viagem com saúde Cuidados durante a viagem



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Transcrição:

viagem com saúde 2 Cuidados durante a viagem Dr. Rodrigo Nogueira Angerami

2 Dr. Rodrigo Nogueira Angerami CRM-SP 94160 Médico infectologista e doutorando em Clínica Médica pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp); Atua no Núcleo de Vigilância Epiemiológica do Serviço de Epidemiologia Hospitalar do Hospital das Clínicas da Unicamp (NVE/SEH/HC/Unicamp) e na Coordenadoria de Vigilância em Saúde da Secretaria de Saúde de Campinas.

3 Introdução O significativo incremento no número de viagens, nacionais e internacionais, observado ano a ano, no Brasil e no mundo, vem colocando em destaque diversas situações que, até recentemente, mereciam pouca ou nenhuma atenção de viajantes e profissionais da saúde: a saúde dos viajantes. Diante do grande fluxo de viajantes, pertencentes a diversas faixas etárias, portadores das mais variadas patologias, oriundos de regiões com perfis epidemiológicos distintos e com itinerários e destinos dos mais variáveis, a possibilidade de exposição a inúmeras situações de risco à saúde das pessoas durante suas viagens torna-se significativamente maior. Nesse contexto, se inserem dois conceitos relativamente novos no Brasil, mas amplamente difundidos em diversos países do mundo: a medicina de viagem e a saúde dos viajantes. A fim de se minimizarem o risco de doenças, os acidentes e outros agravos passíveis de trazer transtornos e complicações aos viajantes, durante ou após viagens, além de uma cuidadosa avaliação inicial identificando-se possíveis situações de risco sobretudo as condições de saúde e imunidade preexistentes, bem como as características e o destino da viagem a disponibilidade de informações sobre fatores de risco e recomendações acerca dos cuidados a serem tomados durante a viagem são igualmente importantes na promoção e na manutenção da saúde do viajante. Deve ressaltar-se, também, que além do antes e o durante, o depois deve estar estruturado no sentido de proporcionar investigação e tratamento adequados ao viajante que traz como recordação alguma doença na bagagem. Neste fascículo, serão abordados alguns temas de maior relevância no contexto durante a viagem.

4 PREVENINDO DOENÇAS NÃO INFECCIOSAS Jet lag e fadiga associada à viagem Ambientes que restringem a movimentação, limitações quanto ao tipo de dieta, tendência à desidratação e hipoxemia durante viagens aéreas, sobretudo naquelas de longa duração, quase invariavelmente desencadeiam sintomas associados à fadiga, durante a viagem ou logo na chegada ao destino 1-3. Viagens através de três ou mais fusos horários, sobretudo no sentido oeste para leste, geralmente estão associadas ao jet lag. É conhecido, também, que quanto maior o número de fusos e quando há o deslocamento de um hemisfério a outro, possivelmente, maior será a intensidade dos sintomas associados ao jet lag 2. Enquanto na fadiga decorrente da viagem uma melhora significativa pode ser obtida após um, mesmo que breve, período de sono, em relação ao jet lag essa estratégia, de maneira isolada, habitualmente não se mostra suficiente. Diferentemente da fadiga decorrente da viagem, o jet lag é decorrente de distúrbios endógenos que levam à alteração do ritmo circadiano (ou relógio biológico ) do viajante 4. Tabela 1 - Principais características e medidas de prevenção de jet lag e fadiga associada à viagem 1-4 Fadiga associada à viagem Sintomas Fadiga Desorientação Cefaleia Recuperação precoce após descanso no destino Prevenção Planejamento e organização prévios à viagem Durante o voo: consumir alimentos leves (frutas, cereais); hidratação durante a viagem; evitar bebidas alcoólicas e cafeína Na chegada: relaxamento e pequeno cochilo se necessário; hidratação; evitar bebidas alcoólicas e cafeína Jet lag Distúrbio de sono (dificuldade de iniciar e manter o sono) Diminuição de desempenho físico e mental Alterações gastrointestinais Cefaleia Fadiga Irritabilidade Desorientação Déficit de concentração Inapetência Descanso adequado antes da viagem. Em viagens de curta duração (< 3 dias): manter rotina conforme horário local Durante o voo dormir no período noturno (conforme horário local do destino), dieta leve (preferir carboidratos), evitar cafeína e bebidas alcoólicas. Em viagens de maior duração (> 3 dias): minimizar fadiga associada à viagem; exposição precoce à luz solar; ajustar precocemente o relógio biológico (sono, refeições, atividades) conforme horário local (no destino); ingestão de alimentos proteicos pela manhã e carboidratos à noite Avaliar individualmente o possível uso por curtos períodos de hipnóticos leves e/ou melatonina

