ASPECTOS CITOPATOLÓGICOS DA MUCOSA VAGINAL DE CAMUNDON- GAS TRATADAS COM PROGESTERONA

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Transcrição:

Aspectos citopatológicos da mucosa vaginal de camundongas tratadas com progesterona 313 ASPECTOS CITOPATOLÓGICOS DA MUCOSA VAGINAL DE CAMUNDON- GAS TRATADAS COM PROGESTERONA Fábio de Souza Mendonça, 1 Joaquim Evêncio-Neto, 2 Manuel de Jesus Simões, 3 Lázaro Manoel de Camargo 4 e Liriane Baratella-Evêncio 5 1. Professor da Área de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade de Cuiabá (UNIC). Av. Beira Rio, 3100, Jardim Europa, Cuiabá, MT, Brasil CEP 78065-480. E-mail: mendoncafs@yahoo.com.br 2. Professor adjunto do Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal, Universidade Federal Rural de Pernambuco. Rua Dom Manoel de Medeiros s.n., CEP 52171900, Dois Irmãos, Recife, PE, Brasil. E-mail: evencioneto@bol.com.br 3. Professor titular do Departamento de Morfologia da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo. Rua Botucatu, 740, CEP 04023900, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: mjsimoes@hotmail.com 4. Professor da Área de Clínica Médica de Pequenos Animais da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Cuiabá. E-mail: lazaro@unic.br Professora Adjunto do Departamento de Histologia e Embriologia da UFPE en RESUMO A regulação da atividade do ciclo estral dos mamíferos domésticos é um processo complexo e está, basicamente, sob o controle do eixo hipotálamo-adenohipófiseovários, através de mecanismos endócrinos e neuroendócrinos. A progesterona constitui-se em importante regulador da atividade funcional e estrutural do sistema reprodutor das fêmeas domésticas. Considerando-se sua importância e sua freqüente utilização, realizou-se o presente trabalho, que teve por objetivo avaliar os aspectos citopatológicos da vagina de camundongas tratadas com progesterona. Foram utilizadas 36 camundongas da linhagem Swiss Webster divididas em quatro grupos e submetidas aos seguintes procedimentos: Grupo S (controle camundongas tratadas com o veículo e avaliadas durante quinze dias consecutivos); Grupos E 1, E 2 e E 3 (camundongas tratadas com 0,375 mg, 0,75 mg e 1,5 mg de acetato de medroxiprogesterona respectivamente e avaliadas durante quinze dias de experimento). De acordo com os resultados obtidos pode-se concluir que o acetato de medroxiprogesterona em dose única de 0,75 ou 1,5 mg predispõe a interrupção do cliclo estral e o aumento do número de leucócitos no colpocitológico de camundongas. PALAVRAS-CHAVES: Bloqueio do ciclo estral, ciclo estral, colpocitologia, medroxiprogesterona. ABSTRACT CYTOPATHOLOGICAL ASPECTS OF FEMALE MICES VAGINAL MUCOSA TREATEDS WITH MEDROXYPROGESTERONE The domestic mammal s estrus cycle regulation is a complex process, controlled by hypothalamus-adenohypofisis-ovary axis, through endocrine and neuroendocrine mechanisms. The use of progesterone hormone is an important way to regulate the functional and structural female reproductive tract activity. Considering the frequent progesterone usage and its importance, we intended to study the vagina citopathologycal aspects of female mice treated with progesterone. We used thirty six Swiss Webster female mice. These animals were divided in four groups: S Group (control group- female mice treated with vehicle and valued during fifteen days), Groups E 1, E 2 e E 3 (Experimental groups - female mice treated with 0,375 mg, 0,75 mg and 1,5 mg of medroxiprogesterone acetate and valued during fifteen days). Based on our results, we can conclude that medroxiprogesterone acetate at once dose at 0,75 mg or 1,5 mg induces to estrus cycle interruption an induces to an increasing number of leucocytes observed at vaginal cytological exam. KEY-WORDS: Colpocytology, estral cycle, interruption of estrus cycle, medroxiprogesterone. Ciência Animal Brasileira, v. 8, n. 2, p. 313-318, abr./jun. 2007

