Sarampo: achados epidemiológicos recentes e implicações para a prática clínica

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Transcrição:

4 Sarampo: achados epidemiológicos recentes e implicações para a prática clínica Camila Ribeiro 1 Cecília Menezes 2 Cristiane Lamas 3 Resumo O sarampo é considerado uma das doenças infecciosas mais contagiosas, capaz de atingir todos os grupos etários, com risco particular em menores de cinco anos de idade e naqueles entre 15 e 29 anos de idade. É uma das principais causas de morte evitáveis por vacina entre crianças. Recentemente surtos de sarampo ocorreram no mundo, tanto em países desenvolvidos (como França e Estados Unidos) como em desenvolvimento (sobretudo na Ásia e na África), fazendo com que o Brasil, que desde o ano 2000 havia conseguido eliminar a circulação do sarampo, apresentasse casos importados da doença. Através da descrição dos últimos surtos ocorridos a nível nacional e mundial, o presente estudo mostra os atuais aspectos epidemiológicos e implicações para a prática. Palavras-chave: Sarampo; Surto; Vacinação; Imunização. Abstract Measles is considered one of the most contagious diseases in the world. It affects all age groups and presents a particular risk for children under five years of age and to those 15 to 29 years old. It is one of the main causes of vaccine preventable deaths in children. Recently measles outbreaks occurred in the world, both in developed countries (such as France and the United States of America) as in developing ones (mostly in Africa and Asia) Outbreaks have also occurred in Brazil, although since 2000 measles circulation had been considered interrupted; the outbreaks have occurred due mainly to imported cases. Through the description of the latest outbreaks that occurred nationally and internationally, this study shows the current epidemiological aspects and the relevance for clinical practice. Keywords: Measles; Outbreak; Vaccination; Immunization. 1 Acadêmica do 12º período do curso de Medicina da Universidade Unigranrio 2 Acadêmica do 12º período do curso de Medicina da Universidade Unigranrio 3 Professora Adjunta Doutora de Infectologia da Universidade Unigranrio. E-mail: cristianelamas@gmail.com

5 Introdução O sarampo é uma doença infecciosa aguda, grave, transmissível e altamente contagiosa, que costumava ser muito comum na infância na era pré-vacinação (GRIFFIN, 2007; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009). É causada pelo vírus do sarampo, um vírus RNA que pertence ao gênero Morbilivírus da família Paramoxyviridae (LI, 2014). A viremia causada pela infecção provoca uma vasculite generalizada, responsável pelo aparecimento das diversas manifestações clínicas, como febre, malestar, tosse, coriza e conjuntivite (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009; MOSS, 2012). Pode evoluir com gravidade, cursando com complicações como pneumonia e encefalite. Essas complicações contribuem para a gravidade do sarampo, particularmente em crianças desnutridas e menores de um ano de idade, em que infecções bacterianas secundárias ocorrem com maior frequência. A transmissão ocorre de pessoa a pessoa, por meio de secreções nasofaríngeas, expelidas ao tossir, espirrar, falar ou respirar. O vírus pode ser transmitido de quatro a seis dias antes, até quatro dias após o aparecimento do exantema, sendo o período de maior transmissibilidade dois dias antes e dois dias após o início do exantema. Dessa forma, a vacina tríplice viral é a única medida de prevenção eficaz contra o sarampo, protegendo também contra a rubéola e a caxumba (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009). A vacina contra o sarampo disponibilizada na rede pública pelo Programa Nacional de Imunizações faz parte da tríplice viral e da vacina tetraviral, compostas por vírus vivos atenuados. Essas vacinas fazem parte do calendário básico de imunização da criança e são administradas, respectivamente, aos 12 e 15 meses. Adolescentes e adultos não vacinados recebem a vacina tríplice viral. Apesar da disponibilidade desta vacina, que é barata, segura e eficaz, há mais de 40 anos, o sarampo é umas das principais causas de morte infantil em algumas áreas do mundo (WHO, 2008). A vacinação contra o agente mudou drasticamente a história desta condição. O vírus do sarampo apresenta oito classes (A-H), que pode ser subdividida em 24 genótipos. A distribuição de cada genótipo é continuamente geograficamente

