.3 Serviços financeiros 6.2 1.4 2.9 9.9 0.3 0.2 0.5 1.6 0.1 Serviços de informação e informática 4.1 0.9 3.8 33.5 0.5 0.2 0.9 8.2 0.1 Direitos de utilização 5.0 0.3 0.7 1.0 0.1 0.1 0.1 0.2 0.0 Outros serviços fornecidos por empresas 23.6 16.2 18.8 22.7 5.3 0.7 0.8 1.0 0.2 Serviços de natureza pessoal, cultural e recreativa 1.2 1.3 1.1 0.7 1.2 1.1 0.9 0.5 1.0 Operações governamentais 2.6 1.2 0.8 0.8 0.3 0.5 0.3 0.3 0.1 Outros serviços não especificados (n.e.) 1.8 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 0.0 Nota: Todos os índices Balassa superiores a 1 estão assinalados na tabela. Relatório Anual 2008 Banco de 157