Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.



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Transcrição:

Acórdãos TRG Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães Processo: 2046/06.6TBFAF.G1 Nº Convencional: JTRG000 Relator: ISABEL ROCHA Descritores: REENVIO PREJUÍZO Nº do Documento: RG Data do Acordão: 04-03-2010 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Meio Processual: APELAÇÃO Sumário: I Tendo-se apurado, em acidente de viação ocorrido entre um velocípede e um veículo automóvel, que foi a conduta do condutor do velocípede que causou a sua verificação, de acordo com a legislação portuguesa, está excluída a responsabilidade da companhia de seguros com a qual o proprietário do veículo automóvel celebrou o respectivo seguro de responsabilidade civil, no que concerne á indemnização dos danos sofridos pelo condutor do velocípede. Tal responsabilidade não pode fundar-se nem na culpa por não se verificarem os pressupostos previstos no artº 483º nº 1 do CC, nem no risco, atento o disposto nos artºs 505º e 570 do mesmo CC. II Contudo, tendo em conta o princípio da lealdade europeia consagrado no tratado da união europeia, há que averiguar a compatibilidade destas normas nacionais com as directivas do direito da união, designadamente as cinco directivas relativas ao seguro de responsabilidade civil automóvel e a interpretação que das mesmas tem sido feita pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, de onde resulta o entendimento de que, á excepção do caso previsto no artº 2º nº 1 da segunda directiva (ocupantes de veículo causador do sinistro que sabiam ter sido roubado), são inadmissíveis disposições legais ou contratuais que excluam, em determinadas circunstâncias, a prestação da seguradora. III Assim sendo, importa esclarecer quaisquer dúvidas que subsistam quanto à compatibilidade dos artºs 505º e 570º do Código Civil, com os artºs 3º nº 1 da Primeira Directiva, 2º nº 1 da segunda Directiva e, particularmente, com o disposto no 1º-A da terceira Directiva, inserido pela Quinta Directiva. IV Impõe-se pois a este tribunal, para dirimir tal questão, essencial á decisão da presente causa, suscitar, oficiosamente, o reenvio prejudicial previsto no artº 267º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, suspendendo-se a instância até ser proferida decisão sobre a sobredita questão pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães. I - RELATÓRIO A e mulher, B, residentes no lugar do Souto freguesia de Armil, por si e na qualidade de legais representantes do seu filho menor C, intentaram a presente acção com a forma de

processo ordinário contra a Seguradora S.A., com sede em Lisboa, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhes a quantia de 355.079,30 acrescida de juros calculados à taxa legal, contados desde a citação até efectivo pagamento. Para tanto alegam, em síntese, que: ocorreu um acidente em que intervieram um veículo automóvel seguro na ré conduzido por E e um velocípede sem motor conduzido pelo menor; o veículo automóvel e o velocípede colidiram, colisão essa que se deve a culpa da condutora E porque esta conduzia a cerca de 70/80quilómetros, desrespeitando o limite de velocidade imposto por sinal vertical existente no local e totalmente desatenta ao trânsito que circulava na via; em consequência do acidente que descrevem, o menor e seus pais sofreram danos de natureza patrimonial e não patrimonial que computam no valor peticionado. A ré contestou por impugnação, tendo ainda alegado que o acidente se deveu a culpa do condutor do velocípede, que desrespeitou um sinal Stop existente na via onde circulava, entrando na via municipal por onde seguia a condutora do veículo seguro, quando este se encontrava a menos de três a cinco metros de distância, dando-se assim a colisão na metade direita da hemi-faixa por onde circulada o automóvel. Proferido despacho saneador tabelar e organizadas a matéria de facto assente e a base instrutória, que não mereceram reclamação, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento. Após decisão que incidiu sobre a matéria de facto da qual não reclamaram as partes, foi proferida sentença que julgou improcedente por não provada a acção, absolvendo a ré do pedido. Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação da sentença, que foi recebido, apresentando alegações com as seguintes conclusões: A - A divergência dos AA. limita-se tão só e apenas quanto à aplicação do direito aos factos apurados e relatados na resposta aos quesitos e respectiva fundamentação; B-) A douta sentença recorrida sustenta que foi o A. menor quem deu causa ao acidente, por não ter respeitado o sinal de Stop e ainda por violação do disposto no artigo 32 do Código da Estrada, uma vez que esta norma legal impõe aos velocípedes a cedência da passagem aos veículos a motor; C-) O acidente dos autos é complexo, resultando da douta sentença recorrida uma visão simplista que não se pode aplicar ao caso em presença; D -) Se é certo que ficou provado que o A. menor não parou no sinal de Stop, o certo é que a douta sentença recorrida não apresenta o enquadramento fáctico que resulta da fundamentação da resposta aos quesitos e que no nosso entendimento faz cair por terra a visão simplista expressa na douta sentença; E-) O facto de o A. menor não ter parado no Stop, não é por si só bastante para o considerar o exclusivo responsável pela produção do sinistro; F-) Tem que se destacar os depoimentos das testemunhas Jorge Manuel e Sílvia Flora, tal como a Mta. Juiz "a quo" relatou na fundamentação da resposta aos quesitos; G-) Como se pode verificar do depoimento das testemunhas F e G, no dia do acidente na freguesia de Armil havia uma prova de bicicleta; circulavam na via muitos miúdos de bicicleta; H-) O A. menor não circulava sozinho mas com mais 4 ou 5 no dizer de F e cerca de 7 na opinião de G; I-) O A. menor era o último do grupo; J-) Quando os miúdos começaram a passar, a condutora do veículo segurado na Ré estava a cerca de 20 metros do local, e a 6/7/8 metros no momento em que entrou o A. menor na via;

