Claudionor Rocha* Consultor Legislativo da Área de Segurança Pública e Defesa Nacional

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Transcrição:

Claudionor Rocha* Consultor Legislativo da Área de Segurança Pública e Defesa Nacional José de Ribamar Barreiros Soares Consultor da Área II - Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Penal, Direito Processual Penal A prisão provisória no direito brasileiro 79

Resumo Palavras-chave Abstract Keywords A prisão provisória é de grande interesse no estudo do processo penal, tendo em vista o princípio constitucional da presunção de inocência, segundo o qual ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito julgado de sentença penal condenatória. Ocorre que a prisão provisória é utilizada independentemente da condenação transitada em julgado, o que nos faz questionar os seus requisitos e fundamentos para sua aplicação. Diante disso, é necessário analisar os diferentes tipos de prisão provisória, o âmbito de sua incidência e sua finalidade. prisão, flagrante, preventiva, temporária, pronúncia, sentença. The provisional arrest is a very important subject in the study of criminal proceedings, mainly in face of the principle of presumption of innocence, which considers the accused as innocent, till the final condemning sentence. The provisional arrest however is applied without a definitive sentence that considers the accused as guilt, so we must question its conditions and reasons. In this case, we need to analyze the different kinds of provisional arrest, the situations in which they are used and their goal. arrest, flagrant, remand, provisional, indictment, sentence. 80

1. Introdução. A prisão provisória é um instituto polêmico, que sempre causa debates ente a população e noticiários na mídia. Sobretudo diante de crimes que causam comoção popular, a tendência é a de ver os criminosos na cadeia a qualquer custo. Quando a prisão provisória não é deferida, há todo um clamor no seio da coletividade, gerando o sentimento de que, no Brasil, bandido não é punido e que os criminosos acabam ficando soltos pelas ruas, para praticarem novos delitos. Um exemplo desse tipo de comoção popular é o caso Daniel Dantas, em que o habeas corpus concedido pelo Ministro Gilmar Mendes, Presidente do Supremo Tribunal Federal, provocou diversas reações contrárias por parte do público, da imprensa e, até mesmo, de alguns juristas. Todavia, é necessário entendermos o significado da prisão provisória como instituto que antecede a condenação transitada em julgado, antes da qual ninguém pode ser considerado culpado. Assim, passaremos a tratar desses temas, explicitando em que consiste e qual a finalidade da prisão provisória em nosso ordenamento jurídico e quais as modalidades admitidas em lei. 2. Prisão provisória. 2.1. Generalidades. São provisórias a prisão em flagrante, a prisão preventiva, a prisão administrativa, a prisão por pronúncia, a prisão resultante de sentença condenatória recorrível e a prisão temporária, esta última regulada pela Lei 7.960/89. Assim, como o próprio nome sugere, a prisão provisória não decorre de condenação com trânsito em julgado, diante do que não pode ser definitiva, tendo em vista a presunção de inocência e o devido processo legal que presidem a apuração e o julgamento do acusado. Muitas vezes, só ao final do julgamento, na instância superior, consegue-se provar a inocência daquele que foi acusado indevidamente ou por equívoco. Se esse inocente tivesse de pagar pelo erro que lhe foi imputado, antes mesmo de concluído o julgamento, estaríamos diante de uma irreparável injustiça. Por isso, a prisão anterior à condenação é excepcional e provisória. A Constituição Federal admite também outras prisões, como a disciplinar, no caso de transgressão militar ou crime propriamente militar (art. 5º, LXI, da CF), a prisão durante o estado de defesa (136, 3º, I, CF) e do estado de sítio (art. 139, II, da CF). A prisão e o local onde o preso se encontra devem ser comunicados imediatamente juiz e à família do preso ou à pessoa por ele indicada. Tema Livre 81

