Assim é se lhe parece ou Nem sempre é o que parece ser - processos de categorização e referenciação na internet Cristina Teixeira Vieira de Melo/ UFPE



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Transcrição:

Introdução Assim é se lhe parece ou Nem sempre é o que parece ser - processos de categorização e referenciação na internet Cristina Teixeira Vieira de Melo/ UFPE Na edição de número 12 da revista Bravo, publicada em setembro de 1998, o jornalista Sérgio Augusto inicia assim o seu ensaio: Estava errado quem disse que o homem é o único animal com o dom da fala. Esquecera-se do papagaio. Também estava errado quem disse que o homem é o único animal que ri. Esquecera-se da hiena. Mas estava certo quem disse que o homem é o único animal capaz de classificar e qualificar os seus semelhantes, proeza que nem os mais espertos primatas conseguiram aprender. Não apenas sabemos classificar e qualificar os nossos semelhantes (e até os nossos dissimilares) como somos viciados nisso, com ou sem embasamento científico, a sério e de brincadeira. 1 De fato, o ser humano tem loucura por classificar, categorizar, listar, enumerar, ordenar o que está ao seu redor. Outro articulista de Bravo, também chamado Sérgio Augusto (não aquele ao qual nos referimos anteriormente, mas o Andrade), lembra que a variedade de formatos que a estrutura de uma lista pode assumir é surpreendente. Escreve ele: listas podem ser um compêndio crítico de exemplos como uma antologia -; uma sobreposição articulada de imagens como uma colagem -; (...) uma compilação exaustiva de palavras e significados como um dicionário -; ou mesmo o conjunto casual das preferências de alguém como um temperamento. 2 Um texto que ilustra bem um tipo de classificação, por assim dizer, temperamental, é o ensaio que Jorge Luis Borges escreve sobre John Wilkins 3. Nele, o escritor argentino afirma ter encontrado uma certa enciclopédia chinesa em que os animais se dividiriam de acordo com a seguinte classificação: a) pertencentes ao imperador, b) embalsamados, c) domesticados, d) leitões, e) sereias, f) fabulosos, g) cães em liberdade, h) incluídos na presente classificação, i) que se agitam como loucos, j) inumeráveis, k) desenhados com um pincel muito fino, l) et cetera, m) que acabam de quebrar a bilha, n) que de longe parecem moscas. 1 Trecho do ensaio Lições de taxionomia, publicado na edição de número 1 da revista Bravo, de setembro de 1990, Ano 2, p.21. 2 Trecho do ensaio A lista das afeições, publicado na edição número 13 da revista Bravo, de outubro de 1998, Ano 2, p.26. 3 O ensaio referido se intitula O Idioma Analítico de John Wilkins, publicado em Jorge Luis Borges. Obras Completas, Vol II- 1952-1972, p.94, (São Paulo, Editora Globo, 1999).

No prefácio do livro As palavras e as coisas, Foucault (1992) retoma esse texto de Borges e fala o quanto essa classificação pode nos soar exótica e absurda. Segundo Foucault, a impossibilidade de pensar logicamente e globalmente os grupamentos dispostos na referida enciclopédia chinesa se deve à evidente ausência de critérios uniformes que possam relacionar as diferentes categorias entre si. Essa impossibilidade, contudo, é mascarada pela presença da série alfabética que supostamente serve de fio condutor às enumerações da tal enciclopédia. O incômodo maior de Foucault, no entanto, não recai na estranheza dessa classificação, mas na suspeita de que há desordem pior que aquela do incongruente e da aproximação do que não convém; seria a desordem que faz cintilar os fragmentos de um grande número de ordens possíveis (p.7- grifos nossos). Diante de tal inquietação, o esforço de Foucault em As palavras e as coisas é encontrar a partir de que foram possíveis conhecimentos e teorias; segundo qual espaço de ordem se constituiu o saber; na base de qual a priori histórico e no elemento de qual positividade puderam aparecer idéias, constituir-se ciências, refletir-se experiências em filosofias, formar-se racionalidades, para talvez se desarticularem e logo desvanecerem. (p.11-12). Acreditamos não nos distanciar de Foucault se da passagem acima depreendermos a idéia de que as teorias não são espelhos da realidade, mas propostas metodológicas de construção e ordenação epistemológica da realidade. Nessa mesma linha de raciocínio, a nossa hipótese é a de que o ser humano tem, por natureza, uma predisposição para conhecer e dizer o mundo, mas o modo como o faz sofre condicionamentos de ordem cognitiva, histórica e cultural. Ou seja, não há unidade, mas diferenças na maneira de perceber e dizer o mundo. A título de ilustração, selecionamos quatro expressões que aparentemente poderiam ser tomadas como sinônimas 4 ( origem do mundo, criação do mundo, origem do universo e origem da vida ) e fizemos uma busca na internet através do google 5. Observamos que dependendo da expressão selecionada a lista de resultados 4 Partimos do princípio de que não existem sinônimos perfeitos, pois, usar a palavra x ou y implica em efeitos de sentido diferenciados. Por outro lado, como bem propõem Pêcheux e Fuchs (1975), sustentamos que determinadas expressões que no dia a dia não são usadas como equivalentes podem ser tomadas como sinônimas dentro de uma mesma formação discursiva (FD). É a noção de FD que autoriza a relação parafrástica de substituição. Fica claro, portanto, que certas equivalências só valem no interior de uma mesma FD. 5 http://www.google.com.br

