resultado do processo principal. O autor não passa a usufruir o bem da vida imediatamente, mas cria condições materiais para que no futuro possa efeti



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Transcrição:

TUTELA ANTECIPADA A tutela antecipada, instituto tratado pela art. 273, CPC, é espécie de tutela de urgência, ao lado da tutela cautelar. Ainda que a doutrina reconheça que sendo espécies do mesmo gênero existam diversas características comuns a essas duas tutelas, não nos parece possível defender que se tratam de uma mesma espécie de tutela, o que inclusive vem reafirmado pelo próprio texto legal ao prever uma fungibilidade entre a tutela cautelar e tutela antecipada (não existe fungibilidade entre dois institutos iguais, mas sim semelhantes). Dentre as características comuns geralmente lembradas pela doutrina estão a cognição sumária realizada para a concessão de ambas as tutelas - excluindo-se a antecipação prevista pelo art. 273, 6º, CPC, conforme veremos -, a provisoriedade, e a referência a uma outra tutela (José Roberto dos Santos Bedaque). Ocorre, entretanto, que as diferenças entre as duas tutelas também existem, e apesar de eventual dificuldade de sua conceituação no caso concreto é necessário academicamente aponta-las. Entre as diferenças podemos citar a possibilidade da tutela cautelar, em casos excepcionais e previstos em lei, ser concedida de ofício, enquanto a tutela antecipada sempre exige pedido do autor. Também os requisitos para a concessão de tais tutelas são diferentes, já que embora se reconheça a identidade de significados entre periculum in mora e fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, é inegável a diferença entre o fumus boni iuris e a prova inequívoca da verossimilhança da alegação. Ainda a autonomia diferencia as duas tutelas, podendo se falar em ação cautelar, mas não em ação de tutela antecipada. Além das características diferenciadoras citadas, a maior diferença entre a tutela antecipada e a tutela cautelar encontra-se justamente na natureza jurídica de ambas as tutelas, que tecnicamente não se confundem. A tutela antecipada tem nítida natureza satisfativa fática, já que proporciona ao autor a antecipação dos efeitos práticos que somente seriam gerados com a futura sentença de procedência transitada em julgado. Permite-se ao autor que passe a usufruir o bem da vida imediatamente, da mesma forma insista-se, no plano fático - que faria caso tivesse obtido uma sentença definitiva a seu favor. Já a tutela cautelar não deve antecipar qualquer espécie de satisfação, limitando-se a garantir a utilidade/eficácia do

resultado do processo principal. O autor não passa a usufruir o bem da vida imediatamente, mas cria condições materiais para que no futuro possa efetivamente se satisfazer. Poder-se-ia afirmar que a regra criada para diferenciar as tutelas de urgência analisadas não conseguiria explicar a existência das conhecidas cautelares satisfativas. Sendo inegável a existência de tais medidas no passado, com o advento da nova redação do art. 273, CPC (Lei 8.952/94), generalizando espécie de tutela de urgência satisfativa para qualquer situação, passou o ordenamento jurídico a preencher um vácuo que permitia a existência das cautelares satisfativas sob pena de perecimento do direito. Nada mais justifica a existência de cautelares satisfativas, quando existe expressa previsão legal de tutela apta a impedir o perecimento do direito por meio da satisfação fática desse. Explica-se. Anteriormente à previsão genérica do art. 273, CPC, as tutelas de urgência poderiam ser classificadas em dois grupos: a cautelar e as liminares, providências imediatas com nítido cunho satisfativo fático. Ocorre, entretanto, que enquanto as cautelares tinham previsão genérica bastando para sua concessão a existência de periculum in mora e fumus boni iuris (cautelares inominadas) as medidas liminares tinham previsão restritiva, previstas em pouquíssimos procedimentos especiais (p. ex., ações possessórias, embargos de terceiro, Ação Declaratória de Inconstitucionalidade, Mandado de Segurança, Ação Civil Pública, etc.). Necessitando de uma medida urgente, mas com natureza satisfativa, e não havendo previsão legal para tanto, era utilizada a ação cautelar com o objetivo de entregar ao autor aquilo que só poderia vir a obter como efeito de um resultado favorável ao final do processo, surgindo dessas situações as cautelares satisfativas. Foi justamente esse vácuo legislativo que a generalidade da tutela antecipada preencheu. Havendo duas espécies de tutela de urgência com naturezas distintas, mas ambas previstas genericamente, todas as situações de perigo de perecimento de direito estão protegidas pela lei, de forma a não se justificar a permissão da contraditória cautelar satisfativa, ainda mesmo quando prevista expressamente na lei como cautelar (p. ex. alimentos provisionais). Isso não significa que as liminares desapareceram ou foram substituídas pela tutela antecipada. Na feliz síntese de Cândido Rangel Dinamarco, a antecipação de tutela é uma generalização da tutela antecipada, não incidindo onde a lei expressamente preveja medida liminar específica. Na Ação Civil Pública, por exemplo, seria inadequado o pedido de tutela