5 Recentemente, além das medidas comportamentais habitualmente recomendadas, a adoção de novas abordagens, como o uso de melatonina naturalmente secretada, endogenamente, pela glândula pineal e fundamental na autorregulação do ciclo circadiano para a prevenção do jet lag vêm sendo intensamente estudadas. No caso da melatonina, embora seu uso venha sendo proposto em determinadas situações (por exemplo, atletas que necessitam manter alto rendimento em competições) por alguns autores 2,3,5, os dados científicos atualmente disponíveis não são suficientemente consistentes para sustentar seu uso rotineiro. Doenças causadas pela altitude Diante do significativo incremento de viagens recreacionais, incluindo-se as chamadas viagens de aventura, observa-se um crescente deslocamento para diversas regiões exóticas, dentre elas locais de altitudes elevadas, por exemplo, para a prática de esqui, alpinismo, trilhas e voo livre. Nesses ambientes, as frequentes complicações decorrem, sobretudo, da incapacidade de adaptação do organismo à rápida elevação da altitude 6-8. Está bem estabelecido que o principal elemento envolvido na patogênese de tais complicações é a queda progressiva da concentração de oxigênio ofertado em função da ascensão a maiores altitudes 8. Embora não existam métodos eficazes de triagem a fim de se identificarem indivíduos de maior risco, sabidamente aqueles com história pregressa de sintomas decorrentes da exposição a elevadas altitudes merecem especial atenção 6. Outros grupos vulneráveis aos efeitos da altitude incluem crianças, gestantes e aqueles que apresentem cardimiopatias isquêmicas, insuficiência cardíaca congestiva, doença pulmonar obstrutiva crônica, anemia, diabetes 6.

6 Destacam-se a seguir as principais síndromes decorrentes de exposição a altitudes elevadas 7,8. Hipóxia aguda: fadiga, sonolência, alterações neurossensoriais, vertigem, zumbido. Doença aguda das montanhas: ocorrendo em altitudes acima de 2.000 a 2.500 metros, é secundária à hipoxemia e, sobretudo, à alteração na circulação de fluidos corpóreos. Mais grave em crianças e gestantes, manifesta-se por fadiga, cefaleia, vertigem, náusea e vômitos, dispneia, oligúria e, em alguns casos, ataxia. Edema cerebral associado à altitude: geralmente precedido de quadros de hipoxemia e doença aguda das montanhas, cursa com manifestações associadas à encefalopatia: exaustão, cefaleia, vômitos, paresia, plegia, hemorragia retiniana, convulsões, alterações do nível de consciência (confusão mental, estupor, coma). Edema pulmonar associado à altitude: associado à rápida ascensão a altitudes superiores a 2.500 metros, caracteriza-se por tosse persistente, redução da capacidade física, dispneia, cefaleia, fadiga, exaustão, cianose, edema agudo de pulmão. Outras complicações: alteração do sono, edema periférico, exposição excessiva à radiação ultravioleta, hipotermia, retinopatia, tromboembolismo e exacerbação de doenças preexistentes também podem ocorrer em elevadas altitudes. Quadro 1 Recomendações para prevenção de complicações associadas à altitude Recomendações gerais Definição de itinerário e cronograma Ascensão gradual Conhecimento de sinais/sintomas de alerta Suspensão da ascensão e imediata descida perante sinais/sintomas de alerta Não ingerir bebidas alcoólicas e sedativos Dieta rica em carboidratos Evitar esforços físicos desnecessariamente Gestantes: avaliação obstétrica prévia Doenças cardiovasculares e pulmonares: avaliação individual de risco antes da viagem Proteção ocular, filtros de proteção solar, isolamento térmico Recomendações específicas (avaliação cuidadosa e individual acerca das indicações e contraindicações) Oxigenoterapia Acetazolamida droga de escolha para prevenção; 125-250 mg, 2-3 /dia Espironolactona utilizada mais frequentemente para tratamento; 25 mg, 6/6 h Dexametasona utilizada mais frequentemente para tratamento; 4 mg, 6/6 h-12/12 h Nifedipina utilizada mais frequentemente para tratamento; 10-20 mg, 8/8 h Outras opções: sildenafila, inalação de β-agonistas

