DA ÁUSTRIA AO BRASIL: OS EXÍLIOS DE STEFAN ZWEIG E OTTO MARIA CARPEUAX. Aluno: Blanche Marie Evin da Costa Orientador: Mauricio Parada Introdução: O século XX ficou marcado na história pelas grandes Guerras Mundiais. A Primeira Guerra de 1914 a 1918, a Segunda de 1939 a 1945 e a Guerra Fria de 1945 a 1991. A Europa encontrou-se devastada durante e depois das duas grandes Guerras Mundiais, tanto fisicamente, fruto de bombardeios e confrontos diretos, quanto moralmente, pelos acontecimentos monstruosos que se desenvolveram paralelamente às guerras e que destruíram a crença no progresso da humanidade. A Primeira Guerra, fruto de disputas imperialistas, trouxe a novidade da participação das massas no campo de batalha, além de trazer uma série de consequências graves a partir dos tratados de paz, como o surgimento das minorias étnicas e dos apátridas. A Segunda Guerra foi marcada pela expansão imperialista da Alemanha e, sobretudo, pela perseguição antissemita e de outros povos, considerados inferiores em comparação ao modelo ideal ariano germânico. Além de apresentar ao mundo a presença do horror em sua forma mais fiel, a partir dos campos de concentração e de extermínio, a Segunda Guerra Mundial continuou um processo que havia se desenvolvido durante a Primeira: a propagação de minorias étnicas e a larga produção de apátridas, resultando em imigrações forçadas e exílios. As imigrações, as diásporas e os exílios têm deixado marcas profundas na cultura do século XX. Por outro lado, essas experiências de deslocamento têm sido fontes
extraordinárias de produção intelectual, como defende o historiador italiano Enzo Traverso durante o capítulo Exílio e Violencia em sua obra A História como Campo de Batalla. 1 A contribuição dos exilados na história do pensamento crítico tem sido constante, já que a comparação entre diferentes culturas e, sobretudo, o olhar produzido pela distancia dos pontos centrais da guerra, trouxeram novas críticas intelectuais. As produções intelectuais realizadas em exílio também tecem laços entre as línguas e as literaturas, concedendo-lhes traços cosmopolitas. Assim, a posição do estrangeiro, do apátrida e dos desenraizados resultou em um observatório privilegiado sobre os acontecimentos desastrosos do século XX. A distância faz a realidade aparecer sobre outro aspecto, modifica as perspectivas e acentua ou neutraliza as empatias a partir olhar crítico. O exilado, obrigado a sair do mundo que pertencia, se torna contemplador longínquo do mundo de trás, trazendo notas frutíferas à história do pensamento crítico. Para Enzo Traverso as transformações de observação também afetam a escrita da história. No exílio, as fronteiras entre o erudito e o militante se tornam porosas e instáveis, fazendo com que as historiografias europeias se construam como um combate consciente contra o fascismo. Assim, os exílios se formam em oposição aos movimentos totalitários e o olhar diferenciado dos deslocados começa a julgar a recaída da civilização na barbárie. Enzo Traverso também chama atenção para a distância entre os acontecimentos monstruosos do século XX e a sua real preocupação. Segundo ele a percepção da gravidade dos acontecimentos durou muito para acontecer - poucos foram aqueles que transformaram relatos em críticas. Os exilados foram os primeiros a transformar os relatos horripilantes do século XX em objeto de pensamento. Por isso a sua contribuição ao pensamento crítico é tão fundamental para a escrita da história. A presença de intelectuais no exílio leva a marca de um desenraizamento, como demonstra a passagem a seguir: La existencia del intelectual em el exilio lleva la marca de um desgarramiento, de um trauma profundo que, muy rapidamente, lo priva de su contexto social y cultural, su lengua, sus lecturas, su profesión y sus fuentes de subsistência (a menudo incluso de La possibilidad de publicar), de um paisaje familiar en el que fijar um orden de pensamiento. 2 A perda de todas as questões relatadas acima, como o trabalho, as ligações familiares, a língua, as leituras e o contexto social e cultural, acabam transformando o exilado em um 1 TRAVERSO, E.,VII Exilio y Violencia. IN:TRAVERSO,E. Historia como Campo de Batalla, Mexico: Fondo de Cultura, 2012. P.237-280. 2 Idem, p.256