6 modelada. Por exemplo, o genótipo A tem circulado pelos Estados Unidos, Reino Unido, Rússia, China e Argentina durante os últimos 20 anos. Os genótipos B e C, foram isolados no Japão, Filipinas, Micronesia e África do Sul. Os genótipos D e E parecem estar circulando amplamente em muitos países da Europa Ocidental, particularmente, na Alemanha, Espanha e Reino Unido. O genótipo F foi isolado em países da África. O genótipo G foi isolado em Montreal, no Canadá em 1988, e recentemente, predomina na Indonésia e Malásia. O Genótipo H foi encontrado em grupos distintos de quatro províncias no interior da China no início dos anos 90, sendo detectados também na Coreia e no Japão. Desde 1993, o genótipo H1 é o principal na China, com subtipos H1a, H1b e H1c, sendo o H1a predominante (LI, 2014). (Figura 1) Figura 1: Distribuição dos casos e genótipos de sarampo no mundo, 2014 Disponível em: www.who.int/ Panorama mundial As doenças passíveis de serem erradicadas são principalmente as doenças virais que tenham o ser humano como único hospedeiro e que não se tornam crônicas,

7 como é o caso do sarampo (GONÇALVES, 2014). Antes da vacina, o sarampo afetou quase toda a população. Na primeira década do século XXI, a incidência global de sarampo e sua mortalidade, caíram cerca de 60 a 70% devido à vacinação. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estabeleceu a meta de vacinar 90% das crianças de um ano até 2015, aumentando para 95% até 2020 (BUTLER, 2015). Além disso, foram definidas datas limite para a eliminação do sarampo em todas as regiões da OMS, no entanto até 2002, o único local de atuação que conseguiu interromper a transmissão endêmica do sarampo, foram as Américas (WHO, 2010). Três anos após a declaração de eliminação do sarampo nas Américas, o Escritório Regional da OMS para o Pacífico Ocidental aprovou uma resolução que estabeleceu que o ano de 2012 seria o ano limite para a eliminação do sarampo em várias regiões (WHO, 2005). Vários países fizeram progressos significativos para atingir esse objetivo (SNIADACK, 2011). No entanto, o progresso no combate à doença começou a parar em 2007, e a cobertura vacinal estabilizou-se em 2010, quando houve uma queda do financiamento durante a crise econômica global. A principal causa do surto foi a queda da cobertura de imunização para níveis inferiores ao que era necessário para a eliminação do vírus, devido a crenças religiosas, pais que hesitam a vacinação em seus filhos e grupos marginalizados, como os povos indígenas (UNICEF, 2014). As pessoas não sabem o quão grave é o sarampo, já que há muito tempo não havia um caso. Então muitos deixaram de vacinar seus filhos, por questão religiosa ou crenças pessoais ou má informação. Na Europa, o controle sobre o sarampo teve outro complicador. Em 1998, um estudo publicado na revista científica The Lancet associava a vacina contra o sarampo, a caxumba e a rubéola ao autismo. O estudo iniciou uma onda antivacina na Inglaterra que prejudicou o sucesso das campanhas. No Canadá, muitas pessoas acreditarem que as doenças que a tríplice viral previne não apresentam ameaças à população, uma vez que pessoas imunodeprimidas não são vacinadas (UNICEF, 2013). Essa notícia se espalhou pela internet, fazendo com que muitas pessoas deixassem de ser vacinadas (BETSCH, 2010).

8 Nos Estados Unidos, não há sarampo, mas a doença, que continua existindo na Europa e na Ásia, torna a imigração o principal fator de disseminação, além das crenças pessoais e religiosas que levam à não vacinação da população em massa. Devido a isso, em 2014, ocorreu um surto no parque temático da Disney na Califórnia, sendo responsável pela re-circulação do vírus do sarampo na América do Norte. Estima-se que os parques temáticos da Disney recebam cerca de 24 milhões de visitantes por ano do mundo todo, incluindo pessoas provenientes de países onde há endemia de sarampo, fazendo com que surtos possam ocorrer quando grupos não vacinados são expostos ao vírus do sarampo importado. A temporada de férias de final de ano coincide com o período de maior exposição, pois as viagens internacionais para os países onde o sarampo é endêmico é um fator de risco conhecido. No entanto, os residentes dos EUA também podem ser expostos ao sarampo em locais com grande número de visitantes internacionais, como outras atrações turísticas, aeroportos, shoppings (ZIPPRICH, 2014) Nos últimos anos, a polêmica sobre as famílias que se negam a vacinar seus filhos invadiu o debate público sobre saúde. O número de pais que optaram por não dar nenhuma vacina do calendário oficial a seus filhos dobrou desde 2007. Quase mil crianças estudam em colégios onde a proporção de imunização está abaixo do recomendado, que é de 92%. A partir desse número, considera-se que há uma imunização grupal que protege também os não vacinados, mas se os não vacinados superarem os 8%, tornam-se um fator de risco para todos os demais (EL PAÍS, 2015). Sarampo no brasil No Brasil, o sarampo é uma doença de notificação compulsória desde 1968. Até o final dos anos 70, essa virose era uma das principais causas de óbito, dentre as doenças infecto-contagiosas, sobretudo em menores de cinco anos, em decorrência de complicações, especialmente a pneumonia. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009) A vacina contra o sarampo foi introduzida no Brasil nos anos de 1967 e 1968, sendo utilizada de forma não sistemática até 1973, quando foi criado o Programa Nacional de Imunização. O PNI é, hoje, parte integrante do Programa da Organização

