Drogas, Redução de Danos, legislação e Intersetorialidade Brasília DF Outubro de 2009



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Transcrição:

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA ALIANÇA DE REDUÇÃO DE DANOS FÁTIMA CAVALCANTI EXTENSÃO PERMANENTE DO DEPARTAMENTO DE MEDICINA Drogas, Redução de Danos, legislação e Intersetorialidade Brasília DF 20-21 Outubro de 2009 Mesa Redonda Estratégias de Redução de Danos: experiência do Brasil e da Argentina *Tarcísio Matos de Andrade (tarcisio@ufba.br) Professor Adjunto Coordenador da Aliança de Redução de Danos Fátima Cavalcanti ALIANÇA Faculdade de Medicina da Bahia Universidade Federal da Bahia

I. Introdução: Redução de Danos No Brasil Política de Saúde Pública: Recente (<20 anos), Fundamentos: pesquisas; troca de experiência com outros países; treinamentos; intersetorialidade Resultados (redução na prevalência de HIV e outras IST) Um percurso de avanços e recuos (2004)

Serological exam N (%) 95% IC HIV 2 (1.6) 0.2 5.7 HTLV-1 4 (3.2) 0.9 8.0 HTLV-2 1 (0.8) 0.0 4.4 Hepatitis B 1 (0.8) 0.0 4.4 Hepatitis C 3 (2.4) 0.5 6.9 Syphilis 5 (4.0) 1.3 9.1 Ceuci L.X. Nunes, Tarcisio Andrade, Bernardo Galvão-Castro, Francisco I. Bastos and Arthur Reingold. Assessing Risk Behaviors and Prevalence of Sexually Transmitted and Blood-Borne Infections among Female Crack Cocaine Users in Salvador - Bahia, Brazil. The Brazilian Journal of Infectious Diseases 2007;11(6):561-566.

Tabela 1 Características operacionais dos PRD, segundo informações de seus gestores. Brasil, dados referentes a 45 Programas de Redução de Danos, 2005 Características Operacionais N % Cobertura* Muito ruim/uim 10 22.7 Média 16 36.7 Boa/Muito boa 18 40.9 Aderência* Muito Ruim/Ruim 0 0.0 Média 14 31.8 Boa/muito boa 30 68.2 Documentacão/registro* Muito Ruim/Ruim 4 8.9 Média 10 22.2 Boa/Muito boa 30 68.9 Verificação de Adesão* Sim 28 63.6 Não 16 36.4 Disponibilidade de Seringas e Equipamentos Sim 36 80.0 Não 9 20.0 Fornecimento Contínuo Sim 32 71.1 Não 13 28.9 Registro de Atividades Sim 45 100.0 Não 0 0.0 *respostas incompletas e incoerentes foram excluídas da tabulação final Massard, E.F; Ribeiro, J.M; Bertoni, N e Bastos, F.I.Syringe exchange programs in Brazil:preliminary assessment of 45 programscad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(4):761-770, abr, 2006

Práticas e princípios de RD no Brasil No início - Programas de Troca de Seringas Extensão às pessoas que usam outras drogas (crack, maconha, álcool) Contribuição dos princípio de RD a outros campos de atenção social e da Saúde: - *subversão do modelo vigente - a difração da norma * Freire, P e Norton, M. O Caminhar se faz caminhando, ed. vozes

Perspectivas atuais De uma política de quatro para três pilares com um alicerce único (RD) Matriciamento da atenção básica (ESF; NASF; CAPS e CAPSad) sobretudo em áreas mais desfavorecidas Definição de papeis: Universidades, ONG e governo RD e violência urbana relacionada com a guerra às drogas Uma política de cuidados* (para a pessoa) * Um difuso mal estar que aparece sob o fenômeno do descuido, do descaso Boff, L A falta de cuidado, 1999.

4. Dificuldades encontradas na integração da RD ao Sistema Nacional de saúde no Brasil 1. A ênfase na atenção básica à saúde no Brasil é ainda recente e apresenta uma estrutura organizacional em construção Os profissionais de saúde dos programas comunitários têm dificuldades de lidar com questões relacionadas ao uso de drogas: - desconhecimento sobre os fatores biopsicossociais relacionados ao consumo de drogas - reprodução de preconceitos do senso comum acerca das drogas e dos seus usuários - medo de exposição do profissional à violência do tráfico 3. Os preconceitos quanto à legitimidade das práticas de Redução de Danos, ainda alimentam a resistência às mesmas apesar de hoje fazerem parte de políticas públicas de saúde oficiais do Governo Federal

O imaginário Social: Deus nos livre de nós mesmos O não lugar das pessoas que usam drogas: no senso comum nas políticas públicas (documentos oficiais) entre os profissionais de saúde uma população de excedentes

Resultados 3. As lacunas entre as práticas dos RD e a política de Redução de Danos, são problematizadas neste estudo: 1. usuários de drogas afeitos aos RD, não obstante clamam por uma casa de recuperação, ou seja, por instituições que atuam baseadas no princípio da abstinência; 2. o conflito entre os princípios da redução de danos e da abstinência se verifica também entre os RD como Angélica que opta por internar seu filho numa casa de recuperação e declara numa reunião de equipe, a angústia de ser RD, trabalhar com esse público e ter o problema dentro da própria família. *Rodrigues, L.B e **Andrade, Tarcisio Matos Uma avaliação qualitativa das ações de redução de danos e da sua recepção por parte dos usuários de drogas na cidade de Salvador Bahia Brasil. CLAT5, Porto Portugal, 2009

Resultados quantitativos Tipo de Droga Utilizada 3.941 2.372 2.352 2.470 2.470 1.927 858 206 1.365 1.381 624 604 435 48 27 33 2003 2004 2005 2006 UDI Anab. Crack Cocaína Cheirada Fonte: relatório anual, 2006, da Aliança de Redução de Danos Fátima Cavalcanti - ALIANÇA

ATENDIMENTOS REALIZADOS - 2008 Evolução de consumo, por tipo de drogas nos últimos 3 anos (atendimentos em geral) Gráfico 5. Atendimentos a usuários de cada tipo de drogas nos últimos 3 anos. 50,00% 45,00% 40,00% 35,00% 30,00% 25,00% 20,00% 15,00% 10,00% 5,00% 0,00% 2006 2007 2008 UDI Crack Anabolizante Maconha Cocaína Cheirada Fonte: relatório anual, 2008 da Aliança de Redução de Danos Fátima Cavalcanti - ALIANÇA

CLAT5 Porto, Julho de 2009