apontava para sites pertencentes a campos discursivos 6 distintos, como indica o quadro a seguir: Quadro comparativo - expressões lingüísticas/ campo discursivo Expressão selecionada Campo discursivo relacionado Criação do mundo Sites sobre mitologia e religião Origem do mundo Sites sobre mitologia e religião Origem do universo Sites sobre astronomia Origem da vida Sites sobre biologia/ genética Esse quadro corrobora várias hipóteses levantadas por Maingueneau em Gênese dos Discursos (2005). Reportar-nos-emos aquelas que se mostram pertinentes à análise discursiva do quadro acima. Segundo o referido autor, o interdiscurso tem precedência sobre o discurso (p.21) Isso significa dizer que os discursos não se constituem independentemente uns dos outros, mas se formam de maneira regulada no interior de um interdiscurso. É a relação interdiscursiva que estrutura a identidade de cada um. Ainda de acordo com Maingueneau, mesmo que todo discurso repouse sobre partilhas iniciais, essas partilhas não tomam forma sobre um espaço semântico indiferenciado. Existe um sistema de restrições semânticas globais e o caráter global dessa semântica se manifesta pelo fato de que ela restringe simultaneamente o conjunto dos planos discursivos: tanto o vocabulário quanto os temas tratados, a intertextualidade ou as instâncias de enunciação... (p.22). Devemos, portanto, entender esse sistema de restrições como um modelo de competência interdiscursiva. Os enunciadores de determinado discurso teriam o domínio tácito de regras que os permitiria produzir e interpretar enunciados de sua própria formação discursiva e, correlativamente, identificar como incompatíveis com ela os enunciados de formações discursivas antagonistas. Assim, a definição da rede 6 Maingueneau (2005, p. 35-36) define campo discursivo como um conjunto de formações discursivas que se encontram em concorrência, delimitam-se reciprocamente em uma região determinada do universo discursivo. Segundo ele, concorrência, nesse contexto, inclui tanto o confronto aberto, quanto a aliança, a neutralidade aparente etc... entre discursos que possuem a mesma função social e divergem sobre o modo pelo qual ela deve ser preenchida. (ibid, p. 36).

semântica que circunscreve a especificidade de um discurso coincide com a definição das relações desse discurso com seu Outro. (op.cit, p. 38.) De Maingueneau, vale destacar ainda a idéia de que o discurso não deve ser pensado somente como um conjunto de textos, mas como uma prática discursiva: O sistema de restrições semânticas, para além do enunciado e da enunciação, permite tornar esses textos comensuráveis com a rede institucional de um grupo, aquele que a enunciação discursiva ao mesmo tempo supõe e torna possível. (p.23). Tomando por base as colocações expostas acima, verificamos que campos discursivos específicos, como a Mitologia, a Religião, a Astronomia e a Biologia podem falar do mesmo fenômeno (no caso, a origem do homem, da vida, do universo), mas não o fazem da mesma maneira, cada um tem suas especificidades. Nos exemplos em destaque, essas especificidades ficam evidenciadas na própria maneira de nomear o fato, nomeação que se constitui como vocabulário característico de determinado campo e, por isso mesmo, muito dificilmente aparecerá no interior de um outro, demarcando claramente a prática discursiva de cada um desses campos bem como as regiões de confronto entre os mesmos. Do que foi dito até agora está claro que o mundo comunicado é sempre fruto de uma ação discursiva e não de uma identificação de realidades discretas, objetivas e estáveis. Nesse momento, deixaremos de lado a orientação teórica que guiou as nossas observações até aqui, baseada nos pressupostos teóricos da Análise de Discurso de linha francesa (AD) 7, e passaremos a privilegiar alguns estudos desenvolvidos dentro de certa Lingüística Cognitiva e Textual, cujo foco de atenção volta-se para as questões da categorização e referenciação. Sabemos que mencionar, num mesmo paper, a Análise do Discurso, a Lingüística Textual e a Lingüística Cognitiva pode causar estranhamento em quem lê, já que cada uma dessas áreas de conhecimento tem filiações, perspectivas e interesses teóricos distintos. No entanto, acreditamos que essas disciplinas, ao menos determinadas correntes dentro delas, se aproximam umas das outras quando negam tanto a visão representacional como a mentalista de linguagem. Nesse trabalho, o que une os autores citados é a idéia de que a língua não reflete a realidade, não é um espelho do mundo, e que o estabelecimento do sentido não se dá a priori na interação. 7 Vejam-se os atores citados: Foucault (1992), Pêcheux e Fuchs (1975), Maingueneau (2005).

