A EXPANSÃO DA INFRAESTRUTURA EM PAISES EM DESENVOLVIMENTO E OS DESAFIOS BRASILEIROS PARA O CONTROLE SOCIAL E A PROTEÇAO AMBIENTAL

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Transcrição:

A EXPANSÃO DA INFRAESTRUTURA EM PAISES EM DESENVOLVIMENTO E OS DESAFIOS BRASILEIROS PARA O CONTROLE SOCIAL E A PROTEÇAO AMBIENTAL Nelson Novaes Pedroso Jr, Flavia Scabin e André de Castro dos Santos Um dos principais entraves para o crescimento econômico em países em desenvolvimento tem sido atribuído à infraestrutura deficiente que possuem, principalmente daquela relacionada à geração e distribuição de energia; reserva, tratamento e distribuição de água; coleta de esgoto; e logística, o que inclui rodovias, ferrovias, hidrovias, portos e aeroportos. O que, por um lado, justifica os grandes investimentos que vêm sendo realizados em infraestrutura nesses países nos últimos anos; evidencia, por outro, o desafio de conciliar esse processo com a proteção ambiental e a garantia dos direitos das comunidades locais nos territórios impactados por grandes obras. Normas e instrumentos nacionais de controle social e ambiental foram e têm sido criados, nesse sentido, para viabilizar o planejamento, a implantação e a operação de projetos de infraestrutura mediante medidas de prevenção, mitigação e compensação de impactos sociais e ambientais. No entanto, são inúmeros os impactos ambientais e sociais e os casos de violações aos direitos humanos nos territórios afetados por esses projetos. Esse cenário, que é comum a diversos países em desenvolvimento, evidencia não apenas a baixa efetividade das normas e instrumentos de controle social e ambiental como a necessidade de identificar os desafios para que sejam superados, encejando a oportunidade de uma agenda comum de pesquisa e discussão. Com o objetivo de incitar esse debate, o caso do Brasil é apresentado nesse artigo, dentro de um contexto global, a partir de entrevistas e survey que foram realizados com os diferentes atores envolvidos com obras de infraestrutura e que expõe os gargalos e desafios para o campo. EXPANSÃO DA INFRAESTRUTURA EM PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO Um dos principais gargalos do crescimento econômico em países em desenvolvimento tem sido atribuído à infraestrutura deficiente, o que explica os grandes investimentos em infraestrutura que os governos e empresas desses países têm realizado. Segundo dados disponibilizados pelo Banco Mundial, em 2016, os países que mais investiram em infraestrutura de transporte com participação privada foram Colômbia, ìndia, Turquia, Brasil, Irã, Panamá, México, Gabão, Filipinas e Vietnã (Banco Mundial, 2017a). Considerando apenas os países da América Latina e Caribe, somente o setor privado foi responsável por investimentos na ordem de 195 milhões de dólares no setor de telecomunicações entre 2005 e 2015, enquanto que entre 2005 e 2016 foram investidos 120 milhões de dólares no setor de energia e 180 milhões de dólares no setor de transporte (Banco Mundial, 2017b). O Brasil, além dos investimentos privados, foi palco entre os anos de 2003 e 2014 de um massivo investimento estatal, por meio do Banco Nacional do Desenvolvimento Social e Econômico (BNDES), com expressiva redução desses investimentos a partir de 2015. Apesar dessa redução no desembolso do BNDES, as áreas referentes à infraestrutura em especial as relacionadas à transporte e produção de energia continuam entre as prioridades de investimento do Estado. A evolução do investimento estatal por meio do BNDES pode ser observada no gráfico abaixo. Na sequência, os Gráficos 01 e 02 apresentam a variação da participação das principais atividades relacionadas a infraestrutura no total de financiamentos anuais entre 2006 e 2016.

