DA ÁUSTRIA AO BRASIL: OS EXÍLIOS DE STEFAN ZWEIG E OTTO MARIA CARPEUAX.



Documentos relacionados
"Brasil é um tipo de país menos centrado nos EUA"

HISTÓRIA Professores: Pedro Alexandre, Guga, André, Osvaldo

Como ensinamos o Holocausto? Essas linhas mestras foram traduzidas pelo Ministério da Educação português

país. Ele quer educação, saúde e lazer. Surge então o sindicato cidadão que pensa o trabalhador como um ser integrado à sociedade.

SOB O DOMÍNIO DE NAPOLEÃO

Pesquisa Mensal de Emprego - PME

Os encontros de Jesus. sede de Deus

Pesquisa Semesp. A Força do Ensino Superior no Mercado de Trabalho

Movimentos sociais - tentando uma definição

Uma leitura apressada dos Atos dos Apóstolos poderia nos dar a impressão de que todos os seguidores de Jesus o acompanharam da Galileia a Jerusalém,

Fundador da Comunidade Judaica do Porto

AS CONTRIBUIÇÕES DAS VÍDEO AULAS NA FORMAÇÃO DO EDUCANDO.

O significado do Ensino Médio Público na visão dos estudantes

A questão da natalidade nos países da União Européia: desafios e alternativas em discussão 1.

VOLUNTARIADO E CIDADANIA

Nome: nº. Recuperação Final de História Profª Patrícia

A desigualdade de renda parou de cair? (Parte I)

DISCURSO SOBRE LEVANTAMENTO DA PASTORAL DO MIGRANTE FEITO NO ESTADO DO AMAZONAS REVELANDO QUE OS MIGRANTES PROCURAM O ESTADO DO AMAZONAS EM BUSCA DE

4ª FASE. Prof. Amaury Pio Prof. Eduardo Gomes

QUAL O NÚMERO DE VEÍCULOS QUE CIRCULA EM SÃO PAULO?

Prova bimestral. história. 1 o Bimestre 5 o ano. 1. Leia o texto a seguir e responda

História/15 6º ano Turma: 2º trimestre Nome: Data: / / RECUPERAÇÃO FINAL 2015 HISTÓRIA 6º ano

REFORMA PROTESTANTE E CONTRARREFORMA CATÓLICA. Professor: Eduardo C. Ferreira

ABCEducatio entrevista Sílvio Bock

Go for Bolsas de Estudos & Mobilidade Internacional. it!

9. o ANO FUNDAMENTAL PROF. ª ANDREZA XAVIER PROF. WALACE VINENTE

SUPERANDO TRAUMAS EM MATEMÁTICA

Objetivo: Relatar a experiência do desenvolvimento do software Participar. Wilson Veneziano Professor Orientador do projeto CIC/UnB

CONCEPÇÃO E PRÁTICA DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: UM OLHAR SOBRE O PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO RAFAELA DA COSTA GOMES

GRUPO IV 2 o BIMESTRE PROVA A

Comentário ao Documentário Portugal Um Retrato Social

CIDADANIA: o que é isso?

f r a n c i s c o d e Viver com atenção c a m i n h o Herança espiritual da Congregação das Irmãs Franciscanas de Oirschot

Educação Financeira: mil razões para estudar

5 Considerações finais

A evolução da espécie humana até aos dias de hoje

- Trecho da Carta de Pero Vaz de Caminha sobre o Descobrimento do Brasil. - Fotografias da posse do presidente do Brasil

Refugiados na Europa: a crise em mapas e gráficos

QUEDA NO NÍVEL DE ENDIVIDAMENTO DO CATARINENSE É ACOMPANHADA POR PEQUENA DETERIORAÇÃO DA QUALIDADE DAS DÍVIDAS

TEMA 3 UMA EXPERIÊNCIA

1 O número concreto. Como surgiu o número? Contando objetos com outros objetos Construindo o conceito de número

A Contribuição Sírio-Libanesa para o Desenvolvimento de Anápolis 1907 a 1949.