Partimos do pressuposto que as atividades de categorização e referenciação têm uma dimensão discursiva. Como bem afirma Marcuschi em vários de seus escritos recentes 8, não trata-se de negar que os fenômenos de nossa percepção sejam reais, ou afirmar que não tenham uma existência extra-mental; trata-se, de não aceitar que sejam identificáveis como unidades naturais, ou que sejam simples representações mentais. Os fenômenos são de algum modo amorfos e as formas que lhes darão a estrutura de objetos são frutos de nossas propostas teóricas ou de rotinas e estereótipos sociais que utilizamos como base para agrupamento (Marcuschi, 2003: 241). Assim sendo, a maneira como nós dizemos aos outros as coisas é decorrência de nossa atuação lingüística e cognitiva sobre o mundo. Da mesma forma, Mondada & Dubois (1995/2003) afirmam que não existe uma estabilidade a priori das entidades no mundo e na língua. Segundo elas: no lugar de partir do pressuposto de uma segmentação a priori do discurso em nomes e do mundo em entidades objetivas, e, em seguida, de questionar a relação de correspondência entre uma e outra parece-nos mais produtivo questionar os próprios processos de discretização. (p. 19) Nessa mesma direção, Marcuschi (2004) sustenta que não há uma língua pronta de um lado, podendo ser usada para espelhar e representar o mundo; e de outro, o mundo já discretizado em todos os seus elementos à espera de quem os nomeie. Por isso, ele também afirma ser necessário indagar quais são os processos usados para a discretização. A resposta de vários autores que trabalham dentro do sócio-cognitivismo 9 é que essa discretização é feita não de forma unilateral, mas no diálogo e em comum acordo entre os interlocutores. Do enunciado anterior destacamos a palavra diálogo para enfatizar este elemento como a peça chave que proporciona a guinada rumo à noção de construção social da realidade, em que os sujeitos e os processos interativos se tornam centrais para construção de sentido. Como lembra Marcuschi (2003), se o ato de dizer é uma maneira de construir o mundo, não se pode esquecer que dizer é dizer para alguém, de modo que a construção do mundo pelo discurso é dialógica, interativa. 8 Referimo-nos em especial aos seguintes textos: Do código para a cognição: o processo referencial como atividade criativa (2002). Veredas, Juiz de Fora, v.6, n.1, p43-62; Atividades de referenciação, inferenciação e categorização na produção de sentido (2003). In: Heloisa Pedrosa de Moraes Feltes (org). Produção de sentido. Estudos transdiciplinares. São Paulo/Porto Alegre/Caxias, v.1, p.239-262; Discurso, cognição e gramática nos processos de textualização (mimeo, 2003); A construção do mobiliário do mundo da mente: linguagem, categorização e verdade (mimeo, 2004). 9 Gilles Fauconnier, Lourenza Mondada & Dubois, Margarida Salomão, Ingedore Koch, Luiz Antônio Marcuschi, entre outros.

