COORDENAÇÃO TÉCNICA DO ESTUDO Heloise Canal Pâmela Bergonci EQUIPE TÉCNICA Aline Kerber Socióloga e Coordenadora de Pesquisas Janine Prandini Silveira Licenciada em Ciências Sociais Pâmela Bergonci Geógrafa Rafael Dal Santo Sociólogo e Coordenador de Pesquisas Heloise Canal Acadêmica de Geografia Rodrigo Sabedot Acadêmico de Ciências Sociais COORDENADOR INSTITUCIONAL Eduardo Pazinato Mestre em Direito Secretário de Segurança Pública e Cidadania de Canoas PARCERIAS Ministério da Justiça Prefeitura de Canoas Fórum Brasileiro de Segurança Pública Universidade Federal do Rio Grande do Sul Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania
UTILIZAÇÃO DE SISTEMAS DE I FORMAÇÕES GEOGRÁFICAS O VIDEOMO ITORAME TO URBA O 1 RESUMO O uso de tecnologias associadas à segurança pública como forma de prevenção e monitoramento de crimes e violências teve grande expansão nos últimos anos, a destacar a utilização de câmeras de vídeo no espaço público. O município de Canoas, localizado na Região Metropolitana de Porto Alegre, possui um sistema de videomonitoramento urbano com, aproximadamente, 118 câmeras de vídeo instaladas, o que torna tal município com maior número de câmeras em funcionamento no estado. Os Sistemas de Informações Geográficas (SIG) podem ser utilizados para aprimorar o uso destas tecnologias, principalmente pelas potencialidades de análise espacial. Entendendo tal importância, este trabalho visa apresentar a metodologia utilizada pelo Observatório de Segurança Pública de Canoas (OSPC) para subsidiar uma posterior avaliação do videomonitoramento no município. Para isto, foi realizado o mapeamento do alcance da visão de cada câmera, a determinação de pontos que obstruíam a visão do monitor e inserção de ocorrências criminais através do software ArcGis. As tecnologias de vigilância, em especial as câmeras de vídeo, tornaram-se uma das ferramentas de reestruturação de processos políticos e socioeconômicos no espaço urbano. De início, eram reservadas ao contexto privado, porém a sua utilização difundiu-se ao espaço público por organizações civis, iniciativa privada e, principalmente nos últimos anos, por gestões municipais a partir de investimentos do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania - PRONASCI (DAL SANTO, 2009). Os discursos que mais refletem a implantação dos sistemas de videomonitoramento em vias públicas são referentes à temática da segurança tanto numa perspectiva mais simbólica, baseada no autocontrole de quem acredita estar sendo 1 Artigo apresentado pelas integrantes do Observatório Pâmela Bergonci e Heloise Canal no XXX Encontro Estadual de Geografia, que ocorreu no município de Erechim RS, entre os dias 03 e 05 de junho.
vigiado, quanto operacional, fundamentada na possibilidade de produzir provas para a investigação policial (GUIMARÃES, 2005), assim como na maior vigilância das forças ostensivas através de uma presença virtual. Entretanto, o videomonitoramento urbano não deve ter a aceitabilidade da gestão pública apenas pelas possibilidades simbólicas de controle, já que são altos os custos de implantação destes sistemas, tampouco deve ser operacional somente no contexto criminal ou repressivo, ou seja, é necessário aperfeiçoar tais tecnologias para vigiar, mas não necessariamente punir. Mesmo sendo o foco deste estudo a inserção dos Sistemas de Informações Geográficas e do videomonitoramento na temática da segurança pública, entende-se que atribuir às câmeras uma utilidade apenas policial é subaproveitá-las do ponto de vista de inclusão em um espaço urbano tido como complexo. A qualificação deste instrumento (que inclui as pessoas que o monitoram) deve considerar outras dinâmicas, como ocorrências de trânsito, auxílio na remoção de vitimas nas vias, verificação do estado de equipamentos públicos, estudos de fluxos de pedestres, entre outros. Na cidade de Porto Alegre, o sistema de videomonitoramento tornou-se uma parceria entre a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), Procempa e a equipe de informática do Hospital de Pronto Socorro. A ferramenta busca auxiliar na localização das vítimas de acidentes de trânsito e na tomada de decisão do médico regulador, que acompanha em tempo real os fatos e providencia o deslocamento da ambulância para atendimento. Com a prévia visualização da vítima através das câmeras, tem-se ideia da gravidade dos ferimentos e da real necessidade, ou não, do deslocamento da ambulância. Ainda que se reservem algumas dúvidas quanto ao grau de efetividade destes instrumentos como forma de prevenir/diminuir situações de crimes e violências, é necessário considerar que o videomonitoramento urbano já é realidade em muitos municípios do Rio Grande do Sul e que, geralmente, a implantação destas tecnologias na área da segurança pública não segue uma metodologia prévia de possíveis locais de instalação, monitoramento das ações, assim como uma avaliação dos impactos projetados pelas mesmas no espaço urbano.