antecipada, em razão de expressa previsão de liminar. O mesmo ocorre nas ações possessórias de posse nova, em virtude da previsão do art. 928, CPC, enquanto nas ações de posse velha, por ausência de previsão de liminar, cabe pedido de tutela antecipada. Perceba-se que adotamos na explicação acima uma classificação que parte do pressuposto de ser a liminar uma espécie de tutela de urgência, que em conjunto com a tutela antecipada formam as tutelas de urgência satisfativas, em contraposição à tutela cautelar, meramente garantidora. Trata-se, à obviedade, de classificação que toma por base os efeitos de tais institutos, não se desconsiderando parcela significativa da doutrina que, por meio de uma classificação fundada no momento de concessão da tutela de urgência, afirma que a tanto a cautelar quanto a tutela antecipada podem ser concedidas de forma liminar, bastando para tanto que sejam requeridas no início da demanda e concedidas inaudita altera parte. Segundo expressa previsão do art. 273, caput, CPC, a antecipação de tutela depende de pedido expresso da parte interessada, que é invariavelmente o autor. Apesar da doutrina majoritária defender a impossibilidade do juiz conceder de ofício a tutela antecipada, em interpretação literal do dispositivo legal, existe corrente minoritária defendendo tal possibilidade, ainda que em situações excepcionais. Estaria criado, a exemplo do poder geral de cautela, um poder geral de antecipação de tutela, permitindo a manifestação oficiosa do juiz em determinadas situações específicas. (José Roberto dos Santos Bedaque e Luiz Fux). Interessante questão se coloca ao se questionar a possibilidade do réu requerer tutela antecipada. A redação do art. 273, caput, CPC, poderá levar um leitor mais desavisado a conclusão equivocada, considerando-se que o texto legal menciona a antecipação de efeitos do pedido inicial, sabendo-se que o responsável pela formulação do pedido inicial é o autor da demanda judicial. Ocorre, entretanto, que apesar da literalidade do dispositivo legal, é plenamente possível a concessão de antecipação de tutela ao réu, desde que preenchidos os requisitos legais. A primeira situação passível de antecipação de tutela ao réu se verifica sempre que o réu passe a uma posição processual de autor, fazendo pedido de concessão de um bem da vida. São situações em que o réu da ação

originária se coloca em situação de autor, enquanto o autor daquela ação se torna réu. Podemos citar a reconvenção, pedido contraposto, ação declaratória incidental e nas ações dúplices, onde a própria defesa do réu, se acolhida, gerará a ele a entrega do bem da vida em disputa. Há ainda, apesar de rara, a possibilidade do réu, mesmo atuando como tal, ou seja, exclusivamente em sua posição passiva, obter tutela antecipada. O réu em sua contestação faz um pedido exclusivamente processual (improcedência do pedido), que busca impedir o autor de obter aquilo que deseja. Toda sentença de improcedência tem uma natureza declaratória negativa, declarando o juiz no caso de improcedência a inexistência do direito material alegado pelo autor. É possível, portanto, que ao fazer o pedido de sentença declaratória negativa o réu requeira, em sede de tutela antecipada, a antecipação de efeitos que somente seriam gerados com a sentença negativa final. Imagine-se uma ação condenatória em que o autor, em razão do alegado débito do réu, remeteu seu nome aos órgãos de proteção ao crédito. O réu, em sua contestação, afirma inexistir a dívida, requerendo o julgamento de improcedência do pedido de condenação. Ao pleitear uma sentença declaratória de inexistência do direito do autor, poderá o réu, em sede de tutela antecipada, pleitear a imediata retirada de seu nome dos órgãos de proteção ao crédito, efeito prático que seria gerado somente ao final do processo com a declaração definitiva de inexistência do direito de crédito do autor (José Roberto dos Santos Bedaque). Poder-se-ia alegar que é simplesmente impossível a antecipação de uma declaração, tenha ela caráter positivo ou negativo. A declaração é a certeza jurídica da existência ou inexistência de uma relação jurídica, não se concebendo a existência de certezas provisórias, fundadas em cognição sumária. O mesmo pode ser dito da constituição, que ao criar, modificar ou extinguir relações jurídicas também não se coadunaria com a provisoriedade típica da antecipação de tutela. Não há, de fato, como desconstituir uma relação jurídica provisoriamente, podendo-se tomar como exemplo a separação judicial, que uma vez antecipada permitiria aos cônjuges um novo casamento, o que causaria uma grande confusão no caso de revogação daquela decisão antecipatória. O mesmo se diga da declaração.