No momento em que efetuada a prisão, o preso será informado de seus direitos, especialmente o de permanecer calado, assegurando-se-lhe a assistência da família, do advogado e a identificação dos responsáveis por sua prisão. A prisão só poderá ser efetuada em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente. A ordem deverá lavrada pelo escrivão e assinada pelo juiz, contendo a qualificação completa da pessoa a ser presa, a infração penal e os motivos da prisão, o valor da fiança, quando afiançável a infração, e será dirigida a quem tiver o dever de cumpri-la. Será elaborado em duplicata e o preso passará recibo em uma das vias. Quando o réu se encontrar fora da comarca, a prisão será efetuada por meio de carta precatória, de acordo com os procedimentos previstos na legislação processual. Se o executor do mandado de prisão souber que o réu está em determinada casa, intimará o morador a entregá-lo, apresentando o mandado. Havendo resistência, convocará duas testemunhas entrará à força na casa, se for de dia. Se for noite, compreendido o período entre 6h e 18 h, guardará todas as saídas e entrará à força na casa logo que amanheça. Este procedimento obedece à inviolabilidade da casa estabelecida na Constituição Federal. Para que o preso seja recolhido à prisão, deverá ser exibido o mandado ou a guia de recolhimento ao diretor da cadeia ou ao carcereiro, que passará recibo dia entrega do preso, com declaração de dia e hora. A cela especial poderá ser coletiva. A prisão especial, como é uma prisão provisória, só vigora até a sentença condenatória definitiva. Se não houver estabelecimento adequado, poderá ser concedido o regime de prisão provisória domiciliar, de onde o preso não poderá se afastar sem prévio consentimento judicial, na forma da Lei nº 5.256/67. 2.2 Prisão em flagrante. De acordo com o art. 283 do Código de Processo Penal, modificado pela Lei nº 12.403, de 2011, ninguém pode ser preso a não ser em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada do juiz competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude da decretação de prisão temporária preventiva. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada. Trata-se de uma garantia do acusado, a fim de evitar arbitrariedades e abusos. No flagrante próprio, o agente é pego cometendo o crime ou quando acabou de praticá-lo. No flagrante impróprio, o agente é perseguido logo após o ilícito, em situação que faça presumir ser ele o autor da infração. 82 Cadernos ASLEGIS 51 Janeiro/Abril 2014

No flagrante presumido, o agente é encontrado logo depois do crime, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor da infração. Na infração permanente, como no seqüestro, o agente estará em flagrante delito, enquanto não cessar a permanência. O Direito brasileiro não admite a prisão no caso de flagrante preparado, na forma da Súmula 146 do STF, que dispõe: Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação. Admite-se, no entanto, a prisão no flagrante esperado, onde a polícia, sendo informada de que um delito será praticado, apenas aguarda e observa a atuação do agente, esperando o momento certo para realizar a prisão. 2.2.1. Flagrante obrigatório e facultativo. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito. Esta previsão legal concede a qualquer do povo o direito de emitir ordem de prisão em flagrante a quem quer que esteja praticando crime. Certamente, esta situação é de pouca utilidade prática, uma vez que o cidadão comum, sem treinamento policial e desarmado não terá condições de enfrentar um criminoso e ordenar-lhe a prisão. Podemos exemplificar com os casos de assaltos presenciados por pessoas atônitas, indefesas, que procuram imediatamente esconder-se e fugir daquele ambiente, sem pensar, nem por um segundo, em reagir e dar ordem de prisão ao bandido. Quanto às autoridades policiais, é diferente a solução dada pela norma jurídica, que as obriga a tomarem uma atitude diante da prática de um delito. Ainda que fora do seu expediente normal de trabalho, o policial fica obrigado a agir a fim de impedir a ação criminosa, prendendo em flagrante o agente do crime. 2.2.2. Auto de prisão em flagrante. Preso o agente, deverá ele ser apresentado à autoridade policial, que ouvirá o condutor e no mínimo duas testemunhas que o acompanham e interrogará o acusado, lavrando-se o auto de prisão em flagrante, que serão por todos assinados. São necessárias, pelo menos, duas testemunhas Mas o condutor pode ser considerado como testemunha para completar o número mínimo. Não havendo testemunhas, com o condutor deverão assinar o aturo de prisão pelo menos duas pessoas que tenham testemunhado a apresentação do preso à autoridade, conhecidas como testemunhas de apresentação. Não há nulidade na falta de comunicação à família, se o preso não indica a pessoa a ser comunicada. Tema Livre 83