Os Sistemas de Informações Geográficas (SIG) são cada vez mais utilizados na gestão pública como forma de otimização e aproveitamento de instrumentos por ela estabelecidos (MÁXIMO, 2004). Isto porque, estes sistemas podem ser utilizados nas três etapas principais de acompanhamento de um projeto: o planejamento de implantação, o monitoramento das ações e a avaliação dos resultados. A principal contribuição do SIG para o planejamento de projetos de videomonitoramento refere-se ao diagnóstico de possível localização das câmeras, considerando a possibilidade de visualização e análise simultânea dos dados armazenados, como malha viária, equipamentos públicos, ocorrências criminais, etc. Para o monitoramento das ações, a análise multitemporal consequente do cruzamento das informações subsidia o entendimento dos resultados imediatos, assim como embasa a avaliação dos resultados cujo período de análise é maior. Na etapa de avaliação, além da análise multitemporal, a utilização deste tipo de aplicativo computacional pode revelar tendências e padrões através dos estudos geoestatísticos (DRUCK et al, 2004). Considerando que qualificar algo passa necessariamente pela avaliação de seu uso, tanto numa esfera teórica quanto técnica, este estudo objetiva apresentar a metodologia do Observatório de Segurança Pública de Canoas para auxiliar na etapa de monitoramento e posterior avaliação quanto ao uso de câmeras de video para redução de crimes e violências no município. Cabe ressaltar que a aplicação desta metodologia está em andamento, sendo optado por apresentá-la como um todo, além dos resultados obtidos até o momento. O VIDEOMO ITORAME TO O MU ICÍPIO DE CA OAS-RS O município de Canoas, localizado na região metropolitana de Porto Alegre, iniciou a última gestão municipal (2009-2012) com três projetos estratégicos para melhorias na segurança: Canoas Mais Segura, Guarda Comunitária e Território de Paz. As câmeras fazem parte do projeto Canoas Mais Segura, que abrange ações que envolvem tecnologias na área da segurança: alarmes; videomonitoramento nas vias urbanas, parques e prédios públicos e GPS nas viaturas.
As câmeras começaram a ser instaladas em 2009, em diversas fases de instalação que abrangem os anos de 2009, 2010 e 2011. As fontes financiadoras ou solicitantes da tecnologia foram a prefeitura de Canoas, parcerias público-privadas, convênio com o Governo do Estado e o Orçamento Participativo do município. Foram distribuídas nas vias públicas, em dois parques de Canoas (Parque Eduardo Gomes e Parque Getúlio Vargas) e nos próprios municipais (locais administrados pela prefeitura como sedes das secretarias, escolas, postos de saúdes, etc). Hoje, totalizando 118 câmeras de videomonitoramento em funcionamento, o município conta com o maior número de câmeras de segurança no estado. METODOLOGIA A etapa de inserção das informações consistiu em espacializar a distribuição de cada câmera na cidade, mapear a área de cobertura das mesmas (em vias públicas) e identificar os pontos de obstrução da área de visão. Tais atividades foram realizadas por meio do software ArcGis na Sala Integrada de Monitoramento de Canoas (SIM), um espaço destinado à operacionalização das tecnologias de vigilância referentes ao videomonitoramento (sistemas de câmeras de vídeo) e ao audiomonitoramento (sistemas de alarmes em prédios públicos e sistema de detecção de disparos de arma de fogo). Os profissionais que atuam na sala são da Guarda Municipal de Canoas, Fundação da Brigada Militar e Fiscalização de Trânsito. A imagem abaixo se refere à espacialização das câmeras no município de Canoas. Neste trabalho inicial, foram georreferenciadas 71 câmeras das 118 existentes, visto que algumas câmeras estavam instaladas mas não funcionavam ainda na sua plenitude (a instalação foi projetada em fases, em que um grupo de câmeras entra em funcionamento concomitantemente) (Figura 1).