K-) Na estrada por onde circulava a condutora do veículo segurado na Ré, uma recta de cerca de 300 metros, existe uma placa de limitação de velocidade para 50Km/hora; L-) A condutora do veículo segurado na Ré, apesar da existência de vários miúdos a circularem no local de bicicleta e de os poder avistar, não abrandou a marcha e nem parou após o embate; M-) Foi preciso buzinar-lhe para parar, o que fez apenas a 20/50 metros do local do acidente; N-) Disse que vinha da capela porque lhe tinha falecido um irmão; O-) Ao invés da condutora do veículo segurado na Ré, a testemunha G que seguia mais devagar cerca de 30/40 km/hora - e atrás desta, logo que viu os miúdos abrandou a marcha; P-) A testemunha G disse que a condutora do veículo segurado na Ré, quando parou afirmou que não viu o miúdo e referiu também que se esta viesse com atenção tinha evitado o acidente; Q-) É pois muito clara a fundamentação que a Mta. Juiz "a quo" "coloca" na resposta aos quesitos e que resulta do depoimentos destas duas testemunhas, o F e G; R-) Daí que se tenha que insistir que a fundamentação da douta sentença é simplista e inadequada; S-) Se é verdade que o A. menor não parou no Stop, a verdade é que tem que se considerar que este seguia integrado num grupo de 5 a 7 miúdos de bicicleta que circulavam em conjunto e que todos entraram na via por onde circulava a condutora do veiculo segurado na Ré, vindos do lugar do Souto, tendo o menor, que seguia em último, sido embatido quando já tinha a roda da frente no lado direito da faixa de rodagem por onde aquela circulava, como refere a testemunha G; T-) Mas mais, a desatenção da condutora segurada na Ré, (que tem uma explicação, pois ela referiu que vinha da capela porque lhe tinha falecido um irmão), é gritante, pois nem sequer se apercebeu do embate, como ela própria disse e porque só parou depois de lhe terem buzinado; U-) É igualmente devido à condutora do veículo segurado na Ré, o dever de cuidado; o circular na via, tendo em conta as condições do momento (havia uma prova de bicicleta e muitos miúdos a circular na via de bicicleta); a velocidade a que circulava (lembre-se que a testemunha G disse que circulava a 30/40 Km/hora e que a condutora do veículo segurado na Ré circulava a velocidade superior), não era a adequada e quando devia ter abrandado não o fez; V-) Tem pois que se considerar que a condutora do veículo segurado na Ré, circulava completamente desatenta ao trânsito que circulava na via nesse momento; sem cuidado e perícia, com inconsideração e em desrespeito às normas estradais, e às condições da via naquele momento e bem assim ao facto de nesse dia no local do embate decorrer uma prova de bicicleta e circularem na via muitos miúdos de bicicleta; W-) Perante todo o exposto deveria a douta sentença recorrida, ter optado por uma repartição de culpas, na ordem dos 50% para cada um dos intervenientes no acidente; X-) É que, tendo em conta que o A. menor surgiu na via vindo de uma outra que tem sinal de Stop, a verdade é que tripulava um velocípede sem motor, o qual encerra uma menor perigosidade, a velocidade que lhe imprimia era muito reduzida, cerca de 10Km/hora, e no momento do embate já tinha a roda da frente na via; Y-) Por outro lado, a velocidade inadequada que a condutora do veículo segurado na Ré lhe imprimia, tendo em conta que no local existe uma placa de limitação de velocidade de 50Km/hora e que nesse dia a via tinha muitos miúdos a circular nela de velocípede sem motor e ainda que a testemunha G referiu que aquela circulava à sua frente e a uma velocidade superior à sua, sendo a sua de 30/40 Km/hora; e ainda o facto de não ter