CORPO, JOVENS E PRÁTICA DE MUSCULAÇÃO

Pesquisa Mensal de Emprego

Criminalidade. Luciano Nakabashi Juliano Condi

81AB2F7556 DISCURSO PROFERIDO PELO SENHOR DEPUTADO LUIZ CARLOS HAULY NA SESSÃO DE 05 DE JUNHO DE Senhor Presidente, Senhoras Deputadas,

CURSOS PRECISAM PREPARAR PARA A DOCÊNCIA

XADREZ NAS ESCOLAS E PARA TODOS

Relatório: Os planos do governo equatoriano: incentivo ao retorno da população migrante 38

INSTITUTOS SUPERIORES DE ENSINO DO CENSA PROGRAMA INSTITUCIONAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA PROVIC PROGRAMA VOLUNTÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA

Consumidor e produtor devem estar

HISTÓRIAREAL. Como o Rodrigo passou do estresse total para uma vida mais balanceada. Rodrigo Pinto. Microsoft

Usos e Costumes. Nos Dias Atuais TIAGO SANTOS

A VERDADE SOBRE AS FUNERÁRIAS NO MUNICÍPIO DO RJ:

Estudo Dirigido - RECUPERAÇÃO FINAL

A MULHER E OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

TEMA 6 O AVANÇO DOS ALIADOS. Os combates decisivos entre as tropas do Eixo e as forças aliadas foram travados em território soviético.

AÇÃO PEDAGÓGICA DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA, NOS PROJETOS ESPORTIVOS E NOS JOGOS ESCOLARES

MESOPOTÂMIA ORIENTE MÉDIO FENÍCIA ISRAEL EGITO PÉRSIA. ORIENTE MÉDIO origem das primeiras civilizações

Até então o confronto direto entre os aliados não havia acontecido.

introdução Trecho final da Carta da Terra 1. O projeto contou com a colaboração da Rede Nossa São Paulo e Instituto de Fomento à Tecnologia do

Por uma pedagogia da juventude

Oração. u m a c o n v e r s a d a a l m a

A VIDA DO REI SALOMÃO

SITUAÇÃO DOS ODM NOS MUNICÍPIOS

3.4 DELINEAMENTO ÉTICO JURÍDICO DA NOVA ORGANIZAÇÃO SOCIAL

Daniel fazia parte de uma grupo seleto de homens de Deus. Ele é citado pelo profeta Ezequiel e por Jesus.

MOVIMENTO GINÁSTICO EUROPEU

ROTEIRO DE RECUPERAÇÃO DE HISTÓRIA

O conceito de amor em Agostinho

GRITO PELA EDUCAÇÃO PÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

Fim do fator previdenciário para quem atingir a. fórmula 95 para homens e 85 para mulheres.

ISSN ÁREA TEMÁTICA: (marque uma das opções)

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

O ENSINO DE MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONALIZANTE- INDUSTRIAL NA VOZ DO JORNAL O ETV : ECOS DA REFORMA CAPANEMA

HISTÓRIA ª FASE 2009

Florianópolis, 17 de agosto de 2011.

MOBILIDADE DOS EMPREENDEDORES E VARIAÇÕES NOS RENDIMENTOS

O Sindicato de trabalhadores rurais de Ubatã e sua contribuição para a defesa dos interesses da classe trabalhadora rural

O estudante de Pedagogia deve gostar muito de ler e possuir boa capacidade de concentração porque receberá muitos textos teóricos para estudar.

Eixo Temático 1 Instrução e Cult uras Escola res

GRUPOS. são como indivíduos, cada um deles, tem sua maneira específica de funcionar.