Gráfico 01. Evolução dos desembolsos do BNDES. Fonte: sítio eletrônico do BNDES. Disponível em < http://migre.me/wyskz > Gráfico 02. Evolução da porcentagem de desembolso anual do BNDES por atividade. Fonte: elaborado pelos autores a partir de dados disponíveis no sítio eletrônico do BNDES Além dos financiamentos via BNDES, o governo federal realizou amplos investimentos na área de infraestrutura logística, energética e social-urbana, por meio de seu Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), instituído em 2007, durante o mandato do presidente Lula. De acordo com dados oficiais, entre 2007 e 2010 foi realizado, no âmbito deste programa, um investimento na ordem de 600 bilhões de reais em que estavam previstas intervenções como a construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau e Belo Monte, das eclusas de Tucuruí, de 10 terminais hidroviários no Amazonas, de cerca de 6 mil quilômetros de rodovias, de 900 quilômetros de ferrovias, de 3.700 quilômetros de gasodutos e de 12 campos de extração de petróleo, bem como da operação de 12 plataformas de extração (Brasil, 2010). Já no mandato da presidenta Dilma Rousseff, foi inaugurada a segunda fase do programa, intitulada PAC 2. Segundo dados oficiais, entre 2011 e 2014 foram investidos cerca de 800 bilhões de reais em obras (Brasil, 2014). O referido relatório afirma ainda que o programa promoveu a entrada de 15.908 megawatts (MW) no parque gerador brasileiro, com o início da operação das Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, em Rondônia; além disso, foram concluídos 28 Capítulo Global Law pág.: 2

empreendimentos de exploração e produção de petróleo. O documento afirma ainda que o PAC2 concluiu obras em mais de 5.100 km de rodovias, mais de 1.000 km de ferrovias e 30 empreendimentos em portos brasileiros e 37 aeroportos. Ademais, com investimentos de R$ 11,5 bilhões, 1.601 empreendimentos de saneamento foram concluídos por todo o país. Se tomarmos o setor de transporte como exemplo, é possível identificar o protagonismo do modal rodoviário na matriz brasileira. De acordo com a CNT (2016), a ampliação da malha rodoviária e a manutenção da já existente representaram 63,01% do total de investimentos realizados em transporte entre 2010 e 2015. Ainda assim, a densidade da malha rodoviária pavimentada do Brasil, assim como de outros países em desenvolvimento, é pequena se tomarmos como base de comparação os Estados Unidos (CNT, 2016). A exemplo, o Brasil possui uma densidade de aproximadamente 25 Km de rodovias pavimentadas para cada 1000 Km de área territorial, número semelhante à Argentina; enquanto a densidade da Rússia é de 54,3, da China país que mais cresceu economicamente na última década é de 359,9 e nos Estados Unidos é de 438,1. Se por um lado há uma grande demanda por aumento da infraestrutura de transporte no Brasil, há também uma importante necessidade de aprimorar a malha rodoviária já existente. Em 2016, a malha rodoviária brasileira era de 1.720.756 Km, sendo apenas 12% pavimentada (CNT, 2016). É importante salientar, todavia, que o desenvolvimento de infraestrutura de transportes pode causar diversos impactos socioambientais. Clements (2013) aponta diversos impactos socioambientais decorrentes da construção de rodovias no sudeste asiático e cita outros estudos que identificaram a mesma questão na Amazônia (Laurence et al, 2001) e na África Central (Laurence et al 2006, 2007; Blake et al, 2008). Outro exemplo pode ser o do setor de energia, que no Brasil caracteriza-de pela predominância da matriz hidrelétrica. Essa característica se assemelha a de diversos países do mundo. De acordo com a Comissão Mundial de Barragens, entre a década de 1950 e 1990, foram construídas mais de 45 mil grandes barragens no mundo, de modo que cerca de metade dos rios no mundo hospedam ao menos um desses empreendimentos (WCD, 2000). A construção de barragens para o desenvolvimento de infraestrutura hidrelétrica, como também de reserva de água e irrigação, tem sido uma das principais causas de violação dos direitos humanos, principalmente em países em desenvolvimento como o Brasil. Segundo levantamento realizado pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, por meio da Comissão Especial Atingidos por Barragens, o qual considerou o processo de implantação e operação de 8 projetos hidrelétricos no país entre 2006 e 2010, são 16 as violações que são recorrentemente encontradas nesses contextos. Entre essas violações estão violações a informac a o e a participac a o; ao direito a moradia adequada; a um ambiente sauda vel e a sau