reduzido a velocidade e nem sequer ter parado em consequência do embate, o que revela uma total e completa desatenção do trânsito que circulava na via naquele momento; Z ) É de salientar que nem sequer travou; A-) A douta sentença recorrida violou, entre outras, as normas insertas nos artigos 11, n. 2, 24, n. 1 e 27, n. 1 do Código da Estrada e em consequência deve ser substituída por outra, que considere ambos os condutores responsáveis pelo sinistro, na proporção de 50% cada um deles; B-) Nessa medida, deve a Ré ser na proporção de 50% condenada a pagar aos AA., a título de danos patrimoniais os seguintes montantes: 1-IPP de 50% + 10% a título de dano futuro---60.000,00 ; 2-Tratamentos médicos e medicamentosos ---1.064,65E; 3-Ajuda de terceira pessoa-------------------------65.000,00 ; E de danos não patrimoniais: 4-Danos morais do menor--------------------------20.000,00 ; 5-Danos morais dos AA. (pais do menor)-------25.000,00. A ré contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. IIFUNDAMENTAÇÃO Objecto do recurso Considerando que: O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artºs 684º nºs 3 e 4 e 690 nº 1 do Código de Processo Civil); Nos recursos apreciam-se questões e não razões; Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, Importa analisar se a ré deve ser condenada a pagar aos AA qualquer indemnização pelos danos sofridos na decorrência do acidente em causa nos autos. A factualidade provada em que se fundamentou a sentença recorrida é a seguinte: No dia 23/04/2005, pelas 11H50, na estrada Municipal que liga Junqueiros a Fafe, ocorreu um embate que envolveu os seguintes intervenientes e veículos: - velocípede sem motor e sem matrícula tripulado pelo A. C menor, que seguia no sentido Silvares-Jugueiros; -ligeiro de passageiros com a matrícula OD-87-82, da marca Renault, pertença de José Filipe Nogueira Sousa e tripulado por E, que seguia no sentido Jugueiros- Fafe. (A) Na via a que se alude em A) intercede uma outra via que liga as freguesias de Silvares a Jugueiras. (B) Do ponto de intercepção de vias referido em B) existe um sinal STOP, atento o sentido de quem provém de Silvares. (C) O A. menor nasceu no dia 27/10/1996. (D) Devido aos ferimentos que sofreu e com o tratamento dos mesmos sentiu e continua a sentir dores. (E) Sempre foi uma criança saudável. (F) É filho dos AA A e B. (G) Por acordo escrito celebrado entre H e a Ré Companhia de Seguros D S.A, titulado pela apólice 5070/8132214, esta declarou assumir os riscos inerentes à circulação do veículo

OD, pelo limite de capital de 600.000,00, atento o pagamento, pelo primeiro, de uma quantia pecuniária a título de prémio de seguro. (H) O velocípede circulava no circunstancialismo de tempo e lugar referido em A) a uma velocidade não superior a 10Km/h. ( 9º) Do sentido de marcha em que seguia o OD existe um sinal vertical de limite de velocidade de 50 KM/h.( 3º) A estrada no local por onde seguia o OD configura uma recta em cerca de 300m de comprimento. (4º) O velocípede surgiu na intercepção de vias referidas em B). (13º) Não parou no sinal de Stop referido em C. (14º) Entrou na via referida em A) quando o OD estava a uma distância de cerca de 20 metros da intercepção das vias referidas em B). (15º) Dando-se a colisão entre os dois veículos.(16º) A colisão referida em 16 ocorreu do lado direito, atento o sentido de marcha do OD na intercepção das vias referidas em B). (17º) E ocorreu entre a roda da frente da forqueta e do guiador do velocípede sem motor e a lateral direita do OD. (18º) Em consequência do embate descrito em A) o A. menor foi transportado para o Hospital de Fafe e daí foi transferido para o Hospital de S. Marcos, em Braga, apresentando-se em coma reactivo, com uma pontuação de 6-7 na escala de Glasgow. ( 19º) Realizou no Hospital de S. Marcos em Braga, TAC cerebral. (20º) Revelou provável contusão do tronco, sangue intraventricular e subaracnoideu com cisternas da base e sulcospatentes. ( 21º) Foi submetido a cirurgia para colocação de sensor de pic (pressão intracraneana) à saída do bloco as P.I.C. eram de 6mmHG. (22º) Foi transferido, em ventilação mecânica, para o Hospital de S. João, no Porto, onde permaneceu internado desde 23.4 a 7.6. (23º) Durante o período referido em 23 apareceu-lhe pancreatite pós-traumática. (24º) No dia 2-5 foi transferido para a enfermaria pediátrica para consolidação do tratamento antibiótico e da pancreatite pós-traumática. (25º) Em 13-6-2005, apresentava hemiparésia à esquerda, alterações de coordenação e equilíbrio; fala lentificada. (26º) Em 9-6-2005 passou para tratamento ambulatório. (27º) Após alta hospitalar, iniciou programas de fisioterapia de mobilização passiva, mobilização activa, reeducação funcional, reeducação da marcha, facilitação neuromuscular e habilitação e reabilitação psicomotora. ( 28º) Em consequência do embate referido em b) advieram-lhe as seguintes sequelas permanentes: dificuldades de concentração, de memória e de aprendizagem, nervosismo acentuado e irritação por motivos não aparentes; dificuldades em fazer e manter amizades com amigos da mesma idade; dificuldades de permanecer em pé mais de dez minutos; dificuldades em descer em plano horizontal, sendo frequentes as quedas; dificuldades em correr por quedas frequentes; dores de cabeça permanentes. (29º) As sequelas descritas em 29 acarretaram-lhe uma IPG de 50%, à qual acresce a título de danos futuros, mais 10%. ( 30º) O A. menor não pode acompanhar os colegas da sua idade nas brincadeiras. (32º) À data do embate era um aluno que mostrava capacidade de aprendizagem e colaboração nas aulas.( 33º) Apercebe-se de todas as dificuldades de aprendizagem.(37º) Precisa de acompanhamento de terceira pessoa na vida diária. ( 38º) Em virtude das sequelas tem frequentado sessões de fisioterapia (39º)