deslocado cultural. Esse choque de culturas, no entanto, é fundamental para a construção de uma analise crítica do mundo. O exilado acaba favorecido, apesar de inúmeros traumas que possa ter passado, para a construção de uma nova narrativa. A distância, que lhe foi obrigada, torna-se fundamental para a construção de uma analise dos acontecimentos históricos tal como eles se apresentam, já que a distancia favorece a neutralidade e a analise sóbria. Este trabalho pretende englobar esses intelectuais que tiveram, a partir do exílio, uma nova maneira de ver o mundo, mais especificamente os apátridas e seus diferentes processos de assimilação. Como trabalhar com todos os casos do século XX seria improvável, escolhi dois casos mundialmente conhecidos para analisar os diferentes casos de assimilação: Stefan Zweig e Otto Maria Carpeaux. Ambos apresentam uma trajetória bem parecida: nasceram em Viena, na Áustria, e a partir das perseguições nazistas vieram a se exilar no Brasil. O mundo cultural inicial dos dois é o mesmo, o que nos permite analisar mais profundamente o ambiente cultural e político de Viena, a fim de entendermos as raízes intelectuais, políticas, religiosas e morais de ambos, assim como podemos nos reter especificamente ao processo de imigração brasileiro na Era Vargas (já que ambos imigram durante o governo de Getúlio Vargas) e ao ambiente cultural e político da sociedade brasileira na época. Porém, o que mais nos chama a atenção é que apesar de suas trajetórias serem bastante parecidas, seus processos de assimilação no novo país foram extremamente diferentes: Stefan Zweig não conseguiu conviver longe de seus livros e de suas publicações. O seu livro Brasil, o país do futuro, não foi bem aceito na sociedade carioca, o que o levou a se mudar, junto com sua mulher, para Petrópolis. Já Otto Maria Carpeaux ingressou rapidamente no ambiente intelectual brasileiro. Em menos de dois anos aprendeu o português e já estava trabalhando em um dos maiores jornais da época, o Gazeta da Manha, como crítico literário. Os diferentes processos de assimilação e de exílio, frutos dos acontecimentos desastrosos do século XX, constituem o ponto central desse trabalho. Veremos como Stefan Zweig e Otto Maria Carpeaux (Karpfen) traçaram caminhos diferentes e como, consequentemente, os seus processos de aceitação à nova realidade foram distintos.
Objetivos: -Contextualizar o mundo vienense em que Otto Maria Carpeaux e Stefan Zweig estavam inseridos. -Traçar uma narrativa mostrando as diferenças entre os percursos dos exilados -Comparar, a partir de suas trajetórias e de suas assimilações, as diferentes situações entre os exilados. Metodologia O processo inicial de pesquisa começou em 2012. Em primeiro foi feito um levantamento de inúmeros nomes que pudessem ser encaixados na condição de exilados no Brasil e durante o século XX, na maioria intelectuais. Foram ao todo cento e quarenta e seis nomes. Essa lista conta com o nome completo, o ano de nascimento e ano de morte, as publicações e o resultado da pesquisa feita em relação ao exilado. A pesquisa foi feita em diversas instituições do Rio de Janeiro como o Arquivo Nacional, o Instituto Moreira Salles e a Biblioteca Nacional. A lista foi feita pela antiga bolsista desse programa, Bianca Sayuri Miki, a qual substitui depois da sua formação. Hoje ela se encontra no mestrado da mesma instituição. Após ter uma melhor noção sobre a quantidade de exilados no Brasil, escolhi para o aprofundamento da pesquisa dois nomes: Otto Maria Carpeaux e Stefan Zweig. Ambos vieram da Áustria e foram, mais tarde, exilados no Brasil. Assim a trajetória de ambos se torna parecida. Para a construção deste trabalho me detive ao processo de naturalização de Otto Maria Carpeaux/ Otto Karpfen, retirado do Arquivo Nacional, além de contar com artigos no Jornal A Gazeta da Manhã e com a obra de Mauro Ventura, De Karpfen a Carpeaux. Já para a construção da trajetória de Stefan Zweig, me baseei na sua autobiografia, O Mundo de Ontem, no seu livro Brasil, o país do futuro e em algumas cartas do autor, presentes na exposição Brasil, o país do futuro, em sua casa em Petrópolis.