Figura 1: Localização de 75 câmeras de vídeo no município Após um contato inicial com a dinâmica da sala de monitoramento, decidiu-se que a melhor forma de mapear a área de visão das câmeras seria através da vetorização de polígonos sobre uma imagem de satélite conforme o operador direcionava a câmera na interface de seu monitor (Figura 2). Salienta-se que a contribuição dos operadores foi importante não só pela manipulação das câmeras como também pelo compartilhamento de saberes adquiridos ao longo da sua rotina de trabalho, a exemplo de elementos no espaço urbano que por eles eram considerados como limitantes ao monitoramento.
Figura 2: Vetorização da área de visão sobre imagem de satélite Os pontos de obstrução identificados eram, em sua maioria, placas comerciais e árvores. Tais elementos também foram mapeados e integrados ao banco de dados do plano de informação com identificação, referência espacial e descrição de cada ponto. O mapeamento destes elementos teve o objetivo de subsidiar as ações que possam ser solicitadas para aumentar o campo de visão das câmeras, como remoção das placas e poda das árvores, assim como esclarecimento quando da não visibilidade de algum evento. Posteriormente ao mapeamento, as principais análises a serem realizadas com objetivo de subsidiar a avaliação e utilização de tecnologias na segurança pública referem-se ao georreferenciamento de ocorrências criminais, como roubo/furto e homicídios.
Determinada a área de visão da câmera e a localização dos eventos criminais, a utilização do SIG auxiliará tanto na análise estatística, por meio de cruzamentos e mensuração dos eventos no entorno de cada câmera, como na análise temporal, através da sobreposição de ocorrências em períodos anteriores e posteriores à implantação das câmeras. A análise multitemporal poderá indicar se o videomonitoramento inibiu os delitos naquela área e também se as imagens têm auxiliado na visualização e registro de situações de violência ou crime. A relação área de visão e ocorrências criminais também poderá auxiliar no planejamento da ronda das câmeras, ou seja, cada câmera realizaria uma volta completa, aplicando um zoom em locais pré-determinados e tidos como mais vulneráveis. DEMAIS CO TRIBUIÇÕES PARA ALÉM DO SIG A realização deste estudo remete à importância de buscar ferramentas que possibilitem a qualificação operacional do videomonitoramento urbano e enfatiza o SIG como uma destas ferramentas. Entretanto, ao longo da aplicação da metodologia apresentada anteriormente, surgiram questões de esfera mais teórica que devem ser compartilhadas como forma de avaliar o uso destas tecnologias, visto que o SIG subsidia a resolução de problemas referentes a, por exemplo, onde?, quanto? ou o quão perto?, mas não responde a uma das principais questões a serem analisadas: o por quê?. Cabe aos profissionais geógrafos, sociólogos, servidores e gestores da segurança pública, além de outros profissinais, a busca conjunta por elementos que fundamentem a análise e consequentemente a qualificação das tecnologias de vigilância. A espacialização das câmeras no município propiciada pelo SIG demonstrou que há uma distribuição desigual das mesmas, sendo priorizada a instalação em bairros específicos. A relação da localização nos bairros, as ocorrências criminais predominantes nos mesmos e a reivindicação ou não por parte da população por essa tecnologia remete à discussão sobre as diferenciações de funcionalidade das câmeras em cada região do município.