De futuro terá de continuar com as sessões de fisioterapia, ( 40º) E acompanhamento pedagógico. (41º) Seguimento em consultas de neurologia e exames subsidiários. ( 42º) E acompanhamento psicoterapêutico. (43º) O Hospital de S. José de Fafe reclama do A. menor a quantia de 2.129,30, por o ter assistido e submetido a tratamentos médicos e medicamentosos. (44º) O A. menor sente desgosto por não poder mais acompanhar os seus amigos nas brincadeiras e actividades escolares. (52º) ( ) e sofre. (53º) Os AA A e B sentem desgosto ao reconhecerem que o seu filho menor, em consequência do embate, deixou de ser uma criança com autonomia e sofrem pela incapacidade física e psíquica que lhe adveio. ( 54º) Terão a sua vida condicionada pelo descrito em 54. ( 55º) O DIREITO Está em causa apurar se a Ré seguradora deve indemnizar os AA pelos danos que sofreram em virtude do acidente em análise nos autos, mercê do contrato de seguro de responsabilidade civil que aquela celebrou com o proprietário do veículo automóvel interveniente nesse acidente, através do qual assumiu a responsabilidade decorrente respectiva utilização. Os Autores, em sede de recurso, pedem a condenação da Ré invocando que o acidente se deve a culpa, na forma de negligência inconsciente, quer do Autor menor, quer da condutora do veículo seguro na Ré, verificando-se pois concorrência de culpas e não culpa exclusiva de um deles. Como se salienta nas alegações de recurso, a divergência dos apelantes no que tange à sentença apelada limita-se tão só e apenas à aplicação do direito aos factos dados como provados na primeira instância. Importa pois saber, tendo em conta apenas factualidade que se provou na 1ª instância, não impugnada, se da mesma resulta que o acidente em causa nos autos se deve também a mera culpa ou negligência inconsciente da condutora do veículo seguro na ré. A responsabilidade civil supõe, em regra, a culpa do agente (artº 483º nº 1 do CC). A culpa lato sensu exprime um juízo de reprovação pessoal da acção ou da omissão do agente, que podia e devia ter agido de outro modo, e é susceptível de assumir as vertentes de dolo ou de negligência. A culpa stricto sensu ou mera negligência traduz-se, grosso modo, na omissão pelo agente da diligência ou do cuidado que lhe era exigível, envolvendo, por seu turno, as vertentes de consciente ou inconsciente. No primeiro caso, o agente prevê a realização do facto ilícito como possível mas, por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria, crê na sua não verificação; no segundo, o agente, embora o pudesse e devesse prever, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, não o previu. Por regra, a culpa é apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487º, nº 2, do Código Civil). De acordo com esta norma, a culpa deve ser apreciada em abstracto, ou seja, tendo em conta as concretas circunstâncias da dinâmica do acidente de viação em causa, por referência a um condutor normal. Vejamos então os factos provados que relevam para a apreciação da culpa dos condutores interveniente no acidente de viação, que consistiu no embate entre o velocípede conduzido pelo autor menor e o veículo automóvel seguro na ré, com a matrícula OD-87-82.

Está assente que o menor circulava num velocípede sem motor, numa via que cruza com uma estrada municipal para a qual se dirigia. Nessa estrada seguia o veículo seguro na ré. No entroncamento daquela via com a estrada municipal existe um sinal Stop. O velocípede, ao chegar ao local onde as duas vias se encontravam não parou, entrando na estrada por onde circulava o automóvel OD, quando este estava a uma distância de cerca de 20 metros do dito entroncamento, dando-se a colisão entre os dois veículos. Tal colisão ocorreu no lado direito da estrada municipal atento o sentido de marcha do OD, na intercepção das duas vias. Perante tal factualidade não restam dúvidas de que o autor menor omitiu o dever de cuidado que lhe era exigível no exercício da condução do velocípede, omissão essa consubstanciada quer no desrespeito pelo sinal Stop, que lhe impunha não só parar no entroncamento onde o mesmo se situava, mas também ceder a passagem a quem circulasse na dita estrada municipal ( cfr artº 21º B2 do D. Reg. Nº 22-A/98), quer na violação do prescrito no artº 32º nº 4 do Código da estrada, segundo a qual, por regra, o condutor de um velocípede deve ceder passagem aos veículos com motor. Também se afigura inequívoco que a violação destas normas estradais foi causal da colisão entre os dois veículos. Se o menor tivesse parado e cedido passagem ao OD, a colisão seguramente que não se verificaria. Mas terá a conduta da condutora do OD contribuído, de alguma sorte, para a produção do embate e respectivas consequências? Adiantamos desde já que os factos que se deram como provados não permitem tal conclusão. A condutora do OD tinha prioridade de passagem relativamente aos veículos que circulavam na via de onde proveio o autor Eduardo. É certo que a prioridade de passagem não é um direito absoluto. Como estabelece o nº2 do mesmo artº 29º do CE o condutor com prioridade de passagem deve observar as cautelas necessárias à segurança do trânsito. Quer isto dizer que o direito de prioridade só existe, só nasce, se forem tomadas todas as precauções que se impõem em face das circunstâncias concretas, de modo a evitar que se ponha em causa a segurança do trânsito. Ora, da factualidade provada não vislumbramos qualquer facto de onde se possa concluir que a condutora do OD não teve as cautelas que se lhe exigiam ao aproximarse do entroncamento das aludidas vias. Não se provou a velocidade a que a mesma circulava (v. resposta negativa aos quesitos 2º e 12º). Não resulta do circunstancialismo fáctico apurado que a condutora do OD tenha violado qualquer outra norma estradal. Não foi alegado que circulavam muitos miúdos na estrada por haver uma prova de bicicleta. Não se alegou que o A. Eduardo era o último de um grupo de ciclistas, como também não foi alegado a que distância a condutora do OD podia avistar quem transitasse na via por onde circulava o menor, ou que aquela tenha ou não travado ou que tenha ou não abrandado a sua marcha à aproximação do entroncamento. A circunstância de estes factos não alegados terem sido mencionados na motivação da matéria de facto por terem sido referidos por testemunhas, não permite a este tribunal considerá-los, tanto mais que não lhe foi pedida a reapreciação da decisão que incidiu sobre a matéria de facto. Ou seja, da factualidade provada não se pode concluir que o acidente se deveu a conduta culposa da condutora do veículo seguro na ré, mas antes a conduta do menor e lesado Eduardo Freitas.