314 mendonça, f. DE s. et al. INTRODUÇÃO O trato reprodutor feminino está sujeito a alterações periódicas cíclicas mais intensas que o trato reprodutor masculino. Além disso, a atividade cíclica feminina se manifesta macro e microscopicamente, assim como comportamentalmente. Esses vários estágios morfológicos, funcionais e comportamentais estão diretamente relacionados ao ciclo estral (BANKS, 1991). A regulação da atividade do ciclo estral dos mamíferos domésticos é um processo complexo e está, basicamente, sob o controle do eixo hipotálamo-adenohipófise-ovários, através de mecanismos endócrinos e neuroendócrinos. O hipotálamo sintetiza o hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH), enquanto três hormônios produzidos pela hipófise anterior são importantes para o processo reprodutivo da fêmea: hormônio folículo estimulante (FSH), hormônio luteinizante (LH) e prolactina (PRL). A regulação da secreção de gonadotrofinas durante o ciclo estral requer um delicado balanceamento entre complexas interações hormonais (DUKES, 1996; BENITES, 1999). Os roedores são mamíferos que apresentam ciclo estral regular, caracterizado por mudanças morfológicas nos ovários, útero e vagina, características facilmente observadas durante quatro a seis dias (SIMÕES, 1984). Os roedores possuem ciclo estral de curta duração, prenhez relativamente breve e são de fácil manejo. Por isso, camundongas, cobaias e ratas são freqüentemente utilizadas em experimentos reprodutivos (SIMÕES, 1984). As fases do ciclo estral da camundonga são classificadas em proestro, estro, metaestro e diestro, sendo que o estro corresponde à fase em que a fêmea está receptiva ao macho e caracterizase por uma intensa queratinização e descamação vaginal (PLAPINGER, 1982; HARKNESS & WAGNER, 1994). Fatores como idade, estação do ano e origem do animal, bem como as condições alimentares e luminosidade podem provocar variações no ciclo estral (SIMÕES, 1984). Em medicina veterinária, a prescrição de drogas que atuam no sistema reprodutor feminino como os progestágenos têm diversas finalidades, como servir de instrumento no manejo reprodutivo ou no controle farmacológico do ciclo estral, tratamento de doenças, auxílio diagnóstico ou limitação e controle da fertilidade (ANDRA- DE, 2002). Terapias reprodutivas inadequadas envolvendo derivados dos pregnanos, como o acetato de medroxiprogesterona em animais de companhia, são consideradas uma das principais causas da infertilidade em fêmeas domésticas (BICHARD & SHERDING, 1998). Inúmeros são os fatores que predispõem as doenças do sistema reprodutivo em mamíferos domésticos. Vários autores relatam que o tratamento hormonal com altas doses de progesterona, por um período de tempo prolongado, promovem proliferação endometrial e aumento da secreção glandular. Segundo esses autores, o incremento da secreção glandular endometrial fornece um excelente meio de cultura para crescimento microbiano (MIALOT, 1984; CONCANNON et al., 1989; FELDMAN E NELSON, 1996). BICHARD & SHERDING (1998) relatam que as principais enfermidades uterinas observadas em cadelas estão relacionadas a manipulações hormonais visando ao anestro ou à interrupção de gestação indesejada, bem como a problemas relacionados à gestação e ao parto. Como se depreende da análise da literatura, a progesterona constitui-se em importante regulador da atividade funcional e estrutural do sistema reprodutor feminino. Considerando sua importância na sincronização do ciclo estral dos mamíferos domésticos e de sua freqüente utilização como método contraceptivo, além de sua utilização terapêutica em diversas doenças, foi proposto este trabalho, cujo objetivo era avaliar os aspectos citopatológicos da vagina de camundongas tratadas com acetato de medroxiprogesterona MATERIAL E MÉTODOS Utilizaram-se 36 camundongas da linhagem Swiss Webster (Mus musculus, Rodentia, Mammalia), adultas, virgens e púberes, pesando aproximadamente 30 gramas. Os animais foram fornecidos e mantidos no Biotério Central do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães da Fundação Ciência Animal Brasileira, v. 8, n. 2, p. 313-318, abr./jun. 2007