9 Mundial de Saúde, com o apoio técnico, operacional e financeiro da UNICEF e contribuições do Rotary Internacional e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2003). Na década de 1980, houve um declínio gradativo no número de óbitos, com 15.638 registros. Essa redução foi atribuída ao aumento da cobertura vacinal e à melhoria da assistência médica ofertada às crianças com complicações pós-sarampo. Até o início da década de 1990, o sarampo tinha comportamento endêmico, com picos epidêmicos a cada dois ou três anos. Ocorreram 822 óbitos, ou seja, cerca de um vigésimo do registrado na década anterior (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009). Então, em 1992, o Brasil institui o Plano Nacional de Eliminação do Sarampo, chegando a alcançar uma cobertura vacinal de 96,7% (CDC, 2015). Após um período de quatro anos de controle, o sarampo recrudesceu no país, iniciando com surtos em São Paulo, único estado da federação que não implantou a campanha de acompanhamento programada no país para 1996, e expandindo-se para todos os estados, com 91.810 casos notificados, 53.664 confirmados, com taxa de incidência de 32,6 por 100mil/habitantes e 61 óbitos (CDC, 2015). Acredita-se que isso ocorreu por falha na implementação da estratégia completa da Organização Pan- Americana de Saúde (OPAS). Outro surto se deu no início de 1997, provavelmente originado de caso importado da Europa, que se espalhou para outros estados brasileiros e para vários países do continente americano. Em fins de 1997, mais de 50 mil casos tinham sido relatados nas Américas, com mais de 90% deles originados do Brasil. Entre 2001 e 2005, com exceção do ano de 2004, foram confirmados 10 casos de sarampo no Brasil. Desses, quatro foram classificados como casos importados (Japão, Europa e Ásia) e seis vinculados a esses, onde foram identificados os genótipos D4 e D5. Já em 2006, foram confirmados 57 casos em dois surtos isolados no Estado da Bahia, com genótipo D4, porém não foi identificada a fonte primária da infecção. Os últimos surtos foram em 2006 (57 casos), 2010 (72 casos) e em 2011 (43 casos). Em 2012 foi notificado apenas um caso, com histórico de viagem à Europa. No período de 2010 a 2013, foram notificados 5.596 casos suspeitos com 5,4% (305/5596) confirmados, todos relacionados a casos importados ou secundários a estes e identificados os seguintes genótipos: D4, G3, D8 e B3. Esses genótipos

10 circulavam no continente europeu e africano, respectivamente. Ressalta-se que os genótipos B3, D4 e D8 não haviam circulado no país anteriormente. Em 2013, foram confirmados 220 casos de sarampo nos seguintes estados: São Paulo (5), Minas Gerais (2), Espírito Santo (1), Santa Catarina (1), Paraíba (9), Distrito Federal (1), Pernambuco (200) e Ceará (1). Os genótipos identificados foram D8, D4 e B3. No período de março de 2013 a março de 2014, foram confirmados 224 casos de sarampo no Estado de Pernambuco, dos quais 44,6% (110/224) ocorreram em menores de um ano de idade. Ocorreu um óbito de uma criança de sete meses de idade, feminino, portadora de doenças imunossupressoras (HIV e sífilis positivos). O genótipo identificado foi o D8. No estado do Ceará, entre dezembro de 2013 e maio de 2014, foram confirmados 174 casos. Dos 174 casos confirmados 37,7% (65/174) ocorreram em menores de um ano de idade e não foi identificado vínculo do caso índice com viajante. Medidas de controle foram tomadas no Ceará (Figura 2). Em 2014, foram confirmados sete casos de sarampo no estado de São Paulo com identificação dos genótipos D8 e B3 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2015). Figura 2: Principais ações para contenção de casos de sarampo no Ceará 12/2013 a 03/2015. Fonte: SESA/COPROM/NUVEP/SINANWEB.* Atualização em: 23/04/2015. Dados sujeitos à revisão

