DE FREUD A LACAN: UMA ANÁLISE SOBRE A CLÍNICA DA PSICOSE

Documentos relacionados
Curso de Extensão: LEITURAS DIRIGIDAS DA OBRA DE JACQUES LACAN/2014

3) Interrogações sobre a Ética da Psicanálise na Clínica com Pacientes Psicóticos.

O MANEJO DA TRANSFERÊNCIA NA PSICOSE: O SECRETÁRIO DO ALIENADO E SUAS IMPLICAÇÕES

Componente Curricular: Psicoterapia I Psicanálise Professor(a): Dalmir Lopes Período: 8º TURNO: Noturno Ano:

AS DIREÇÕES DO TRATAMENTO NA CLÍNICA DA PSICOSE

PROJETO AIMEE: A CLÍNICA DA PSICOSE E SEU EFEITO NO SOCIAL

Resenha. Considerações sobre a teoria lacaniana das psicoses*

Referências Bibliográficas

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM TEORIA PSICANALÍTICA Deptº de Psicologia / Fafich - UFMG

Instituto Trianon de Psica nálise

6 Referências bibliográficas

ANALISTAS E ANALISANDOS PRECISAM SE ACEITAR: REFLEXÕES SOBRE AS ENTREVISTAS PRELIMINARES

CENTRO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS

Paranóia A Clínica do Real

Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais - Almanaque On-line n o 5

O PAI NA PSICANÁLISE ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PSICOSES

7. Referências Bibliográficas

O AMOR NA PSICOSE. fórmulas da sexuação, entre o homem e a mulher. Já na articulação amor / suplência 3 o sujeito

FREUD E LACAN NA CLÍNICA DE 2009

Tempos significantes na experiência com a psicanálise 1

8. Referências bibliográficas

OS QUATRO DISCURSOS DE LACAN E O DISCURSO DA CIÊNCIA: CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS

Referências bibliográficas

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO

DIMENSÕES PSÍQUICAS DO USO DE MEDICAMENTOS 1. Jacson Fantinelli Dos Santos 2, Tânia Maria De Souza 3.

Psicanálise e Saúde Mental

OS TRABALHOS ARTÍSTICOS NÃO SÃO PRODUTOS DO INCONSCIENTE 1

6 Referências bibliográficas

O ATO PSICANALÍTICO NO CAMPO DO GOZO. verificação e comprovação. Sendo esse o tema de nosso projeto de mestrado,

A LINGUAGEM E O FUNCIONAMENTO DO DELÍRIO NA PSICOSE

Imaginário, Simbólico e Real. Débora Trevizo Dolores Braga Ercilene Vita Janaína Oliveira Sulemi Fabiano

Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN X

Do fenômeno ao sintoma: impasses e possibilidades na escuta do sujeito na instituição. Claudia Escórcio Gurgel do Amaral Pitanga Doris Rinaldi

7 Referências Bibliográficas

A ameaça da alta: considerações sobre o amor na psicose 1

Latusa Digital ano 1 N 8 agosto de 2004

5 Referências bibliográficas

Resenha do livro Desarrazoadas: devastação e êxtase

MULHERES MASTECTOMIZADAS: UM OLHAR PSICANALÍTICO. Sara Guimarães Nunes 1

Como a análise pode permitir o encontro com o amor pleno

O PARADOXO DA TRANSFERÊNCIA: DO CONSULTÓRIO À INSTITUIÇÃO

PERGUNTANDO A LACAN: TEM INCONSCIENTE NAS PSICOSES?

A escuta de orientação analítica na psicose, de que sujeito se trata?

Sofrimento e dor no autismo: quem sente?

Quando dar à castração outra articulação que não a anedótica? 1

Quando o inominável se manifesta no corpo: a psicossomática psicanalítica no contexto das relações objetais

AS DUAS VERTENTES: SIGNIFICANTE E OBJETO a 1

Melancolia: o objeto perdido que me assombra

A DUPLA VIA DO CORPO: SINTOMA E FALHA EPISTEMO-SOMÁTICA

O DESEJO NA DIREÇÃO DO TRATAMENTO 1

Escritores Criativos E Devaneio (1908), vol. IX. Fantasias Histéricas E Sua Relação Com A Bissexualidade (1908), vol. IX. Moral Sexual Civilizada E