de; a melhoria conti nua das condic o es de vida; a plena reparac a o das perdas; aos direitos a informac a o e a justa negociac a o, ao direito de ir e vir; a manutenc a o das pra ticas e aos modos de vida tradicionais, assim como ao acesso e preservac a o de bens culturais, materiais e imateriais; ao acesso a justic a e a razoa vel durac a o do processo judicial; a reparac a o por perdas passadas; ao direito de protec a o a fami lia e a lac os de solidariedade social ou comunita ria (CDDPH, 2010). Esses resultados foram confirmados por pesquisas recentes, que mostram que de lá para cá a situação não se alterou. Embora este tipo de investimento traga benefícios em longo prazo, deve haver um sopesamento entre estes e os impactos socioambientais causados, em geral suportados de maneira injusta e desproporcional pela população que habita o local de implantação dos empreendimentos. Intervenções em águas fluviais foram responsáveis pela fragmentação e transformação de diversos rios ao redor do mundo, forçando o deslocamento de cerca de 80 milhões de pessoas (WDC, 2000) e afetando, de forma negativa, um conjunto de cerca de 470 milhões de indivíduos, em diversos países. Ademais, deve-se considerar que obras como essa alteram o regime hidrológico, causando uma série de impactos na produção pesqueira, nos escossistemas aquáticos e nos serviços ambientais prestados como um todo (Richter et al, 2010). Capítulo Global Law pág.: 3

Esses exemplos mostram o desafio atual em conciliar a expansão da infraestrutura com a proteção ambiental e a garantia dos direitos das comunidades locais nos territórios impactados por grandes obras. Normas e instrumentos nacionais de controle social e ambiental foram e têm sido criados, nesse sentido, para viabilizar o planejamento, a implantação e a operação de projetos de infraestrutura mediante medidas de prevenção, mitigação e compensação de impactos sociais e ambientais. A ocorrência de tantos impactos sociais e ambientais e violações aos direitos das comunidades locais tem evidenciado a baixa efetividade das normas e instrumentos de controle social e ambiental criados por esses países. No Brasil, por exemplo, esse conflito entre desenvolvimento e direitos socioambientais é notável também a partir da constatação de que diversas ações judiciais têm sido propostas contra a construção de grandes empreendimentos. Nos casos da construção das usinas de Belo Monte, Jirau e Santo Antônio, por exemplo, foram propostas mais de 40 ações civis públicas, sem considerar as centenas de ações individuais apresentadas contra cada um dos casos. Grande parte das ações civis públicas trata de impactos desses projetos à população local e questiona a ausência de escuta prévia àqueles que sofrerão impactos e sobre o cumprimento de condicionantes do licenciamento ambiental cuja observação mitigaria e compensaria estes impactos negativos (Scabin et al, 2014). Isso apesar da previsão de um procedimento de licenciamento ambiental que não só estabelece a obrigatoriedade de que esses projetos sejam precedidos de avaliação de impacto e da negociação de condições que garantam a prevenção e itigação de impactos socioambientais como também prevê instrumentos de participação pública. Esse cenário, que é comum a diversos países em desenvolvimento e aos diversos setores de infraestrutura, evidencia a baixa efetividade das normas e de instrumentos de controle social e ambiental e impõe a necessidade de identificar os desafios para que sejam aprimorados, abrindo espaço para a construção de uma agenda global de pesquisa e discussão. A partir sistematização da normativa aplicável ao controle de impactos de empreendimentos no Brasil e dos resultados de entrevistas e survey realizados com os diferentes atores envolvidos com a intalação e operação de projetos de infraestrutura no país, o objetivo desse artido é iniciar esse debate, abrindo espaço para a troca de experiências que pode ser benéfica para a superação de desafios comuns. CONTROLE SOCIAL E AMBIENTAL DA EXPANSÃO DA INFRAESTUTURA NO BRASIL Nas últimas duas décadas, o Brasil viveu um período de significativo crescimento econômico associado a políticas de redução da pobreza, produção de commodities e investimento em obras de infraestrutura necessárias para suportar esse crescimento. Diferentemente do ciclo de crescimento anterior, ocorrido durante o governo militar, as grandes obras de infraestrutura do ciclo mais recente foram dessa vez submetidas a um arcabouço legal de proteção ambiental criado justamente no período entre esses dois ciclos período esse caracterizado