Este trabalho tem como objetivo principal, a partir dos documentos, reconstruir a trajetória de ambos os exilados, além de apresentar os diferentes processos de assimilação na nova pátria: O Brasil. Assim sendo, o referencial teórico dessa pesquisa se aproxima dos estudos em história intelectual e de certa forma também da pesquisa em histórica cultural. Conclusões: O surgimento de apátridas a partir da deflagração da Primeira Guerra Mundial acabou gerando, consequentemente, inúmeros processos de exílio pelo mundo. A organização da geografia mundial em Estados nacionais acabou acumulando pessoas encontradas à margem do sistema legal, ficando excluídas dos direitos, até então, inalienáveis. A grande contradição do sistema nacional- a exclusão de pessoas que não podem se enquadrar na organização mundial- só cresceu a partir da Primeira Guerra, o que concretiza a falta de interesse dos governantes em achar uma resolução para o caso. Os processos de exílio de Otto Maria Carpeaux e de Stefan Zweig são uma parte minúscula do contexto geral em que os apátridas, refugiados e imigrantes se encontram. A Segunda Guerra Mundial, que teve a perseguição racista e religiosa como uma das suas marcas mais profundas, contribuiu imensamente para a larga produção de apátridas no mundo, já que o governo nazista alemão perseguiu grande parte de sua população alegando que muitos não se encontravam dentro das características germânicas desejáveis. O povo judeu foi a grande vítima da política racista do nazismo, fazendo com que milhares de judeus europeus imigrassem forçadamente para outros países do mundo, inclusive o Brasil. Otto Karpfen e Stefan Zweig, por pertencerem à burguesia judaica austríaca se encontraram, de uma hora para outra, forçados a emigrar. A trajetória de exílio de ambos começou no instante em que deixaram o seu país de origem, a Áustria, por motivos de força maior. A partir daí podemos encaixa-los entre os milhões de exilados e refugiados que já habitaram o mundo contemporâneo. Este trabalho teve como objetivo trazer os diferentes processos de exílio de Otto Carpeaux e Stefan Zweig, e consequentemente os diferentes processos de assimilação de ambos, a fim de mostrar uma pequena parcela dos apátridas e de todas as dificuldades que eles encontram. Além disso, este trabalho propõe a percepção dos exilados como intelectuais
que contribuíram para o pensamento crítico universal, como defende Enzo Traverso em seu capítulo Exilio y Violencia. 3 Segundo Enzo Traverso os exilados foram os primeiros analistas das violências da Era dos Extremos. Ou seja, os exilados puderam, antes de todos, perceber o grau de violência e de maldade que a Era dos extremos (o século XX e suas guerras monstruosas) proporcionou ao mundo. A partir do exílio, e da comparação cultural que ele proporciona, os exilados puderam perceber o que estava ocorrendo no mundo, podendo pioneiramente elaborar críticas e posições políticas contra o fascismo. Otto Maria Carpeaux ficou conhecido mais tarde pela sua forte posição política contra os governos autoritários, especialmente depois do golpe de 1964. Ou seja, a sua posição antifascista ficou evidente a partir dos artigos publicados no jornal A Gazeta da Manhã, que foram influenciados, sem dúvidas, pela sua experiência pessoal de exilado e de fugido do governo nazista. Já Stefan Zweig, em seu livro Brasil, país do futuro, reconheceu as monstruosidades que a Europa estava seguindo, reforçando também a sua posição contra os governos autoritários. Zweig, além de reconhecer o drama da era dos extremos, reconheceu no Brasil uma nova forma de civilização, baseada na harmonia entre as etnias. O exílio forçado e o choque cultural que sofreram Stefan Zweig e Otto Maria Carpeaux reforçam o argumento do historiador italiano: a posição de estrangeiros, de apátridas e de desenraizados resulta em um observatório privilegiado dos cataclismos que afetam o mundo. 4 Os diferentes processos de assimilação, por outro lado, foram resultado de diferentes posições ao longo da vida. Tanto as posições políticas quanto as religiosas e culturais. Além das diferentes posições, podemos destacar que as grandes críticas que Stefan Zweig sofreu depois da publicação de seu livro Brasil, país do futuro, contribuíram imensamente para a depressão que estava tomando conta do autor desde a sua saída da Áustria. Por outro lado as críticas positivas e a abertura dos intelectuais cariocas encontrada por Otto Maria Carpeaux foram fundamentais para a sua assimilação positiva no Brasil. 3 TRAVERSO, E. op. cit. 2012. 4 Idem. P.237
Referências: [1]ARENDT, Hannah.,Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo:Companhia das Letras, 1999. [2]. Origens do Totalitarismo: Anti-semitismo Imperialismo Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras,1989. [3]KOIFMAN, F. Imigrante Ideal: O Ministério da Justiça e a entrada de estrangeiros no Brasil (1941-1945). Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 2012. [4]LINS, Álvaro. Otto Maria Carpeaux. Jornal Correio da Manha, Rio de Janeiro, 19. Abril.1941. n. 14250. [5]PARADA, Mauricio. O Dever do Exilado. Revista de História da Biblioteca Nacional, n.91, p. 54-57,abril. 2013. [6]PROCESSO DE NATURALIZAÇÃO de Otto Karpfen. AN SECAM Processo: 10345/1942. [7]SCHORSKE, Carl E. Viena fin-de-sciècle: política e cultura. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. [8]TRAVERSO, Enzo. Exílio y Violencia Uma hermenéutica de La distância. In: TRAVERSO, Enzo.Historia como Campo de Batalla.México:Fondo de Cultura, 2012. [9]VENTURA, Mauro S. De Karpfen a Carpeaux. Rio de Janeiro: Topbooks editora e distribuidora de livros ltda, 2002. [10]ZWEIG, Stefan. O Mundo de ontem. Lisboa: Assírio & Alvim, 1976. [11]. Brasil, o país do futuro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1960. [12]. Diário dia 14,15 e 16 de agosto de 1936 In. Catálogo da exposição Brasil, um país do futuro, inaugurada na Casa Stefan Zweig, Petrópolis, Rj, 2012.