Líquen Plano Oral em Paciente Jovem: Relato de Caso

Documentos relacionados
Líquen plano reticular e erosivo:

Lesões e Condições Pré-neoplásicas da Cavidade Oral

RESUMO UNITERMOS INTRODUÇÃO

Líquen Plano Oral em Lábio Inferior: Relato de Caso Oral Lichen Planus in the Lower Lip: A Case Report

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO LESÕES CANCERIZÁVEIS DA BOCA

DESORDENS POTENCIALMENTE MALIGNAS

INTRODUÇÃO EPIDEMIOLOGIA, DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DO LÍQUEN PLANO NO PROJETO DE LESÕES BUCAIS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

Universidade Estadual do Oeste do Paraná Unioeste/ Cascavel PR Centro de Ciências Biológicas e da Saúde CCBS Curso de Odontologia.

Artigo Original TUMORES DO PALATO DURO: ANÁLISE DE 130 CASOS HARD PALATE TUMORS: ANALISYS OF 130 CASES ANTONIO AZOUBEL ANTUNES 2

Hemangioma cavernoso:

FLÁVIA SIROTHEAU CORRÊA PONTES*, HELDER ANTÔNIO REBELO PONTES*, CRISTIANE GUEDES FEITOSA**, NATHÁLIA RIBEIRO CUNHA**, LARISSA HABER JEHA** INTRODUÇÃO

Líquen plano bucal. Oral lichen planus. Artigo de Caso Clínico. Resumo. Abstract. Introdução

Reação Liquenóide oral: relato de caso

QUEILITE ACTÍNICA: prevalência na clínica estomatológica da PUCPR, Curitiba, Brasil

Rio de Janeiro, Brasil

Estudo Comparativo entre o Líquen Plano e o Carcinoma Epidermóide em Mucosa Bucal

CENTRO UNIVERSITÁRIO CESMAC REAÇÃO LIQUENÓIDE DE CONTATO ASSOCIADA A RESTAURAÇÃO DE AMÁLGAMA: RELATO DE CASO

REAÇÃO LIQUENOIDE ORAL AO AMÁLGAMA: UMA LESÃO AINDA VISTA

Dissertação de mestrado

UNIPAC. Universidade Presidente Antônio Carlos. Faculdade de Medicina de Juiz de Fora PATOLOGIA GERAL. Prof. Dr. Pietro Mainenti

Concordância entre diagnóstico clínico e histopatológico de lesões bucais

Prevalência de lesões bucais diagnosticadas pelo laboratório de patologia bucal da Faculdade de Odontologia da Funorte no período de 2005 a 2008

FIBROMA VERDADEIRO EM MUCOSA JUGAL:

PERFIL DO PACIENTE ATENDIDO NO PROJETO DE EXTENSÃO:

REVISÃO. Líquen plano oral (LPO): diagnóstico clínico e complementar *

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO CÂMPUS DE ARAÇATUBA - FACULDADE DE ODONTOLOGIA CURSO DE GRADUAÇÃO EM ODONTOLOGIA

- Descrito na década de 70, mas com aumento constante na incidência desde os anos 90

CLASSIFICAÇÃO E EPIDEMIOLOGIA DAS DOENÇAS PERIODONTAIS

Nevo/nevus pigmentado (Nevo/nevus melanocítico):

PRINCIPAIS MANIFESTAÇÕES BUCAIS DAS DOENÇAS DERMATOLÓGICAS REVISÃO DE LITERATURA

Paracoccidioidomicose: relato de caso em paciente do gênero feminino

Avaliação clínica das lesões orais associadas a doenças dermatológicas *

DOENÇAS AUTO-IMUNES MUCOCUTÂNEAS

CISTO DO DUCTO NASOPALATINO: RELATO DE CASO

Rio de Janeiro, Brasil

Leucoplasia: Relato de um caso de três lesões em um mesmo paciente

DIAGNÓSTICO E MANEJO DAS DISPLASIAS DE LARINGE

Desordens orais potencialmente malignas: um estudo de prevalência

Odontologia Regular. Patologia. MCA concursos - PAIXÃO PELO SEU FUTURO! Patologia Dermatomucosa

DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DE MUCOCELE LABIAL: RELATO DE CASO

Actinic cheilitis: case report

AUTO-IMUNES MUCOCUTÂNEAS

Sistema Tegumentar. I-Pele Fina. Material: pele fina LAMINA 1. Técnica: HE

Inclusão do Cirurgião Dentista na Equipe Multiprofissional no Tratamento de Pacientes de Álcool e Drogas

Reavaliação dos pacientes com Líquen Plano Oral atendidos no período de 1997 a 2010.