A conclusão a que chegamos é que a declaração e a constituição em si são incompatíveis com a antecipação de tutela, o que, entretanto, não exclui a possibilidade de antecipação em ações em que se busca a declaração ou a constituição. É preciso observar que tanto a decisão meramente declaratória como a constitutiva geram efeitos secundários no mundo dos fatos, sendo que esses efeitos poderão ser perfeitamente antecipados. As modificações no mundo dos fatos gerados pela declaração de existência ou inexistência de uma relação jurídica, ou ainda pela sua constituição, modificação ou extinção, podem ser antecipadas para um momento anterior ao da concessão da tutela de forma definitiva. Assim, se é impossível a concessão de uma declaração de que o autor não é o devedor numa ação declaratória de inexigibilidade de débito, é possível a antecipação de tutela com o objetivo de retirar imediatamente o nome da parte dos órgãos de restrição ao crédito, efeito secundário da futura declaração de que o autor nada deve ao réu. O mesmo ocorre numa ação constitutiva, como por exemplo, numa ação em que se busca a constituição de uma servidão de passagem. Sendo impossível constituir-se tal servidão de forma antecipada, nenhum obstáculo é criado para a abertura provisória de passagem com o objetivo de evitar o perecimento do direito do autor. O art. 273, caput, CPC, fala em antecipação total ou parcial, significando que o pedido de tutela antecipada poderá ser idêntico ao pedido principal ou ainda conter apenas parte desse ou algum(s) de seus efeitos. Embora exista uma relação entre o pedido principal e o pleiteado em sede de antecipação de tutela, não se exige uma identidade absoluta entre eles, podendo o autor pleitear determinados pedidos em sede principal e de forma antecipada apenas parcela de sua pretensão. É o que ocorre, por exemplo, em situações comuns nos dias atuais em que o autor ingressa com ação para que seja declarada a inexigibilidade do débito, condenado o réu ao pagamento dos danos morais em razão de remessa indevida de nome aos órgãos de restrição de crédito e retirada de seu nome de tais cadastros. Dos três pedidos que foram cumulados apenas o de retirada do nome dos cadastros é comumente pleiteado em sede de tutela antecipada, pela impossibilidade do primeiro ser concedido (não há certeza provisória) e da dificuldade de obtenção de tutela antecipada no segundo (as condenações em pagar quantia certa nesse caso geralmente são concedidas na sentença final, e não em sede de antecipação de tutela).

O que se deve exigir, até mesmo por coerência lógica, é que só possa ser pleiteado em sede de tutela antecipada aquilo que tiver sido pedido de forma principal, não se admitindo a antecipação de algo que, por ausência de pedido, não poderá ser concedido no final do processo. Ora, se a antecipação de tutela permite a geração de efeitos que só poderiam ser obtidos com a sentença de procedência, não se admite que algo que não possa estar contido em tal decisão final possa ser antecipado. Em razão do princípio da congruência, o juiz estará, no julgamento definitivo, adstrito ao pedido do autor, e justamente em razão disso, não poderá conceder algo que não foi pedido (julgamento extra ou ultra petita). Dessa forma, se o juiz na sentença está limitado ao pedido do autor e a antecipação de tutela deve ser confirmada em tal decisão, é impossível a concessão de tutela antecipada de algo que não tenha sido pedido de forma principal. A tutela antecipada pode ser concedida a qualquer momento, significando dizer que a concessão poderá se dar inaudita altera parte, durante toda a fase procedimental em primeiro grau de jurisdição, e até mesmo em grau recursal. Tudo dependerá da verificação da situação que exigir a antecipação de tutela. Se a mesma se verificar logo no início da demanda, da simples leitura da petição inicial, desde que preenchidos os requisitos, deverá ser concedida antecipação de tutela. Caso se percebe, entretanto, que os requisitos só foram preenchidos posteriormente, não há qualquer obstáculo para a concessão da tutela antecipada. Naturalmente que nas situações em que a antecipação de tutela é pleiteada quando o procedimento já for de segundo grau, ou mesmo de órgãos de superposição, será esse o Juízo competente para a análise de tal pedido. De todos os momentos em que é possível a antecipação de tutela certamente o da sentença é o que causa maiores controvérsias. A doutrina de forma majoritária entende pela possibilidade do juiz, no momento de prolação da sentença, antecipar a tutela. Alguns doutrinadores, inclusive, entendem que a antecipação de tutela somente poderia ocorrer nessa fase processual, encerrada a instrução probatória (José Joaquim Calmon de Passos). É preciso registrar, entretanto, que se no momento de prolação da sentença pretender o juiz antecipar os efeitos de sua decisão final, deverá fazê-lo na própria sentença, e não em decisão em apartado. Tratar-se-á de capítulo da sentença com objeto de decisão interlocutória.

A doutrina não diverge de forma significativa quanto à possibilidade de antecipação da tutela na sentença, mas há significativa controvérsia a respeito das formas de impugnação da parte desfavorecida com a concessão da tutela de forma antecipada. A antecipação na sentença é nitidamente uma maneira do juiz retirar da apelação seu efeito suspensivo, considerando-se que nessa hipótese deve ser aplicado ao caso concreto o previsto no art. 520, VII, CPC. Embora tal dispositivo legal mencione expressamente que não terá efeito suspensivo a apelação interposta contra sentença que confirme a antecipação de tutela, uma interpretação extensiva nos mostra que onde se lê confirme, deve-se também entender defere originariamente, sob pena de incongruência lógica do sistema e inutilidade ampla e absoluta da antecipação da tutela na sentença. Dessa forma, uma vez antecipada a tutela na sentença, e sendo o recurso cabível contra essa parte da decisão (capítulo da sentença) a apelação sem efeito suspensivo, a decisão começará a gerar efeitos imediatamente, o que poderá ocasionar graves prejuízos de difícil ou incerta reparação para a parte desfavorecida com a decisão (geralmente o réu). A grande questão que vem dividindo a doutrina e a jurisprudência é a respeito da atitude a ser tomada por esse sujeito processual que pretende evitar imediatamente que a decisão passe a gerar efeitos, ou ainda para que tal geração seja imediatamente interrompida. A apelação, por si só, não evitará eventual prejuízo, haja vista a ausência de seu efeito suspensivo. Poder-se-ia imaginar a aplicação por analogia do art. 558, CPC, que permite ao relator a concessão de efeito suspensivo a recurso que não o tenha. O grande e insuperável problema dessa solução é a demora para que os autos cheguem ao relator, tudo em razão do procedimento do recurso de apelação, que se inicia no primeiro grau e somente após a prática de alguns atos processuais continua em segundo grau de jurisdição. Diferentemente do recurso de agravo, que tem a distribuição in continenti ao relator, o que possibilita a concessão de efeito suspensivo ao recurso em tempo hábil a preservação do direito do recorrente, na apelação tal possibilidade se mostra de difícil aplicação prática. Parcela da doutrina defende a possibilidade de interposição simultânea de recurso de apelação e agravo de instrumento contra a sentença. Da parte da sentença que julgou a ação definitivamente se recorreria por meio da apelação, que em regra geral seria recebida no duplo efeito, enquanto da parte da