7 Doença do movimento (motion sickness) Decorrente de um distúrbio da percepção visual, vestibular e propioceptiva do movimento corporal, a doença do movimento (motion sickness ou cinesia) pode ser desencadeada, em diversas situações, durante viagens terrestres, aéreas e, sobretudo, marítimas 9. Clinicamente é caracterizada por desconforto abdominal, hiperventilação, náusea, vômitos, palidez, tontura, cefaleia e sudorese 9,10. A doença do movimento ocorre com maior frequência em crianças entre 3 e 12 anos, mulheres durante período menstrual ou com história prévia de enxaqueca e gestantes. Ambientes pouco ventilados com presença de odores fortes e fumaça são particularmente propícios à ocorrência da doença do movimento 9. As principais recomendações contra a doença do movimento incluem 9-11 : Utilizar o banco dianteiro do passageiro em automóveis. Assentos centrais em barcos. Inclinar o assento. Fixar a visão em objetos distantes. Minimizar a movimentação da cabeça. Evitar leitura e atividades semelhantes. Medidas farmacológicas 9,10 : antimuscarínicos (escopolamina) e anti-histamínicos (dimenidrato, difenidramina, prometazina, meclizina, cinarizina). O uso de dimenidrato vem sendo preconizado, sobretudo, nas situações de estímulos leves e moderados, em viagens de longa ou curta duração; em situações de grande estimulação (por exemplo, viagens marítimas); a prometazina e a escopolamina são as drogas mais frequentemente recomendadas 9. Tendo em vista os potenciais eventos adversos associados aos medicamentos disponíveis, a indicação deve ser individualizada e o risco-benefício deve ser avaliado. Trombose venosa profunda e tromboembolismo pulmonar Embora a real incidência seja pouco precisa, inúmeras evidências vêm apontando para o risco elevado de eventos tromboembólicos em indivíduos expostos a viagens de longa duração, sobretudo durante a primeira semana após a viagem 12-14.

8 Alguns estudos estimam que o risco de trombose venosa profunda (TVP) assintomática varie de 10% a 12%, e os riscos de TVP sintomática edema, dor, aumento da temperatura e hiperemia (ou palidez) cutânea e de tromboembolismo pulmonar (TEP) sejam próximos de 1 caso/4.600 viajantes e 1,5 a 4,8 casos/1.000.000 viajantes, respectivamente 12,14,15. Embora, em teoria, todos os meios de transporte possam ser fatores predisponentes para TVP, vários estudos apontam para maior risco nas viagens aéreas de longa duração 13,14. A permanência em uma mesma posição por períodos prolongados é, provavelmente, o principal fator predisponente à TVP, sobretudo quando associados a outros fatores de risco como: trombofilia, imobilizações gesso, talas e fixadores ortopédicos, uso de anticoncepcionais orais, cirurgias recentes, neoplasia, obesidade, baixa e elevada estatura (em ambos os casos por causa da maior restrição da movimentação) e gestação 11,13-16. As principais medidas preventivas contra a TVP incluem: contração periódica da musculatura de membros inferiores (voluntária ou pneumática), uso de meias elásticas e hidratação adequada 11-13. A indicação de heparina e ácido acetilsalicílico deve ser cuidadosamente individualizada 12,13. PREVENINDO DOENÇAS INFECCIOSAS Doenças transmitidas por vetores Entre os agravos que mais causam apreensão em viajantes, antes, durante ou depois de completar seu itinerário, aqueles transmitidos por vetores (por exemplo, moscas mosquitos e carrapatos) merecem especial atenção. Tal preocupação decorre tanto das elevadas incidências e ampla distribuição geográfica frequentes em muitos agravos desse grupo quanto da morbidade, da mortalidade e da inexistência de métodos de prevenção eficazes com as quais muitas dessas doenças desse grupo se associam 17-19. Nesse grupo de doenças, especial atenção deve ser dada à malária (Figura 1) e à dengue (Figura 2), tendo em vista serem duas dentre as principais etiologias de doença febril em viajantes 17, e à febre amarela pela potencial gravidade.

9 Malaria risk areas, 2006 Áreas onde há transmissão de malária Áreas com risco moderado de transmissão de malária Sem malária Este mapa é apenas um auxiliar visual. Não é uma fonte definitiva sobre a endemicidade da malária. Figura 1 Áreas de risco de transmissão de malária Fonte: OMS, http://gamapserver.who.int/maplibrary/app/searchresults.aspx; acessado em 10/9/2008. Extensão geográfica da dengue, 2000-2007 Risco de transmissão da dengue Figura 2 Áreas de risco de transmissão de dengue, 2007 Fonte: OMS, http://gamapserver.who.int/maplibrary/files/maps/world_ DengueTransmission_Extension_2007.png; acessado em 10/9/2008.

