DESIGUALDADES SOCIAIS NA SAÚDE MENTAL DE MULHERES ADULTAS: ESTUDO DE BASE POPULACIONAL EM CAMPINAS, SÃO PAULO, BRASIL Caroline Senicato Marilisa Berti de Azevedo Barros Faculdade de Ciências Médicas/Universidade Estadual de Campinas Email:senicato@fcm.unicamp.br Telefone: (19) 35219249 País: Brasil 1. Introdução As condições em que as pessoas nascem, vivem, crescem, trabalham e envelhecem são responsáveis pela maior parte da carga de doenças, são os determinantes sociais da saúde. Dentre os determinantes das condições de vida encontram-se os estruturais, relacionados ao posicionamento do indivíduo na sociedade, em especial nas relações de produção e reprodução social. A educação, a ocupação e a renda são dimensões que fazem parte dos determinantes estruturais, de forma que estão associadas às causas mais profundas das iniquidades em saúde (WHO, 2011). Os determinantes sociais da saúde devem ser vistos como resultados de um ambiente social estruturado por políticas governamentais e status hierárquicos, com poder e privilégio, que expõe diferentemente os diversos grupos sociais aos fatores que influenciam a saúde (Krieger, 2011). Dentre as condições de saúde, os indicadores da saúde mental ganham destaque na saúde da mulher, visto que o cansaço ocasionado pela dupla jornada e o esforço em conciliar a vida familiar e profissional geram ansiedades e tensões cujas implicações sobre a saúde física e mental das mulheres são mal conhecidas e pouco estudadas. Apesar da alta prevalência de desemprego e problemas de saúde mental entre as mulheres, os determinantes sociais da saúde mental como diferenças de gênero em relação ao desemprego, os papéis da família e classe social foram poucos analisados (Artazcozet al, 2004).
O suporte e arranjo familiar são importantes entre os indicadores da saúde mental feminina. Em pesquisa com mulheres acima de 15 anos residentes em Feira de Santana (BA) foi verificadamaior prevalência de transtorno mental comum nas mulheres negras, naquelas com baixa escolaridade e renda, sem companheiro, que são chefes de família e que não contam com ninguém para a ajuda nos afazeres domésticos, sendo que 50% das mulheres com transtorno mental comum apresentaram alta sobrecarga doméstica (Araújo et al., 2005). Em inquérito realizado em Campinas (SP) com mulheres acima de 18 anos, os transtornos mentais comuns foram estatisticamente associados a ter 40 a59 anos, ser separada, ser negra e possuir menor escolaridade e renda (Pereira et al, 2008, p. 145). Assim, a prevalência de problemas emocionais distribui-se de maneira desigual na população. Sabe-se que as mulheres estão entre os subgrupos demográficos mais afetados pelos transtornos mentais, mas os determinantes sociais em saúde associados a pior saúde mental, especificamente no segmento de mulheres adultas, são poucos conhecidos. 2. Objetivos Analisar as desigualdades socioeconômicas e demográficas associadas ao TMC em mulheres de 18 a 59 anos, residentes no município de Campinas, São Paulo, Brasil. 3. Materiais e métodos Trata-se de um estudo transversal de base populacional, que utilizou dados do Inquérito de Saúde do Município de Campinas, São Paulo, Brasil, denominado ISACamp 2008/2009, realizado pelo Centro Colaborador em Análise de Situação de Saúde do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Campinas. O processo de amostragem do ISACamp 2008/2009 envolveu dois estágios. No primeiro estágio, foram sorteados 50 setores censitários da área urbana do município de Campinas/SP/Brasil com probabilidade proporcional ao número de domicílios. Foi feito um sorteio sistemático, no qual os setores foram ordenados pelo percentual de chefes de
família com nível universitário, ou seja, foi utilizada uma estratificação implícita por escolaridade. No segundo estágio da amostra foram sorteados os domicílios. O tamanho da amostra foi definido considerando a estimativa de uma proporção de 0,50, com um erro máximo de 4 a 5 pontos percentuais, com intervalo de confiança de 95% e efeito de delineamento de 2, resultando em 1000 indivíduos para cada domínio de idade: adolescente (10 a 19 anos), adulto (20 a 59 anos) e idoso (60 anos ou mais). Esperando 80% de taxa de resposta, o tamanho da amostra foi corrigido para 2150, 700 e 3900 domicílios, respectivamente para entrevistas com adolescentes, adultos e idosos. Foram entrevistados todos os residentes do domicílio, que fossem do domínio sorteado. No presente estudo foram utilizados somente os dados de adultos do sexo feminino na faixa de 18 a 59 anos de idade. Informações demográficas, socioeconômicas, de condições de saúde, de comportamentos relacionados à saúde e de uso de serviços de saúde foram obtidas por meio de um questionário estruturado, previamente testado, aplicado por entrevistadores treinados e supervisionados. A entrevista foi feita com a pessoa selecionada. As variáveis analisadas neste estudo foram: Transtorno mental comum:avaliado pelo Self ReportingQuestionnaire 20 (SRQ-20).Oinstrumento SRQ-20 é composto por 20 questões divididas em quatro blocos referentes à: diminuição de energia, sintomas somáticos, humor depressivo/ansioso e pensamentos depressivos. Asrespostas são dicotômicas e para cada resposta afirmativa é atribuído um ponto, totalizando-se 20 pontos para todas as respostas positivas. Foi caracterizada com TMC as mulheres adultas que pontuaram oitoou mais pontos (Mari e Williams, 1986). Variáveis socioeconômicas e demográficas: faixa etária, cor da pele/raça autorreferida, estado conjugal, número de filhos, escolaridade, atividade ocupacional remunerada, renda familiar per capita (calculada em número de salários mínimos),tamanho da família (pessoas)escolaridade do chefe da família, número de equipamentos no domicílio, posse de plano de saúde privado.