PETRI, R. Psicanálise e educação no tratamento da psicose infantil: quatro experiências institucionais. São Paulo, SP: Annablume, 2003

Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais Almanaque On-line n.7

A constituição do sujeito e a análise

AMOR SEM LIMITES: SOBRE A DEVASTAÇÃO NA RELAÇÃO MÃE E FILHA E NA PARCERIA AMOROSA

Um tipo particular de escolha de objeto nas mulheres

PsicoDom, v.1, n.1, dez

EM BUSCA DE LALANGUE: PALAVRAS COMO MODELOS DE SENSIBILIDADE

ESTRATÉGIAS PSICANALÍTICAS NO DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA PSICOSE

Toxicomanias: contra-senso ao laço social e ao amor?

A OPERAÇÃO DO DISCURSO ANALÍTICO

O falo, o amor ao pai, o silêncio. no real Gresiela Nunes da Rosa

Latusa digital ano 2 N 13 abril de 2005

Stabilization and social ties in psychosis in the context of Psychosocial Care Centers - CAPS

As psicoses ordinárias na perspectiva borromeana 1

PSICANÁLISE COM CRIANÇAS: TRANSFERÊNCIA E ENTRADA EM ANÁLISE. psicanálise com crianças, sustentam um tempo lógico, o tempo do inconsciente de fazer

O OBJETO OLHAR E SUAS MANIFESTAÇÕES NA PSICOSE: O DELÍRIO DE OBSERVAÇÃO

Profa. Dra. Adriana Cristina Ferreira Caldana

Algumas considerações sobre a escuta psicanalítica

A QUESTÂO DO EU, A ANGÚSTIA E A CONSTITUIÇÃO DA REALIDADE PARA A PSICANÁLISE 1

CLÍNICA, TRANSFERÊNCIA E O DESEJO DO ANALISTA 1 CLINIC, TRANSFERENCE AND DESIRE OF THE ANALYST. Fernanda Correa 2

ANGÚSTIA, RECALQUE E FORACLUSÃO: algumas notas para a clínica

O gozo, o sentido e o signo de amor

DISCUSSÃO AO TRABALHO DA INSTITUIÇÃO CARTÉIS CONSTITUINTES DA ANALISE FREUDIANA: A psicanálise: à prova da passagem do tempo

O DISCURSO DA CIÊNCIA E SUA RELAÇÃO COM O SUPEREU

O Psicótico: aspectos da personalidade David Rosenfeld Sob a ótica da Teoria das Relações Objetais da Escola Inglesa de Psicanálise. Expandiu o entend

CEP - Centro de Estudos Psicanalíticos. A psicanálise como berço ou por que tratamos apenas crianças em nossos consultórios

Endereço do Autor: Av. Delfim Moreira, 300/1301, Leblon, Rio de Janeiro, R.J., CEP

Um rastro no mundo: as voltas da demanda 1

A INCOMPREENSÃO DA MATEMÁTICA É UM SINTOMA?

REALMENTE, O QUE SE PASSA?

ISSO NÃO ME FALA MAIS NADA! 1 (Sobre a posição do analista na direção da cura)

Latusa digital N 10 ano 1 outubro de 2004

A FUNÇÃO DO PAI NO DELÍRIO: ENTRE DEUS E O DIABO. Psicossocial CAPS), no município de Santos Dumont, Minas Gerais, deparei-me com

UM RASTRO NO MUNDO: AS VOLTAS DA DEMANDA 1 Maria Lia Avelar da Fonte 2

As Implicações do Co Leito entre Pais e Filhos para a Resolução do Complexo de Édipo. Sandra Freiberger

NOME DO PAI E REAL. Jacques Laberge 1

CEP - CENTRO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS DE SÃO PAULO. São Paulo, 31 de Maio de A DIFERENÇA ENTRE O DIAGNÓSTICO FENOMENOLÓGICO E O

Curso de Atualização em Psicopatologia 2ª aula Decio Tenenbaum

Instituto Trianon de Psicanálise

O NÃO LUGAR DAS NÃO NEUROSES NA SAÚDE MENTAL

Latusa Digital ano 1 N 8 agosto de 2004

A PULSÃO DE MORTE E AS PSICOPATOLOGIAS CONTEMPORÂNEAS. sobre o tema ainda não se chegou a um consenso sobre a etiologia e os mecanismos psíquicos