Família. Escola. Trabalho e vida econômica. Vida Comunitária e Religião

Período São Bernardo SB Zero SB 20 SB 40 CDI. Janeiro 0,92% 1,05% -0,29% -1,71% 0,93% Fevereiro 0,81% 0,74% 1,93% 3,23% 0,82%

A REVISTA OESTE NA CONSOLIDAÇÃO DO CENÁRIO POLÍTICO GOIANO

CONCEITOS E MÉTODOS PARA GESTÃO DE SAÚDE POPULACIONAL

SAÚDE COMO UM DIREITO DE CIDADANIA

Projeto Pedagógico Institucional PPI FESPSP FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO PROJETO PEDAGÓGICO INSTITUCIONAL PPI

Título do Case: O papel do Movimento Empresa Júnior na formação de empreendedores que transformam a vida das pessoas Categoria: EJ Empreendedora

TEMAS SOCIAIS O UTUBRO DE 2000 CONJUNTURA ECONÔMICA 28

Título: Pensando estrategicamente em inovação tecnológica de impacto social Categoria: Projeto Externo Temática: Segundo Setor

Preconceito juízo pré-concebido atitude discriminatória

Redação do Site Inovação Tecnológica - 28/08/2009. Humanos aprimorados versus humanos comuns

CURSO: A ESCOLA NO COMBATE AO TRABALHO INFANTIL PROPOSTA PEDAGÓGICA - ENTREVISTA

CAPÍTULO 5 CONCLUSÕES, RECOMENDAÇÕES E LIMITAÇÕES. 1. Conclusões e Recomendações

Anexo Entrevista G1.1

Simon Schwartzman. A evolução da educação superior no Brasil diferenças de nível, gênero e idade.

Jogos. Redes Sociais e Econômicas. Prof. André Vignatti

COMENTÁRIO DA PROVA DE HISTÓRIA

Transcrição:

DA ÁUSTRIA AO BRASIL: OS EXÍLIOS DE STEFAN ZWEIG E OTTO MARIA CARPEUAX. Aluno: Blanche Marie Evin da Costa Orientador: Mauricio Parada Introdução: O século XX ficou marcado na história pelas grandes Guerras Mundiais. A Primeira Guerra de 1914 a 1918, a Segunda de 1939 a 1945 e a Guerra Fria de 1945 a 1991. A Europa encontrou-se devastada durante e depois das duas grandes Guerras Mundiais, tanto fisicamente, fruto de bombardeios e confrontos diretos, quanto moralmente, pelos acontecimentos monstruosos que se desenvolveram paralelamente às guerras e que destruíram a crença no progresso da humanidade. A Primeira Guerra, fruto de disputas imperialistas, trouxe a novidade da participação das massas no campo de batalha, além de trazer uma série de consequências graves a partir dos tratados de paz, como o surgimento das minorias étnicas e dos apátridas. A Segunda Guerra foi marcada pela expansão imperialista da Alemanha e, sobretudo, pela perseguição antissemita e de outros povos, considerados inferiores em comparação ao modelo ideal ariano germânico. Além de apresentar ao mundo a presença do horror em sua forma mais fiel, a partir dos campos de concentração e de extermínio, a Segunda Guerra Mundial continuou um processo que havia se desenvolvido durante a Primeira: a propagação de minorias étnicas e a larga produção de apátridas, resultando em imigrações forçadas e exílios. As imigrações, as diásporas e os exílios têm deixado marcas profundas na cultura do século XX. Por outro lado, essas experiências de deslocamento têm sido fontes

