Perito Qualificado, uma responsabilidade individual num bem colectivo. Publicado na Revista Qualidade da APQ, nº 1, Primavera 2009 Independentemente do concreto do articulado da Legislação que instituiu o Sistema de Certificação Energética e da Qualidade do Ar Interior (SCE), importa ter presente as suas características essenciais: (a) garantir conforto térmico e qualidade do ar no interior dos edifícios, (b) minimizar as necessidades energéticas, em particular as relativas à climatização e iluminação (c) promover o recurso a tecnologias energeticamente eficientes e a energias renováveis. Para garantir o cumprimento destes objectivos, exige-se que os técnicos responsáveis pelo projecto, construção, instalação, manutenção e certificação detenham as devidas habilitações, comprometendo as ordens profissionais e as associações na área do AVAC nessa formação e validação. Foram previstos peritos em três vertentes: PQ RCCTE, PQ RSECE-E e PQ RSECE-QAI. O perito qualificado (PQ) RCCTE actua principalmente no âmbito da certificação em fracções autónomas residenciais. Actua também no âmbito de pequenas fracções de serviços (por exemplo, lojas) sem climatização (fracções com menos de 1000 m 2 sem climatização ou com climatização com potências térmicas inferiores a 25 kw). Na certificação da habitação existente em foco desde o princípio deste ano, é esta a vertente que tem vindo a ser chamada. Os Peritos RSECE-E e RSECE-QAI intervêm tipicamente nas grandes fracções ou edifícios de serviços (edifícios ou fracções não residenciais com mais de 1000m 2 ), mas também nas pequenas fracções de serviços com climatização (fracções ou edifícios não residenciais com climatização de potência térmica superior a 25 kw). Estas duas vertentes são distintas mas são necessárias em simultâneo quase sempre, pelo que é interessante que o Perito reúna as duas vertentes. O PQ RSECE-QAI actua individualmente apenas no âmbito das auditorias periódicas da Qualidade do Ar Interior nos grandes edifícios de serviços em funcionamento, não coincidentes com as auditorias energéticas. Apenas arquitectos, engenheiros ou engenheiros técnicos inscritos nas respectivas associações profissionais (Ordem dos Arquitectos, Ordem dos Engenheiros e Associação Nacional de Engenheiros Técnicos) poderão ser responsáveis pelos processos RCCTE ou RSECE, conforme aplicável, dependendo apenas do reconhecimento explícito dessa competência pela respectiva associação profissional. Os peritos qualificados são os profissionais, de entre estes, que detenham pelo menos cinco anos de formação, realizem com sucesso um processo de formação constituído pelos módulos técnicos RCCTE, RSECE-E ou RSECE-QAI ministrados por instituições com os respectivos cursos homologados por uma comissão tripartida e pelos cursos Certificação RCCTE ou Certificação 1
RSECE ministrado sob a responsabilidade da ADENE. Com a aprovação nestes cursos o candidato solicita à respectiva associação profissional que o reconheça como Perito Qualificado na vertente ou vertentes que estiverem em causa. No portal do Sistema de Certificação Energética em www.adene.pt/adene/canais/subportais/sce/ poder-se-ão encontrar os contactos dos peritos qualificados existentes nas várias vertentes e por concelho, as fracções já certificadas, a legislação, normas e respostas a perguntas frequentes, bem como listagem das instituições com cursos homologados. Ainda que os Peritos Qualificados possam actuar no âmbito de empresas, a responsabilidade é sempre individual. Os Peritos Qualificados são os únicos responsáveis pela condução do processo de certificação dos edifícios, sendo os agentes que, no terreno, asseguram a operacionalidade do SCE, tendo como principais responsabilidades: Verificar da correcta aplicação dos regulamentos técnicos (RCCTE e RSECE); Avaliar o desempenho energético e da qualidade do ar interior; Propor, quando aplicável, medidas de melhoria na sequência das avaliações de desempenho que realizou; Emitir e registar as declarações e/ou certificados que atestem a conformidade regulamentar do edifício e o