sentença que concedeu a tutela de forma antecipada, caberia o recurso de agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo. Entendemos que esse entendimento é absolutamente inadequado do ponto de vista técnico, já que despreza de maneira bastante clara dois princípios recursais: correspondência (de sentença cabe apelação art. 513, CPC) e unirrecorribilidade. Por outro lado, também não concordamos com a opção dada por alguns doutrinadores quanto ao cabimento de mandado de segurança perante o Tribunal para se obter o pretendido efeito suspensivo, sob pena de se reviver triste época em que tal ação ficou relegada a dar efeito suspensivo para recursos que não eram recebidos em tal efeito. Em nossa visão o ingresso de ação cautelar inominada com pedido de liminar perante o Tribunal para atribuir à apelação efeito suspensivo é a saída mais técnica para o prejudicado por uma antecipação de tutela na sentença. Comprovando-se que haverá grandes chances de se modificar o resultado da sentença por meio do julgamento do recurso e que a modificação tardia gerará ao recorrente graves prejuízos (fumus boni iuris e periculum in mora), obterá tutela que impedirá a geração de efeitos da sentença na parte em que a tutela foi antecipada - até o julgamento da apelação. Esse é o melhor entendimento, que busca preservar o princípio da singularidade e ao mesmo tempo evitar o uso inadequado do mandado de segurança para simplesmente atribuir efeito suspensivo a recurso que não o tenha. Além do expresso pedido da parte interessada o pretendente à concessão da tutela antecipada deverá comprovar no caso concreto ser merecedor de tal proteção jurisdicional, necessitando demonstrar o preenchimento dos pressupostos exigidos em lei. No que tange a tais requisitos, é possível identificar três diferentes espécies de tutela antecipada: (i) prova inequívoca da verossimilhança da alegação e fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; (ii) prova inequívoca da verossimilhança da alegação e manifesto propósito protelatório ou abuso do direito de defesa do réu; (iii) pedido incontroverso. Como se percebe, a prova inequívoca da verossimilhança da alegação é pressuposto para as duas primeiras espécies de tutela antecipada. Pode parecer a primeira vista ser tal pressuposto bastante contraditório, considerando que algo que é apenas verossímel (e não certo), não deve estar demonstrado por prova inequívoca, que seria aquela que não deixa qualquer margem à dúvida. Prova inequívoca se exige para a sentença, após cognição exauriente, quando o juiz decidirá

de forma definitiva o pedido do autor, e não em sede de tutela antecipada, quando a cognição ainda é sumária e o juiz não tem condições de ter certeza sobre todos os elementos fáticos constantes do processo. Entende-se, entretanto, que a menção à prova inequívoca pelo dispositivo legal refere-se não a certeza do direito, mas sim à sua aparência de verdade (aquilo que parece ser verdade), exigindo a lei uma prova que corrobore a afirmação do autor. A verossimilhança é a semelhança com a verdade, ou seja, um fato verossímel é aquele que dá ao interlocutor mais razões para acreditar ser verdadeiro que falso. Esse fenômeno está ligado exclusivamente a alegação, bastando para seu preenchimento a narrativa de fatos que pareçam verdade. Para alguns doutrinadores a mera verossimilhança confunde-se com o fumus boni iuris, requisito para a concessão da cautelar. Ao exigir para a concessão da tutela antecipada uma prova inequívoca da verossimilhança, o legislador criou requisito mais difícil de ser preenchido no caso concreto, não bastando que a alegação pareça verdade, devendo que tal aparência esteja ancorada em alguma prova. Chega-se ao fenômeno da probabilidade, que exige tanto um fato que pareça verdade, como uma prova que a ampare - ainda que superficialmente - sua existência. Na mera verossimilhança o fato parece ser verdadeiro, enquanto no requisito ora estudado é provável que seja. Chega-se a conclusão que a alusão à prova inequívoca significa prova suficiente para que o juiz, na cognição sumária que faz na análise de pedido de tutela antecipada, considere o fato alegado pelo autor mais do que simplesmente parecido com a verdade, mas provavelmente verdadeiro. Para a concessão da tutela cautelar, como visto, tal prova é dispensada, bastando ao pretende alegar algo que pareça ser verdade para sua obtenção, além, é claro, da prova do periculum in mora. Imagine-se que autor alegue em sua petição inicial, como matéria fática, que chegou atrasado a uma reunião de negócios em razão do trânsito caótico que encontrou no trajeto de seu escritório e do local onde a reunião ocorreria. Tal alegação, ainda mais se tratando da cidade de São Paulo, é bastante verossímel, o que por si só bastaria para o preenchido do requisito da fumaça do bom direito num pedido cautelar. Para a concessão da tutela antecipada, entretanto, o autor deveria trazer alguma espécie de prova para corroborar sua alegação. Estaria preenchido o requisito, por exemplo, com a juntada de notícia de jornal afirmando ter naquele dia