10 Como se observa na tabela 2, medidas de prevenção por intermédio de vacinação e quimioprofilaxia são restritas a uma minoria das doenças transmitidas por vetores. Tabela 2 - Medidas de prevenção - vacina e quimioprofilaxia Vacina Quimioprofilaxia Encefalite japonesa Encefalite transmitida por carrapatos Indicação restrita a áreas rurais da Ásia. Indisponível no Brasil. Indicação restrita a áreas de transmissão na Europa. Indisponível no Brasil. Não disponível Não disponível Febre amarela Disponível Não disponível Dengue e outras arboviroses Não disponível Não disponível Raiva Disponível Profilaxia pós-exposição Doença de Lyme Disponível até 2002 Não disponível Riquetsioses (p. ex. febre maculosa brasileira e febre das Montanhas Rochosas) Não disponível Não disponível Malária Não disponível Disponível (uso restrito no Brasil) Oncocercose Não disponível Não disponível Filariose Não disponível Não disponível Tripanossomíase Não disponível Não disponível Diante da ausência de abordagens específicas de prevenção, as principais estratégias a serem adotadas fundamentam-se na prevenção de picadas, conforme se observa na tabela 3 18,20. Algumas medidas que, embora bastante difundidas, não encontram respaldo científico que sustentem suas recomendações sistemáticas incluem: repelentes eletrônicos; pulseiras, colares e tornozeleiras impregnadas de repelentes; armadilhas 18 de mosquitos; repelentes à base de citronela; uso de vitamina B 1. Tabela 3 - Outras medidas Medidas de barreira Evitar exposição durante períodos do dia com maior atividade vetorial Ambientes com telas, vedação de frestas, ventiladores e ar-condicionado Dormir sob mosquiteiro Uso de roupas longas e claras Autoexame e retirada precoce com pinça de carrapatos aderidos ao corpo Medidas químicas Uso de repelentes, preferencialmente contendo DEET com concentrações não inferiores a 30% a 35% ou Bayrepel Mosquiteiros impregnados com inseticidas (permetrina, deltametrina) Roupas impregnadas com inseticidas (permetrina) Em relação à malária, embora a quimioprofilaxia para viajantes que se deslocam para áreas de transmissão seja frequentemente recomendada por diversos países não

11 endêmicos, sua indicação aos viajantes procedentes de determinados países ainda não se encontra bem estabelecida. No Brasil, sua recomendação não faz parte da rotina, embora sejam crescentes as discussões acerca de uma possível regulamentação quanto ao seu uso em determinadas situações. Diversos fatores devem ser analisados ao se considerar a indicação da quimioprofilaxia contra a malária: Duração da viagem. Época do ano (maior risco após o período de maior índice pluviométrico). Risco de infecção: itinerário e destino (situação epidemiológica), tipo de viagem (aventura), tipo de acomodação (barcos, barracas). [informações quanto às áreas de risco podem ser obtidas nos sites: http://dw.saude.gov.br, www.who. int, www.cdc.gov/travel]. Viajantes portadores de comorbidades (por exemplo, imunossuprimidos), de faixas etárias de risco (crianças menores de 5 anos e idosos) e outras situações que geralmente são associadas a formas graves da malária (indivíduos não imunes, gestantes, esplenectomizados). Presença de Plasmodium resistente no local de destino. Acesso e qualidade da assistência médica no local de destino. A tabela 4 traz os possíveis esquemas de quimiprofilaxia contra a malária recomendados a viajantes oriundos de países não endêmicos que venham a se deslocar para áreas endêmicas 18,21. Tabela 4 Esquemas de quimiprofilaxia contra a malária para viajantes que irão para áreas endêmicas Droga Dose Duração Observações Cloroquina 500 mg/ semana Início: 1-2 semanas pré-viagem Duração: 4 semanas após retorno Uso restrito a áreas com Plasmodium sensível Atovaquone 250 mg/ dia Início: 1-2 dias pré-viagem Duração: 7 dias após retorno Não recomendado para crianças < 5 kg e gestantes Uso em áreas com Plasmodium resistente Doxiciclina 100 mg/ dia Início: 1-2 dias pré-viagem Duração: 4 semanas após Contraindicado a gestantes e menores de 8 anos. Fotossensibilização Mefloquina 250 mg/ semana Início: 1-2 semanas pré-viagem Duração: 4 semanas após Alterações neurossensoriais