Contudo, a causa de pedir, nas acções de indemnização por acidente de viação consiste no próprio acidente e abrange todos os pressupostos da obrigação de indemnizar. Assim, ainda que o autor peticione uma indemnização invocando a culpa do agente, deve o tribunal averiguar se o pedido indemnizatório pode proceder com fundamento da responsabilidade pelo risco, caso não se prove a culpa do demandado, ou no caso, a culpa do condutor da viatura segura na Ré demandada.[i] O artº 503º nº 1 do Código Civil prevê a responsabilidade pelo risco no caso de veículos de circulação terrestre dispondo que: Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação. Tal responsabilidade aproveita a terceiros lesados (artº 504º nº 1 do Código Civil). Contudo, dispõe o artº 505º do mesmo CC que Sem prejuízo do disposto no artº 570º, a responsabilidade fixada no nº 1 do artº 503º, só é excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo. Por sua vez, o artº 570º estabelece o seguinte: 1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída. 2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar. Aplicando as referidas disposições ao caso dos autos, teremos que concluir que, de acordo com estas normas, a indemnização peticionada pelo Autor Eduardo não pode fundamentar-se na responsabilidade pelo risco. Contudo, tendo em conta que foi demandada nos autos uma empresa seguradora no âmbito da cobertura do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel e que o lesado, menor de oito anos, conduzia, na altura do acidente, uma bicicleta, suscita-se uma questão prévia: a de saber se a dita legislação nacional (artº 505º e 570º do CC) é conforme às disposições comunitárias relativas ao seguro obrigatório de responsabilidade civil que, como refere Moitinho de Almeida[ii], influenciam também o próprio direito da responsabilidade civil. A verificação da dita conformidade impõe-se a este tribunal tendo em conta o princípio da lealdade europeia, por força do qual os Estados Membros estão obrigados a adoptar todas as medidas necessárias ao cumprimento dos objectivos dos tratados e a não adoptar medidas que ponham em causa tais objectivos. A partir deste princípio de lealdade consagrado no tratado,[iii] o Tribunal de Justiça decompôs uma série de outros princípios que densificam a lealdade e revelam-se indispensáveis à própria sobrevivência do sistema federativo europeu destacando-se: o Princípio do Primado do Direito da União Europeia que implica, como refere Alessandra Silveira na obra citada e que aqui seguiremos de perto, a não aplicação do direito nacional incompatível com o Direito da União e a obrigação dos Estados- Membros fazerem respeitar o Direito da União, a supressão ou reparação das consequências de um acto nacional contrário ao Direito da União e a obrigação de os Estados-Membros fazerem respeitar o Direito da União[iv]; o Princípio do Efeito Directo das Normas Europeias, que autoriza os particulares a invocarem as normas europeias que imponham deveres ou reconheçam direitos de forma suficientemente clara e incondicionada, inclusivamente contra normas violadoras do Direito da União; o