Aspectos citopatológicos da mucosa vaginal de camundongas tratadas com progesterona 315 Oswaldo Cruz (CPqAM-FIOCRUZ), de acordo com as normas de padrão sanitário para animais de laboratório convencionais, estabelecidas pelo Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA). Confinaram-se as camundongas em gaiolas individuais e mantidas em ambiente com ração comercial e água ad libitum, temperatura de 21 C e iluminação artificial, com lâmpadas fluorescentes (marca Phillips, modelo luz do dia, 40 W), estabelecendo um fotoperíodo de doze horas claro e doze horas escuro, considerando o período de luz das seis às dezoito horas. Após um período de adaptação, aproximadamente sete dias, realizaram-se esfregaços vaginais para a determinação da regularidade do ciclo estral de acordo com a técnica descrita por SHORR (1941). Os animais que apresentaram três ciclos estrais regulares consecutivos foram divididos em quatro grupos, constituídos por nove animais cada, denominados Grupo S (Sham) e Grupos E 1, E 2 e E 3 (Experimentais). Em cada grupo seguiram-se os seguintes parâmetros: Grupo S (animais tratados com veículo e avaliados durante quinze dias de experimento); Grupo E 1 (animais tratados com 0,375 mg de acetato de medroxiprogesterona); Grupo E 2 (animais tratados com 0,75 mg de acetato de medroxiprogesterona) e Grupo E 3 (animais tratados com 1,5 mg de acetato de medroxiprogesterona). Estimaram-se as doses supracitadas segundo o cálculo alométrico citado por MORRIS (1995). Utilizou-se como referência cadelas pesando 10 kg, cuja dose é de 5,0 mg/kg (England, 1998). O acetato de medroxiprogesterona (Tempogest - Hertape S.A.) foi diluído em solução salina a 0,9% (Halex Istar) e administrado através da via intramuscular, em dose única no período de diestro. Nos animais do grupo Sham administraram-se unicamente 0,08 ml de solução salina a 0,9%. Após a administração do fármaco, realizaram-se, diariamente, exames colpocitológicos em todos os animais, para o acompanhamento do ciclo estral das camundongas. Para a colheita do material, empregaram-se hastes com algodão umedecido em solução salina, as quais foram introduzidas na vagina produzindo-se um movimento rotatório bem delicado. Em seguida, transferiu-se o material coletado para lâminas histológicas por meio de um movimento rotatório da haste sobre as lâminas. Essas lâminas foram imediatamente mergulhadas numa mistura de álcool-éter, em partes iguais, para a fixação do material e, em seguida, coradas pelo método de Shorr-Harris (Shorr, 1941) e/ou Panótico rápido e analisadas em microscopia de luz. Algumas lâminas foram submetidas à coloração de Gram. RESULTADOS E DISCUSSÃO No Grupo Sham (controle) observou-se que o exame colpocitológico, no proestro, consistiu predominantemente de células epiteliais nucleadas e anucleadas. A fase de estro foi caracterizada pela presença de células cornificadas ou queratinizadas. No metaestro, além das células observadas nas duas fases anteriores, observou-se a presença de leucócitos. O diestro foi caracterizado pela escassez de elementos celulares, e grande concentração de leucócitos e muco. Os animais deste grupo apresentaram, durante todo o experimento, em média quatro ciclos que duraram cerca de quatro dias cada um. A Figura 1 exemplifica as diferentes fases do ciclo estral da camundonga. No Grupo E 1, os animais apresentaram ciclos estrais com maior duração, cerca de onze dias. A maioria dos animais (88%) apresentou secreção vaginal rica em muco, infiltrado por leucócitos e com intensa proliferação de bactérias Gram-positivas. Nos Grupos E 2 e E 3, após a administração do hormônio, nenhum animal apresentou ciclos estrais, ou seja, entrou em anestro. Cem por cento das camundongas apresentaram secreção vaginal rica em muco, intenso infiltrado leucocitário e bactérias Gram-positivas. O muco foi visibilizado como filamentos pálidos de mucina, de coloração azulada ou acinzentada (Figura 2) juntamente com células epiteliais. Nesses filamentos de mucina, encontraram-se bactérias (Figura 2), podendo ser observados ainda leucócitos, contendo núcleos lobulados, provavelmente do tipo neutrófilo (Figura 3). Ciência Animal Brasileira, v. 8, n. 2, p. 313-318, abr./jun. 2007

316 mendonça, f. DE s. et al. FIGURA 2. Fotomicrografia de esfregaço vaginal de camundonga pertencente ao grupo E3. Observar grande concentração de muco (área azul) e bactérias Gram-positivas (seta). Coloração: panótico rápido. Aumento: 20 x. FIGURA 1. Fotomicrografias de esfregaços vaginais onde podem ser observadas as diversas fases do ciclo estral de camundonga pertencente ao Grupo S (Sham). Em A, notar a presença de células basófilas (seta) e acidófilas, proestro. Em B, grande concentração de células acidófilas queratinizadas (seta), estro. Em C, grande infiltração leucocitária (seta) entre as células acidófilas, metaestro. Em D, escassez de material celular e presença de muco (seta), diestro. Coloração: Shorr-Harris. Aumento 40 x. FIGURA 3. Fotomicrografia do exame colpocitológico de camundonga pertencente ao grupo E3. Observar a presença maciça de leucócitos, além de filamentos de muco. Coloração: panótico rápido. Aumento: 40 x. A influência do ciclo estral sobre os anticorpos na vagina é controversa. Entretanto, a maioria das investigações sugere que as concentrações das imunoglobulinas e células contendo imunoglobulinas não são influenciadas pelo ciclo. No ciclo estral normal, a cérvice abre-se sob influência de estrogênio, facilitando a drenagem. As infecções são mais facilmente sobrepujadas durante o estro do que em outros estágios do ciclo. Os leucócitos estão normalmente aumentados na parede uterina durante o estro (ACLAND, 1998). A progesterona reduz a migração de neutrófilos do sangue e reduz a capacidade dos neutrófilos em fagocitar e matar bactérias. O mecanismo de ação dos hormônios sexuais sobre os neutrófilos é desconhecido. Receptores para hormônios sexuais não têm sido demonstrados em neutrófilos (ACLAND, 1998). JONES (2000) relata que a grande maioria das infecções uterinas nas espécies domésticas ocorre em seguida ao coito, durante o prolongado período de diestro em cadelas e gatas; ou na maioria das outras espécies, durante a gestação. Deve ser mencionado que nesta época observase presença de muco nos esfregaços vaginais. Os microrganismos que causam infecção uterina podem penetrar no útero vindos das partes caudais do trato genital (infecção ascendente) ou podem chegar via hematógena (ACLAND, 1998). No presente estudo realizado em camundongas, a administração de 0,375 mg de acetato de progesterona parece ser suficiente para intensificar Ciência Animal Brasileira, v. 8, n. 2, p. 313-318, abr./jun. 2007

