PARECER CRM/MS N 37/2012 PROCESSO CONSULTA N 26/2012 INTERESSADO: DR. PROMOTOR DE JUSTIÇA CONSELHEIRO PARECERISTA: JUBERTY ANTONIO DE SOUZA Ementa: A realização de laudos periciais é ato médico. O diagnóstico médico é diferente do diagnóstico psicológico. A ausência do laudo pericial médico-psiquiátrico pode ser prejudicial ao andamento dos processos judiciais. Origem do pedido: O Promotor de Justiça considerando a realização de Perícias por parte de psicólogos em processos criminais e que estão sendo designados por ato do Poder Judiciário para a realização de pericia e emissão de laudos, faz a seguinte consulta: 1. O CFM e CRM/MS possuem conhecimento da questão acima narrada e que vem a ocorrer em Mato Grosso do Sul. Em caso positivo, qual tem sido o tratamento ensejado ao caso? 2. Há diferença entre diagnóstico médico (inclusive diagnóstico psiquiátrico? Em caso positivo favor detalhar). 3. Quais consequências (em todos os aspectos: médico, médico-legal, etc) de se suprimir avaliação de médico psiquiatra, nos casos acima mencionados (réus em processos criminais, avaliados em sua saúde mental), passando referida análise a recair somente a psicólogos? Frente à importância da consulta, esta foi encaminhada à Câmara Técnica de Psiquiatria, que após deliberação decidiu solicitar cooperação do Prof. Dr. Luiz Salvador de Miranda Sá Júnior, pelo seu notório saber do assunto, e que após debruçar-se sobre o assunto emitiu uma proposta de parecer em que extraímos algumas considerações para a confecção deste parecer Historicamente a medicina se constitui numa práxis institucional em que se exige a importância social amplamente reconhecida, um campo de conhecimento superior e práticas técnicas definidas que exigem preparação especial, compromisso com a sociedade e que se 1
expresse num código de conduta largamente aceito como válido. Baseia-se nos marcos técnico-científico, o jurídico-mercantil e o sócio-político-humano; devendo ser uma profissão essencialmente ética antes que técnica mercantil. A maior dificuldade no Brasil é que apesar de ser a profissão mais antiga a Medicina não é regulamentada por lei, até porque até recentemente não se tinha nenhuma dúvida sobre o papel e os limites da atuação do médico. Já a Psicologia até o Século XX era uma ciência humana lecionada nas faculdades de Filosofia, seus agentes passaram a trabalhar como atividade auxiliar da Pedagogia, na administração de recursos humanos na empresa e na atividade de auxílio psicológico a quem padecia dificuldades de ajustamento e do desenvolvimento, havendo a profissionalização em meados do século passado pela Lei 53.464 de 21.01.64 em que em seu Artigo 4 são especificadas as funções do psicólogo: Art. 4 São funções do psicólogo: 1. Utilizar métodos e técnicas psicológicas com o objetivo de: a - diagnóstico psicológico b orientação e seleção profissional c orientação psicopedagógica d solução de problemas de ajustamento 2. Dirigir serviços de Psicologia em órgãos e estabelecimentos públicos, autárquicos, paraestatais, de economia mista e particulares. 3. Ensinar cadeiras ou disciplinas de Psicologia nos vários níveis de ensino, observadas as exigências da legislação em vigor. 4. Supervisionar profissionais e alunos em trabalhos teóricos e práticos de Psicologia. 5. Assessorar, tecnicamente, órgãos e estabelecimentos públicos, autárquicos, paraestatais, de economia mista e particulares. 6. Realizar perícias e emitir pareceres sobre a matéria da Psicologia. Nesta lei não há qualquer função que autorize a realização de diagnósticos psiquiátricos laudos e pareceres em matéria de psiquiatria. Nenhum dispositivo dessa lei autoriza um psicólogo a fazer diagnóstico psiquiátrico ou qualquer outro diagnóstico. 2
O diagnóstico em Medicina é o reconhecimento de uma doença através da identificação dos sinais, sintomas, síndromes e da determinação dos fatores etiológicos, forma de instalação, evolução e o prognóstico. É tarefa privativa de médicos e o diagnóstico psiquiátrico é atividade privativa de médicos preferencialmente psiquiatras. O diagnóstico psicológico como procedimento do psicólogo clínico resulta do uso de meios e técnicas psicológicas para identificar problemas de ajustamento ou do desenvolvimento psicológico, como a lei permite aos psicólogos. O diagnóstico psicológico se diferencia do diagnóstico médico por seu objeto e por sua metodologia. O diagnóstico psicológico é funcional e dirigido para a avaliação da conduta humana e do desenvolvimento das funções psíquicas e se reporta à identificação de situações relativas ao campo de atividade que a lei estabelece como atividade privativa ou compartilhada dos profissionais