Princípio da Efectividade e o Princípio da Equivalência do Direito da União, segundo os quais as autoridades nacionais devem garantir o efeito útil das disposições europeias e assegurar que a protecção das pretensões decorrentes do Direito da União sejam tão protegidas como as pretensões decorrentes do direito nacional o que, segundo a citada autora, vem ampliar consideravelmente os poderes do Juiz, posto que, se o direito nacional não oferece um recurso efectivo ao particular, o juiz deve criar ; o Princípio da Interpretação e Aplicação Uniformes do Direito da União e ainda o Princípio da Interpretação Conforme, que exige que o interprete e aplicador do direito nacional, nomeadamente o juiz, devam atribuir às disposições nacionais um sentido conforme com o Direito da União; e finalmente, o Princípio da Tutela Jurisdicional efectiva que postula que a efectividade do Direito da União depende da garantia judicial das suas normas. É à luz destes princípios que iremos apreciar as normas comunitárias relativas ao seguro de responsabilidade civil automóvel. Existem cinco directivas comunitárias neste domínio: A directiva do Conselho de 24/04/1972 (72/166/CEE) - primeira directiva automóvel, relativa à aproximação das legislações dos Estados membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade; A directiva do Conselho de 30/12/1983 (84/5/CEE) segunda directiva automóvel, relativa à aproximação das legislações dos Estados membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis; A directiva do Conselho de 14/05/1990 (90/232/CEE) terceira directiva automóvel, relativa à aproximação das legislações dos Estados membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis; A directiva do Parlamento Europeu e do Conselho de 16/05/2000 (2000/26/CE) quarta directiva relativa à aproximação das legislações dos Estados membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis e que altera as Directivas 73/239/CEE e 88/357/CEE do Conselho; A directiva do Parlamento Europeu e do Concelho de 11/05/2005 (2005/14/CE) quinta directiva automóvel, que altera aos Directivas 72/166/CEE, 84/05/CEE, 88/357/CEE 90/32/CEE do Conselho e a Directiva 2000/26/CE relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis; Como refere Adriano Garção[v], visou-se, com as mesmas, criar, na matéria, de modo uniforme, regras de protecção dos cidadãos, designadamente dos segurados e lesados por acidentes rodoviários. Esta protecção impõe-se nas sociedades modernas, uma vez que os acidentes com veículos constituem uma das principais causas de morte e lesões corporais graves. Cada vez mais as ordens jurídicas tendem a desvalorizar a culpa como fundamento do direito de indemnização pelos danos decorrentes dos acidentes de viação, encontrando a razão de ser desse direito na própria circulação dos veículos, encarada no seu todo.[vi] Um exemplo paradigmático desta perspectiva é, na ordem jurídica Francesa, a chamada lei Badinter de 5/07/1985, segundo a qual, passageiros, pedestres e ciclistas são sempre compensados pelos seus ferimentos, ninguém podendo opor-lhes a sua própria culpa, excepto se o acidente se dever exclusivamente ao seu comportamento, que deve ser particularmente grave e indesculpável ou se tiverem procurado voluntariamente os danos sofridos. E mais, a culpa grave do lesado nem sequer é relevante nos casos em que os acidentados tenham menos de 16 anos (como sucede no nosso caso) ou mais de 70, ou sejam titulares de uma incapacidade de pelo menos 80%.

No que respeita às aludidas normas comunitárias e com o dito propósito, nas três primeiras directivas estabeleceu-se a obrigação de que todos os automóveis fossem cobertos por um seguro de responsabilidade civil, com montantes mínimos de capitais seguros, assegurou-se a livre circulação desses veículos a coberto do seguro em todo o território comunitário e garantiu-se que as vítimas de acidentes provocados por veículos, não identificados ou sem seguro tivessem a possibilidade de ser indemnizadas e ainda que todos os passageiros, mesmo familiares do condutor, pudessem beneficiar da cobertura do seguro. Com a quarta directiva, pretendeu-se assegurar às vítimas de acidentes ocorridos fora do seu país, uma regularização do sinistro semelhante à que teriam se o acidente fosse regularizado no seu país. Com o mesmo objectivo de protecção ao lesado que se pretende obter com o regime do seguro obrigatório, a 5ª directiva, para além do mais e para o que nos interessa no caso concreto, no seu artº 4º, alterando a 3ª directiva, inseriu nesta o art.º 1.º A com o seguinte teor: O seguro referido no nº 1 do artº 3º da Directiva 72/166/CEE assegura a cobertura dos danos pessoais e materiais sofridos por peões, ciclistas e outros utilizadores das estradas que, em consequência de um acidente em que esteja envolvido um veículo a motor, têm direito a indemnização de acordo com o direito nacional. O presente artigo não prejudica nem a responsabilidade civil, nem o montante das indemnizações. A questão que se coloca é a de saber se esta norma deve ser interpretada no sentido de que a cobertura do seguro de responsabilidade civil obrigatório pode excluir os danos sofridos por peões ou ciclistas e outros utilizadores das estradas, em consequência de acidente em que intervenha um veículo a motor, quando aqueles (peões, ciclistas ou utilizadores) tenham contribuído com a sua conduta, total ou parcialmente, para a sua verificação, resultando tal exclusão da aplicação da legislação nacional relativa à responsabilidade civil. O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias já foi chamado a pronunciar-se sobre a possibilidade de exclusão da cobertura do seguro obrigatório de responsabilidade civil em alguns casos concretos. Como refere o Exm.º Sr. Conselheiro Moitinho de Almeida, da Jurisprudência deste Tribunal[vii] resulta o entendimento de que, á excepção do caso previsto no artº 2º nº 1 da segunda directiva (ocupantes de veículo causador do sinistro que sabiam ter sido roubado), são inadmissíveis disposições legais ou contratuais que excluam, em determinadas circunstâncias, a prestação da seguradora. Tal disposição, derrogatória de uma regra geral deve pois ser interpretada restritivamente. Neste sentido, no Acórdão Candolim proferido pelo Tribunal de Justiça, em que estava em causa analisar se os artºs 2º nº 1 segundo parágrafo, da Segunda directiva e 1º da Terceira Directiva[viii], se opunham a uma regulamentação nacional que permitisse a exclusão ou limitação do direito de indemnização do passageiro de viatura, com base na contribuição do passageiro para a produção dos danos que sofreu, concluiu-se nos seus considerandos 24º a 30º e 35º, que: No que diz respeito à exclusão ou limitação do direito a uma indemnização coberta pelo seguro automóvel obrigatório com fundamento na contribuição do passageiro vítima de uma acidente para a produção do dano, resulta do objecto das Primeira, Segunda e Terceira Directivas, bem como do teor das suas disposições, que as mesmas não visam harmonizar os regimes de responsabilidade civil dos Estados Membros e que, no estado actual do direito comunitário, os Estados Membros continuam livres de determinar o regime de responsabilidade civil aplicável aos sinistros resultantes da circulação dos