extraordinárias de produção intelectual, como defende o historiador italiano Enzo Traverso durante o capítulo Exílio e Violencia em sua obra A História como Campo de Batalla. 1 A contribuição dos exilados na história do pensamento crítico tem sido constante, já que a comparação entre diferentes culturas e, sobretudo, o olhar produzido pela distancia dos pontos centrais da guerra, trouxeram novas críticas intelectuais. As produções intelectuais realizadas em exílio também tecem laços entre as línguas e as literaturas, concedendo-lhes traços cosmopolitas. Assim, a posição do estrangeiro, do apátrida e dos desenraizados resultou em um observatório privilegiado sobre os acontecimentos desastrosos do século XX. A distância faz a realidade aparecer sobre outro aspecto, modifica as perspectivas e acentua ou neutraliza as empatias a partir olhar crítico. O exilado, obrigado a sair do mundo que pertencia, se torna contemplador longínquo do mundo de trás, trazendo notas frutíferas à história do pensamento crítico. Para Enzo Traverso as transformações de observação também afetam a escrita da história. No exílio, as fronteiras entre o erudito e o militante se tornam porosas e instáveis, fazendo com que as historiografias europeias se construam como um combate consciente contra o fascismo. Assim, os exílios se formam em oposição aos movimentos totalitários e o olhar diferenciado dos deslocados começa a julgar a recaída da civilização na barbárie. Enzo Traverso também chama atenção para a distância entre os acontecimentos monstruosos do século XX e a sua real preocupação. Segundo ele a percepção da gravidade dos acontecimentos durou muito para acontecer - poucos foram aqueles que transformaram relatos em críticas. Os exilados foram os primeiros a transformar os relatos horripilantes do século XX em objeto de pensamento. Por isso a sua contribuição ao pensamento crítico é tão fundamental para a escrita da história. A presença de intelectuais no exílio leva a marca de um desenraizamento, como demonstra a passagem a seguir: La existencia del intelectual em el exilio lleva la marca de um desgarramiento, de um trauma profundo que, muy rapidamente, lo priva de su contexto social y cultural, su lengua, sus lecturas, su profesión y sus fuentes de subsistência (a menudo incluso de La possibilidad de publicar), de um paisaje familiar en el que fijar um orden de pensamiento. 2 A perda de todas as questões relatadas acima, como o trabalho, as ligações familiares, a língua, as leituras e o contexto social e cultural, acabam transformando o exilado em um 1 TRAVERSO, E.,VII Exilio y Violencia. IN:TRAVERSO,E. Historia como Campo de Batalla, Mexico: Fondo de Cultura, 2012. P.237-280. 2 Idem, p.256

deslocado cultural. Esse choque de culturas, no entanto, é fundamental para a construção de uma analise crítica do mundo. O exilado acaba favorecido, apesar de inúmeros traumas que possa ter passado, para a construção de uma nova narrativa. A distância, que lhe foi obrigada, torna-se fundamental para a construção de uma analise dos acontecimentos históricos tal como eles se apresentam, já que a distancia favorece a neutralidade e a analise sóbria. Este trabalho pretende englobar esses intelectuais que tiveram, a partir do exílio, uma nova maneira de ver o mundo, mais especificamente os apátridas e seus diferentes processos de assimilação. Como trabalhar com todos os casos do século XX seria improvável, escolhi dois casos mundialmente conhecidos para analisar os diferentes casos de assimilação: Stefan Zweig e Otto Maria Carpeaux. Ambos apresentam uma trajetória bem parecida: nasceram em Viena, na Áustria, e a partir das perseguições nazistas vieram a se exilar no Brasil. O mundo cultural inicial dos dois é o mesmo, o que nos permite analisar mais profundamente o ambiente cultural e político de Viena, a fim de entendermos as raízes intelectuais, políticas, religiosas e morais de ambos, assim como podemos nos reter especificamente ao processo de imigração brasileiro na Era Vargas (já que ambos imigram durante o governo de Getúlio Vargas) e ao ambiente cultural e político da sociedade brasileira na época. Porém, o que mais nos chama a atenção é que apesar de suas trajetórias serem bastante parecidas, seus processos de assimilação no novo país foram extremamente diferentes: Stefan Zweig não conseguiu conviver longe de seus livros e de suas publicações. O seu livro Brasil, o país do futuro, não foi bem aceito na sociedade carioca, o que o levou a se mudar, junto com sua mulher, para Petrópolis. Já Otto Maria Carpeaux ingressou rapidamente no ambiente intelectual brasileiro. Em menos de dois anos aprendeu o português e já estava trabalhando em um dos maiores jornais da época, o Gazeta da Manha, como crítico literário. Os diferentes processos de assimilação e de exílio, frutos dos acontecimentos desastrosos do século XX, constituem o ponto central desse trabalho. Veremos como Stefan Zweig e Otto Maria Carpeaux (Karpfen) traçaram caminhos diferentes e como, consequentemente, os seus processos de aceitação à nova realidade foram distintos.