A variável dependente foi a presença de TMC. As variáveis independentes foramos indicadores socioeconômicos e demográficos; idade (contínua) e escolaridadeforam usadas para controle de confundimento. As associações entre as variáveis foram determinadas por meio do teste de quiquadrado, com nível de significância de 5%. Modelos de regressão simples e múltipla de Poisson com variância robusta foram usados para estimar as razões de prevalências brutas e ajustadas e seus intervalos de confiança de 95%. As análises estatísticas realizadas com o programa Stata versão 11.0, módulo svy, consideraram os pesos amostrais e o efeito do delineamento do estudo. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas em adendo ao parecer nº 079/2007. 4. Resultados A amostra deste estudo foi composta por 592 mulheres com idades entre 18 a59 anos. A prevalência de TMC entre as mulheres adultas no município de Campinas/São Paulo/Brasilfoi de 11,9% (IC95%: 8,8-15,0). Houve diferença estatisticamente significativa (p<0,05)em relação a vários indicadores demográficos e socioeconômicos analisados (Tabela 1).Foi verificado aumento da prevalência de TMC com o aumento com a idade. A prevalência de TMC na faixa etária de 18 a 29 anos foi de 7,3% e entre as mulheres de 50 a 59 anos foi de19,6%, apresentando uma prevalência de TMC 1,88 vezes maior que as mulheres de 18 a 29 anos de idade, mesmo após o ajuste por idade e escolaridade. Observou-se que a ausência de companheiro interfere na saúde mental, as mulheres desquitadas ou separadas ou divorciadas ou viúvas apresentaram uma razão de prevalência de 2,40 vezes mais TMC comparadas às casadas. O menor nível de escolaridade também foi associado à presença de TMC, as mulheres com até oito anos de estudo apresentaram 2,12 vezes mais TMC que as com nove anos ou mais. E, ter um emprego remunerado foi um a fator benéfico à promoção da saúde mental. A prevalência de TMC entre as
mulheres que não exerciam uma atividade remunerada foi 1,82 vezes maior comparada aquelas que trabalhavam. As demais variáveis: cor da pele/raça, número de filhos, tamanho da família, escolaridade do chefe da família, número de equipamentos no domicílio e posse de plano de saúde não apresentaram diferença estatisticamente significativa. 5. Conclusão Verificou-se que a presença de TMC entre as mulheres adultas está associada à desigualdade social, atingindo as mais desprivilegiadas economicamente e aquelas que vivem sem companheiro, corroborando com os achados da literatura. O acesso à educação e a inserção no mercado de trabalho aumentam a possibilidade de escolha, autoestima e aquisição de conhecimentos, que contribuem com a saúde mental. A análise da desigualdade em saúde com a identificação de grupos de maior vulnerabilidade propicia informações para gestões mais específicas e consequentemente mais efetivas na promoção da equidade. 6. Referênciasbibliográficas Araújo TM, Pinho PS & Almeida MMG. Prevalência de transtornos mentais comuns em mulheres e sua relação com as características sociodemográficas e o trabalho doméstico. Rev bras saúdematern infant. 2005;5(3):337-48. Artazcoz L, Borrell C, Benach J, Cortès I, Rohlfs I. Women, family demands and health: the importance of employment status and socio-economic position. Social Science & Medicine. 2004;59:263-74. Krieger N. Epidemiology and the people s health: theory and context. United States of America: Oxford University Press; 2011. 381 p.