desempenho energético e da QAI do mesmo, juntamente com eventuais medidas de melhoria propostas; Verificação ou realização das inspecções periódicas a caldeiras e a sistemas e equipamentos de ar condicionado, nos termos do RSECE. Os Perito Qualificados poderão exercer as suas competências tanto no decurso dos procedimentos de licenciamento ou autorização de construção e de utilização, como no âmbito de auditorias periódicas previstas no RSECE, para o edifício ou suas fracções autónomas, de acordo com os pressupostos desta legislação, ou seja, é necessário garantir: a) A conformidade dos projectos com as exigências da legislação, dando origem à emissão da chamada Declaração de Conformidade Regulamentar e que permite a autorização de construção; b) A execução da obra de acordo com o projecto e com a legislação, consubstanciado no Certificado Energético e da Qualidade do Ar Interior que permite a licença de utilização; c) A garantia do funcionamento do edifício de acordo com os pressupostos da legislação patente nas auditorias periódicas ao longo da vida, validado pelos revalidação dos certificados energéticos e da QAI 2
ao longo do tempo e que permitem a comercialização dos edifícios, sendo até obrigatório nos grandes edifícios de serviços a afixação em local bem visível do certificado. Embora exista alguma falta de peritos sobretudo em algumas regiões do País, o Sistema de Certificação Energética não introduz apenas os Peritos Qualificados, mas também a necessidade de existência de Técnicos Responsáveis pelo Funcionamento (TRF) do edifício, obrigando igualmente que as operações de instalação e manutenção dos equipamentos energéticos e da qualidade do ar interior sejam executadas por técnicos devidamente credenciados (os chamados TIM e TQAI). Responsabilidade pelo Funcionamento do edifício O TRF de um edifício ou fracção de serviços é o técnico responsável pelo bom funcionamento dos sistemas energéticos de climatização e respectiva manutenção, pela qualidade do ar interior, bem como pela gestão da respectiva informação técnica. Estes técnicos necessitam de qualificações mínimas para o exercício da função. Nos edifícios de serviços com potências de climatização acima dos 100 kw, este técnico é necessariamente um engenheiro ou engenheiro técnico credenciado com curso especializado em QAI e 3 anos de experiência em manutenção de sistemas AVAC de potência similar. Por outro lado, a montagem e manutenção dos sistemas de climatização e de QAI tem de ser acompanhada por um técnico de instalação e manutenção de sistemas de climatização (TIM) um técnico QAI (TQAI). Estes técnicos necessitam de níveis de formação e experiência em função das potências em causa e terão de estar inserido em empresas com alvará apropriado registado no INCI (ex IMOPPI). Os TQAI devem satisfazer uma das seguintes condições: (a) dois anos de experiência profissional comprovada no sector e ter frequentado com aproveitamento curso complementar em QAI nível II, ou (b) aprovação em exame após análise do seu curriculum vitae. Até 100 kw, o TIM deve estar habilitado com curso de formação de Electromecânico de Refrigeração e Climatização do IEFP, nível II, ou outro equivalente reconhecido pelo SCE e com mais de dois anos de experiência profissional, ou então experiência profissional como electromecânico de refrigeração e climatização, com mais de cinco anos de prática profissional devidamente comprovada e aprovação em exame após análise do seu curriculum vitae. Esta habilitação é habitualmente referida como TIM II. Para potências superiores, exige-se curso de formação em Técnico de Refrigeração e Climatização do IEFP nível III, ou com curso equivalente aprovado pelo SCE e com mais de cinco anos de prática profissional, após aproveitamento em curso de especialização em QAI aprovado pelo SCE. Em alternativa pode ser valorizada a sua experiência profissional desde que como electromecânico de refrigeração e climatização com mais de sete anos de prática profissional devidamente comprovada, após aproveitamento em curso de especialização em QAI e 3