Nessa mesma linha argumentativa, e sabendo que toda nossa expressão do mundo se dá na base de categorias e conceitos, fica evidente que as categorias não são naturais, mas construídas discursivamente no processo dinâmico de interlocução Elas são construídas pelos sujeitos em suas práticas discursivas e cognitivas, que por sua vez são social e culturalmente situadas. Enfim, as categorias lingüísticas e cognitivas são instáveis e culturalmente sensíveis. É bastante feliz a metáfora de Marcuschi (2003: 253) quando afirma que as categorias não podem ser tidas como cartografias cognitivas. Não são uma espécie de repertório de etiquetas para dizer o mundo. Do mesmo jeito que não existem categorias naturais, porque não existe um mundo naturalmente categorizado, a maioria dos nossos referentes são objetos de discurso e não objetos do mundo (Mondada & Dubois, 1995/2003). Marcuschi (2002) enfatiza que se a língua em si mesma não providencia a determinação semântica para as palavras e as palavras isoladas também não nos dão sua dimensão semântica, somente uma rede lexical situada num sistema sócio-interativo permite a produção de sentidos. Isso não quer dizer que as palavras são vazias de sentido, mas que o sentido efetivamente atribuído às palavras em cada uso é providenciado por uma atividade cognitiva situada. Nesse contexto, a língua não tem uma semântica determinada e a cognição não é apenas um fenômeno mental, mas construída sócio-historicamente. Marcuschi (2003) afirma que a língua é um sistema de indeterminações sintático-semânticas que se resolvem nas atividades dos interlocutores em situações sócio-comunicativas 10. E, segundo ele, é nesse trabalho coletivamente realizado que se constitui o sistema de referências em que o sistema simbólico se torna significativo. Esses sistemas de referência (não importa se os definimos como frames ou formações discursivas, à moda da Lingüística Textual ou da Análise de Discurso, respectivamente) são domínios de interpretação, como bem afirma Possenti (2002). Lembrando Franchi (1977), que sabiamente dizia que não há nada imanente na linguagem, salvo sua força criadora e constitutiva, bem como não há nada universal salvo o processo, Marcuschi (2003) propõe que a atividade referencial é uma atividade criativa: Referir é criar, já que a referência não é uma simples designação. Para finalizar esta introdução teórica, retomamos a cadeia argumentativa sustentada aqui: a) não existe uma relação biunívoca entre linguagem e mundo nem 10 Marcuschi retoma aqui as idéias de Carlos Franchi (1977).

entre linguagem e cognição; b) é pela linguagem que temos acesso ao conhecimento e isso influencia nossas experiências; c) a experiência humana, revelada em suas atividades de categorização, não é um dado natural, mas uma construção; d) as categorias são sócio-discursivamente construídas como objetos do saber; e) boa parte dos referentes textuais são objetos de-discurso e não objetos-do-mundo. Recorte metodológico e objeto da pesquisa A partir dos pressupostos teóricos rapidamente expostos acima e tendo delimitado como campo de investigação o domínio da política, fomos atrás do que o título da mesa prometia: verificar se determinadas regularidades textuais, discursivas e cognitivas caracterizavam os hipertextos sobre política dispostos na internet. Após nos dar conta do quanto era ambicioso o trabalho prometido, deparamonos também com a dificuldade de estabelecer critérios que nos permitissem selecionar e comparar as diferentes páginas encontradas na internet sobre política. Por exemplo, uma busca inicial no google nos remeteu a 8.690.000 páginas no Brasil que se referiam ao assunto política 11. Os destinos eram os mais diversos, sobretudo, sites de publicações ou instituições especializadas em política, bem como sites de empresas de marketing político. Interessante foi perceber que na lista de endereços do google não apareciam, logo de saída, as homepages dos partidos políticos nacionais. Mas foram justamente estes sites que resolvemos visitar. Acreditávamos que esse era um ótimo corpus a investigar tendo em vista os pontos que aproximam e afastam os diferentes partidos entre si. Se por um lado todos eles pertencem à categoria partido político brasileiro ; por outro, eles se distanciam no que diz respeito, entre outras coisas, à sua história, luta política e propostas. As homepages visitadas foram as dos seguintes partidos: Partido dos Trabalhadores (PT); do Partido Socialismo e Liberdade (P-SOL); Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB); Partido Comunista do Brasil (PCdoB); Partido Verde (PV) 12. 11 Como era de se esperar de uma busca realizada na internet, apareceram na lista fornecida pelo google inúmeros sites cujo conteúdo não diz respeito à prática ou a reflexão sobre a política em si. Por exemplo, foi grande a ocorrência de indicações de páginas onde constava à expressão política de privacidade, que obviamente foge ao interesse da investigação proposta. 12 Indicamos o endereço de cada partido na internet: PT - http://www.pt.org.br; P-SOL http://www.psol.org.br; PSDB http://www.psdb.org.br; PCdoB http://www.vermelho.org.br; PV http://www.pv.org.br.