AVALIAÇÃO DOS ACHADOS MAMOGRÁFICOS CLASSIFICADOS CONFORME SISTEMA BI RADS¹. Beatriz Silva Souza², Eliangela Saraiva Oliveira Pinto³

Material e Métodos Relatamos o caso de uma paciente do sexo feminino, 14 anos, internada para investigação de doença reumatológica

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE ODONTOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ODONTOLOGIA NÍVEL MESTRADO

Palavras-chave: Neoplasias malignas, Malignidade, Diagnóstico bucal, Leucoplasias, Eritoplasias, Quielite Actínica.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE GRADUAÇÃO EM ODONTOLOGIA DEPARTAMENTO DE ODONTOLOGIA PROGRAMA DE ENSINO

Faculdade Independente do Nordeste Credenciada pela Portaria MEC 1.393, de 04/07/2001 publicada no D.O.U. de 09/07/2001.

COLABORADOR(ES): CAMILA FAVERO DE OLIVEIRA, DELSA DEISE MACCHETTI KANAAN, NATÁLIA SPADINI DE FARIA

DIFICULDADE NO DIAGNÓSTICO DE CÂNCER DE BOCA LONGE DE UM CENTRO DE REFERÊNCIA: RELATO EM SÉRIE

Página 1 de 8. ** Professor de Anatomia e cirurgia - FOC e mestrando de Cirurgia Buco-Maxilo-Facial - FOP/UPE

1 INTRODUÇÃO DAOIZ MENDOZA* CÁCIO RICARDO WIETZYCOSKI**

Leucoplasia verrucosa proliferativa e esclerose sistêmica progressiva: coincidência casual?

Células mastocitárias estão presentes no líquen plano oral

Resultados 42. IV. Resultados

Palavras chaves: Protocolo, Pênfigo Vulgar, Manifestações Orais

Imagem da Semana: Fotografia

Universidade Federal do Ceará Módulo em Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Tumores das Glândulas Salivares. Ubiranei Oliveira Silva

PSORÍASE PALESTRANTE: DR LUIZ ALBERTO BOMJARDIM PORTO MÉDICO DERMATOLOGISTA CRM-MG / RQE Nº 37982

Etiopatogenia das alterações pulpares e periapicais

Imagem da Semana: Fotografia. Imagem 01. Fotografia da região lateral do tronco

FERNANDO AUGUSTO CERVANTES GARCIA DE SOUSA

Imagem da Semana: Fotografia

Imagem da Semana: Ressonância nuclear magnética

Key words: Mouth Neoplasms; Oral Medicine; Head and Neck Neoplasms.

Correlação entre a classificação TNM, gradação histológica e localização anatômica em carcinoma epidermóide oral

Assessoria ao Cirurgião Dentista papaizassociados.com.br. Publicação mensal interna da Papaiz edição XIII Novembro de 2015

TERAPÊUTICA CIRÚRGICA DA HIPERPLASIA FIBROSA INFLAMATÓRIA - RELATO DE CASO SURGICAL THERAPY OF FIBROUS INFLAMMATORY HYPERPLASIA: A CASE REPORT

DOS TECIDOS BUCAIS. Periodontopatias. Pulpopatias. Periapicopatias TIPOS: -INCIPIENTE -CRÔNICA -HIPERPLÁSICA. Causada pelo biofilme bacteriano

Determinação da expressão de proteínas no sítio epitélio-mesênquima do Tumor Queratocístico Odontogênico: importância no comportamento tumoral

CEDOB: Centro Multidisciplinar de Diagnóstico de Doenças da Boca

GRANULOMA PIOGÊNICO: RELATO DE CASO ATÍPICO EM LÁBIO INFERIOR 1 PYOGENIC GRANULOMA: REPORTING OF ATYPICAL CASE ON LOWER LIP 1 RESUMO

Protocolo de encaminhamento para estomatologia adulto

ESTUDO DE CASO CLÍNICO

Patologia Buco Dental Prof. Dr. Renato Rossi Jr.