A maior concentração de câmeras, além do Centro, está em bairros com taxas de homicídio relativamente altas comparadas aos outros bairros, como Guajuviras e Mathias Velho, demonstrando um foco maior de vigilância em crimes e violências contra pessoa. As demais concentrações estão em bairros característicos de alto padrão aquisitivo com relativa ocorrência de furto e roubo de veículos, a exemplo do bairro Igara e Marechal Rondon, evidenciando o foco em crimes contra o patrimônio. Nestes bairros as câmeras não foram instaladas para vigiar os moradores do local, mas sim os transeuntes ou pessoas que venham a cometer crimes. Tais câmeras foram colocadas com o conhecimento da população local e financiadas por parcerias privadas. Já nos bairros em que a população tem um poder aquisitivo comparativamente menor, as câmeras foram financiadas pelo poder público, muitas vezes sem o conhecimento prévio da população. Ainda na perspectiva de análise do videomonitoramento para além da esfera exclusivamente operacional, uma possível contribuição para a avaliação destas tecnologias seria a identificação dos elementos discursivos de legitimação (ou não) das câmeras em via pública. A organização de grupo focais (técnica de pesquisa que consiste em fazer diversas indagações a um grupo pré-selecionado de pessoas) realizada pelo Observatório de Segurança Pública de Canoas com moradores de determinado bairro com grande número de câmeras, indicou uma avaliação positiva dos moradores sendo apontada esta tecnologia uma das principais responsáveis pela redução da criminalidade no bairro. Em realização de grupo focal com integrantes da Sala Integrada de Monitoramento de Canoas, também houve certa avaliação positiva. Eles consideraram notável a diminuição da criminalidade do município após a instalação das câmeras, citando inclusive mudanças no cotidiano dos moradores, como o aumento do número de pessoas que circulam nas ruas à noite. Reconhecem que a simples notícia da instalação das câmeras trouxe maior sensação de segurança. Relatam que notam esta sensação pelo fato de que muitos pedestres passam pelas câmeras e olham para elas, muitas vezes sorrindo, como que reconhecendo que estão protegidos, que alguém está zelando por eles.
Por fim, ressalta-se a utilização do videomonitoramento urbano como aliado não só da segurança como de diversas outras áreas de gestão pública, a exemplo da mobilidade urbana, meio ambiente e saúde. Ademais, o fato do referido estudo ter mapeado os pontos de obstrução de visão das câmeras para subsidiar posteriores ações, como poda de árvores, retirada de placas, entre outros elementos, mostra que o videomonitoramento em via pública induz uma série de alterações no espaço urbano, enaltecendo conflitos institucionais e sociais. REFERÊ CIAS CARVALHO, J. J. de. As Tecnologias de Segurança e a Expansão Metonímica da Violência. Série Antropologia, Brasília, n., p.02-21, 2000. DAL SANTO, Rafael. Cidade Monitorada: controle social e o processo de implementação de câmeras de monitoramento em Farroupilha-RS. 2009. 64 f. Trabalho de Conclusão (Graduação) - Curso de Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.ufrgs.br/da.php?nrb=000728470&loc=2010&l=f40c3519 10e7f2ec>. Acesso em: 20 maio 2011. DRUCK, S.; Carvalho, M.S.; Câmara, G.; Monteiro, A.V.M. (eds). Análise Espacial de Dados Geográficos. Brasília, EMBRAPA, 2004 (ISBN: 85-7383-260-6). GUIMARÃES, L. A. B. Os Limites da Vigilância Eletrônica em Via Pública: a experiência gaúcha. Disponível em <http://www.guayi.org.br/?area=16&item=152&pg>. Acesso em 15 de maio de 2011. JUNIOR, I. F. V. POR TRÁS DAS CÂMERAS: atenção e vigilância dos trabalhadores de um centro de controle. Simpósio Interdisciplinar na Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Curitiba: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2009. 10 p.
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