pela redemocratização do país e estabilização da moeda. Datam da década de 1980, por exemplo, a criação da Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (IBAMA), agência governamental ligada ao Ministério do Meio Ambiente e responsável pelo monitoramento e controle do uso dos recursos naturais e o licenciamento ambiental de projetos de grande impacto, tal como a construção de usinas hidrelétricas e rodovias federais. Além disso, a evolução do direito internacional dos direitos humanos desenvolvolveu-se de maneira relevante nas últimas décadas e impôs obrigações aos Estados para que respeitem, protejam e garantam os direitos dos indivíduos expostos aos impactos de grandes projetos de infraestrutura, sejam esses impactos derivados de atos ou emissões dos agentes estatais ou de terceiros envolvidos, tais como investidores privados, empreiteiros, etc. Essas obrigações compreendem os Capítulo Global Law pág.: 4

deveres estatais de pôr em prática o quadro normativo nacional a fim de prevenir violações aos direitos humanos e prover efetiva reparação dos prejudicados pelo projeto. Isso tem sido especificado por cortes internacionais de direitos humanos, tais como os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos das Nações Unidas, ratificada por 193 países no Conselho de Direitos Humanos em junho de 2011. Neste contexto, a fim de garantir os direitos socioamentais em território nacional, foi instiruído o licenciamento ambiental, um dos um instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), previsto na Lei nº 6938, de 31 de agosto de 1981, cujo objetivo é promover o controle prévio à construção, instalação, ampliação e funcionamento de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados como efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental (Brasil, 2009) Os principais marcos normativos do licenciamento ambiental em nível federal são a Lei 6938/1981 e a Resolução CONAMA 01/1986, a qual estabelece as diretrizes gerais para elaboração do estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). No ano seguinte à CONAMA 01 foi publicada a Resolução CONAMA 09/1987, a qual dispõe sobre regras específicas para a realização das audiências públicas no processo de licenciamento ambiental, espaço de participação cuja ocorrência já havia sido prevista na Resolução CONAMA 01/1986. Vale notar que as referidas normas são anteriores à atual ordem constitucional, inaugurada com a promulgação da atualmente vigente Constituição Federal (CF), em 1988. Seguindo a tendência, a CF consolidou o papel do EIA como um dos mais importantes instrumentos de proteção ambiental, uma vez que se destina a prevenção de danos ao meio ambiente (Milaré, 2015). Já na atual ordem constitucional, foi publicada a Resolução CONAMA 237/97, a qual estabeleceu procedimentos e critérios para o licenciamento ambiental e reafirmou os princípios de descentralização presentes na Política Nacional de Meio Ambiente e na Constituição Federal de 1988. As normas citadas acima, editadas antes da promulgação da CF, em 1988, foram recepcionadas pela Carta Magna. Além disso, a temática ambiental foi materialmente consagrada e ampliada no art. 225. Ademais, a fim de organizar a divisão de competências em matéria ambiental, a CF estipulou em seu artigo 23, incisos VI e VII a competência comum entre União, Estados e Municípios e o Distrito Federal o dever de proteger o meio ambiente, combater a poluição em qualquer uma de suas formas e preservar florestas, a fauna e a flora; No mais, estipulou, em seu artigo 24, incisos VI, VII e VIII a competência concorrente entre União, Estados e o Distrito Federal de legislar sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição, proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico e responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. A regulamentação da divisão de competências em matéria ambiental foi pormenorizada com a promulgação da Lei Complementar 140/2011, alterando a Lei 6938/1981 nos dispositivos conflitantes. De acordo com o disposto nesta lei, em seu artigo 7º, inciso XIV, estabeleceu-se os tipos de empreencimentos e atividades cujo licenciamento ficaria à cargo da União, por meio do IBAMA, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento. Além disso, a referida norma garante que a competência para o licenciamento será da União quando caracterizadas situações que comprometam a continuidade e a segurança do suprimento eletroenergético, reconhecidas pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico - CMSE, ou a necessidade de sistemas de transmissão de energia elétrica associados a empreendimentos estratégicos, indicada pelo Conselho Nacional de Política Energética CNPE. Este último critério foi regulado pelo Decreto nº 8.437, de 22 de abril de 2015, segundo o qual estão sob competência da União o licenciamento de rodovias, ferrovias e hidrovias federais, atividades de mineração realizadas no ambiente marinho e em zona de transição terra-mar e sistemas de Capítulo Global Law pág.: 5