12 Tendo em vista a ausência de normas que recomendem e regulamentem o uso de antimaláricos para a quimioprofilaxia no Brasil, viajantes brasileiros que venham a se deslocar para áreas de transmissão podem obter informações adicionais acerca da prevenção contra a malária em ambulatórios de viajantes. Doenças de transmissão por água e alimentos É muito provável que toda pessoa já tenha sido vítima ou, no mínimo, já tenha conhecido alguém que fora vítima de pelo menos uma dentre as inúmeras doenças de transmissão hídrica e/ou alimentar (DTHA) (Tabela 5). Apesar dos grandes avanços em vários países do mundo no âmbito de saneamento básico, tratamento de água e cuidados no preparo de alimentos e da maior divulgação de informações quanto a medidas de prevenção, esse grupo de doenças continua figurando entre um dos grandes problemas de saúde pública em várias regiões do mundo. Diante disso, seja pela ocorrência de surtos (por exemplo, norovírus em navios durante cruzeiros marítimos) e epidemias (por exemplo, a epidemia de cólera no Zimbábue desde o ano de 2008, com milhares de casos), seja pela ocorrência de maneira endêmica (por exemplo, febre tifoide na Índia e no Paquistão), as DTHA se constituem constante ameaça para populações locais de diversos países e uma ameaça potencial para indivíduos que venham a se deslocar para áreas de risco, inserindo-se nesse contexto os viajantes. Importante ressaltar que, além da elevada frequência e da ampla distribuição geográfica das áreas de risco para as DTHA, da morbidade e, em alguns casos, da mortalidade associada, o grande número de substâncias e agentes causadores das DTHA (veja exemplos na tabela 5) merece especial atenção, sobretudo, por implicar adoção de medidas específicas de prevenção (por exemplo, vacinas contra hepatite A, febre tifoide, cólera), além dos cuidados gerais em relação à ingestão de água e alimentos contaminados. Vale lembrar, também, que em algumas situações, como ocorre em relação à leptospirose e à esquistossomose, muito embora a transmissão ocorra por meio de

13 água contaminada, a via de infecção, mais frequentemente, se dá por intermédio de contato da pele (íntegra ou com ferimentos) com coleções hídricas (por exemplo, lagoas, riachos, alagadiços, enchentes). A importância do impacto das DTHA nesse grupo pode ser mensurada pelo crescente destaque que a diarreia dos viajantes o mais frequente dentre todos os agravos à saúde dos viajantes - vem recebendo ano a ano. Tabela 5 Patógenos, toxinas e substâncias passíveis de transmissão por água e alimentos Bactérias Toxinas e outras substâncias Patógenos Streptococcus pyogenes, Corynebacterium diphtheriae, Stretptococcus do grupo A Clostridium perfringens Bacillus cereus Escherichia coli enterotoxigênica (ETEC) Vibrio cholerae Salmonella sp, Shiguella, Yersinia, Campylobacter jejuni Salmonella typhi Sais metálicos, nitritos, toxinas bacterianas (Staphilococcus aureus e Bacillus cereus) Histamina (em alguns peixes e queijos), glutamato monossódico, ácido nicotínico Fosfatos inorgânicos, mercúrio orgânico, toxinas (p. ex. ciguatera), Clostridium botulinum (e toxina) Síndrome clínica predominante Febre, odinogafia, exsudato amigdaliano, secreção nasal, adenomegalia cervical, calafrios Dor abdominal, diarreia, náusea, vômitos Diarreia dos viajantes (ver a seguir) Diarreia moderada a severa, desidratação. Cólera Dor abdominal, diarreia, náusea, vômitos, disenteria Febre, calafrios, dor abdominal, diarreia, hepatoesplenomegalia, sepse. Febre tifoide Náusea, vômitos, dor abdominal, prostração, diarreia Rubor facial, prurido, dor abdominal, edema Distúrbios visuais, vertigem, tinidos, paralisias, alterações do nível de consciência. No caso do Clostridium (e toxina), o botulismo Parasitas Giardia lamblia Diarreia, dor abdominal Entamoeba histolytica Toxoplasma gondii Diarreia, dor abdominal, constipação, disenteria Febre, hepatoesplenomegalia, adenomegalia, mialgia, exantema. Quando infecção aguda em gestantes, risco de toxoplasmose congênita Vírus Hepatite A Hepatite aguda (náusea, vômitos, icterícia, acolia fecal, colúria). Risco de hepatite fulminante como complicação Norovirus, rotavirus Diarreia, vômitos, dor abdominal. Freqüente ocorrência de surtos Fontes: Informe DTA. Divisão de Doenças Transmitidas por Água e Alimentos/CVE/SES/SP [www.cve.saude.sp.gov.br/htm/hídrica/ifn_quadro. htm] e Mandell, Douglas, and Bennett s principles and practice of infectious diseases,6th ed.