O real escapou da natureza

INTRODUÇÃO À PSICOPATOLOGIA PSICANALÍTICA. Profa. Dra. Laura Carmilo granado

Incurável. Celso Rennó Lima

DESCRIÇÃO DE DISCIPLINA

O OBJETO A E SUA CONSTRUÇÃO

A Prática Da Escola PSICANÁLISE. Escola Ensino Transmissão 2016 CLÍNICA DE PSICANÁLISE IMPRESSO

RESUMO DE DISSERTAÇÃO

Transcrição:

DE FREUD A LACAN: UMA ANÁLISE SOBRE A CLÍNICA DA PSICOSE Suéllen Pessanha Buchaúl Psicóloga clínica / Psicanalista Pós-Graduação lato sensu em Psicanálise Clínica/ISECENSA RESUMO Este trabalho se refere ao estudo sobre a clínica da psicose. Tendo como referência principal um delineamento nos estudos de Sigmund Freud a Jacques Lacan, sobre o aparelho psíquico e suas singularidades correlacionadas com as estruturas psíquicas, em destaque: a psicose. Trata-se de uma concepção de Sigmund Freud a Jacques Lacan. Em destaque procuramos enfatizar o conceito de psicose e como funciona esta estrutura relacionada aos três registros do aparelho psíquico circunscritos por Jacques Lacan. Para o desenvolvimento deste, nos apoiamos nos conceitos fundamentais de Freud e Lacan, além de outros autores que colaboraram para a continuidade de seus estudos. Ao finalizar nosso trabalho apresentamos algumas considerações primordiais sobre o papel do analista e a condução da Psicanálise frente à clínica da psicose. Palavras Chaves: Clínica da Psicose; Psicanálise; Sigmund Freud; Jacques Lacan. ABSTRACT This work refers to the study on the clinic of the psychosis. Taking delineation as a principal reference in the studies of Sigmund Freud to Jacques Lacan, about the psychological appliance and his peculiarities correlated with the psychological structures, in distinction: the psychosis. It the question is a conception of Sigmund Freud to Jacques Lacan. In distinction we try to emphasize the concept of psychosis and since there works this structure made a list to three registers of the psychological appliance when they were circumscribed by Jacques Lacan. For the development of this, we rest on the basic concepts of Freud and Lacan, besides other authors who collaborated for the continuity of his studies. While finishing our work we present some primordial considerations on the paper of the analyst and the driving of the Psychoanalysis in front of the clinic of the psychosis. Keywords: Clinic of the Psychosis; Psychoanalysis; Sigmund Freud; Jacques Lacan. 35