geração e transmissão de energia elétrica de usinas hidrelétricas e termelétricas com capacidade instalada igual ou superior a trezentos megawatt e usinas eólicas, no caso de empreendimentos e atividades desenvolvidos em zona de transição terra-mar. Uma característica relevante do licenciamento de empreendimentos e atividades potencialmente causadores de significativo impacto no Brasil, dos quais incluem-se as grandes obras de infraestrutura, é o seu processo trifásico, ou seja, cada empreendimento é avaliado pelo órgão licenciado em três fases sucessivas. Em cada uma das fases é concedida um tipo de licença, que permite a ação do empreendedor o qual, por sua vez, deve observar o cumprimento de determinadas condicionantes previstas na licença, que incluem medidas preventivas, mitigadoras e compensatórias. Assim, a primeira licença a ser obtida é a Licença Prévia (LP), a qual atesta a viabilidade da atividade ou do empreendimento considerando sua concepção e localização. Esta licença é concedida ou não com base, principalmente, nos estudos prévios de impacto ambiental, cuja finalidade é subsidiar a tomada de decisão do órgão licenciador sobre a viabilidade ou não do empreendimento ou atividade. Na sequência, deve ser obtida a Licença de Instalação (LI), a qual autoriza a construção e instalação da infraestrutura necessária para o empreendimento, conforme previsto no projeto apresentado ao órgão licenciador. Por fim, a Licença de Operação (LO) autoriza a operação da atividade ou do empreendimento após a verificação do cumprimento do estabelecido nas LP e LI, estabelecendo as medidas de controle ambiental e condicionantes. Todas as licenças são concedidas mencionando seus respectivos prazos de validade. A fim de garantir a observação dos direitos humanos, de maneira geral e especificamente em relação aos atingidos pelos empreendimentos licenciados, a atuação dos órgãos e entidades federais e seus respectivos procedimentos administrativos no processo de licenciamento foi estabelecido pela Portaria Interministerial nº 60/2015. Esta norma disciplina a atuação dos órgãos intervenientes no processo de licenciamento ambiental, quais sejam: Fundação Nacional do Índio- FUNAI; Fundação Cultural Palmares-FCP; Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional- IPHAN; e Ministério da Saúde nos processos de licenciamento ambiental de competência do IBAMA. Dentre as determinações desta portaria está a garantia de participação dos referidos órgãos e entidades, a fim de garantir o interesse das comunidades tradicionais as quais representam, bem como do patrimônio histórico e artístico no processo de licenciamento, tanto na fase de elaboração do Termo de Referência, quanto após a apresentação do EIA-RIMA pelo empreendedor. A partir da análise, os órgãos devem se manifestar de maneira conclusiva, apontando eventuais óbices ao prosseguimento do processo de licenciamento e indicar as medidas ou condicionantes consideradas necessárias para supera-los, tendo em vista que os apontamentos deverão guardar relação direta com os impactos identificados nos estudos apresentados pelo empreendedor, decorrentes da implantação da atividade ou procedimento e deverão ser acompanhadas de justificativa técnica. Por fim, os órgãos e entidades federais envolvidos no licenciamento ambiental deverão acompanhar a implementação das medidas e condicionantes incluídas nas licenças relacionadas às suas respectivas áreas de competência, informando ao IBAMA eventuais descumprimentos e inconformidades em relação ao estabelecido durante as análises prévias à concessão de cada licença. Não obstante, a participação pública também é prevista no processo de licenciamento ambiental, principalmente por meio da realização de audiência pública, prevista na Resolução CONAMA nº 1/86 e regulada pela Resolução CONAMA 09/1987. De acordo com esta resolução, a audiência pública tem por finalidade expor aos interessados o conteúdo do produto em análise e do seu referido RIMA, dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes as críticas e sugestões a respeito. Dessa forma, possui a função de subsidiar o órgão licenciador no processo de tomada de decisão acerca da viabilidade da atividade ou empreendimento. A Resolução CONAMA 09/1987 determina Capítulo Global Law pág.: 6