sido batido o recorde de congestionamento na cidade. Agora sim, haverá uma prova inequívoca da verossimilhança da alegação. Perceba-se que a alegação pode até mesmo se mostra inverídica o autor deixou de ir à reunião por esquecimento, e não por causa do trânsito mas isso somente será descoberto após a instrução probatória, momento em que o juiz terá certeza acerca dos fatos narrados. Sendo provavelmente verdadeiro o fato, é o que basta para o preenchimento do requisito. Além da prova inequívoca da verossimilhança da alegação, o autor deverá ainda comprovar outro requisito, de forma alternativa (um ou outro): fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou manifesto propósito protelatório ou abuso do direito de defesa. Analisaremos os dois requisitos separadamente, devido a suas significativas diferenças. Sempre nos pareceu que o requisito do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação é absolutamente idêntico ao do periculum in mora do processo cautelar. Significa demonstrar ao juiz que o tempo de duração da entrega da prestação jurisdicional definitiva ocasionará o perecimento do direito do autor ou ao menos lhe ocasionará um prejuízo de difícil ou incerta reparação. Trata-se dos efeitos nocivos que o tempo pode gerar a eficácia da prestação jurisdicional, sendo necessária concessão da tutela de forma imediata sob pena de nada adiantar uma decisão positiva futura, que em razão do tempo para sua prolação será absolutamente inútil à parte vencedora. Emoldura-se a sentença em um quadro, pendura-se na parede, mas no mundo dos fatos, justamente onde a decisão deveria gerar seus efeitos, nada se verificará. Registre-se que o perigo deve ser devidamente comprovado como sendo sério, iminente, real. Meras alegações genéricas, apontando eventuais e incertos danos que poderiam ser suportados pelo pretendente à tutela de urgência não são suficientes para a concessão da tutela antecipada. A parte deve convencer o juiz que a consequência natural e inevitável do indeferimento de seu pedido será a geração de grave lesão aos seus interesses, que poderão não mais ser reparados no futuro ou mesmo que possível tal reparação, a dificuldade para tanto será significativa. Exemplo típico é da obrigação de fazer (positiva e negativa) que se tornará inútil com a decorrência do tempo, como a necessidade de imediata operação ou suspensão de evento que esteja prestes a ocorrer.

Essa primeira espécie de tutela antecipada, portanto, além da probabilidade do autor estar dizendo a verdade, está ligada a necessidade de se antecipar tutela para evitar perecimento - em algum grau do direito do pretendente. É, portanto, tutela preventiva, que busca evitar que o dano ocorra. A segunda espécie de tutela antecipada, embora mantenha a necessidade da prova inequívoca da verossimilhança da alegação, não tem natureza preventiva, não correndo o direito da parte qualquer perigo de perecimento no caso de sua não concessão. Trata-se a segunda espécie de tutela sancionatória, funcionando como forma de punir o litigante que, sem qualquer razão séria para impugnar a pretensão da parte contrária, prorroga a entrega da prestação jurisdicional pelo maior tempo possível. Como se diz na gíria popular, vai empurrando o processo com a barriga. O art. 273, II, indica duas espécies de conduta que levariam, em conjunto com a probabilidade dos fatos alegados pelo autor serem verdadeiros, a concessão da tutela antecipatória sancionatória: manifesto propósito protelatório e abuso do direito de defesa. Num primeiro momento pode parecer que essa espécie de tutela antecipada seja exclusiva do autor, considerando-se que somente ao réu interessa protelar o resultado do processo e que somente ele se defende no processo, podendo abusar desse direito. Não é, entretanto, a melhor solução. Apesar de raríssimo na verdade a própria concessão dessa espécie de tutela antecipada é bastante rara é possível imaginar situações em que o réu pleiteie a concessão de tutela antecipada fundado num abuso de direito de defesa do autor ou de seu manifesto propósito protelatório. No primeiro caso basta imaginar aquelas situações em que o autor da ação originária se torna réu de ação conexa à principal, como no caso da reconvenção e da ação declaratória incidental, situações em que poderá abusar do seu direito de defesa. No segundo caso basta imaginar o exemplo já dado a justificar o pedido pelo réu no caso de ação de cobrança de dívida que entende indevida e que gerou inscrição de seu nome nos cadastros dos órgãos de restrição ao crédito. Nesse caso se o autor, percebendo que não tem qualquer razão, passar a protelar a entrega da prestação jurisdicional que lhe será muito provavelmente desfavorável, o réu pode pleitear a antecipação do efeito reflexo da declaração de não ser devedor retirada de seu nome dos cadastros dos inadimplentes - com fundamento no manifesto propósito protelatório do autor.