Aspectos citopatológicos da mucosa vaginal de camundongas tratadas com progesterona 317 a quantidade de leucócitos, resultados esses observados nos esfregaços vaginais analisados. Diferentes estudos têm relatado que a fagocitose por leucócitos mantém-se inalterada ou aumentada sob a influência de estrogênio, mas tem sido extensamente relatado que a atividade neutrofílica é suprimida sob a influência da progesterona. De modo geral, o trato reprodutivo das fêmeas é mais susceptível à infecção quando está sob a influência da progesterona (VERVERIDIS et al., 2003). Não se acredita que a atividade neutrofílica seja intensamente e irreversivelmente suprimida sob influência da progesterona, pois, em um estudo semelhante realizado em ratas, MENDON- ÇA et al. (2004) encontraram no lúmem uterino marcante infiltração neutrofílica. No presente estudo, esta ação dos neutrófilos foi observada nos exames colpocitológicos em todos os animais experimentais. É possível, portanto, que a origem da secreção mucosa vaginal, observada nesses exames, possa ser uterina (colo uterino). Como já foi dito, a progesterona é uma substância levemente imunossupressiva. Vários autores relatam que esse fenômeno pode promover a colonização da cavidade uterina pela flora bacteriana a partir da vagina e dos tratos urinário e intestinal; assim, os fenômenos predispõem o útero para a infecção. Tais dados são corroborados pelas pesquisas realizadas por MILLER-LIEBL et al. (1994). CONCLUSÕES De acordo com o exposto e baseado nos resultados pode-se concluir que a dose única de acetato de medroxiprogesterona (0,75 ou de 1,5 mg) predispõe ao bloqueio do ciclo estral e ao aumento do número de leucócitos no exame colpocitológico de camundongas. REFERÊNCIAS ACLAND, H. M. Sistema reprodutor da fêmea. In:. Patologia especial de Thompson. 2. ed. Porto Alegre: Atmed, 1998. p. 548-550. ANDRADE, S. F. Terapêutica do sistema reprodutor. In: ANDRADE, S. F. Manual de terapêutica veterinária. São Paulo: Ed Roca, 2002. p. 300-313. BANKS, W. J. Sistema reprodutor feminino. In: BANKS, W. J. Histologia veterinária aplicada. São Paulo: Ed. Manole, 1991. p. 565-589. BENITES, N. R. Medicamentos empregados para a sincronização do ciclo estral e transferência de embriões. In:. Farmacologia aplicada à medicina veterinária. 2. ed. São Paulo: Guanabara Koogan, 1999. p. 287-298. BICHARD, S. J.; SHERDING, R. G. Manual Saunders: clínica de pequenos animais. São Paulo: Roca, 1998. CONCANNON, P.W.; MORTON, D.B. and WEIR; BARBARA, J. Dog and cat reproduction, contraception and artificial insemination. Journal of Reproduction and Fertility, Cambridge, 1989. DUKES, A. H. H. Processos reprodutivos da fêmea. In: STABENFELDT, G. T.; EDQUIST, L. E. Fisiologia dos animais domésticos. 11. ed. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan, 1996. p. 645-659. ENGLAND, G. C. W. Pharmacological control of reproduction in the dog and beach. In: SIMPSON, G.; HARVEY, M.; ENGLAND, G. Manual of small animal reproduction and neonatology. Hurdington: BSAVA, 1998. p. 197-218. FELDMAN, E.C.; NELSON, R.W. Canine female reproduction. In: FELDMAN, E.C.; NELSON, RW. Canine and feline endocrinology and reproduction. 2. ed. Philadelphia: W.B. Saunders Company, 1996. p. 605-618. HARKNESS, J. E.; WAGNER, J. E. The biology and medicine of rabbits and rodents. 4th ed. Washington: Lea and Febiger, 1994. JONES, C. T.; HUNT, R. D.; KING, N.W. Sis- Ciência Animal Brasileira, v. 8, n. 2, p. 313-318, abr./jun. 2007

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