PÊNFIGO VULGAR a importância do conhecimento do cirurgião dentista para um correto diagnóstico

PENFIGÓIDE BENIGNO DE MUCOSA

Lívia Souza de Castro, Maria de Fátima Nunes, Sandra Lúcia Ventorin von Zeidler, Rejane Faria Ribeiro-Rotta

PROJETO LAAI: LUPUS ELABORAÇAO DE UM FOLDER

Leucoplasias bucais: relação clínico-histopatológica

A IMPORTÂNCIA DO CIRURGIÃO-DENTISTA NA PREVENÇÃO E DIAGNÓSTICO PRECOCE DO CÂNCER DE BOCA

LESÕES POTENCIALMENTE MALIGNAS: A IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO PRECOCE NA PREVENÇÃO DO CÂNCER BUCAL

Imagem da Semana: Fotografia

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE

ESTUDO DE CASO CLÍNICO

Classificação das doenças dermatológicas Genodermatoses Doenças sistêmicas envolvendo a pele, doenças degenerativas, doenças causadas por agentes físi

ESTUDO DA FREQÜÊNCIA DE PARASITAS E DE OVOS NAS CAVIDADES APENDICULARES DAS APENDICITES AGUDAS *

MUCOCELE MUCOCELE MUCOCELE R E S U M O

Neoplasias. Benignas. Neoplasias. Malignas. Características macroscópicas e microscópicas permitem diferenciação.

Diagnóstico precoce de lesões orais potencialmente malignas em dois municípios do Estado de Pernambuco

TÍTULO: COLESTEATOMA DE CONDUTO AUDITIVO EXTERNO COMO DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DE PATOLOGIAS DA ORELHA EXTERNA

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DAS LESÕES VERMELHAS DA CAVIDADE BUCAL

DIAGNÓSTICO CLÍNICO E HISTOPATOLÓGICO DE NEOPLASMAS CUTÂNEOS EM CÃES E GATOS ATENDIDOS NA ROTINA CLÍNICA DO HOSPITAL VETERINÁRIO DA UNIVIÇOSA 1

LESÕES ORAIS DIAGNOSTICADAS NA CLÍNICA DE ESTOMATOLOGIA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS/UNIMONTES

Transcrição:

RELATO Revista Brasileira de Ciências da Saúde Report Volume 13 Número 3 Páginas 93-98 2009 ISSN 1415-2177 Líquen Plano Oral em Paciente Jovem: Relato de Caso Oral Lichen Planus in a Young Patient: Case Report MARIA SUELI MARQUES SOARES 1 RONALDO LIRA JÚNIOR 1 YURI WANDERLEY CAVALCANTI 2 LINO JOÃO DA COSTA 3 HANNAH CARMEM CARLOS RIBEIRO SILVA VERHEUL 4 GUSTAVO GOMES AGRIPINO 5 CLÁUDIA CAZAL 5 RESUMO Objetivo: o presente trabalho teve o objetivo de relatar um caso incomum de líquen plano oral em paciente jovem. Relato de Caso: paciente do sexo masculino, leucoderma que procurou diagnóstico diante da queixa de feridas embaixo da língua, bochechas e no lábio inferior. Ao exame clínico evidenciaram-se múltiplas lesões eritematosas com estrias esbranquiçadas de aspecto reticulado, e lesões ulceradas e placas leucoplásicas localizadas em ambos os lados da mucosa jugal, região retromolar e gengiva inserida e língua. Não havia relato de lesões semelhantes na derme. A hipótese clínica foi de líquen plano oral, a qual confirmou-se após biópsia incisional de uma das lesões. O exame anatomopatológico confirmou a suspeita clínica de líquen plano oral onde foram evidenciadas características microscópicas típicas. Após 45 dias com tratamento convencional a base de corticóides, observou-se regressão parcial das lesões em gengiva inserida e mucosa jugal esquerda. O paciente foi encaminhado para tratamento com dermatologista e encontrase sob proservação. Conclusão: apesar da falta de consonância com a literatura, o líquen plano oral pode ser verificado em pacientes jovens, do sexo masculino e afetando múltiplos locais da mucosa oral. O aumento do nível de estresse, entre outras condições inerentes ao cotidiano dessa faixa etária, pode estar relacionado ao aparecimento de líquen plano oral em pacientes jovens. DESCRITORES Líquen Plano Bucal. Mucosa Bucal. Autoimunidade. ABSTRACT Objective: the presented paper aims to report a lichen planus case in a young patient. Case report: white male patient which was referred to an Oral Medicine Service of a Public University, with the main complaint of sore lesions underneath of the tongue and low lip. Intraoral examination revealed multiples erythemous lesions with a white lace-like pattern on buccal mucosa, and both some ulcerations areas and leukoplastic plaques located on the tongue, bilateral involvement of buccal mucosa, retromolar trigone and attached gingivae. Based on the clinical findings, the case was diagnosed as oral lichen planus, which was confirmed after incisional biopsy of the tongue. The histopathologic examinations revealed typical features of lichen planus. The conventional treatment with topic corticosteroid did not resulted in regression of the lesion through 45 days. The patient was referred to a Dermatologist and is under preservation. Conclusion: Despite the lesion in question might not represent an incidence range of oral lichen planus, it can be found as well as a multiples lesion and the conditions can affects young patients and men. The increase of stress level and another s conditions typical of the teenagers environment and life stile may explain the oral lichen planus occurrence in young people. DESCRIPTORS Oral Lichen Planus. Mouth Mucosa. Autoimmunity. 1 2 3 4 5 Graduando em Odontologia pela Universidade Federal da Paraíba. Professor Associado de Estomatologia da Universidade Federal da Paraíba. Professora Adjunta de Patologia Bucal da Universidade Federal da Paraíba. Doutorando em Estomatologia pela Universidade Federal da Paraíba. Mestre em Diagnóstico Bucal pela Universidade Federal da Paraíba. Professora Adjunta de Estomatologia da Universidade Federal da Paraíba. http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/rbcs