Dentro da raridade que constitui a concessão da tutela antecipada sancionatória, existe posicionamento doutrinário que entende que essa espécie de tutela antecipada pode ser concedida inclusive inaudita altera parte. Pode parecer à primeira vista estranho que por abuso do direito de defesa a tutela seja antecipada antes mesmo do réu ter tido oportunidade de se manifestar, mas defende essa corrente doutrinária a possibilidade de comprovação de atos extra-processuais, ocorridos antes do processo, que demonstrem que o réu utilizará do processo somente para ganhar tempo no cumprimento de uma obrigação que ele mesmo confessa expressamente ter (Humberto Theodoro Jr.). Seria o caso de juntada com a petição inicial de carta do réu afirmando ser de fato inadimplente, afirmando que não cumprirá sua obrigação porque poderá protelar seu cumprimento por todo o transcurso da ação judicial. O interessante nesse ponto é que a carta serviria ao mesmo tempo para preencher os dois requisitos: prova inequívoca da verossimilhança da alegação e abuso do direito de defesa. A terceira espécie de tutela antecipada nada tem a ver com os requisitos visto até agora, dispensando-se até mesmo a prova inequívoca da verossimilhança da alegação para sua concessão. Segundo o art. 273, 6º, CPC, havendo parte de pedido que tenha restado incontroversa ou ainda no caso de cumulação de pedidos, restando um ou alguns incontroversos, o juiz poderá desde que requerido pelo interessado - antecipar a tutela da parcela da pretensão incontroversa. Cumpre ressaltar a necessidade de que parcela do pedido (ou pedidos) reste incontroversa enquanto outra parcela permaneça controvertida. Em caso de toda pretensão restar incontroversa, não será caso de antecipação de tutela, mas sim de julgamento antecipado da lide (melhor seria chamar julgamento antecipado do mérito). Trata-se de tutela antecipada que já vinha prevista pelo art. 899, 1º, CPC, que permite ao réu o levantamento da parcela incontroversa na ação de consignação em pagamento quando a defesa se fundar exclusivamente na alegação de insuficiência do valor consignado pelo autor, prosseguindo a demanda exclusivamente no tocante ao valor controvertido. O art. 273, 6º, CPC, teve o mérito de generalizar tal possibilidade de antecipação de tutela. Também é preciso consignar que o pedido do autor é resultado da narração dos fatos e da indicação da fundamentação jurídica contida na

petição inicial, e numa interpretação literal do dispositivo legal poder-se-ia chegar a enganosa conclusão de que a antecipação de tutela somente poderia ser concedida no caso de reconhecimento jurídico parcial do pedido do autor feito pelo réu. É o reconhecimento jurídico do pedido que torna o pedido do autor incontroverso, por meio da expressa concordância do réu com todos os termos da petição inicial, ou seja, concordância quanto à veracidade dos fatos alegados e também acerca da qualificação jurídica dada a eles. Não pode ser esse, entretanto, o melhor entendimento, sob pena de frustração da pretensão legislativa, com significativa diminuição de aplicação do preceito legal. Acreditamos que ao mencionar pedido incontroverso o dispositivo legal pretenda indicar situação em que não haja mais dúvidas quanto aos fatos que fundamentam o pedido do autor. Havendo cognição exauriente sobre tais fatos, seria possível a antecipação de tutela, o que poderá ocorrer em duas situações: fatos incontroversos - confessados de forma expressa ou tácita pelo réu - e fatos controversos já devidamente provados nos autos. Nessas duas situações, não haverá necessidade de instrução probatória, o que permitiria a antecipação de tutela, enquanto a parcela controvertida do pedido, que demanda instrução probatória, seria a responsável pela continuação do processo. É preciso registrar, ainda, que a tutela antecipada concedida em razão de serem incontroversos os fatos somente ocorrerá quando a qualificação jurídica exposta pelo autor for acolhida pelo juiz, considerando-se que nem sempre de fatos verdadeiros se chega a concessão do pedido do autor. Caso o juiz reconheça serem os fatos incontroversos, por confessados ou já provados, somente antecipará a tutela se concordar com a aplicação do direito exposto pelo autor. Em caso contrário, deverá indeferir o pedido de antecipação de tutela, sendo absurdo defender que o juiz anteciparia algo que não concederia de forma definitiva. Outro aspecto bastante interessante dessa espécie de tutela antecipada é a cognição realizada pelo juiz para sua concessão. Enquanto as outras duas espécies de tutela antecipada são fundadas em verossimilhança, num juízo fundado em cognição sumária, se o pedido for de fato incontroverso, a cognição realizada para seu julgamento terá sido exauriente, baseado em certeza, e não em verossimilhança. Diante de tal constatação, fala-se até mesmo em tutela antecipada definitiva, em verdadeiro julgamento antecipado parcial da lide (Luiz Guilherme