Objetivos: -Contextualizar o mundo vienense em que Otto Maria Carpeaux e Stefan Zweig estavam inseridos. -Traçar uma narrativa mostrando as diferenças entre os percursos dos exilados -Comparar, a partir de suas trajetórias e de suas assimilações, as diferentes situações entre os exilados. Metodologia O processo inicial de pesquisa começou em 2012. Em primeiro foi feito um levantamento de inúmeros nomes que pudessem ser encaixados na condição de exilados no Brasil e durante o século XX, na maioria intelectuais. Foram ao todo cento e quarenta e seis nomes. Essa lista conta com o nome completo, o ano de nascimento e ano de morte, as publicações e o resultado da pesquisa feita em relação ao exilado. A pesquisa foi feita em diversas instituições do Rio de Janeiro como o Arquivo Nacional, o Instituto Moreira Salles e a Biblioteca Nacional. A lista foi feita pela antiga bolsista desse programa, Bianca Sayuri Miki, a qual substitui depois da sua formação. Hoje ela se encontra no mestrado da mesma instituição. Após ter uma melhor noção sobre a quantidade de exilados no Brasil, escolhi para o aprofundamento da pesquisa dois nomes: Otto Maria Carpeaux e Stefan Zweig. Ambos vieram da Áustria e foram, mais tarde, exilados no Brasil. Assim a trajetória de ambos se torna parecida. Para a construção deste trabalho me detive ao processo de naturalização de Otto Maria Carpeaux/ Otto Karpfen, retirado do Arquivo Nacional, além de contar com artigos no Jornal A Gazeta da Manhã e com a obra de Mauro Ventura, De Karpfen a Carpeaux. Já para a construção da trajetória de Stefan Zweig, me baseei na sua autobiografia, O Mundo de Ontem, no seu livro Brasil, o país do futuro e em algumas cartas do autor, presentes na exposição Brasil, o país do futuro, em sua casa em Petrópolis.

Este trabalho tem como objetivo principal, a partir dos documentos, reconstruir a trajetória de ambos os exilados, além de apresentar os diferentes processos de assimilação na nova pátria: O Brasil. Assim sendo, o referencial teórico dessa pesquisa se aproxima dos estudos em história intelectual e de certa forma também da pesquisa em histórica cultural. Conclusões: O surgimento de apátridas a partir da deflagração da Primeira Guerra Mundial acabou gerando, consequentemente, inúmeros processos de exílio pelo mundo. A organização da geografia mundial em Estados nacionais acabou acumulando pessoas encontradas à margem do sistema legal, ficando excluídas dos direitos, até então, inalienáveis. A grande contradição do sistema nacional- a exclusão de pessoas que não podem se enquadrar na organização mundial- só cresceu a partir da Primeira Guerra, o que concretiza a falta de interesse dos governantes em achar uma resolução para o caso. Os processos de exílio de Otto Maria Carpeaux e de Stefan Zweig são uma parte minúscula do contexto geral em que os apátridas, refugiados e imigrantes se encontram. A Segunda Guerra Mundial, que teve a perseguição racista e religiosa como uma das suas marcas mais profundas, contribuiu imensamente para a larga produção de apátridas no mundo, já que o governo nazista alemão perseguiu grande parte de sua população alegando que muitos não se encontravam dentro das características germânicas desejáveis. O povo judeu foi a grande vítima da política racista do nazismo, fazendo com que milhares de judeus europeus imigrassem forçadamente para outros países do mundo, inclusive o Brasil. Otto Karpfen e Stefan Zweig, por pertencerem à burguesia judaica austríaca se encontraram, de uma hora para outra, forçados a emigrar. A trajetória de exílio de ambos começou no instante em que deixaram o seu país de origem, a Áustria, por motivos de força maior. A partir daí podemos encaixa-los entre os milhões de exilados e refugiados que já habitaram o mundo contemporâneo. Este trabalho teve como objetivo trazer os diferentes processos de exílio de Otto Carpeaux e Stefan Zweig, e consequentemente os diferentes processos de assimilação de ambos, a fim de mostrar uma pequena parcela dos apátridas e de todas as dificuldades que eles encontram. Além disso, este trabalho propõe a percepção dos exilados como intelectuais