INTRODUÇÃO A clínica da Psicose é um trabalho ainda polêmico no campo da Saúde Mental. Desde os fundamentos iniciais da Psicanálise, Freud em seus artigos descreve a questão das psicoses, situando entre as demais estruturas clínicas, e relacionando-as com o funcionamento do conceito de mecanismo de defesa criada por ele mesmo. Lacan, tempos depois, vem reconstituir essa concepção, formulando um novo conceito sobre a estruturação da psicose. A idéia deste trabalho partiu de algumas experiências com casos clínicos de psicose. Tais experiências colaboraram para um novo ver e um novo conhecer deste universo psíquico aparentemente vago, furado, que é o universo do psicótico, e que ao mesmo tempo mostra-se um universo recheado de conteúdos, embora não simbolizáveis, mas peças soltas que constituem a realidade de um humano que está ali e que precisa ser ouvido como um outro, mesmo que sua fala seja despedaçada a nosso ver e à nossa escuta. No entanto, surgiu o desejo de apresentar através deste trabalho científico, como é importante a escuta de um analista, sua paciência, o processo de transferência do afeto, independente da demanda a lhe aparece na clínica, e que nada é previsível para a Psicanálise, principalmente quando se trata da clínica das Psicoses. A psicose se remete a um mundo complexo, o qual não encontra abertura para penetrarmos a não ser através de um mergulho na sua própria realidade. Realidade esta que apavora, retrai e implica ao receio de aproximarmos. Mas como qualquer outro profissional que encara os desafios que aparecem na clínica. Eu me proponho junto a ajuda de grandes teóricos desvencilhar os empecilhos que subtraímos desta impetuosa clínica. Neste trabalho temos a presença de alguns textos fundamentais da teoria freudiana, descritos pelo próprio Sigmund Freud, como iniciante e criador desta ilustre categoria a que nos baseamos: a Psicanálise. E seguimos com base maior nos conceitos fundamentados por Jacques Lacan sob seu próprio texto. Psicose: conceitos e fundamentos teóricos As primeiras publicações de Freud onde se encontra o termo psicose foram em seu texto As neuropsicoses de defesa (1894), depois Neurose e Psicose. Nestes textos Freud demarca a distinção entre neurose e psicose, e identifica que o que determina o destino neurótico e psicótico é a idéia de defesa estabelecida na estrutura do sujeito. Se a defesa se posiciona contra um fragmento do id, ocorrendo daí uma falha parcial tem-se a neurose. Mas se a defesa se dirige contra um fragmento da realidade e se ao sujeitá-la obtêm-se sucesso teremos a psicose, ou seja, dada pela ausência da inscrição da castração, inexistência do sujeito. Segundo kaufmann (1996), Freud diz que, na neurose, o afrouxamento da relação com a realidade deve ser situado como reação contra o recalcamento. E na psicose, a perda da realidade é primária, ela é o desligamento parcial devendo ser de longe o mais freqüente e servir de prelúdio ao desligamento total (KAUFMANN, Ibid, p. 368). Portanto para Freud (1894), se a defesa se posiciona contra um fragmento do id, ocorrendo daí uma falha parcial tem-se a neurose. Mas se a defesa se dirige contra um fragmento da realidade e se ao sujeitá-la obtêm-se sucesso teremos a psicose, ou seja, dada pela ausência da inscrição da castração, inexistência do sujeito. A concepção freudiana traz a psicose determinada por uma espécie de mecanismo responsável por dois tipos clínicos: a paranóia e a esquizofrenia. Trata-se da inibição de investimento da libido nos objetos. A esquizofrenia produzida acerca de um singelo recuo, ao nível do auto-erotismo. E a paranóia com uma interrupção bem acentuada ao nível do narcisismo. Lacan, em sua tese de doutorado em Medicina Da psicose paranóica em suas relações com a personalidade, afirma que a psicose paranóica e personalidade não estabelecem nenhuma relação, segundo Souza (1991). Tempos mais tarde Lacan volta a dizer que ambas são a mesma coisa, e surge com a idéia contrária a teoria freudiana sobre a psicose, no que se refere a ela como ausência de inscrição da castração, confirma Velozo (2001b). A psicose na obra lacaniana No seminário 3, As Psicoses, Lacan afirma a existência de uma descontinuidade de origem entre a neurose e a psicose, suposta a partir da presença do operador denominado Nome-do-Pai (LACAN, 1955-56, p.585). Que segundo o autor, é quem limita e ordena o funcionamento de significantes (ausente de qualquer lei) no processo de estruturação do sujeito pela linguagem, ou seja, constitui a lei do 36