Marinoni), apesar do pronunciamento ser uma decisão interlocutória, recorrível por agravo de instrumento (decisão interlocutória de mérito). Por esse entendimento, a decisão, se não recorrida ou esgotados os recursos contra ela, transita em julgado material. Não concordamos com a integralidade desse entendimento. Apesar da certeza que envolve essa espécie de antecipação de tutela, não podemos aceitar que tal decisão transite em julgado material. Conforme veremos, a revogação/modificação da tutela antecipada exige mudança nas circunstâncias, o que somente será possível se a tutela antecipada for concedida fundada em cognição sumária, e não em cognição exauriente. O juiz, assim, estaria obrigado a confirmar seu entendimento na sentença, o que, entretanto, não é capaz de tornar os efeitos da decisão imutáveis e indiscutíveis. Basta imaginar o reconhecimento de uma matéria de ordem pública que cause a extinção do processo sem o julgamento do mérito, o que faria com que tanto o pedido controvertido como o incontroverso, objeto da decisão antecipada, sejam negados ao autor em razão da extinção do processo sem o julgamento de seu mérito. Segundo o art. 273, 1º, CPC, o juiz deverá indicar, de modo claro e preciso, as razões de seu convencimento no pronunciamento de deferimento da tutela antecipada. Trata-se, à evidência, de norma desnecessária pelo seu conteúdo, considerando-se que a fundamentação da decisão judicial é exigência constitucional (art. 93, IX, CF). A ausência de fundamentação da decisão judicial gera nulidade, qualquer que seja ela, incluindo-se, por razão óbvia, a decisão que antecipada a tutela. A justificativa da norma reside na preocupação do legislador em reafirmar o preceito constitucional, demonstrando de forma inequívoca que, devido a importância de tal pronunciamento, deverá o juiz expor de forma clara e precisa as razões que o levaram ao deferimento do pedido. No art. 273, 2º, CPC, há uma previsão proibitiva da concessão da antecipação da tutela no caso de irreversibilidade do provimento antecipado. Antes de tudo é preciso afirmar que a norma somente se justifica para a concessão de tutela antecipada fundada na verossimilhança da alegação, considerando que a antecipação fundada em parte incontroversa da pretensão - baseada em certeza -, poderá ser irreversível. A idéia de irreversibilidade do provimento antecipado justifica-se justamente pela própria reversibilidade/provisoriedade do provimento, que

podendo ser modificado ou revogado, não pode ser irreversível, devido à incompatibilidade da idéia de definitividade com provisoriedade. Afirme-se que a irreversibilidade tratada pelo artigo legal não diz respeito ao provimento antecipatório em si, mas sim aos efeitos que tal pronunciamento gera no mundo dos fatos. O pronunciamento judicial será sempre revogável, sendo, portanto, sempre reversível. O que se deve evitar, até mesmo como forma de impedir que abusos sejam cometidos, é que os efeitos gerados pela concessão da tutela antecipada sejam irreversíveis, ou seja, que mesmo no caso de eventual revogação ou modificação da tutela antecipada seja impossível o retorno ao status quo ante. Apesar da regra expressa no tocante a irreversibilidade dos efeitos gerados pela concessão da tutela antecipada, há situações em que a norma deve ter sua aplicação flexibilizada; trata-se de situações em que a irreversibilidade se dará tanto com a concessão da medida quanto com seu indeferimento. Em determinadas situações o juiz percebe que o deferimento do pedido antecipado do autor gerará um efeito prejudicial irreversível na esfera jurídica do réu, mas ao mesmo tempo nota que a não concessão da tutela pleiteada gerará um prejuízo irreversível ao autor, com o perecimento de seu alegado direito. Basta imaginar o pedido de operação imediata que o Plano de Saúde se recusa a proceder, estando o autor correndo perigo de morte no caso da operação tardar a ocorrer. Concedida a tutela antecipada, o pretenso direito do autor é satisfeito, mas no caso de improcedência jamais será possível a reversão dos efeitos práticos gerados pela concessão da tutela. Não concedido o pedido antecipatório, a esfera jurídica do réu pode até mesmo restar preservada, mas o autor poderá sofrer danos irreparáveis em decorrência de tal decisão. No caso de irreversibilidade recíproca situações em que a decisão do juiz irá obrigatoriamente acarretar prejuízo irreversível a uma das partes aplica-se o princípio da proporcionalidade, também conhecido por princípio da razoabilidade. Deve o juiz atentar para os interesses em conflito, sabendo que sua decisão ocasionará de qualquer forma um prejuízo a alguma das partes. Deve, portanto, pesar os interesses em conflitos, procurando a decisão que seja a mais razoável com os princípios gerais que regem a atividade jurisdicional. Nessa análise poderá requerer que o autor preste caução, a exemplo do que ocorre com a tutela