A autoridade policial arbitrará a fiança, quando cabível. A nota de culpa será dada ao preso, assinada pela autoridade policial, no prazo de 24 horas depois da prisão, com o motivo desta, o nome do condutor e o das testemunhas, da qual passará recibo o preso. 2.3. Prisão preventiva. Trata-se de prisão provisória decretada pelo juiz em qualquer fase do inquérito ou da instrução criminal, para garantir a ordem jurídica e social. Exige-se a demonstração do fumus boni juiris e do periculum in mora, e devem ser preenchidas as condições de admissibilidade. Aqui se insere a hipótese do pedido de prisão de Dantas, que comentaremos ao longo desta explanação. A prisão preventiva é cabível em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal e será decretada pelo juiz, de ofício, no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial. A decretação da prisão preventiva será admitida nos seguintes casos: nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, salvo se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação; se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida. O art. 314 do CPP, modificado pela Lei nº 12.403, de 2011, a prisão preventiva não poderá ser decretada, se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. 84 Cadernos ASLEGIS 51 Janeiro/Abril 2014

A prisão preventiva poderá ser revogada pelo juiz, se, no curso do processo, ocorrer falta de motivo para sua subsistência, bem como pode novamente ser decretada, se sobrevierem razões que a justifiquem. 2.3.1. Pressupostos. Exige a lei prova da existência do crime e indícios suficientes de que o acusado seja o autor. Quando o crime deixa vestígios, é condição essencial para a prisão preventiva o exame de corpo de delito ou, na impossibilidade, de prova testemunhal que o supra (arts. 158 e 167 do CPP). 2.3.2. Fundamentos. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e também no caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares. Para a imposição da prisão preventiva, como garantia da ordem pública, deve-se considerar a gravidade do crime, sua repercussão social, os antecedentes e a personalidade do agente. Os bons antecedentes, a profissão definida e a residência fixa não bastam para afastar a prisão preventiva, se demonstrado o perigo para a ordem pública. Cabe prisão preventiva para garantir a instrução criminal, como no caso de acusado que ameaça testemunhas ou vítimas, ou tenta subornar servidores da Justiça. Neste caso, finda a fase de instrução, será revogada a prisão preventiva. Havendo comprovação de que o acusado pretende fugir para evitar a aplicação da pena, vendendo bens de raiz e contratando passagem para o exterior, entre outras condutas, admite-se a prisão preventiva para assegurar a aplicação da lei penal. No caso Daniel Dantas, a formulação do pedido de prisão preventiva tinha por base a conveniência da instrução criminal e a garantia da aplicação da lei penal, como se pode ler no trecho abaixo, extraído da Medida Cautelar em Habeas Corpus n.º 95.009-0, São Paulo, impetrada perante o Supremo Tribunal Federal: Fundamenta a ordem de prisão preventiva de Daniel Valente Dantas como medida de conveniência da instrução criminal,...porquanto tudo fará para continuar obstando regular e legítima atuação estatal visando impedir a apuração dos fatos criminosos. De outro lado, o Juiz Federal da 6ª Tema Livre 85

Vara Criminal de São Paulo indica que a constrição preventiva de liberdade...está justificada para conveniência da instrução penal e para assegurar a eventual aplicação da lei criminal dada a flagrante e acintosa cooptação de terceiros para a prática delitiva, desafiando, desse modo, o poder de controle e repressão das autoridades, revelando a finalidade primeira e última de se sua atuação espúria, com potencialidade lesiva, habitualidade atual e prospectiva de sua conduta, caso permaneça em liberdade. Também, reitera referência ao fato de que Daniel Valente Dantas adota postura discreta, sendo cauteloso em ligações telefônicas e troca de e-mails, com isso buscando frustrar a persecução penal, concluindo que,...solto, possivelmente continuaria a empreender a prática das atividades delitivas, colocando em sério risco a ordem econômica, a ordem pública, justificando, assim, a medida.. Finaliza aduzindo não ser...possível olvidar que o requerido detém significativo poder econômico e possui contatos com o exterior, ampliando a possibilidade de evasão do território nacional, bem ainda porque poderia ocultar vestígios criminosos que ainda se esperam poder apurar, autorizando, desta feita, a decretação de Prisão Preventiva também para garantir a eventual aplicação de lei penal. Ficou claro que coragem e condições para tumultuar a persecução penal não faltam ao representado. Os fundamentos para a decretação da prisão preventiva não podem ser meras alegações, mas necessitam ser cabalmente demonstradas, competindo ao magistrado examinar a concretude das hipóteses alegadas. Neste, caso, avaliando as alegações contidas no pedido e na decisão do juiz de primeiro grau bem como as evidências e as provas efetivamente trazidas aos autos, o Ministro Gilmar Mendes convenceu-se de que não havia demonstração cabal e inconteste das razões apresentadas para fundamentar a prisão preventiva, solução essa perfeitamente consentânea com a lei. Isto decorre do fato de que a privação da liberdade antes da condenação é uma media excepcional, que só deve ser aplicada em ultima ratio, quando não houver possibilidade legal e factual de se manter o acusado em liberdade, sob pena de se comprometer a prestação jurisdicional. Entendendo o magistrado que não ocorre comprometimento efetivo e demonstrado da garantia da ordem pública, da ordem econômica, da instrução criminal ou da aplicação da lei penal, correto será o deferimento de habeas corpus ou o indeferimento do pedido de prisão preventiva, 86 Cadernos ASLEGIS 51 Janeiro/Abril 2014