aprovação em exame após análise de seu curriculum vitae. Este será o caso do chamado TIM III com credenciação QAI. Os TIM III com credenciação QAI poderão ser TRF de edifícios ou fracções com potências de climatização até 100 kw. É de sublinhar, que a falta destes técnicos, mais do que peritos qualificados, constitui neste momento um verdadeiro estrangulamento à certificação dos edifícios de serviços. A formação de Peritos está relativamente disseminada pelo País, o que não acontece com a formação e reconhecimento dos TRF, TIM e TQAI. A experiência dos Peritos A experiência actual de aplicação do SCE reside essencialmente nas seguintes áreas: a) Certificação dos projectos de edifícios novos, onde se verifica um grande esforço da parte dos peritos para exigir dos projectistas a conformidade com a legislação, e em particular de uma efectiva coordenação e integração das várias especialidades. Salienta-se a falta de pormenores construtivos e a respectiva não conformidade regulamentar, onde se destacam as pontes térmicas planas (pilares, vigas e caixas de estores), a dificuldade de articulação do projecto de estruturas com as exigências térmicas e as incongruências entre as soluções regulamentares e o projecto de acústica. Nota-se igualmente que as soluções de painéis solares em edifícios de habitação multifamiliares limitam-se a cumprir com o regulamento, mas sem atender a aspectos práticos de implementação e controlo. b) A experiência no âmbito dos estudos de certificação de vários edifícios de serviços existentes tem revelado que a manutenção tende a resumir-se a procedimentos curativos (portanto, não conformes com o regulamento), que os responsáveis e técnicos de manutenção ou não existem ou não estão conformes às habilitações exigidas, tendo-se igualmente registado valores de QAI não conformes. c) Desde Janeiro de 2009 a comercialização de edifícios obriga à existência de certificados energéticos e da QAI. Depois de uns meses de Janeiro e Fevereiro em que o sistema esteve em sobrecarga, a ADENE parece ter tomado as medidas necessárias para acompanhar a procura. d) Começam agora a surgir as primeiras certificações para efeito de licença de utilização de edifícios novos já objecto de DCR. Nestes casos, esperam-se alguns problemas, muitos deles de difícil resolução face aos hábitos de alterações sucessivas dos projectos durante a construção e a ensaios de recepção pouco consistentes, sobretudo em casos que os responsáveis da obra optaram por não chamar um Perito para acompanhar a obra. Os peritos vão ter aqui um papel chave, tendo de demonstrar bom senso, mas ao mesmo tempo firmeza na exigência de cumprimento das especificações do projecto e na continuação de garantia do cumprimento do Regulamento nas alterações ao projecto licenciado para construção. Esperam-se, no entanto, problemas complicados que poderão levar à não emissão da licença de 4
utilização enquanto não forem debelados as não conformidades, mesmo que tal obrigue a actuações sobre a envolvente (correcção de pontes térmicas com colocação de melhores isolamentos), colocação de energias renováveis, recuperação de energia, sistemas de gestão técnica, etc. Espera-se dos peritos qualificados SCE e dos supervisores a idoneidade e a exigência fundamentais para que este processo seja efectivamente um marco credível na qualidade da utilização da energia e do ar interior nos edifícios, garantindo-se conforto, eficiência e substituição das energias convencionais por energias renováveis. Os baixos preços praticados por alguns peritos e sobretudo por algumas empresas que têm de necessariamente de recorrer a peritos constituem uma preocupação. Será um sinal importante para os bons profissionais verificar que a ADENE terá coragem de fiscalizar essas peritagens e demonstrar que os procedimentos que a ADENE defende não são compatíveis com alguns preços que se vêm por aí. João Francisco Fernandes joao.francisco@estsetubal.ips.pt Engenheiro Mecânico, Perito RCCTE, RSECE-E e RSECE-QAI, Coordenador dos Cursos de Formação de Peritos Qualificados na ESTSetúbal/IPS. 5