Do ponto de vista gráfico, com exceção do PV 13, a página inicial dos demais partidos se assemelha bastante. Em todas elas o símbolo do partido aparece no canto superior esquerdo da tela. Também na margem esquerda posiciona-se o menu de navegação com os links para acesso ao conteúdo do site dispostos na posição vertical. No geral, o centro da tela é ocupado por manchetes de notícias, acompanhadas ou não de imagens, bem ao gosto dos sites de jornalismo. Enquanto o menu é fixo, as notícias não dinâmicas. As mais antigas vão sendo empurradas para o canto inferior da tela. Na margem esquerda, muitas vezes, também aparecem notícias, artigos assinados por políticos do partido e agenda de eventos. O foco de nosso olhar recaiu sob os links do menu, pois, eles indicam quais são as categorias, os temas, os assuntos tidos por cada partido como relevantes ao ponto de constituírem blocos informacionais específicos da homepage. Os links (ou interconectores) são ligações ou nexos constituídos por itens lexicais, sintagmas, ícones ou elementos ressaltados num texto que servem para fazer a conexão ou estabelecer os nexos entre uma página e outra, entre um site e outro etc. Conforme Burbules (1998:105), o link não é apenas uma estrutura elementar que representa um hipertexto como uma rede sêmica de relações significativas; de modo particular, ele controlaria o acesso à informação. Segundo o referido autor, os interconectores não são meios simples e neutros de passar de um ponto A para um ponto B (p.110). Eles criam conexões específicas com associações, implicações, significações, que implicam decisões carregadas de sentidos. Burbules sugere considerar os links como instrumentos retóricos (p. 110) que devem ser analisados como figuras retóricas que exercem funções bem específicas, como se verá mais adiante quando da análise do corpus. Análise do corpus 13 O design totalmente diferenciado da homepage do PV parece confirmar o que propõe o próprio slogan do partido: a outra forma de ver o mundo e fazer política. A página de abertura do site do PV não tem informações de caráter jornalístico, como é padrão nas páginas dos demais partidos. Ela tem uma cara bem mais institucional. Traz apenas o símbolo, o nome e o número do partido, acompanhado do mapa do Brasil, um link para a página da juventude do Partido Verde e o menu de navegação. Além disso, essa é a única homepage que faz uso de trilha sonora como elemento criador de identidade do partido.

Após passear nas homepages dos partidos pesquisados, pudemos perceber que a presença dos links no menu de navegação tem duas origens motivacionais distintas 14 : 1. ouvir o outro e 2. falar de si Essa divisão nos remeteu imediatamente a Bakhtin, para quem a interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua" (1979: 123 grifos nossos). Bakhtin instaura o dialogismo como princípio constitutivo da linguagem e a condição de sentido do discurso. Segundo ele, o fato de o discurso se organizar em função do outro é que estrutura e define seu caráter dialógico: "Toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro." (op.cit., p113) A relação bivocal entre locutor a alocutário de que fala Bakhtin fica evidenciada, na internet, pela própria estrutura operacional da www, que tecnicamente proporciona a troca verbal entre os interlocutores, sendo a interatividade uma das principais características da rede. A classificação que propomos acima mostra justamente os dois movimentos que se pode fazer numa interação verbal: ouvir e falar. Na primeira categoria estão os links que buscam ouvir as demandas do leitor/navegador. Alinhando-se ao princípio dialógico proposto por Bakhtin, segundo o qual a enunciação é orientada socialmente, os links dessa categoria apontam para blocos informacionais que objetivam atender aos interesses presumidos dos leitores/navegadores. Nos casos em análise, inserem-se nesse grupo os links que facilitam a comunicação do sujeito com o partido (cadastro, formulação de perguntas etc). Nesse contexto, ganha destaque todo tipo de ferramenta que pode ser caracterizada como prestação de serviços ao usuário : Busca no site, Banco de imagens, vídeo e sons, Galeria de fotos, Papéis de parede, Filiação online, Contato por e-mail, entre outros 15. 14 Deve estar claro que os links não estão agrupados no menu de navegação seguindo a classificação acima proposta. Esta classificação é fruto de uma interpretação nossa sob os dados e espero mostrar que cada categoria atende a expectativas diferenciadas do leitor/navegador e dos próprios responsáveis pelas homepages, no caso aqui em estudo, lideranças e membros dos partidos políticos. 15 Observamos que os links presentes nas homepages dos partidos que buscam estabelecer contato entre esses mesmos partidos e os visitantes dos sites priorizam, em especial, a comunicação entre o leitor/navegador e o partido - e não o contrário (Partido Usuário). Também não estamos afirmando que a comunicação é unilateral, falamos apenas em predominância.