SOARES et al. Líquen Plano (LP) é uma doença inflamatória crônica (SUGERMAN et al., 2002; GORSKY et al., 2004; TORTI, LORIZZO, McCARTY, 2007; CHEN et al., 2008) que envolve pele e mucosa, sendo uma das doenças dermatológicas mais comuns que se manifesta na cavidade bucal (GORSKY et al., 2004). Apresenta períodos de exacerbação e remissão, e devido a sua natureza imunológica, estão envolvidas em sua fisiopatologia, células do sistema imune (ARREAZA et al., 2008; NEVILLE et al., 2004), sendo incerto o papel dos linfócitos CD4 + na patogênese da lesão (CENDRAS, BONNETBLANC, 2009). Vale salientar que sua etiopatogenia precisa continua desconhecida (GORSKY et al., 2004). Epidemiologicamente, a maioria dos pacientes com LP Oral (LPO) é do gênero feminino e de meia-idade (NEVILLE et al., 2004; SILVA et al., 2007), tratando-se, portanto de uma condição rara em crianças (NEVILLE et al., 2004). Na mucosa, as lesões podem apresentar-se reticulares, em placas, papulares, atróficas e bolhosas (DINIZ et al., 2008). Na forma atrófica, queratoses estão combinadas com manchas avermelhadas e eritematosas. Ulceração pode ocorrer, resultando na forma erosiva. A forma reticular é geralmente assintomática, em contraste com as formas atróficas e erosivas, que comumente ocorrem juntas. Na mucosa a forma atrófica/erosiva tem uma aparência vítrea avermelhada com áreas superficiais de ulceração de tamanhos variados (MITAMURA, ONODERA, OOYA, 2008). Desde o primeiro relato de caso de transformação maligna do LP por Hallopeau em 1910, numerosos estudos têm sido realizados para desvendar o potencial malignizante dessa lesão (GONZALEZ-MOLES, SCULLY, GIL-MONTOYA, 2008). Esse ainda é um assunto discutível, segundo SOUSA et al. (2005) estudos recentes afastam a possibilidade de transformação maligna, enquanto outros enfatizam esse potencial. Essa transformação, comumente associada a lesões atróficas e erosivas, pode estar associada à atrofia do epitélio de revestimento, devido ao processo imune ser direcionado contra as células da camada basal, tornando-o mais susceptível à ação de agentes carcinogênicos (NONAKA et al., 2004). Tendo em vista as implicações sistêmicas do LP, é importante a interação entre o clínico e o patologista para que se tenha um diagnóstico correto, para isso, tanto os achados clínicos quanto histopatológicos devem ser considerados (RAD et al., 2009). O diagnóstico diferencial do LPO geralmente é realizado com a leucoceratose, candidose, lúpus eritematoso, linhas traumáticas de mordida (morsicatio) e sífilis (CENDRAS, BONNETBLANC, 2009). O tratamento é essencialmente sintomático e paliativo, de acordo com o quadro clínico e a gravidade da doença é que se discutem as opções terapêuticas, sendo opções de escolha: corticosteróides, retinóides, inibidores da calcineurina e imunossupressores (CENDRAS, BONNETBLANC, 2009). O objetivo deste trabalho foi relatar um caso de LPO que se apresentou em lesões múltiplas na cavidade bucal de um paciente jovem. RELATO DE CASO Paciente R.S.A., quinze anos, gênero masculino, leucoderma, procurou o Serviço de Estomatologia de uma Universidade Pública queixando-se de feridas embaixo da língua e no lábio. A lesão foi percebida pelo paciente há cerca de seis meses, apresentando crescimento radial e ausência de sintomatologia dolorosa. Na anamnese, o paciente relatou estar passando por cuidados de um cirurgião bucomaxilofacial. Referiu também uso do medicamento Daktarim Gel, e hábito de consumir pastilhas, deixando-as dissolverem em fundo de sulco vestibular inferior. Referiu sensação de ardência na lesão correspondente ao ventre lingual. Ao exame físico intra-oral foram notificadas alterações em língua e mucosa, com presença de manchas brancas estriadas em fundo eritematoso, nas mucosas jugais direita e esquerda, se estendendo até a região retromolar e gengiva inserida superior (Figura 1). Na região correspondente ao ventre esquerdo de língua, identificou-se placa branca, áreas erosivas, focos de ulcerações e estriação discreta na periferia das lesões (Figura 2). A hipótese clínica para as lesões foi de LPO. O paciente foi orientado a deixar o hábito de consumir pastilhas e retornar em quinze dias. O paciente retornou após um mês apresentando o mesmo aspecto clínico, sendo prescrito bochecho com 1mg/dia de Betametasona (gotas), com nova avaliação em quinze dias. Passados dois meses após o primeiro exame notou-se discreta mudança no quadro clínico, mesmo com as terapias instituídas e, realizou-se biópsia incisional em ventre esquerdo de língua, retirando-se uma peça de dimensões 2,3cmx1,0cmx0,3cm (Figura 3). O paciente foi medicado com Nimesulide e orientado a manter a conduta de bochechos com solução de Betametasona, retornando, após uma semana, para o pós-operatório. Diante do quadro clínico, o qual não regrediu com a medicação em uso, orientou-se o paciente 94 R bras ci Saúde 13(3):93-98, 2009

