Entrevista. Maria Regina Tavares da Silva Ana Costa Lopes



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Transcrição:

Entrevista Maria Regina Tavares da Silva Ana Costa Lopes Gostaria muito de agradecer, em nome da Sociedade Científica e em meu próprio, a entrevista concedida à Gaudium Sciendi pela Senhora Dra. Regina Tavares da Silva, uma perita internacional dos estudos de género. A entrevista torna- se, deste modo, um documento importante de reflexão sobre estas matérias. Pode dizer- se que o seu interesse pelas questões relativas à condição das mulheres surgiu bem cedo na sua vida, creio que, por influência de Maria de Lourdes Pintasilgo. Seria como que um prenúncio de uma vida dedicada a estas áreas. E foi! Em 1986, foi convidada a assumir a Presidência da Comissão Feminina (CFF) e voltou a ter o mesmo cargo, em 1991, na mesma instituição, mas com outro nome, o de Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres. (CIDM) E, paralelamente aos cargos de chefia que exerceu, foi publicando e iniciando uma carreira ímpar a nível internacional. Um percurso longo, o de Regina Tavares da Silva, recheado de muitos trabalhos ligados à organização e chefia, incluindo os teóricos e os de natureza prática, no terreno. Para começar gostaria de lhe perguntar o seguinte: A partir desta tão singular caminhada gostaríamos de saber como vê a situação das mulheres na actualidade, os seus direitos, os novos feminismos; enfim, o balanço de um percurso com os seus sinais de progresso e também os obstáculos que, eventualmente, ainda existam para uma situação de maior justiça e igualdade na relação homens - mulheres na sociedade. Em primeiro lugar deixe- me dizer- lhe que, efectivamente, as questões relativas à situação das mulheres na sociedade surgiram muito cedo na minha vida por influência da Maria de Lourdes Pintasilgo, que conheci como jovem finalista de Engenharia quando eu era apenas uma adolescente. Depois esta perspectiva foi- se aprofundando na participação em várias organizações, a JUCF, o Graal e também no contacto com outros países e culturas, 171

designadamente os EUA, em que estive nos idos longínquos dos anos 60, tempos de lutas pelos direitos civis e também dos chamados "novos feminismos" No entanto, uma acção mais directa nesta área aconteceu na Comissão, para a qual fui trabalhar, de novo, por convite de Maria de Lourdes Pintasilgo. Ali trabalhei ao longo dos mais de trinta anos e muito aprendi. Foi nos anos 70, anos particularmente significativos no que se refere às questões relativas à situação das mulheres, quer a nível nacional quer internacional. A nível nacional, no pós 25 de Abril, a nova Constituição tornada igualitária e as alterações legislativas e medidas políticas que se seguiram, foram de par com um avivar da consciência social sobre a questão da menoridade que as mulheres ainda detinham. A nível internacional foi um momento decisivo para a legitimação política destas questões, com a celebração do Ano Internacional da Mulher, pelas Nações Unidas e a adopção de linhas programáticas a nível global para combater a discriminação e promover o estatuto das mulheres. Num longo percurso que acompanhei, os anos 90 foram particularmente significativos. Uma série de grandes conferências a nível global conduziram a uma reflexão conjunta sobre os principais problemas do nosso mundo. As questões do desenvolvimento, do ambiente, da qualidade de vida, da população, dos direitos humanos foram amplamente discutidas e delineadas estratégias de futuro. E nesta discussão a questão da igualdade de género apareceu, pela primeira vez, como questão integrante das soluções a encontrar. Não é mais possível pensar a solução dos problemas do mundo, em termos neutros. Há que pensá- las em termos do seu impacto de género, isto é, tendo em consideração a situação e o contributo das mulheres e dos homens, enquanto componentes de uma Humanidade, que não é neutra nem abstracta. Por outro lado, neste processo foi- se tornando cada vez mais claro que o que está em jogo não são meras questões sociais, interesses de um grupo específico da população, neste caso as mulheres, mas são interesses da sociedade no seu conjunto envolvendo homens e mulheres, as suas relações e a própria organização social. O que está em causa são questões mais fundas, que têm a ver com a qualidade da democracia e a promoção e protecção dos direitos humanos. Não podemos esquecer que foi apenas em 1993 que as Nações Unidas na Conferência Mundial de Viena acordaram que: "Os direitos humanos das mulheres são uma parte inalienável, integrante e indivisível dos direitos humanos universais." Uma verdade 172