Dos cinco sites pesquisados, todos fizeram uso de pelo menos dois desses instrumentos, como mostra a tabela: Tabela 1 Links que configuram prestação de serviço dos sites PT PSDB P-Sol PV PCdoB Busca no site Banco de imagens, vídeo e sons (jingles) ou Galeria de Fotos Filiação on-line Contato por e- mail ou Fale conosco Papéis de parede Cartão virtual Lojinha Correio Fórum * Enquetes * Jovens verdes Jovens verdes * Obs: O Fórum e as Enquetes não constituem ferramentas de prestação de serviço, mas servem para a comunicação entre os sites e seus usuários e entre usuários/usuários. Como podemos observar, todos os sites disponibilizam um espaço para que o visitante entre em contato com o partido, fazendo uso do instrumento que a internet tem de mais característico: a facilidade de estabelecer interação entre os interlocutores. A busca no site e o banco de imagens são ferramentas que também ocupam lugar de destaque em quase todas as homepages, exceto a do PV. Mais uma vez, se faz uso de uma característica típica da internet: a possibilidade de armazenar, indexar e disponibilizar material de arquivo para o público de maneira rápida e eficiente. O PT e o P-Sol não aceitam filiação on-line. Não se sabe se por algum impedimento ideológico ou simples esquecimento dos programadores do site de utilizar a tecnologia para tal fim. Interessante perceber que o link lojinha aparece somente nos sites do PT e do PCdoB. As outras homes não usam essa estratégia de venda de objetos com logomarca do partido para arrecadação de fundos e divulgação da entidade. No P-Sol aparece um link para contribuição ao partido, mas desvinculada de qualquer venda de produto. As demais ferramentas citadas na tabela (papéis de parede, cartão virtual, correio, fórum e enquetes) aparecem em apenas uma das homepages. O PV foi o único

partido que utilizou ferramentas que buscam conhecer o visitante (o Fórum e a Enquete). Devemos ressaltar ainda que esse primeiro conjunto de links mantém uma estreita relação com três importantes aspectos comumente apontados como caracterizadores do hipertexto na internet 16 : multisemiose, possibilidade de interconectar simultaneamente a linguagem verbal com a não-verbal (sonora, visual, audiovisual); interatividade, referente à interconexão interativa que, por um lado, é propiciada pela multisemiose e pela acessibilidade ilimitada e, por outro lado, pela contínua relação de um leitor-navegador com múltiplos autores em quase sobreposição em tempo real, chegando a simular uma interação verbal face-a-face; iteratividade: diz respeito à natureza intrinsecamente intertextual marcada pela recursividade de textos ou fragmentos na forma de citações, notas, consultas etc. Voltando à classificação proposta para os links, os que pertencem à segunda categoria voltam-se não para o outro, mas para si; no caso, para os partido políticos. Dividimos essa categoria em duas subcategorias: a) os links que disponibilizam para o usuário material de arquivo, ou seja, remetem a fatos ocorridos em tempo passado; e b) os que dizem respeito ao perfil atual do partido, ao tempo presente. É através desses links que se constrói a identidade dos partidos. No material de arquivo estão os textos históricos, como discursos e pronunciamentos; material de campanha (jingles, slogans, vts, trechos de programas exibidos no horário eleitoral gratuito, peças de campanha etc). Observamos que todas as homepages têm algum link para relatos sobre o momento inaugural de criação dos partidos, bem como para documentos importantes como estatutos e programas. O partido que mais material de cunho histórico possui disponibilizado em sua página é o PcdoB; muito provavelmente porque é o partido mais antigo no país, fundado em 1922. 16 Além desses, tomando por base autores como Bolter (1991) e Nelson (1991), Marcuschi (1999) aponta ainda os seguintes aspectos como caracterizadores do hipertexto: não-linearidade: diz respeito à flexibilidade desenvolvida na forma de ligações permitidas/sugeridas entre nós que constituem redes que, por sua vez, permitem a elaboração de vias navegáveis; volatilidade: o hipertexto não tem a mesma estabilidade dos textos de livros e todas as escolhas são tão passageiras quanto às conexões estabelecidas por seus leitores; topografia: o hipertexto não é hierárquico nem tópico, por isso ele é topográfico; fragmentariedade: consiste na constante ligação de porções em geral breves com sempre possíveis retornos ou fugas; acessibilidade ilimitada: o hipertexto acessa todo tipo de fonte, sejam elas dicionários, enciclopédias, museus, obras científicas, literárias, arquitetônicas etc. e, em princípio, não experimenta limites quanto às ligações que permite estabelecer.