Líquen Plano Oral em Paciente Jovem: Relato de Caso Figura 1 Aspecto clínico da lesão da região de trígono retromolar esquerdo. Observam-se área extensa de aspecto misto com áreas leucoplásicas e eritematosas com focos de aparência rendilhada (estrias de Wickhan). Figura 2 Aspecto clínico da lesão de língua. Observam-se placa extensa de aspecto leucoplásico e pequenas estrias eritematosas. Paciente relata sensibilidade na área. Figura 3 Biopsia incisional da lesão da Língua. R bras ci Saúde 13(3):93-98, 2009 95

SOARES et al. a manter a conduta diante dos bochechos com solução de Betametasona e iniciar tratamento com Omcilon A Orabase, uma vez ao dia. Com a intenção de aguardar a confirmação da avaliação histopatológica e perceber a evolução das lesões, o retorno do paciente foi marcado para trinta dias após a última conduta. Ao exame histopatológico, verificou-se epitélio pavimentoso estratificado, hiperparaceratinizado, acantolítico, com degeneração hidrópica e finas projeções papilares em forma de dentes de serra, corpos de Civatte e focos de desintegração da camada basal do epitélio com intenso infiltrado linfocitário disposto em banda em toda a interface do epitélio com o conjuntivo. O tecido conjuntivo fibroso denso apresentou um infiltrado inflamatório linfohistiocitário moderado e proliferação de vasos sanguíneos, algumas vezes hiperemiados. A presença de feixes vásculonervosos e tecido muscular e adiposo compôs o quadro histopatológico, que foi conclusivo para LPO (Figuras 4 e 5). DISCUSSÃO Estudos demonstraram uma predileção do LPO por indivíduos do gênero feminino e de meia-idade (SOUSA et al., 2005; MONTI et al., 2006; SILVA et al., 2007). SOUSA et al. (2005) em seu estudo para traçar o perfil dos pacientes acometidos por LP encontraram uma prevalência de 77,33% no gênero feminino. O caso aqui relatado não corrobora com a literatura, já que a doença acometeu um paciente jovem do gênero masculino. Figura 4 Fotomicrografia exibindo fragmento de mucosa revestido por epitélio pavimentoso estratificado e hiperparaqueratinizado mostrando projeções em dente de serra. Na lâmina própria observamos típico infiltrado inflamatório linfocitário em faixa provocando exocitose e apagamento da camada basal (HE, 100x). Figura 5 Fotomicrografia em região ulcerada exibindo fragmento de mucosa erodido mostrando intenso infiltrado inflamatório linfocitário com exocitose. Tecido muscular com aspecto de normalidade pode ser visualizado na profundidade da lâmina própria (HE, 100x). 96 R bras ci Saúde 13(3):93-98, 2009