expressamente que as atas das audiências públicas e seus anexos sejam analisados em conjunto com o RIMA para sustentar o parecer final do agente licenciador quanto à aprovação ou não do projeto. Como apresentado, o licenciamento ambiental brasileiro configura-se como um dos principais instrumentos de gestão socioambiental e garantia da qualidade do meio ambiente. No entanto, a aplicação das normas existentes apresenta uma série de deficiências, desde aquelas que são resultados de lacunas ou conflitos normativos até aquelas derivadas da aplicação da norma pelos órgãos licenciadores e por todos os atores envolvidos, incluindo empreendedores e sociedade civil. Nesse sentido, uma pesquisa do Banco Mundial (2008) indicou que o licenciamento ambiental tem sido percebido como um obstáculo ao desenvolvimento das atividades econômicas em função dos entraves e da morosidade dos processos relacionados. Parte dessa morosidade decorre da judicialização do licenciamento, que, independente da motivação, evidencia possíveis limitações do processo em controlar impactos ambientais, com falhas no atendimento às condicionantes estabelecidas pelo órgão ambiental licenciador e falta de participação pública efetiva daqueles que sofrerão tais impactos. Essas limitações na efetividade do licenciamento enquanto garantidor do desenvolvimento sustentável são ainda maiores para os grandes projetos de infraestrutura no Brasil. Casos de impactos ambientais decorrentes desses megaprojetos não têm sido raros, afetando diretamente comunidades locais, incluindo populações tradicionais e indígenas (FEARNSIDE, 1989; 2001; TEIXEIRA et al, 2012). Neste sentido, cabe salientar que na ausência de um quadro normativo específico que regule os pré-requisitos para direitos humanos e sociais, é no licenciamento ambiental que a cobertura de muitos dos aspectos jurídicos e socioeconômicos relacionados à proteção das populações locais tem ocorrido. Por conta disso, dentre outros fatores, o cumprimento das obrigações relacionadas aos impactos sociais é um dos principais desafios por diferentes razões, que incluem a falta de capacidade técnica dos órgãos licenciadores para lidar com a dimensão humana e a ausência de diagnósticos capazes de garantir a proteção dos direitos das populações impactadas (Scabin et al, 2014). Por isso, a responsabilidade do IBAMA pela prevenção, mitigação e compensação dos impactos sociais é complementada pela atuação da FUNAI, encarregada pela proteção dos direitos indígenas e da Fundação Palmares, voltada às populações quilombolas, ambas com o dever de intervir em qualquer processo de licenciamento ambiental que afete comunidades ou territórios indígenas e quilombolas. Apesar desse suprimento, evidências mostram que muitos casos de grandes projetos de infraestrutura causaram impactos adversos nas comunidades locais. Em um estudo realizado pelo Comitê Especial do Conselho para da Defesa da Pessoa Humana entre 2006 e 2010, e que considerou a instalação e operação de 8 empreendimentos hidrelétricos no Brasil, foram evidenciadas 16 violações recorrentemente presentes nos projetos considerados. Dentre essas violações estão a falta de participação da população afetada pelo projeto, o desrespeito aos direitos culturais dos indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais, a omissão sobre necessidades particulares dos grupos socialmente vulneráveis, tais como idosos e crianças, além de inadequadas condições de trabalho. Levantamentos recentes realizados pelo Movimento dos Atingidos por Barragens mostram que de lá para cá o cenário não se alterou, ao contrário, o nível de judicialização a que se subetem esses empreendimentos é cada vez maior (SCABIN et al, 2014), denotando um cenário cada vez mais acirrado de conflitos socioambientais decorrentes desses empreendimentos. O exposto permite aferir que o processo de licenciamento ambiental tal como ocorre atualmente não tem conseguido promover a contento seus dois preceitos fundamentais: o desenvolvimento e a sustentabilidade socioambiental. Diante disso, essencial se faz a compreensão de quais são os Capítulo Global Law pág.: 7