significante. Num segundo momento, esta concepção deixa de se basear na interdição da ausência ou presença do Nome-do-Pai, e passa a atribui à psicose os mesmos elementos que na neurose, sendo que a diferença está na quebra no interior dessa estrutura comum. Na psicose a significação surge no real, fora do registro do sentido, não foi anteriormente simbolizada, deixando o psicótico numa condição de estranheza e perplexidade. O sujeito não se encontra capaz de fazer valer as leis da simbolização. Ele é movido pela certeza do seu discurso interior. Lacet (2005) completa a idéia ressaltando que, na psicose não ocorre o acesso ao simbólico, o significante do Nome-do-Pai não se inscreve como falta simbólica no Outro, de modo que deixa de intervir como corte na relação imaginária do sujeito com o outro. É nesse funcionamento que o psicótico se fixa numa posição de objeto falta-a-ser da mãe e por outro lado, deixando-o fora do gozo fálico. Enquanto o neurótico é caracterizado pela dúvida porque denota uma divisão do sujeito. O psicótico é identificado por sua certeza delirante, que apresenta um distúrbio na linguagem. Segundo Jorge (2005, p.83), o simbólico é o campo da linguagem através do qual o sujeito faz face, por um lado, ao real traumático, e, por outro, reconstitui incessantemente seu imaginário que está submetido à invasão do real. Segundo Veloso (2001a), Lacan nos estudos da psicose após a década de 50, destaca o segundo momento do Édipo, ao qual se organizam os elementos: Nome-do-Pai e Metáfora paterna, onde instaura assim o processo de simbolização. De acordo com Souza (1991), o Nome-do-Pai, define a estrutura do sujeito através de seu assujeitamento à lei simbólica. A metáfora paterna tem como agente o pai, este significante simbólico, com sua lei vai interditar e vetar o gozo absoluto do sujeito impossibilitando a plenitude, ao tempo que liga o sujeito à vida, e a vida do sujeito falante é a sujeição à lei. Tal submissão à lei promove o gozo fálico e cria o desejo, é onde o sujeito se coloca numa busca incessante pela completude impossível. O sujeito entra num estardalhaço por sentimentos de perdição e errância. Lacan vai chamar isso de processo de foraclusão do Nome-do-Pai, onde a lei é chamada, mas não responde. Segundo Souza (1991), encontramos, portanto, manifestações na psicose como: neologismos, frases quebradas, palavras soltas, o que significa a quebra da cadeia simbólica de significantes. O sujeito psicótico tem sua realidade psíquica implicada na articulação do Imaginário com os outros dois registros dados por Lacan: Real e Simbólico, ambos são elos responsáveis pela constituição do sujeito. De acordo com Souza (1991), se caracteriza pela fase do espelho, apresentada por Lacan. Confirma Jorge (2005), o furo no imaginário se refere ao Real e o Simbólico é o que tenta preencher o furo no imaginário falante. Jorge (2005, p.83), completa descrevendo que o Real é o que ex-siste (o que está fora) à consistência do imaginário (...) aquilo que é impossível de ser simbolizado, ou seja, o oposto do imaginário. O Real concerne ao gozo no que o gozo tem de impossível, ao para-além do princípio do prazer. Sustentado por uma angústia a preço do trabalho forçado de leitura e decifração do mundo reduzido de signos, uma angústia sustentada a preço do delírio. O analista frente à clínica da psicose Trabalhar com a clínica da psicose como foi dito anteriormente é um desafio para o analista. Mas para Lacan a psicose é aquilo diante do que um analista não deve, em caso algum, recuar. E Quinet (2002) completa a idéia, onde diante de uma psicose já desencadeada, não haveria por que o analista não acolher a demanda de análise desse sujeito (Id, Ibid, p.22). De acordo com Veloso (2001b), um psicótico não deixa de ser psicótico, do mesmo modo que um neurótico não deixa de ser neurótico, e um perverso também não perde as características de sua base estrutural de defesa psíquica. Segundo Quinet (2002) o analista não pode prometer inserir o psicótico na norma fálica (Id, Ibid, p.22). Tal significante fálico é regido pelo Édipo e pelo Complexo de castração, o qual a foraclusão do Nome-do-Pai exclui o sujeito dessa ordem. A escuta flutuante do analista O inconsciente é estruturado como uma linguagem, segundo Jorge (2005, p.85), foi assim que Lacan afirmou denominando a primazia do significante, o inconsciente é, em seu fundo, estruturado, tramado, encadeado, tecido de linguagem (Id, Ibid, p. 82). Quando falamos de psicose, estamos falando da foraclusão, elemento negado que retoma ao real, fora do simbólico. Portanto, podemos dizer que o sujeito psicótico, está num lugar de ex-sistência, ao que se refere estar fora, e que também não depende do saber e nem do sentido para existir. No entanto, Mrech (2005) detalha que, Lacan constata que a linguagem e a fala não dão conta de dizer o real do sujeito (MRECH, 2005, p.152). Velozo (2001a), portanto conclui que, se dentro da teoria freudiana a questão posta pela psicose é a da existência de um sujeito em função de sua produção discursiva. Lacan, em sua teoria, vem permitir a visualização das 37