São vários os links que apontam para esse material histórico do PcdoB: História do Partido, Documentos Históricos, Biblioteca Marxista, Programa Socialista, Estatuto do PcdoB, entre outros. Afora os textos históricos, as identidades dos partidos são construídas pela configuração que ele adquire no tempo presente: estrutura organizacional, nomes que compõem a direção, parlamentares em atuação no Senado e nas Câmeras, etc. Uma das características da estrutura organizacional dos partidos é a divisão em áreas de trabalho. Nos partidos aqui analisados essa divisão está configurada da seguinte forma: Tabela 2 Nomeação e listagem das áreas de trabalho dos partidos (grifos nossos) Partido Nomeação Áreas de trabalho P-Sol Movimentos Sindical, Juventude, Popular, Mulheres, GLBTT, Negros e Negras PCdoB Secretarias Política, Organização, Comunicação, Formação, Relações Internacionais, Sindical, Finanças, Juventude e Movimentos Populares PT Secretarias Combate Racismo, Cultura, Finanças, Formação Política, Juventude, Meio Ambiente, Mobilização, Movimentos populares, Mulheres, Organização, Relações Internacionais, Sindical, SNAF. SNAI PSDB PSDB Mulher, Juventude PSDB, PSDB Internacional PV Jovens Verdes * O PSDB e o PV não agrupam as áreas de trabalho sob uma nomeação específica. Do quadro acima, chama atenção à recorrência de interesses em grupos como as Mulheres, os Jovens e os Negros. Claro fica que o destaque dado a esses segmentos da população reflete o avanço político e social alcançado pelos mesmos nos últimos anos. Antes de conquistas relativamente recentes o lugar das mulheres, dos jovens e dos negros na esfera pública, e em especial na política, era bem problemático. Todos os sites manifestam preocupação com os jovens e exibem a atuação dos mesmos em eventos promovidos pelo partido. No PT e no P-Sol, a expressão usada para designar os jovens é a mesma: Juventude. No PSDB há uma variação mínima, fruto do acréscimo da sigla do partido ao substantivo. Assim, a denominação resultante é Juventude PSDB. Portanto, não se fala de qualquer jovem, mas apenas daqueles filiados ou simpatizantes ao PSDB. No site PCdoB, os jovens compartilham com os movimentos populares o mesmo link: Juventude e Movimentos Populares ; mas navegando pela página percebe-se que não há informação alguma sobre os citados movimentos populares. No PV a designação para o segmento adolescente e préadolescente é Jovens verdes, e eles são destaque na homepage do PV, constituindo quase um movimento a parte.

As mulheres não aparecem nos sites do PCdoB e do PV. Mais uma vez, os sites do PT e do P-Sol coincidem na designação de uma categoria. Em ambos, o termo Mulheres designa o link para a página das ações do partido voltadas especificamente para a população feminina. O PSDB mantém aqui a mesma estratégia usada para designar os jovens, ao acrescentar a sigla do partido ao substantivo no intuito de qualificar, adjetivar a categoria mencionada. No entanto, diferentemente do que acontece com a expressão utilizada para se referir aos jovens (Juventude PSDB), a sigla dessa vez precede o substantivo: PSDB Mulher. Um dado interessante sobre o PSDB Mulher é o fato de ele conter um link para o Programa de Formação Política para Mulheres Tucanas. Esse Programa parte do princípio que a participação política é uma realidade nova no contexto político e, mais ainda, no horizonte existencial das mulheres. E defende que para a mulher ingressar nesse universo é necessário ela se capacitar. Seria esse o motivo de lançar o referido Programa, ao qual as mulheres têm acesso quando participam do curso de mesmo nome. A nosso ver, não há problema algum em querer capacitar - através de cursos, programas e manuais - as mulheres para ocuparem cargos públicos ou candidatarem-se a cargos eleitorais. Resta a pergunta provocativa: por que tal curso é ofertado apenas para as mulheres? Todo e qualquer homem já nasceria com o dom de fazer política e a mulher, diferentemente, precisaria ser treinada para tal tarefa? Não seria interessante também ofertar para os homens tal curso? Enfim, a presença de tal Programa na página dedicada especificamente às mulheres, dá a impressão de que a população feminina não é capaz de aprender com a prática, precisando ser instruída para atuar adequadamente na esfera pública. Aqui vale uma pequena digressão para falar que a homepage do PcdoB também mantém um link voltado para formação dos seus militantes, a Escola Nacional do PcdoB, mas esse instrumento de formação não se dirige a um gênero, faixa etária, raça ou qualquer outro tipo específico de grupo. Nas palavras contidas no site, essa escola é o instrumento de formação teórica e política dos militantes e filiados do Partido Comunista do Brasil. (...) e suas atividades abarcam tanto o ensino quanto a pesquisa. Verifica-se que o trabalho da Escola é importante na medida em que o PcdoB anuncia