a fim de se dar efetividade ao princípio constitucional da presunção de inocência. A Lei nº 12.403, de 2011, modificando o Código de Processo Penal, estabeleceu que, no caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva ( 4o do art. 282, do CPP). Desse modo, o descumprimento de medida cautelar imposta ao réu poderá resultar em prisão preventiva. A prisão preventiva, entretanto, só será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar. Essa regra segue o princípio constitucional de presunção de inocência, utilizando-se a privação de liberdade antes da condenação transitada em julgado como medida excepcional e essencial à garantia do processo. 3. Condições de admissibilidade. A prisão preventiva somente é admitida nos crimes dolosos punidos com reclusão. Por exceção, admite-se a prisão preventiva nos crimes dolosos punidos com detenção se o acusado for vadio ou, havendo dúvida sobre sua identidade, ele não indicar os elementos necessários para esclarecê-la, ou se ficar caracterizada a reincidência. Ocorrendo excludente de antijuridicidade, como legítima defesa, por exemplo, não será decretada a prisão preventiva. A prisão preventiva é decretada pelo juiz de ofício, a requerimento do Ministério Público, do querelante, ou mediante representação da autoridade policial. Verificada a inexistência de motivo, a prisão preventiva será revogada, podendo ser novamente decretada se sobrevierem razões que a justifiquem. Cabe habeas corpus contra a decretação de prisão preventiva. Da decisão que indeferir prisão preventiva ou revogá-la cabe recurso em sentido estrito. No caso de revogação, poderá ser impetrado mandado de segurança para emprestar efeito suspensivo ao recurso. A jurisprudência fixou o prazo de 81 dias para o encerramento da instrução criminal. Decorrido esse prazo, sem o encerramento da instrução, a prisão preventiva deve ser revogada, por se constituir em constrangimento ilegal. Finalmente, ressalte-se que o art. 318 do CPP, com a nova redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011, estabelece que o juiz poderá substituir a prisão preventiva pela domiciliar, nas seguinte hipóteses: maior de 80 (oitenta) anos; Tema Livre 87

extremamente debilitado por motivo de doença grave; imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos de idade ou com deficiência; gestante a partir do sétimo mês de gravidez ou sendo esta de alto risco. Nesses casos, por uma questão de política criminal, diante dos aspectos sociais que exigem um tratamento diferenciado, o legislador houve por bem estabelecer medidas cautelares menos gravosas ao réu. 2.4. Prisão administrativa. O art. 5º, LXI, da CF dispõe que a prisão administrativa somente pode ser determinada pelo juiz competente. A prisão administrativa encontrava-se prevista nos arts. 319 e 320 do CPP, aplicada contra os remissos ou omissos em entrar para os cofres públicos com dinheiro a seu cargo, para compeli-los a que o façam, foi explicitamente revogada pela Lei nº 12.403, de 2011. Esses artigos receberam nova redação, na qual não se inclui mais a prisão administrativa. 2.5. Prisão temporária. O art. 1º da Lei n.º 7.960/89 dispõe que caberá prisão temporária: I quando imprescindível para as investigações do inquérito policial; III quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade; III quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova legalmente admitida, de autoria ou participação do indiciado em homicídio doloso, sequestro ou cárcere privado, roubo, extorsão, extorsão mediante seqüestro, estupro, atentado violento ao pudor, rapto violento, epidemia com resultado morte, envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte, quadrilha ou bando, genocídio, tráfico de drogas (art. 12 da Lei nº 6.368/76) e crimes contra o Sistema Financeiro. Por força do que dispõe a Lei n.º 8.072, de 1990, caberá também prisão provisória nos crimes de tortura e terrorismo. No caso de representação da autoridade policial, o juiz, antes de decidir, ouvirá o Ministério Público. O despacho será proferido em 24 horas, a partir do recebimento da representação ou do requerimento. O prazo da prisão temporária é de cinco dias, prorrogável por uma única 88 Cadernos ASLEGIS 51 Janeiro/Abril 2014