óbvia hoje mas que não o foi na altura; pelo contrário, testemunhei contestação e hesitações, aliás renovadas em ocasiões posteriores. O mesmo reconhecimento deste princípio foi mais pioneiro na Europa. Efectivamente, esta reflexão teve lugar de relevo no âmbito do Comité Intergovernamental do Conselho da Europa que se ocupava das questões relativas à Igualdade entre Mulheres e Homens no final dos anos 80 e eu estive muito ligada a esta discussão, nomeadamente na proposta de uma Declaração solene do Conselho em 1988 - ainda hoje um texto de referência - que diz que: "a igualdade de mulheres e homens é um princípio que decorre dos direitos da pessoa humana " Efectivamente é de direitos humanos que se fala quando se fala de discriminação no mercado de trabalho ou desigualdade salarial, ou de penalização por motivo de maternidade; ou quando se marginaliza do poder político ou da decisão, política ou económica, a parte feminina da humanidade; ou quando se exerce a violência contra as mulheres, seja ela física, psicológica, sexual ou financeira, no domínio do público ou do privado, da família, do trabalho, da rua ou dos media abrangente. Passaríamos agora a uma pergunta de natureza um pouco diferente por ser mais Recebeu, em Dezembro de 2014, o bem merecido Prémio Medalha de Ouro Comemorativo do 50º Aniversário da Declaração dos Direitos Humanos pelo empenho e luta pelos direitos das mulheres e pela igualdade de género, um prémio que tem naturalmente em conta o seu percurso a nível nacional e internacional. As funções que desempenhou, designadamente no âmbito das Nações Unidas no Conselho da Europa e na Comissão Europeia fizeram- na andar pelos quatro cantos do mundo. Fruto dessa experiência tão rica, multifacetada e completa gostaríamos de saber a sua opinião sobre o seguinte: Há muitos ou poucos pontos de contacto a nível mundial entre as situações das mulheres dos países que visitou e estudou (abstraindo as características culturais e históricas típicas de cada país)?. 173

Efectivamente tive o privilégio e a oportunidade de desenvolver algum trabalho no âmbito dessas instituições, designadamente nas instâncias que se ocupavam das questões da Igualdade de Género. No Conselho da Europa e na Comissão Europeia presidi aos respectivos Comités de peritos/as e integrei também o Comité CEDAW das Nações Unidas, isto é, o Comité que supervisiona o cumprimento da Convenção com a mesma sigla, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, um dos grandes tratados de Direitos Humanos de que Portugal faz parte. Colaborei também com várias agências internacionais, em estudos e missões, sempre na área da não discriminação/igualdade, o que me permitiu efectivamente um contacto muito rico com gentes e culturas diversas. Em particular, o trabalho no âmbito das Nações Unidas constituiu uma janela aberta sobre a situação das mulheres no mundo e sobre os caminhos que é ainda preciso percorrer para uma maior justiça e igualdade nas relações sociais entre homens e mulheres e para a construção de sociedades mais democráticas do ponto de vista das relações de género. Sobre a questão que me coloca, a reflexão que faço, em termos necessariamente breves e mesmo simplistas, é a de que, não obstante as diferenças de ordem geográfica, histórica, cultural, de desenvolvimento ou outras, há hoje uma legitimidade política indiscutível das questões relativas à igualdade de género; e também que há ainda áreas críticas de desigualdade e traços persistentes na situação das mulheres que são convergentes em todas as regiões. Naturalmente com formas diferentes, diferentes cambiantes e diferentes intensidades, mas que, pela sua natureza, constituem obstáculos comuns no acesso à plena cidadania e ao pleno gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais Enunciarei quatro destes traços, que não sendo os únicos, aparecem de forma sistemática em todas as latitudes e que remetem para: a situação no mundo laboral; a situação na vida pública e política, o fenómeno da violência contra as mulheres e, subjacente a todas estas áreas, a permanência teimosa de estereótipos de género relativos a papéis e funções sociais atribuídos a homens e a mulheres. Aqui se situam as grandes áreas de discriminação, de desigualdade, e de violação dos direitos humanos das mulheres; e elas persistem, não obstantes os instrumentos jurídicos e programáticos, as profissões de fé na igualdade e as propostas de políticas para a construir e garantir. Umas palavras breves sobre cada uma destas vertentes: 174