da psicologia, a saber as perturbações do ajustamento e do desenvolvimento pessoal, não se referindo nem a enfermidades (doenças) e nem a enfermos (doentes). No caso do diagnóstico psiquiátrico, há a necessidade de inicialmente fazer a exclusão das doenças psiquiátricas de origem orgânico cerebral (demências, encefalites, meningite, neurolues, tumores, acidentes vasculares), ou seja, há a necessidade da exclusão, através da semiotécnica do afastamento de outras doenças com sintomatologia semelhante (Diagnóstico Diferencial). Para isto é necessário a utilização de semiotécnica essencialmente médica e fora do alcance dos psicólogos. Há a necessidade do exame físico e outros procedimentos médicos. Com estas considerações passamos a responder aos questionamentos constantes da consulta. 1. O CFM e CRM/MS possuem conhecimento da questão acima narrada e que vem a ocorrer em Mato Grosso do Sul? Em caso positivo, qual tem sido o tratamento ensejado ao caso? R. Quanto a primeira parte da questão a resposta é SIM, tanto o CFM e o CRM-MS tem conhecimento. Quanto a segunda parte do questionamento o CRM-MS e o CFM vem tentando de forma regular intervir e orientar tanto o judiciário quanto os psicólogos de que isto é no mínimo ilegal. Mas alguns argumentos têm sido utilizados. O primeiro é que para o 3
judiciário a nomeação de psicólogos como peritos preenche de uma forma fácil a deficiência que este Poder tem em dispor de profissionais para a realização deste mister, seja por falta de recursos para o pagamento dos peritos ou pela ausência destes profissionais em seus quadros. Ainda o recurso da justiça gratuita não mais se sustenta e desta forma o judiciário se utiliza dos psicólogos. Estes por sua vez estão num momento em que disputam o direito de agirem como médicos, sem o serem. O CFP emitiu uma resolução autorizando os psicólogos a assim agirem, mas não tem nem a habilitação e nem a qualificação médica. Como a profissão médica ainda não está regulamentada, o CFP cria fatos políticos profissionais exortando os seus membros a aceitarem e a oferecerem este tipo de trabalho e o judiciário vê esta atividade como forma de diminuir a sua deficiência. 2. Há diferença entre diagnóstico médico (inclusive diagnóstico psiquiátrico) e diagnóstico psicológico? Em caso positivo, favor detalhar. Há diferenças fundamentais. No diagnóstico médico, e no psiquiátrico em decorrência, buscase a identificação de uma doença (enfermidade), em que há o emprego da semiotécnica médica como avaliação dos diferentes órgãos e sistemas corporais, exame físico, busca das alterações fisiológicas, exames complementares laboratoriais, de imagem em que há a necessidade de conhecimentos específicos para o reconhecimento ou a exclusão de doenças. É procedimento privativo do médico e que apenas na formação do médico estas habilidades são conseguidas. No diagnóstico psicológico também através de instrumental próprio e específico busca-se determinar as características de personalidade, os problemas de ajustamento para que se possa ajudar as pessoas a se entenderem e se ajustarem. O diagnóstico de personalidade ou das suas particularidades costumeiramente são úteis para o diagnóstico e o acompanhamento dos pacientes psiquiátricos. 3. Quais as consequências (em todos os aspectos: médico, médico-legal, etc.) de se suprimir avaliação de médico psiquiatra, nos casos acima mencionados (réus em processos criminais, avaliados em sua saúde mental), passando referida análise a recair somente a psicólogos? R. As consequências decorrem da não qualificação e da não habilitação dos psicólogos em realizarem diagnósticos psiquiátricos sem o instrumental médico específico, com as dificuldades de se fazer diagnósticos diferenciais e com isto aumentando do risco de se decidir com subsídios técnicos inconsistentes. Ainda é dever do Estado promover o 4
tratamento das pessoas do sistema prisional, da avaliação para fins de periculosidade, de progressão de pena ou ainda se o crime foi cometido na vigência de doença mental, e assim o foi se a doença mental interferiu na execução deste crime. Um dos objetivos do diagnóstico é que uma vez diagnosticado deve-se verificar as opções terapêuticas própria a cada pessoa e a cada situação, ou seja, o diagnóstico é essencial para o estabelecimento da terapêutica ou da decisão legal, previdenciária, administrativa entre outras. Se o diagnóstico não for consistente...as decisões podem ser inadequadas e prejudiciais. Este é o parecer que submeto ao plenário para apreciação. Campo Grande, MS, 22 de novembro de 2012. Dr. Juberty Antônio de Souza Parecerista Parecer aprovado na Sessão Plenária do Dia 23.10.2012 5