que contribuíram para o pensamento crítico universal, como defende Enzo Traverso em seu capítulo Exilio y Violencia. 3 Segundo Enzo Traverso os exilados foram os primeiros analistas das violências da Era dos Extremos. Ou seja, os exilados puderam, antes de todos, perceber o grau de violência e de maldade que a Era dos extremos (o século XX e suas guerras monstruosas) proporcionou ao mundo. A partir do exílio, e da comparação cultural que ele proporciona, os exilados puderam perceber o que estava ocorrendo no mundo, podendo pioneiramente elaborar críticas e posições políticas contra o fascismo. Otto Maria Carpeaux ficou conhecido mais tarde pela sua forte posição política contra os governos autoritários, especialmente depois do golpe de 1964. Ou seja, a sua posição antifascista ficou evidente a partir dos artigos publicados no jornal A Gazeta da Manhã, que foram influenciados, sem dúvidas, pela sua experiência pessoal de exilado e de fugido do governo nazista. Já Stefan Zweig, em seu livro Brasil, país do futuro, reconheceu as monstruosidades que a Europa estava seguindo, reforçando também a sua posição contra os governos autoritários. Zweig, além de reconhecer o drama da era dos extremos, reconheceu no Brasil uma nova forma de civilização, baseada na harmonia entre as etnias. O exílio forçado e o choque cultural que sofreram Stefan Zweig e Otto Maria Carpeaux reforçam o argumento do historiador italiano: a posição de estrangeiros, de apátridas e de desenraizados resulta em um observatório privilegiado dos cataclismos que afetam o mundo. 4 Os diferentes processos de assimilação, por outro lado, foram resultado de diferentes posições ao longo da vida. Tanto as posições políticas quanto as religiosas e culturais. Além das diferentes posições, podemos destacar que as grandes críticas que Stefan Zweig sofreu depois da publicação de seu livro Brasil, país do futuro, contribuíram imensamente para a depressão que estava tomando conta do autor desde a sua saída da Áustria. Por outro lado as críticas positivas e a abertura dos intelectuais cariocas encontrada por Otto Maria Carpeaux foram fundamentais para a sua assimilação positiva no Brasil. 3 TRAVERSO, E. op. cit. 2012. 4 Idem. P.237

Referências: [1]ARENDT, Hannah.,Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo:Companhia das Letras, 1999. [2]. Origens do Totalitarismo: Anti-semitismo Imperialismo Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras,1989. [3]KOIFMAN, F. Imigrante Ideal: O Ministério da Justiça e a entrada de estrangeiros no Brasil (1941-1945). Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 2012. [4]LINS, Álvaro. Otto Maria Carpeaux. Jornal Correio da Manha, Rio de Janeiro, 19. Abril.1941. n. 14250. [5]PARADA, Mauricio. O Dever do Exilado. Revista de História da Biblioteca Nacional, n.91, p. 54-57,abril. 2013. [6]PROCESSO DE NATURALIZAÇÃO de Otto Karpfen. AN SECAM Processo: 10345/1942. [7]SCHORSKE, Carl E. Viena fin-de-sciècle: política e cultura. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. [8]TRAVERSO, Enzo. Exílio y Violencia Uma hermenéutica de La distância. In: TRAVERSO, Enzo.Historia como Campo de Batalla.México:Fondo de Cultura, 2012. [9]VENTURA, Mauro S. De Karpfen a Carpeaux. Rio de Janeiro: Topbooks editora e distribuidora de livros ltda, 2002. [10]ZWEIG, Stefan. O Mundo de ontem. Lisboa: Assírio & Alvim, 1976. [11]. Brasil, o país do futuro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1960. [12]. Diário dia 14,15 e 16 de agosto de 1936 In. Catálogo da exposição Brasil, um país do futuro, inaugurada na Casa Stefan Zweig, Petrópolis, Rj, 2012.