Líquen Plano Oral em Paciente Jovem: Relato de Caso O fator responsável por esta predileção pelo gênero feminino parece estar relacionada com a maior incidência de estresse emocional entre mulheres (SOUSA et al., 2005). MONTI et al., (2006) buscaram traçar o perfil psicológico do paciente com LP e encontraram, ao fim de seu estudo, que o perfil é de uma pessoa nervosa, aborrecida, ansiosa, ou seja, com o emocional abalado e concluíram que os fatores psicológicos são causas ou efeitos importantes nessa condição. No entanto, VENTURINI et al., (2006), após revisão da literatura, concluíram que ainda há controvérsias envolvendo o assunto, mas grande parte dos estudos revisados considera a importância do fator psicológico no LP Oral. Quanto à localização das lesões, mucosa jugal, gengiva, língua e região retromolar, do caso ora relatado, foram atingidas, o que está de acordo com os estudos de SOUSA et al., (2005) e MONTI et al., (2006), que encontraram como sítios preferenciais de acometimento do LP Oral a mucosa jugal, a gengiva e a língua. Porém, a apresentação de lesões múltiplas com diferentes aspectos clínicos alerta para um comportamento incomum dessa condição. A localização preferencial pela mucosa jugal, segundo SOUSA et al. (2005), pode ser explicada pela espessura do epitélio e pelo seu grau de queratinização, pois possibilitam que as alterações histopatológicas se reflitam clinicamente mais facilmente do que em outras mucosas. Classicamente o LP Oral apresenta em sua histopatologia, liquefação da camada basal, intenso infiltrado inflamatório disposto em banda, corpos de Civatte, cristas interpapilares, mais frequentemente, em forma de dentes de serra, variações da espessura da camada espinhosa e graus variáveis de orto ou paraqueratose (NEVILLE et al., 2004; REGEZI, SCIUBBA, 2000). No entanto, outras condições podem apresentar características histopatológicas semelhantes, incluindo reações liquenóides, lúpus eritematoso, leucoplasia, eritroleucoplasia e leucoplasia verrucosa proliferativa (SOUSA, ROSA, 2008). Por esse motivo, deve-se estabelecer uma acurada avaliação clínica e histopatológica para que o diagnóstico final seja conclusivo, proporcionando ao paciente um tratamento ou controle adequado das lesões (MARTINS et al., 2008). CONSIDERAÇÕES FINAIS Conclui-se que, apesar da falta de consonância com a literatura, casos incomuns de LP Oral podem ser verificados com múltiplas lesões com diferentes aspectos clínicos e ainda ser diagnosticado em pacientes jovens, do sexo masculino. Por se tratar de uma doença de natureza autoimune, fatores associados à depressão do sistema imunológico podem estar presentes e possibilitar o desenvolvimento dessa condição na juventude. O aumento dos níveis de estresse, entre outras condições inerentes ao cotidiano dessa faixa etária, consiste em um aspecto que deveria ser investigado na tentativa de explicar o aparecimento de LP Oral em pacientes jovens. R bras ci Saúde 13(3):93-98, 2009 97