vez, por igual período, em caso de extrema e comprovada necessidade. Na hipótese de crime hediondo, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, tortura e terrorismo, o prazo será de 30 dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade, na forma do que estabelece o 2º, 3º, da Lei n.º 8.072, de 1990. 2.6. Prisão por pronúncia. A prisão por pronúncia resulta de uma sentença de pronúncia, nos casos de competência do tribunal do júri para os crimes dolosos contra a vida, tentados ou consumados. Na forma do que dispõe o art. 413 do CPP, o juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. Por outro lado, dispõe o art. 414 do mesmo diploma legal que não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado. Além disso, o juiz absolverá, desde logo, o acusado, quando provada a inexistência do fato, provado não ser ele autor ou partícipe do fato, o fato não constituir infração penal e quando demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. 2.7. Prisão decorrente de sentença penal condenatória recorrível. Pode também a prisão resultar de sentença penal condenatória recorrível, ou seja, a que ainda não transitou em julgado, e que julgou o réu culpado, com a resultante imputação de pena privativa de liberdade. Este também constitui um tipo de prisão provisória, pois decisão proferida em instância superior poderá reformar a sentença condenatória anterior, anulando a imposição de pena privativa de liberdade. O art. 393 do Código de Processo Penal estabelecia, como efeitos da sentença condenatória recorrível, ser o réu preso ou conservado na prisão, assim nas infrações inafiançáveis, como nas afiançáveis enquanto não prestasse fiança. Esse artigo foi revogado pela Lei nº 12.403, de 2011. O art. 594 do Código de Processo Penal dispunha que o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim, reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime de que se livre solto. Todavia, esse artigo foi revogado pela Lei n.º 11.719, de 20 de junho de 2008. Essa modificação coaduna-se dom o entendimento do Pretório Excelso, em cuja Súmula 393 se lê: Para requerer revisão criminal, o condenado não é obrigado a recolher-se à prisão. Nessa mesma linha, a Súmula n.º 347 do colendo Tema Livre 89

STJ, segundo a qual o conhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua prisão. Se a sentença for absolutória e o réu estiver preso, o recurso apresentado pela acusação não impedirá que ele seja imediatamente posto em liberdade, conforme a dicção do art. 595 do Código de Processo Penal. 3. Conclusão. De todo o exposto, verificamos que a prisão provisória cumpre um papel acautelador do julgamento e da aplicação da pena. O seu objetivo não é aplicar uma punição imediata ao acusado, a fim de que este já comece a pagar pelo crime que lhe imputado, ainda que não tenha sido julgado e condenado. Essa não é a finalidade da lei, quando institui a prisão provisória. O objetivo desse instituto é tão-somente resguardar a efetiva aplicação da lei penal, evitando a impunidade que poderia decorrer, por exemplo, da fuga do réu, da destruição de provas, da intimidação de testemunhas, fatos estes que comprometeriam a eficácia do julgamento ou da aplicação da pena. Não se pode utilizar a prisão provisória também como instrumento aplacador da fúria e da revolta da população, sobretudo diante de crimes que causa grande comoção popular. Isto até para evitar o cometimento de injustiças contra inocentes. Em muitas ocasiões, no curso do processo ou ao seu final, restou comprovado que o criminoso era outro que não o acusado inicialmente. Por essa razão, a prisão provisória deve ser aplicada com prudência e cautela, diante do princípio da presunção de inocência. Não havendo perigo para o regular desenvolvimento do processo, deve-se esperar a prolação da sentença penal condenatória transitada em julgado, para que a pena seja devidamente executada. Até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, presume-se a inocência do acusado, como princípio basilar do Estado Democrático de Direito, tendência do Direito moderno, em substituição ao ultrapassado Estado policialesco. 90 Cadernos ASLEGIS 51 Janeiro/Abril 2014