características dessa produção, ao configurar a psicose como um discurso que tende a ignorar o impossível e seus desdobramentos. Por que a Psicanálise na clínica da Psicose? Veloso (2001b) precisa que, o dispositivo analítico é o lugar mais adequado para acolher as diferenças, as singularidades, a diversidade dos modos de ser ou, ainda, a diversidade com relação ao real. De modo, acolher o modo próprio de sustentação da psicose na existência, em sua diferença. É através da escuta, ou seja, do ouvir o que é de mais exclusivo daquele ser também é uma forma de minimizar o isolamento de que a psicose padece e que é resultado de sua forma de inserção na existência (Id, Ibid, p.171). Seguindo ao passo que Lacan, em seu livro Seminário 3, propõe precisando que um delírio deve ser julgado em primeiro lugar como um campo de significação que organizou um certo significante (LACAN, 1955-56,p. 141). É nesse sentido, que a conduta analítica para com a clínica da psicose tem como regra essencial deixar que o sujeito deslanche através de sua fala, aquilo que, de ordem do registro do real, lhe vem a tona em forma alucinatória. CONSIDERAÇÕES FINAIS Trabalhar com a Psicose em sua diversidade, em sua singularidade, em sua especificidade é penetrar num universo proposto de complexidades em sua categoria específica enquanto estrutura psíquica. Deste modo compreendemos que o trabalho clínico, de certo modo, depende da conduta direcionada a queixa, a escuta oferecida focada no que diz respeito ao sentido no que o paciente dá ao seu próprio discurso, mesmo que este discurso aparenta um discurso sem sentido. O próprio doente sublinha que a palavra tem peso em si mesmo (LACAN, 1955-56, p.43). Portanto, a realidade que tratamos na clínica da psicose não uma realidade material, mas uma realidade psíquica criada pelo próprio sujeito que está ali e que sofre por ser um ser passível do gozo do Outro. Trata-se de uma realidade abrangida pelo conjunto da rede de linguagem do sujeito. De acordo com Veloso (2001b), Freud reconhece as produções da psicose como uma modalidade de sustentação da existência, ou seja, uma tentativa de restabelecimento, um processo de reconstrução. E Lacan reafirma esta concepção ao dizer que a metáfora delirante seria uma solução elegante (LACAN, 1953-56, p.361 apud VELOSO, 2001b) para ordenar o caos significante. Portanto entendemos que oferecer a transferência à clínica da psicose, fazer uso da interpretação, não é se direcionar a tratar o real, mas confere em possibilitar um encontro da psicose com uma metáfora. É nesse sentido que nos apoiamos em Lacan (1955-56) quando relata a formulação de Pascal que confere a necessidade da loucura, pois sem dúvida há uma loucura necessária, que não ser louco da loucura de todo o mundo seria ser louco de uma outra forma de loucura. (Id, Ibid, p.26) Se para Lacan, toda análise é didática quando levada o seu término, este trabalho também passa a representar um instrumento desse saber. Portanto, acredito que vem colaborar à clínica da psicose, considerando a sua especificidade e a importância da Psicanálise para lidar com toda complexidade que a comporta. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CHEMANNA, Dicionário de Psicanálise Larousse, Porto alegre: Arts Médicas Ed., 1995. FREUD, Sigmund. As Neuropsicoses de defesa, in vol., Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Imago, Rio, 1977. JORGE, Marco Antonio Coutinho. Fundamentos da psicanálise de Freud a Lacan, v.i: as bases conceituais 4ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. KAUFMANN, Pierre. Dicionário Enciclopédico de psicanálise O legado de freud a Lacan. Trad. Vera Ribeiro/ Maria Luiza Borges Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,1996. LACAN, Jacques. O semináriode Jacques Lacan, livro 3: As psicoses, 1955-1956/ Jacques Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.. De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. (1958) in Lacan, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. 38

LACET, Cristine. Da foraclusão do Nome-do-Pai à foraclusão generalizada: considerações sobre a teoria das psicoses em Lacan. Psicol. USP, São Paulo, v.15, n.1-2, 2004. Disponível em:<www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0103-65642004000100023&ing=pt&nrm=iso>. Acesso em 02 Dez 2007, doi: 10.1590/S0103-65642004000100023. MRECH, Leny Magalhães (Org.). O impacto da Psicanálise na educação. São Paulo: Editora Avercap, 2005. QUINET, Antonio. As 4 + 1 condições da análise. 9ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002. SOUZA, Neuza Santos. A Psicose um estudo Lacaniano. Rio de Janeiro, Campus Ed., 1991. VELOZO, Helena. Lacan versus Lacan: sobre a psicose in LO BIANCO, A. C. (org.)formações teóricos da clínica,, Rio de Janeiro: Contra Capa, 2001a.. O que a psicanálise pode oferecer à psicose in O laço social próprio à Psicose, Rj, Ufrj, IP, 2001b. 39