11 Casos de sarampo confirmados no Brasil 1990-2014 120000 115559 100000 80000 61697 60000 40000 20000 40 63 537 0 Gráfico 1: Casos de sarampo confirmados no Brasil de 1990 a 2014. Fonte: Ministério da Saúde 2015 Óbitos de sarampo no Brasil de 1990-2014 800 700 600 500 400 300 200 100 0 744 80 2 1 1 1990-1994 1995-1999 2000-2004 2005-2009 2010-2014 Gráfico 2: Óbitos de sarampo no Brasil de 1990 a 2014. Fonte: Ministério da Saúde 2015

12 Discussão São os vários os fatores que podem contribuir para o ressurgimento de casos de sarampo no Brasil e no mundo. Eles serão discutidos em tópicos a seguir: - Baixa adesão da vacina em países desenvolvidos Nos países desenvolvidos, existe uma importante resistência a determinadas vacinas, entre elas a tríplice viral, contra sarampo, rubéola e caxumba. Motivos como crenças pessoais, religiosas e notícias divulgadas na mídia dão ênfase ao crescente movimento antivacinação e consequente queda da cobertura de imunização. As autoridades tentam minimizar a não adesão vacinal tornando necessária a sua comprovação ao realizar matrículas escolares, no entanto os pais que questionam a segurança das vacinas podem pedir a isenção da vacinação alegando motivos pessoais. Outro fator responsável pela crescente incidência do sarampo é a importação de casos, com a migração e com as viagens internacionais. - Baixa cobertura em países em desenvolvimento A maioria dos países africanos encontra-se diante de um maior problema em relação ao sarampo devido à alta prevalência de indivíduos imunodeprimidos por doenças como o HIV, que é um fator contribuinte para a disseminação do sarampo já que esse grupo não pode ser vacinado. Além disso, outros países em desenvolvimento não apresentam cobertura vacinal satisfatória, resultando em surtos de difícil controle do número de casos dessa doença. - Brasil, país emergente com controle do sarampo e reintrodução da doença No Brasil, há evidências da interrupção da transmissão autóctone do vírus do sarampo desde o ano 2000. Porém, o Ministério da Saúde confirmou vários casos importados de sarampo entre os anos de 2001 e 2014. Os estados mais acometidos foram Pernambuco e Ceará e esses surtos ocorrem até os dias de hoje. Uma declaração de restabelecimento da circulação do vírus do sarampo no país e nas Américas está sendo considerada, pois a condição de local endêmico para sarampo se dá após 12

13 meses com confirmações de casos de forma ininterrupta e o Ceará, principal estado brasileiro acometido, já participa desse cenário há 15 meses. - Controle global do sarampo O sarampo é uma doença infecciosa transmissível e altamente contagiosa. O vírus do sarampo apresenta oito classes (A-H), que pode ser subdividida em 24 genótipos. Muitos países, como é o caso do Brasil, conseguiram controlar a incidência dessa doença utilizando a vacina, entretanto, enquanto os casos não forem completamente erradicados e uma grande parcela da população global não for devidamente imunizada, essa doença continuará circulando e gerando surto nos mais diversos países. - Implicações dos novos surtos de sarampo na prática clínica Diante dos novos casos de sarampo, é extremamente importante que os profissionais de saúde do Brasil e do mundo coloquem essa doença nos diagnósticos diferenciais de doenças exantemáticas, e atuem ativamente na prevenção, estimulando a vacinação. Outro importante e indispensável quesito é a atenção para a notificação do sarampo, para que se tenha a real noção do número de casos e um adequado estudo e análise epidemiológicos. Apenas com a investigação epidemiológica se poderá chegar aos planos de ações eficazes para erradicar de uma vez por todas o sarampo. Considerações finais Com a realização da revisão literária baseada em artigos atuais, sobre o recente surto de sarampo no Brasil e no mundo, pode-se concluir que pacientes com febre, exantema e um ou mais dos sintomas tosse e/ou coriza e/ou conjuntivite, com sorologia para sarampo com resultado Ig M reagente e Ig G não reagente, sem história vacinal nos últimos 21 dias são considerados casos confirmados de sarampo. No Brasil, a maioria dos casos notificada encontra-se entre a faixa etária de 5 a 29 anos de idade e em indivíduos não vacinados. Não houve predomínio de sexo feminino ou masculino. Os Estados mais acometidos foram Ceará e Pernambuco.