1. No mundo laboral e na vida económica, em geral, as mulheres, mesmo quando detêm melhores qualificações académicas, o que é um dado generalizado em muitos países, incluindo Portugal, enfrentam situações de discriminação que revestem várias formas. Em toda a parte, a mesma segregação vertical, isto é, as mulheres com maiores dificuldades de progressão e de acesso aos postos superiores; e, em toda a parte, a mesma segregação horizontal, isto é, as mulheres concentradas em determinadas áreas, geralmente mais mal pagas. Por outro lado, a desigualdade salarial, com diferença média que atinge cerca de 18,5% em Portugal e que sobe significativamente nos postos mais qualificados; e em toda a parte a mesma "penalização" no trabalho por motivo de maternidade e de responsabilidades familiares. Com reflexos dramáticos a nível da sustentabilidade demográfica, para além do desgaste e frustrações pessoais e reflexos também em direitos sociais, por exemplo. os relativos a benefícios e pensões. 2. A participação na vida pública e política e, sobretudo, o acesso à decisão a nível político e económico é ainda marcada por alguma marginalização das mulheres e a democracia que se vive é ainda de rosto essencialmente masculino. Entre nós, e não obstante as normas legislativas existentes, a participação das mulheres nas instâncias de decisão política, designadamente ao nível legislativo e executivo, é muito inferior àquele mínimo de 40% de cada sexo, definido pelo Conselho da Europa como o "limiar de paridade". E nas instâncias de decisão económica essa diferença é ainda maior; é, aliás, das taxas mais baixas a nível europeu. Tudo isto com as consequências conhecidas de uma gestão da comunidade que desperdiça metade dos seus recursos humanos, prejudicando uma resposta mais global e informada às questões que importa resolver. 3. A questão da violência contra as mulheres é hoje suficientemente conhecida, particularmente a violência doméstica, que é uma realidade em todo o mundo. Mas outras formas existem também presentes em todas as sociedades: a violação e a violência sexual em geral, o tráfico para fins de prostituição, as práticas culturais nefastas como: mutilação genital feminina, casamento de crianças; crimes de honra; rituais de viuvez; ausência total de autonomia, sob o sistema de guardianship, violência particular contra as mulheres em situações de conflito que pode revestir formas de escravatura sexual, etc. etc. Tudo isto com consequências para a saúde física e mental, a liberdade pessoal, o exercício da cidadania 4. Subjacente a tudo isto há, como referi, a persistência de estereótipos de género, isto é, de ideias feitas que assentam numa visão fixa e rígida de funções e comportamentos atribuídos a homens e mulheres, com consequentes visões de masculinidade e de 175

feminilidade, apontando para aquilo que é próprio de homens e de mulheres. Um traço que está na base da dominação e do poder, por um lado, e da submissão e desvalorização, por outro, e que continua a ser veiculado consciente e inconscientemente nos mecanismos de socialização. Para todas estas questões há procura de soluções e há respostas em curso nas várias regiões do mundo. Respostas que passam em primeiro lugar pela tomada de consciência das questões da discriminação por razões de sexo/género e depois por respostas normativas e programáticas, hoje em curso por toda a parte. Porque se entende que o que está em causa não é algo de somenos importância, mas sim algo de fundamental para a convivência humana e para uma organização social assente em bases democráticas, de respeito pelas pessoas e pelos seus direitos fundamentais. 176