SOARES et al. REFERÊNCIAS 1. ARREAZA A, CORRENTI M, PERRONE M, MAYRA A. Evaluación de las moléculas de fibrinógeno, del complemento c3, c4, c1q, y anticuerpos igg, igm e iga por inmunofluorescencia directa, en pacientes con liquen plano bucal. Acta Odontol Venezol, 46(1), 2008. 2. CENDRAS J, BONNETBLANC JM. Lichen plan buccal érosif. Ann Dermatol Venereol, 136:458-468, 2009. 3. CHEN Y, ZHANG W, GENG N, TIAN K, WINDSOR LJ. MMPs, TIMP-2, and TGF-b1 in the Cancerization of Oral Lichen Planus. Head & Neck, 30:1237-1245, 2008. 4. DINIZ CMGP et al. Ceratoconjuntivite cicatricial bilateral associada a líquen plano: relato de caso. Arq Bras Oftalmol, 71(6):881-885, 2008. 5. GONZALEZ-MOLES MA, SCULLY C, GIL-MONTOYA JA. Oral lichen planus: controversies surrounding malignant transformation. Oral Diseases, 14:229 243, 2008. 6. GORSKY M, EPSTEIN JB, HASSON-KANFI H, KAUFMAN E. Smoking Habits Among Patients Diagnosed with Oral Lichen Planus. Tobacco Induced Diseases, 2(2):103-108, 2004. 7. MARTINS HPR, SOUZA GA, RODRIGUES NETO E, Castro RFM. Líquen plano bucal. Revista Sul-Brasileira de Odontologia, 5(2):64-68, 2008. 8. MITAMURA J, ONODERA K, OOYA K. Histopathological and immunohistochemical study of oral lichen planus in the buccal mucosa: relationship between clinicopathological features and histometrical analysis. Oral Med Pathol, 13:1-6, 2008. 9. Neville BW et al. Patologia Oral e Maxilofacial. 2. ed. Rio de Janeiro. Guanabara Koogan, 2004, 798 p. 10. NONAKA CFW, NASCIMENTO GJF, PINTO LP, SOUZA LB. Potencial de malignidade do líquen plano oral: revisão dos achados atuais. Rev. Saúde, 18(1):59-66, 2004. 11. RAD M et al. Correlation between clinical and histopathologic diagnoses of oral lichen planus based on modified WHO diagnostic criteria. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod, 107(6):796-800, 2009. 12. REGEZI JA, SCIUBBA JJ. Patologia bucal: correlações clínico-patológicas. 3. ed. Rio de Janeiro. Guanabara Koogan, 2000, 475 p. 13. SILVA MC, IWAKI LCV, PIERALISI N, SILGUEIRO RS, CANDIDO GC. Epidemiologia, Diagnóstico e Tratamento do Líquen Plano no Projeto de Lesões Bucais da Universidade Estadual de Maringá. Arq Bras Odontol, 3(2):87-94, 2007. 14. SOUSA FACG, FONTES PC, BOLANHO A, ROSA LEB. Estudo Comparativo entre o Líquen Plano e o Carcinoma Epidermóide em Mucosa Bucal. Cienc Odontol Bras, 8(1):55-60, 2005. 15. SOUSA FACG, ROSA LEB. Líquen plano bucal: considerações clínicas e histopatológicas. Rev Bras Otorrinolaringol, 74(2):284-92, 2008. 16. SOUSA FACG, ROSA LEB. Perfil epidemiológico dos casos de líquen plano oral pertencentes aos arquivos da disciplina de patologia bucal da Faculdade de Odontologia de São José dos Campos UNESP. Cienc Odontol Bras, 8(4):96-100, 2005. 17. SUGERMAN PB et al. The Pathogenesis of Oral Lichen Planus. Crit Rev Oral Biol Med. 13(4):350-365, 2002. 18. TORTI DC, LORIZZO JL, MCCARTY MA. Oral Lichen Planus: A Case Series With Emphasis on Therapy. Arch Dermatol, 143:511-515, 2007. 19. VENTURINI D, COSTA JRS, TIBOLA J, TARQUINIO SBC. Fatores psicogênicos associados ao líquen plano bucal: revisão da literatura. Rev. Odonto Ciência, 21(52):191-198, 2006. CORRESPONDÊNCIA Maria Sueli Marques Soares Universidade Federal da Paraíba Departamento de Odontologia Programa de Pós-Graduação Odontologia. Cidade Universitária 58059-900 João Pessoa - Paraíba - Brasil E-mail estomatologia.ufpb@gmail.com 98 R bras ci Saúde 13(3):93-98, 2009