14 Diarreia dos viajantes Considerada um dos principais agravos que acometem viajantes em todo o mundo, a diarreia dos viajantes apresenta taxa de ataque estimada nessa população entre 20% e 50% (o equivalente a cerca de 15 a 20 milhões de casos anualmente) e acomete, sobretudo, indivíduos que visitam regiões com condições sanitárias e qualidade de tratamento de água precários 22-26. Embora habitualmente não seja grave, a diarreia dos viajantes, além de implicações econômicas à indústria turística local, leva frequentes transtornos ao viajante durante ou até mesmo após a viagem 22-27 : Em um terço dos casos ocorre o cancelamento das atividades previamente definidas (passeios, negócios comerciais, missões militares e humanitárias). Vinte por cento a 30% permanecem em repouso absoluto por um perío do de um a dois dias. Em 40% dos casos ocorre a mudança do itinerário. Um por cento é hospitalizado. Etiologia Atualmente entre 40% e 60% das diarreias em viajante apresentam diagnóstico etiológico definido e, nesse contexto, aquelas de etiologia bacteriana respondem por 80% a 85% dos casos 23,26 (Tabela 6). Conforme listados a seguir, além das bactérias, vírus, protozoários e toxinas também são considerados importantes patógenos: Tabela 6 Principais características da diarreia dos viajantes 23-26 Início Duração Quadro clínico Complicações Entre a 1ª e 2ª semana de viagem 3 a 5 dias 3 ou mais defecações/24 h Cólica Náuseas Vômitos Urgência fecal Presença de sangue e muco nas fezes Desidratação Distúrbios hidroeletrolíticos Má absorção Artrite reacional Síndrome do cólon irritável

15 Bactérias: Escherichia coli enterotoxigênica (ETEC) é o agente mais frequente (30% a 60%), independentemente da região visitada. Outros agentes menos comuns são Campylobacter jejun, Shiguella, Salmonella, Vibrio cholerae, Yersinia enterocolitica, Aeromonas spp, Plesiomonas 23-26. Vírus: Associados com 2% a 27% dos casos. Nesse grupo destacam-se o norovírus (associado frequentemente a surtos em navios), o rotavírus e os adenovírus entéricos 23,26. Protozoários: Giardia intestinalis, Entamoeba histolytica, Cryptosporidium parvum e Cyclospora são menos frequentes, mas eventualmente se associam a surtos e infectam mais viajantes imunodeprimidos 26. Fatores de risco A causa mais comum da diarreia do viajante é a ingestão de água e, sobretudo, alimentos contaminados 22. Entre os inúmeros fatores de risco associados à diarreia dos viajantes, o itinerário e o destino final, certamente, são aqueles que merecem maior atenção. Observa-se que viagens de qualquer natureza, mesmo que de curta duração, para áreas de elevada prevalência de diarreia oferecem risco significativo aos viajantes 24,27,28. Atualmente, as diversas regiões do mundo podem ser estratificadas segundo o risco de se adquirir a diarreia dos viajantes em alto risco (20% a 90%), risco intermediário (> 8% e < 20%) e baixo risco (<5% a 8%) 23,25,26, conforme se observa na figura 3. Áreas de risco para diarreia dos viajantes Nível de risco Baixo Intermediário Alto Figura 3 Distribuição das áreas de risco para diarreia dos viajantes Fonte: CDC, http://wwwn.cdc.gov/travel/yellowbookch4-diarrhea.aspx; acessado em 10/09/2008.