veículos (acórdão de 14 de Setembro de 2000, Mendes Ferreira e Delgado Correia Ferreira, C 348/98, Colect., p. I 6711, n.os 23 e 29). Contudo, não colhe o argumento no sentido de que o direito comunitário não impõe qualquer restrição à apreciação, no âmbito do direito nacional da responsabilidade civil, da importância da contribuição do passageiro para a produção dos danos que sofreu. Os EstadosMembros são obrigados a exercer as suas competências no respeito do direito comunitário, especialmente dos artigos 3., n. 1, da Primeira Directiva, 2., n. 1, da Segunda Directiva e 1. da Terceira Directiva, cujo objectivo consiste em garantir que o seguro automóvel obrigatório permitirá que todos os passageiros vítimas de um acidente causado por um veículo sejam indemnizados pelos danos que sofreram. As disposições nacionais que regulam as indemnizações devidas por sinistros resultantes da circulação de veículos não podem, assim, privar as referidas disposições do seu efeito útil. Seria esse nomeadamente o caso se, apenas com fundamento na contribuição do passageiro para a produção do dano, uma legislação nacional, definida com base em critérios gerais e abstractos, recusasse ao passageiro o direito a ser indemnizado pelo seguro automóvel obrigatório ou limitasse esse direito de modo desproporcionado. Apenas em circunstâncias excepcionais se poderá limitar a extensão da indemnização da vítima, com base numa apreciação individual da sua conduta. Este entendimento foi reafirmado no Acórdão Elaine Farrell do mesmo Tribunal, que considerou ter carácter excepcional a possibilidade de limitar a indemnização às vítimas de acidente de viação, apenas admissível em face de uma apreciação individual e no respeito pelo direito comunitário. Em face da jurisprudência citada, importa esclarecer quaisquer dúvidas que subsistam quanto à compatibilidade dos artºs 505º e 570º do Código Civil, com os artºs 3º nº 1 da Primeira Directiva, 2º nº 1 da segunda Directiva e, particularmente, com o disposto no 1º-A da terceira Directiva, inserido pela Quinta Directiva. A referida legislação nacional relativa á responsabilidade civil, ao excluir a responsabilidade pelo risco nos casos em que o acidente resulte de conduta do lesado, exclui também a responsabilidade da demandada seguradora no que concerne à indemnização dos danos sofridos pelo meno em consequência do acidente em causa, entre a bicicleta que este conduzia e o veículo automóvel objecto de seguro de responsabilidade civil contratado com a ré sociedade de seguros. O menor condutor da bicicleta não pode deixar de se considerar lesado de acordo com o conceito definido no art.º 1º nº 2 da primeira Directiva, já que sofreu danos em consequência do acidente. Para esclarecer estas dúvidas e assegurar o respeito pelos referidos princípios do Direito da União Europeia, entende este Tribunal dever suscitar, oficiosamente, o reenvio prejudicial previsto no artº 267º do Tratado de Funcionamento da União Europeia. Assim, tendo em conta que: 1- A legislação portuguesa sobre responsabilidade civil prevê, para além da responsabilidade por factos ilícitos que pressupõe a culpa do agente, a responsabilidade pelo risco ou objectiva no que concerne aos danos causados por acidentes em que intervenham veículos ( art.º 503º do Código Civil Português) 2- Nos beneficiários dessa responsabilidade objectiva incluem-se os terceiros lesados, ainda que intervenientes no acidente (504º nº 1 do Código Civil Português);