Mari JJ, Williams P. A validity study of a psychiatric screening questionnaire (SRQ-20) in primary care in the city of Sao Paulo.Br J Psychiatry 1986; 148:23-6. Pereira ARS, Morita M, Barros MBA. Transtorno mental comum. In: Barros MBA (org.). As dimensões da saúde Inquérito populacional em Campinas. São Paulo: Hucitec; 2008. World Health Organization (WHO). Diminuindo diferenças: a prática das políticas sobre determinantes sociais da saúde/documento de discussão/todos pela equidade/conferência Mundial sobre Determinantes Sociais da Saúde. Geneva: WHO; 2011.47p.
Prevalência de TMC(SRQ-20) segundo variáveis socioeconômicas e demográficas, em mulheres adultas. ISACamp 2008/2009. Variáveis n* Prevalência RP Bruta a RP Ajustada b (%) (IC 95%) (IC 95%) Faixa etária (anos) 0,0131** 18 a 29 234 7,3 1 1 30 a 29 131 9,7 1,33 (0,63-2,77) 1,09 (0,54-2,22) 40 a 49 126 14,5 1,98 (1,00-3,91) 1,57 (0,82-3,00) 50 a 59 101 19,6 2,67 (1,50-4,74) 1,88 (1,05-3,40) Total 592 Cor da pele/raça 0,0855** Branca 426 10,7 1 1 Preta 47 21,4 2,00 (1,09-3,70) 1,80 (0,96-3,36) Parda 115 13,0 1,22 (0,68-2,18) 1,16 (0,66-2,04) Estado conjugal 0,0013** Casada 239 9,1 1 1 Vive junto/amasiada 84 13,0 1,43 (0,70-2,91) 1,57 (0,73-3,36) Desquitada/separada/divorciada/viúva 70 27,0 2,97 (1,54-5,74) 2,40 (1,27-4,54) Solteira 199 8,8 0,97 (0,50-1,87) 1,60 (0,82-3,13) Número de filhos 0,0011** 0 200 6,6 1 1 1 124 9,7 1,46 (0,75-2,84) 1,16 (0,61-2,19) 2 137 9,9 1,49 (0,67-3,30) 0,98 (0,43-2,21) 3 73 22,0 3,32 (1,81-6,08) 1,88 (0,82-4,29) 4 ou mais 58 22,8 3,44 (1,76-6,71) 1,69 (0,71-4,01) Escolaridade (anos) 0,0001** 0 a 8 232 18,6 2,53 (1,60-4,00) 2,12 (1,31-3,43) 9 ou mais 359 7,3 1 1 Exerce atividade remunerada 0,0008** Sim 349 8,3 1 1 Não 237 17,7 2,12 (1,37-3,28) 1,82 (1,21-3,23) Renda familiar per capita (SM) 0,1120** <=1 274 11,4 1,69 (0,81-3,52) 1,23 (0,54-2,82) >1 a <=2 139 17,1 2,52 (1,08-5,88) 1,89 (0,77-4,66) >2 a <=3 74 11,9 1,77 (0,74-4,23) 1,55 (0,98-3,57) >3 105 6,8 1 1 Tamanho da família (pessoas) 0,0881** 1 a 2 121 16,9 1 1 3 a 4 289 8,7 0,51 (0,28-0,95) 0,53 (0,30-0,94) 5 ou mais 182 13,7 0,81 (0,43-1,55) 0,79 (0,43-1,43) Escolaridade (anos) do chefe da família 0,0140** 0 a 8 310 14,7 1,61 (1,10-2,35) 1,06 (0,58-1,94) 9 ou mais 281 9,1 1 1 Número de equipamentos no domicílio 0,5569** 0-5 90 14,3 1,44 (0,70-2,97) 0,99 (0,41-2,38) 6-10 307 12,5 1,26 (0,74-2,16) 1,01 (0,53-1,93) 11 ou mais 194 9,9 1 1 Posse de plano de saúde privado 0,1578** Sim 256 10,0 1 1 Não 336 13,5 0,74 (0,49-1,13) 1,00 (0,58-1,74) * Número de indivíduos na amostra não ponderada; a Modelo de regressão simples de Poisson. b Modelo de regressão múltipla de Poisson. Variável de ajuste: idade (contínua) e escolaridade. *** Teste qui-quadrado: valor de p. Salário mínimo vigente à época da pesquisa: janeiro a abril/2008: R$ 415,00; maio/2008 a abril/2009: R$ 450,00. Destaque em negrito: valores estatisticamente significantes, o intervalo de confiança não compreende o 1.