16 Crianças pequenas (menor cuidado com higiene) e adultos jovens (maior apetite), indivíduos que apresentam hipocloridria gástrica [primária ou secundária (bloqueadores H +, hidróxido de alumínio, pós-cirúrgico)] e imunossuprimidos constituem grupos de maior risco para a diarreia dos viajantes 25,26. Outros fatores individuais aparentemente se associam a maior risco, por exemplo, tipo sanguíneo O e o risco de infecção por shigelose, cólera, norovírus 23,25,26. Além de itinerário e destino, outros elementos devem ser considerados no sentido de minimizar o risco de infecção durante viagens 23,25-27 : Procedência do turista: menor imunidade quando procedente de áreas de baixa prevalência. Natureza da viagem: maior risco durante viagens de aventura. Época do ano: maior risco no verão. Meio de transporte: surtos de diarreia viral (norovírus) em navios durante cruzeiros marítimos. Qualidade da água (incluindo gelo). Origem, preparo e conservação dos alimentos. Local de alimentação: alimentos adquiridos de ambulantes associam-se a maior risco de infecção. Local de estadia (higiene, qualidade da água, coleta de esgoto). Prevenção Quadro 2 Recomendações gerais para a prevenção da diarreia dos viajantes 22,25,26,28 Adesão às medidas de higiene pessoal, especialmente lavagem de mãos. Consumo de água e bebidas, preferencialmente engarrafadas e gaseificadas Outras opções em relação à água: filtrar, ferver, purificar (produtos à base de cloro e iodo). Evitar o consumo de gelo. Consumo de frutas descascadas ou vigorosamente lavadas em água potável. Consumo de legumes descascados e cozidos. Evitar o consumo de verduras cruas em saladas. Frutos do mar (sobretudo ostras) nunca consumidos in natura (crus). Consumo de leite e derivados pasteurizados. Evitar o consumo de comidas de rua produzidas/manipuladas/comercializadas por ambulantes. Quimioprofilaxia: indicada em situações especiais, para viagens com duração < 3 semanas. Subsalicilato de bismuto: proteção de 60% a 65%. Antibiótico (doxiciclina, sulfametoxazol/trimetoprim, quinolonas): proteção de 80% a 95%. Não recomendado rotineiramente pelo risco de eventos adversos e seleção de micro- -organismos resistente. Não oferece proteção contra diarreia de etiologia viral. Vacinação: cólera, ETEC, febre tifoide, rotavírus (crianças) avaliar individualmente (faixa etária, destino, condições de viagem etc.).

17 Tratamento Tendo em vista o quadro frequentemente autolimitado, na maioria das vezes o tratamento não se faz necessário. Quando indicado, consiste em duas abordagens: Tratamento sintomático: visa a minimizar o impacto da doença sobre a viagem (mudança de itinerário, cancelamento de atividades programadas, necessidade de repouso e atendimento médico). Nesses casos, além da hidratação oral e mudanças dietéticas, a utilização de medicamentos pode ser útil ou necessária. A loperamida (dose inicial: 4 mg; após, 2 mg a cada defecação até atingir a dose máxima diária de 16 mg) e o subsalicilato de bismuto são, atualmente, os medicamentos mais efetivos para o controle da diarreia em viajantes 22,26,29. Tratamento específico: o uso de antimicrobianos, sobretudo quando associados à loperamida, vem-se mostrando como importante abordagem para a redução tanto da duração quanto da gravidade da diarreia. A autoadministração vem sendo recomendada por alguns serviços a viajantes que não receberam profilaxia, que estejam em localidades de difícil acesso à assistência médica ou apresentem doenças de base que possam vir a tornar a doença mais severa ou prolongada. Importante salientar que a autoadministração é controversa e até mesmo rejeitada por muitos especialistas, por inúmeras razões (por exemplo risco de indução de resistência bacteriana, dificuldade de identificação de diagnósticos diferenciais, uso desnecessário quando etiologia viral) e por esse motivo qualquer decisão deve ser individualizada e extremamente criteriosa. Entre as principais opções terapêuticas, incluem-se 22,26,30 : Quinolonas (contraindicadas para crianças e gestantes): norfloxacino (400 mg, 12/12h), ofloxacino (200 mg, 12/12h), levofloxacino (500 mg, 24/24h), ciprofloxacino (500 mg, 12/12h). Macrolídeos: azitromicina (adultos: 500 mg, 24/24h; crianças: 5 a 10 mg/ kg, 24/24h). Sulfametoxazol/trimetoprima: 160/800 mg, 12/12h. Cefalosporinas de 2ª ou 3ª duração: alternativa quando contraindicados macrolídeos e quinolonas.