14 Foi evidenciado que não existe transmissão autóctone do vírus do sarampo no Brasil, mas, sim, casos importados da doença e casos relacionados a estes casos importados. As causas apontadas para esses surtos são a falta níveis de cobertura tidos como ideais pela OMS (95%) somada à falta de homogeneidade das coberturas vacinais nos municípios e estados brasileiros, assim como ao fato de a eficácia da vacina não ser de 100% (o que cria um acúmulo de pessoas suscetíveis à doença). Também contribuem para o risco de reintrodução do sarampo no Brasil a persistência da circulação do vírus do sarampo na Europa, Ásia e África, associada à grande circulação de pessoas, facilitada pelos meios de transporte modernos, que encurtam distâncias e estimulam o turismo em todo o mundo. Diante da ocorrência do surto de sarampo, as principais ações para contenção de casos ao longo dos 15 meses, foram ações de imunização, seguidas de campanhas de vacinação para faixa etária de 6 meses até 4 anos e a vacinação indiscriminada para pessoas entre 5 e 29 anos, além das crianças de 6 meses a 1 ano. Dessa forma, é importante a manutenção do sistema de vigilância epidemiológica da doença, com o objetivo de detectar oportunamente todo caso de sarampo importado, bem como adotar todas as medidas de controle ao caso. Os países que conseguiram erradicar o sarampo, ou que estejam em vias de fazê-lo, devem redobrar sua vigilância. Os casos importados podem representar um desafio aos profissionais de saúde, porque exigem diagnóstico rápido de uma doença altamente contagiosa. A doença, que já não é tão frequente, pode passar não diagnosticada. Além disso, exige isolamento social para conter sua disseminação numa população que ainda pode ter um grande número de suscetíveis, o que poderia gerar surtos epidêmicos. Estes surtos podem ser úteis para identificar lacunas nos programas de imunização, que podem não ser evidentes através do controle da cobertura vacinal. Todos têm uma parcela de responsabilidade nisso. Cabe às autoridades gestoras de saúde atuar para que surtos não aconteçam, fortalecendo as ações em imunizações, estímulo à pesquisa de imunobiológicos cada vez mais seguros e livres de possíveis reações. Aos profissionais de saúde, cabe o aperfeiçoamento diagnóstico e a responsabilidade da notificação de casos suspeitos, visando a

15 detecção precoce dos casos. E a todos os cidadãos, cabe exercer a cidadania de modo pleno, exigindo do poder público a execução das medidas preconizadas pelos órgãos técnicos de saúde. Referências bibliográficas BETSCH C. et al. The influence of vaccine-critical websites on perceiving vaccination risks. J Health Psychology [s.l.] ;15:446-55, 2010. BUTLER,D. Measles by the numbers: A race to eradication. Nature. [s.l.] Feb 12;518(7538):148-9. 2015 CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION Outbreak notice measles update. Disponível em wwwnc.cdc.gov/travel/notices/outbreaknotice/measles.htm. 2015 GONÇALVES M. Da doença à saúde: os caminhos dos patógenos e das epidemias. ComCiência no.162 Campinas, 2014. GRIFFIN DE. Measles vírus. In: Knipe. D. M., and Howley, P.M., Eds Fields Virology, 5th Ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health/Lippincott Wiliams & Wilkins, 2007. EL PAÍS. Surto de sarampo na Disneylândia coloca moda antivacinas em foco. 2015 LI S et al. - Molecular epidemiology of measles virus infection in Shanghai in 2000 2012: the first appearance of genotype D8 - Braz J Infect Dis (18 )6: 581-90. 2014. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de Imunizações, 30 anos. Série C. Projetos e Programas e Relatórios. Brasília 2003. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Guia de vigilância epidemiológica - Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância Epidemiológica: Caderno 2, Sarampo. 7ª ed. Brasília.2009. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Acesso em portalsaude.saude.gov.br/index.../situacaoepidemiologica-dados-sarampo. 2015. MOSS WJ; GRIFFIN DE. Measles. Lancet 379(9811):153-64. 2012 SNIADACK DH. et al. Progress and challenges for measles elimination by 2012 in the Western Pacific Region. J Infect Dis ;204(Suppl 1):S439 46. 2011.

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