que militância exige estudo e que o estudo é um quatro pilares exigidos de um comunista 17. Voltado para o PSDB Mulher, outro link curioso é o Clube do Tucaninho, destinado a crianças e adolescentes com idade entre 5 e 15 anos. Para poder existir e funcionar, um clube dessa natureza deve manter vínculo obrigatório com a Secretaria Estadual do PSDB Mulher. Cabe outra pergunta provocativa: Por que é o PSDB Mulher quem responde pela criação e acompanhamento de tal clube e não, por exemplo, a coordenação da Juventude PSDB? Ao que parece, no universo tucano, as mulheres podem até ingressar na política, mas ainda cabe a elas a incumbência de cuidar das crianças. A preocupação com o preconceito racial, em particular em relação aos negros, só aparece nos sites do PT e do P-Sol. Esse fato nos leva a imaginar que os políticos de outros partidos ou acham que a luta dos negros não deve ser considerada de maneira particular; ou não se interessam em defender as reivindicações da população negra, ou acham que a situação dos negros está resolvida. De qualquer forma, transparece a impressão de que os negros não encontram possibilidades de empoderamento através da política partidária no PSDB, PCdoB e PV. Nesse contexto, seria interessante investigar qual o número de parlamentares negros que cada partido detém e/ou quais são aqueles que historicamente lutam pelas causas dos negros. No site do PT, o link para a questão racial denomina-se Combate ao racismo. No site do P-Sol, a nomeação escolhida é Negros e negras, deixando claro que além de um discurso anti-racista existe uma preocupação de cunho feminista. No site do P-Sol é interessante notar ainda que há duas variações para falar de homens e mulheres de cor negra: o enunciado Negros e negras, presente na página principal na forma de link, e a expressão homens e mulheres afro-descendentes, que consta em página interna com a resolução sobre a organização do Coletivo Nacional Negros e Negras do P-Sol. Em ambas as designações percebe-se a influência do movimento politicamente correto na construção do discurso. Considerações finais: 17 No link O que é ser comunista a militância, a contribuição financeira ao partido, a divulgação da doutrina e o estudo do marxismo-lenismo são apontados como peças fundamentais para aquele que quer ingressar no PcdoB.

Os links presentes no menu de navegação dos vários partidos mostram como a ordem de nossos conhecimentos e das instituições que os suportam não é uma ordem natural, mundana. É uma ordem histórica e sócio-cultural. Tanto é assim que a questão sindical, por exemplo, só aparece nos sites dos partidos que têm uma ligação maior com a classe trabalhadora (PT, P-Sol e PCdoB). Da mesma forma mulheres e negros têm presença marcada apenas em alguns dos sites (PT, P-Sol e PSDB), enquanto os jovens aparecem em todos eles. Deve-se acentuar também que, dentro de cada partido, a identidade das categorias é construída de maneira particular. Assim, a mulher do PSDB não é a mesma do PT nem a do P-Sol. Os dados analisados confirmam a idéia de que, nos processos de categorização e referenciação, o que conta é o lugar de fala do sujeito, é a perspectiva daquele que enuncia. Enfim, o mundo externo existe, mas não de uma maneira homogênea e como uma forma única para todas as mentes humanas. Por outro lado, não existe um mundo específico para cada indivíduo. O mundo das coisas ditas e conhecidas é construído discursivamente na interação, ou seja, pressupõe um outro. Referências bibliográficas: BAKHTIN, M. (1979/1992). Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes. BURBULES, Nicholas C. 1998. Rhetorics of the Web: hyperreading and critical literacy. In: I. SNYDER (ed.). 1998, pp. 102-122. FOUCAULT, Michel. 1992. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. 6ª ed. SP. Martins Fontes. FRANCHI, Carlos. (1977/1992). Linguagem Atividade Constitutiva. Cadernos de Estudos Lingüísticos. Campinas, IEL, 22(1992): 9-39 (publicado originalmente na revista Almanaque, 5(1977):9-26). MAINGUENEAU, Dominique. (2005). Gênese dos discursos. Curitiba. Paraná.Criar Edições Ltda. MARCUSCHI, Luiz Antônio. (1999). Linearização, cognição e referência: o desafio do hipertexto. In: Línguas e Instrumentos Lingüísticos. 3, pp. 21-46. MARCUSCHI, Luiz Antônio. (2002). Do código para a cognição: o processo referencial como atividade criativa. Veredas, Juiz de Fora, v.6, n.1, p43-62. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Atividades de referenciação, inferenciação e categorização na produção de sentido. In: Heloisa Pedrosa de Moraes Feltes (org). Produção de sentido. Estudos transdiciplinares. São Paulo/Porto Alegre/Caxias, v.1, p.239-262;

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