18 PREVENINDO DOENÇAS EM GRUPOS ESPECIAIS Tendo em vista o crescente incremento no número de viajantes com procedências, destinos e natureza da viagem dos mais variados, a avaliação individual e a identificação de fatores de risco para aquisição de novas doenças e a exacerbação de comorbidades preeexistentes se tornaram indispensáveis à manutenção da saúde e à prevenção de doenças em viajantes. Nesse contexto encontram-se os chamados grupos ou populações especiais, cada qual com suas particularidades físicas, fisiológicas e imunológicas. Aqui merecem especial atenção crianças, gestantes, idosos, cardiopatas e imunossuprimidos. Gestantes Toda gestante que planeja viajar, independentemente do destino e do meio de transporte, deve consultar o obstetra a fim de receber orientações específicas, de acordo com suas condições clínicas e obstétricas, para garantir manutenção da saúde e segurança de gestante e feto. Em determinadas situações ou momentos durante a gestação o cancelamento e o adiantamento da viagem podem ser a recomendação ideal. De maneira geral, o segundo semestre (entre a 18ª e a 24ª semana) é o período mais seguro para viagens durante a gestação. No caso de viagens aéreas, são consideradas seguras as semanas até a 36ª semana de gestação 32. Inicialmente entre as medidas prévias à viagem devem constar: Confirmação de gravidez tópica, ausência de alterações placentárias. Tipagem sanguínea ABO/Rh. Realização de imunizações oportunas. Avaliação e referenciamento de assistência médica no local de destino em caso de necessidade. Elaboração de relatório médico. Contato prévio com a empresa de viagem, sobretudo no caso de transporte aéreo. Avaliar necessidade de contratar seguro de saúde.

19 Entre os principais riscos aos quais gestantes são mais suscetíveis durante viagens destacam-se: Infecciosos 31,32 Diarreia dos viajantes Maior risco de complicações. Cuidados com água e alimentos consistem na única medida de prevenção. Deve ser considerado o risco-benefício da vacinação contra febre tifoide e cólera/etec. Em relação ao tratamento, considera- -se que azitromicina ou cefalosporinas sejam as opções mais seguras para tratamento de gestantes. Hepatite E: Risco aumentado da forma fulminante em gestantes. Cuidados com água e alimentos constituem a única medida de prevenção. Rubéola: Risco de síndrome da rubéola congênita. Vacinação anterior à gestação é a medida segura e eficaz. Deve ser avaliada a situação epidemiológica (presença de surtos e epidemias no local de destino). Toxoplasmose: Risco de toxoplasmose congênita para o feto. Cuidados com alimentos (por exemplo, carne bovina crua ou mal cozida) são a única medida de prevenção. Malária: É considerada uma emergência médica em gestantes. Prevenir picada de mosquitos (barreira e DEET) e quimioprofilaxia (mefloquina ou cloroquina) após avaliação do risco-benefício são as medidas de prevenção. Febre amarela: Risco de formas graves. Prevenir picada de mosquitos (barreira e DEET). Em relação a vacina contra a febre amarela, considera-se que a gestação seja uma contraindicação relativa. Por esse motivo, deverá ser sempre considerado o risco-benefício, podendo ser recomendada a vacinação somente após avaliação médica. Dengue e outras doenças transmitidas por vetores: Prevenir picada de mosquitos (barreira e DEET).

20 Não infecciosos 33 Trauma. Trombose venosa profunda (prevenção ver anteriormente) 33. Doença do movimento (cinesia) (prevenção e controle ver anteriormente) 34. Doenças associadas a altitudes elevadas (prevenção e controle ver anteriormente) 35. Crianças Assim como em outros grupos, o número de crianças em viagens internacionais vem crescendo significativamente nos últimos anos. Embora sejam escassos os dados referentes a doenças mais prevalentes em viajantes dessa faixa etária, algumas particularidades físicas e imunológicas, bem como o risco de maior morbidade e mortalidade em relação a diversos agravos, tornam obrigatória a intensificação dos cuidados antes, durante e depois de viagens. A diarreia nessa população é especialmente importante pelo maior risco de infecção, sobretudo, por serem mais frequentes complicações como desidratação. Além das medidas gerais de prevenção, a manutenção do aleitamento materno durante a viagem deve ser reforçada. Em caso de diarreia, medidas contra desidratação devem ser prontamente adotadas, incluindo o uso de soluções de reidratação oral. A indicação de antibióticos deve ser individualizada em função do quadro clínico e da faixa etária. Além da diarreia, a ocorrência de malária em crianças é motivo de grande preocupação tendo em vista a frequente progressão para formas graves. Com exceção da doxiciclina, as drogas antimaláricas utilizadas para tratamento e quimioprofilaxia são as mesmas utilizadas em adultos. Tanto para a prevenção da malária quanto de outros agravos transmitidos por vetores, todas as medidas que visem a minimizar o risco de picada de insetos devem ser recomendadas. Outras situações comuns a crianças durante viagens são: doença do movimento (cinesia), quadros decorrentes de elevadas altitudes, envenenamentos, traumas, queimaduras e mordeduras de animais 36.