3- A legislação portuguesa estabelece a exclusão da responsabilidade pelo risco ou objectiva quando o acidente for imputável a conduta do lesado ou a terceiro, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo (artº 505º do Código Civil Português); 4 - Mais estabelece que cabe ao tribunal determinar se a indemnização ao lesado pode ser excluída ou reduzida quando este tenha concorrido culposamente para a produção ou agravamento dos danos, tendo em conta a gravidade das culpas de ambas as partes (artº 570º do Código Civil Português); 5 - O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias já decidiu que, não obstante os Estados-Membros continuarem a ter liberdade para determinar o regime de responsabilidade civil aplicável aos sinistros resultantes da circulação de veículos, são contudo obrigados a exercer as suas competências no que respeita às normas comunitárias, designadamente assegurando o efeito útil das directivas relativas ao seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, concluindo que apenas em circunstâncias excepcionais se poderá limitar a extensão da indemnização da vítima, A questão a submeter à apreciação do Tribunal de Justiça será a seguinte: Em acidente de viação em que intervenham um veículo automóvel e uma bicicleta e do qual resultem, para o condutor da bicicleta, danos pessoais e materiais, a exclusão ou redução da indemnização por tais danos quando o evento danoso seja imputável a conduta do ciclista, é ou não contrária ao direito comunitário, particularmente aos art.ºs 3º nº 1 da primeira directiva, (72/166/CEE) 2º nº 1 da segunda directiva (84/5/CEE) e 1º-A da terceira directiva ((90/232/CEE) inserida pelo artº 4º da quinta directiva (2005/14/CE), todas relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de automóveis, considerando a Jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades no que concerne às circunstâncias em pode ser limitada a indemnização pelo seguro obrigatório de responsabilidade automóvel? A conformidade ou não conformidade das citadas normas nacionais com as directivas comunitárias referidas é questão fulcral para a decisão da presente causa no que respeita apenas aos danos sofridos pelo menor: caso se considere que se verifica tal conformidade, a decisão a proferir será no sentido de não atribuir ao menor qualquer indemnização; em caso de desconformidade, poderá o lesado vir a ser indemnizado. III DECISÃO Por tudo o exposto, acordam os Juízes que constituem esta secção cível em: I - Suscitar perante o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias a seguinte questão prejudicial: Tendo em conta que: 1- A legislação portuguesa sobre responsabilidade civil prevê, para além da responsabilidade por factos ilícitos que pressupõe a culpa do agente, a responsabilidade pelo risco ou objectiva no que concerne aos danos causados por acidentes em que intervenham veículos ( art.º 503º do Código Civil Português) 2- Nos beneficiários dessa responsabilidade objectiva incluem-se os terceiros lesados, ainda que intervenientes no acidente (504º nº 1 do Código Civil Português); 3- A legislação portuguesa estabelece a exclusão da responsabilidade pelo risco ou objectiva quando o acidente for imputável a conduta do lesado ou a terceiro, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo (artº 505º do Código Civil Português);

4 - Mais estabelece que cabe ao tribunal determinar se a indemnização ao lesado pode ser excluída ou reduzida quando este tenha concorrido culposamente para a produção ou agravamento dos danos, tendo em conta a gravidade das culpas de ambas as partes (artº 570º do Código Civil Português); 5 - O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias já decidiu que, não obstante os Estados-Membros continuarem a ter liberdade para determinar o regime de responsabilidade civil aplicável aos sinistros resultantes da circulação de veículos, são contudo obrigados a exercer as suas competências no que respeita às normas comunitárias, designadamente assegurando o efeito útil das directivas relativas ao seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, concluindo que apenas em circunstâncias excepcionais se poderá limitar a extensão da indemnização da vítima, A questão a submeter à apreciação do Tribunal de Justiça será a seguinte: Em acidente de viação em que intervenham um veículo automóvel e uma bicicleta e do qual resultem, para o condutor da bicicleta, danos pessoais e materiais, a exclusão ou redução da indemnização por tais danos quando o evento danoso seja imputável a conduta do ciclista, é ou não contrária ao direito comunitário, particularmente aos art.ºs 3º nº 1 da primeira directiva, (72/166/CEE) 2º nº 1 da segunda directiva (84/5/CEE) e 1º-A da terceira directiva ((90/232/CEE) inserida pelo artº 4º da quinta directiva (2005/14/CE), (todas relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de automóveis), considerando a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades no que concerne às circunstâncias em pode ser limitada a indemnização pelo seguro obrigatório de responsabilidade automóvel? II - Suspender a instância até ser proferida decisão sobre a sobredita questão, pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. Notifique as partes do presente acórdão e para que, em 10 dias, sugiram o que entenderem por conveniente relativamente ao pedido de reenvio. Guimarães, 4 de Março de 2010 [i] Só não será assim se resultar claramente dos autos que o demandante só pretende ser indemnizado se houver culpa do demandado, como se refere no Ac. do STJ de 04/10/2007, in www.dgsi.pt. [ii] Seguro obrigatório automóvel: o direito português face à jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, em www.stj.pt/nsrepo/cont/ejuridicos [iii] O princípio da lealdade decorria já do artº 10º do Tratado da Comunidade. Com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, está agora consagrado no artº 4º nº 3 do Tratado da União Europeia) [iv] Acórdãos do Tribunal de Justiça de 15/07/1963, Costa Enel, processo 6/64 e de 09/03/1978, Simmenthal, processo nº 106/77. [v] A Evolução Decorrente das Directivas Comunitárias, III Congresso Nacional de Direito dos Seguros, pags 127 e ss. [vi] Cfr Acórdão do STJ de 04/10/2007 in www.dgsi.pt.

[vii] Em particular os acórdãos do Tribunal de Justiça de 28/03/1996, Ruiz Bernaldez, C-129-94, Colectânea, p. I-1831, nº 13, de 14/09/2000, Mendes Ferreira e Delgado Correia Ferreira, C-348/98, Colectâneap.I-6711, nº 24 e de 30/06/2005, Katja Candolim, C-537/03,Colectânea p. e de 19/04/2007, Elaine Farrell, processo C-356/05, Colectânea, p. I-3067, disponíveis também em www.europa.eu.int-eurlex (Jurisprudência). [viii] Estabelece este da terceira directiva a obrigatoriedade de o seguro automóvel cobrir os danos sofridos pelos passageiros de viatura. --------------------------------------------------------------------------------