cautelar (Cândido Rangel Dinamarco, José Roberto dos Santos Bedaque), garantindo assim ao réu, caso se mostre no futuro que a antecipação foi indevida, uma restituição por meio de perdas e danos. A provisoriedade é característica tradicional de toda e qualquer tutela de urgência, inclusive a tutela antecipada. Note-se que tal característica encontra alguma ressalva no caso de antecipação de tutela prevista pelo art. 273, 6º, CPC, na chamada por parte da doutrina de tutela antecipada definitiva, considerando-se que nesse caso a tutela é concedida por meio de cognição exauriente, fundando-se o juiz na certeza da existência do direito. Nas demais situações de antecipação de tutela é uníssona a opinião de que a tutela é provisória, podendo ser modificada ou revogada a qualquer tempo por decisão fundamentada (art. 273, 4º, CPC) e devendo o processo seguir até final julgamento, tendo havido ou não a concessão da tutela antecipada (art. 273, 5º, CPC). Não se deve confundir provisório com temporário, sendo a tutela antecipada provisória, mas não temporária. A confusão decorre da circunstância de tratarem-se de características que tem um ponto em comum, qual seja, a definida duração no tempo, com final programado de sua existência. Mas há uma diferença substancial, que faz com que provisoriedade e temporalidade não possam ser confundidas. Provisório é algo que, com tempo certo de duração, será substituído por algo definitivo, sendo justamente o advento do definitivo a causa de extinção do provisório, como ocorre com um desvio na estrada que será substituído por uma ponte que está sendo construída. Diz-se que o desvio é provisório, já que virá a ser substituído em sua função (passagem dos carros) pela ponte que está sendo construída. Já temporário é algo que tem tempo certo de duração, mas que não é substituído por algo definitivo. O advento do tempo pré-fixado é o que gera a extinção do temporário. Basta lembrar as vagas de vendedor abertas em lojas na época das festas de final de ano; são vagas temporárias, considerando que após o período de maior venda simplesmente deixarão de existir. Não é, entretanto, totalmente liberada a modificação ou revogação da tutela antecipada concedida, sendo necessária mudança das circunstâncias para que o juiz possa voltar atrás em seu prévio entendimento e reformar a decisão concessiva de antecipação de tutela. Por mudança nas circunstâncias entende-se tanto a modificação fática quando o aporte aos autos de

nova fundamentação jurídica, que tenha passado desapercebida pelo juiz em sua análise ao pedido antecipatório. Defendemos firmemente que o juiz não pode, pura e simplesmente, mudar de idéia e voltar atrás em sua decisão acerca da tutela antecipada somente por ter pensado melhor e acreditar que errou ao conceder a tutela. A impossibilidade dessa mudança encontra-se fundada no que a doutrina convencionou chamar de preclusão pro iudicato (melhor seria chamar de preclusão judicial). É claro que a retratação poderá ainda vir da interposição do recurso de agravo de instrumento, situação em que se abre a possibilidade ao juiz de voltar atrás em seu entendimento. Conforme visto anteriormente, a tutela antecipada e a tutela cautelar são duas espécies do mesmo gênero tutelas de urgências e apesar de tratarem-se de diferentes espécies de tutela, tem pontos de contato que as aproximam. Ciente de tal circunstância, o legislador, por meio da Lei 10.444/02, incluiu ao art. 273, CPC, um novo parágrafo ( 7º), no qual criou uma verdadeira fungibilidade entre essas duas tutelas, em duplo reconhecimento: o primeiro tratar-se de tutelas diferentes não haveria sentido prever fungibilidade entre duas tutelas iguais, somente se justificando a aplicação de tal princípio entre duas tutelas diferentes, mas parecidas; e o segundo justamente que a proximidade das tutelas não poderia ser condição de impedir a proteção do direito, interessando antes de tudo evitar o perecimento do direito, independentemente da espécie de tutela pleiteada. Segundo o dispositivo legal se o autor, a título de antecipação de tutela, requer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental. Haveria, portanto, uma verdadeira fungibilidade entre as tutelas, recebendo o autor uma medida cautelar, sempre que presentes os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, apesar de seu pedido ser no sentido de antecipação de tutela. Tratando-se de aplicação da fungibilidade, nos parece que os pressupostos de tal princípio deverão também estar presentes na concessão de cautelar no lugar da antecipação de tutela pleiteada. Dessa maneira, exige-se no caso concreto a ausência de erro grosseiro ou de má-fé, somente sendo aplicável o princípio se a confusão entre as diferentes tutelas for justificável e demonstrado que o pedido foi decorrência justamente dessa dúvida objetiva de qual a tutela cabível.

A possibilidade de concessão de medida cautelar no próprio processo de conhecimento, sem a necessidade da instauração de um processo cautelar incidente, gera exceção à regra da autonomia da tutela cautelar. A partir do momento em que se permite a concessão de medida cautelar (a efetiva proteção cautelar) no próprio processo de conhecimento, começa a doutrina a questionar a própria necessidade atual do processo cautelar incidental. Podendo o juiz conceder a medida cautelar quando pleiteada tutela antecipada, não seria inadequado se imaginar que a parte peça diretamente a medida cautelar, no próprio processo de conhecimento, sem a necessidade de instauração de um processo próprio para isso. Não resta dúvida que o dispositivo falou menos do que deveria. Se a regra da fungibilidade permite a concessão de cautelar quando requerida a antecipação de tutela é inegável que a mesma seja também permitida para quando a antecipação é requerida mas o caso é de cautelar. Registre-se somente que nesse caso, tratando-se de ação cautelar preparatória, deve o juiz conceder a antecipação de tutela, desde que preenchidos os requisitos, abrindo depois um prazo de 10 dias para o autor emendar a petição inicial, adaptando-a ao processo de conhecimento (Cândido Rangel Dinamarco).