gargalos e desafios, bem como a realização de uma análise propositiva sobre eles a fim de superálos. DESAFIOS PARA O PLANEJAMENTO, INSTALAÇÃO E OPERAÇÃO DE OBRAS DE INFRAESTUTURA NO BRASIL Considerando o contexto apresentado, são colocados a seguir os principais desafios do licenciamento como instrumento de controle ambiental voltado ao planejamento, instalação e operação de obras de infraetutura no Brasil, os quais podem apontar caminhos para o aprimoramento desse instrumento. Esse esforço é resultado de dados levantados pelos autores e colaboradores por meio de entrevistas 1 e survey 2 realizados com representantes de empresas, da sociedade civil, da academia e do poder público, incluindo membros dos órgãos ambientais, relacionados de alguma forma com o licenciamento ambiental. O objetivo desse estudo foi o de identificar, junto aos stakeholders relacionados com o licenciamento, quais os principais desafios atuais do licenciamento ambiental de grandes obras no Brasil e quais as alternativas para superálos visando ao aprimoramento do sistema. Esses resultados foram sistematizados e organizados em torno dos desafios que precisam ser superados a fim da promoção da conciliação entre a proteção socioambiental e o crescimento econômico. Alguns desses desafios são internos ao licenciamento ambiental, mas outros são mais abrangentes e dizem respeito ao planejamento desses empreendimentos e à sua judicialização. De forma mais abrangente, os desafios internos do licenciamento parecem estar mais ligados a dois fatores, ao procedimento do licenciamento, regulado por normas, e à capacidade técnica e operacional dos órgãos voltados à sua aplicação. Por outro lado, os desafios externos ao licenciamento dizem respeito aos fatores causais que acabam interferindo na sua efetividade e à judicialização, essa entendida como consequência de falhas na aplicação do licenciamento oriundas dos fatores mencionados, sejam internos ou externos. Desafios externos ao licenciamento Segundo apontaram os respoindentes das entrevistas e do survey realizados, dentre os fatores externos que mais interferem negativamente nos processos de licenciamento estão: i) a falta de planejamento prévio; ii) o excesso de políticas públicas e de atribuições deslocadas para o licenciamento; iii) as falhas na elaboração de projetos; iv) a interferência política nos processos decisórios; e v) a judicialização do licenciamento. i) Falta de planejamento prévio A falta de planejamento prévio necessário para o direcionamento de projetos em infraestrutura é um dos desafios mais recorrentes nas entrevistas 49 realizadas. No survey, isso fica bastante evidente, uma vez que para os respondentes o principal problema político e estratégico relacionado ao licenciamento ambiental é a falta de avaliação ambiental estratégica 3, que faz com que todo o planejamento ambiental seja transferido para a etapa de licenciamento ambiental. De fato, 31,6% dos respondentes indicou pensar desta forma (Tabela 01), Tabela 01. Principais problemas políticos e estratégicos que interferem nos processos de licenciamento ambiental no Brasil, segundo respondentes do survey. 1 Foram realizadas 49 entrevistas semiestruturadas entre os meses de setembro de 2013 e abril de 2014. 2 Foram respondidos 199 questionários por meio de survey online disponibilizado para representantes de órgãos públicos, universidades, empresas, ONGs, escritórios de advocacia e de consultoria ambiental. 3 Avaliação ambiental estratégica compreende estudos e análises ambientais de planos, programas e políticas governamentais previamente ao licenciamento ambiental dos projetos que derivam desses Capítulo Global Law pág.: 8

Principais desafios apontados Falta de avaliação ambiental estratégica prévia, o que acaba transferindo todo o planejamento ambiental para o licenciamento As decisões são mais políticas do que técnicas. Falta de autonomia dos órgãos licenciadores, ainda muito sujeitos às interferências políticas Espaço discricionário concedido aos órgãos e agentes responsáveis pelo licenciamento ainda não alcançou adequado equilíbrio Falta de apoio político e financeiro para os órgãos ambientais da maioria dos estados, o que resukta em baixa capacidade de gestão e de retenção de quadros % de respondentes Outros 5,3 Nas entrevistas, um apontamento recorrente foi a percepção de que como não há uma discussão sistêmica ou estratégica sobre a conciliação entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental, este debate acaba ocorrendo no licenciamento ambiental de um empreendimento específico, que não é adequado para uma discussão desta natureza. Os entrevistados citaram inúmeros instrumentos que poderiam ser utilizados de forma coordenada com o licenciamento, aprimorando assim a qualidade da gestão ambiental, tais quais a avaliação ambiental estratégica; os zoneamentos ecológicos, de uso do solo, da atividade econômica; a avaliação ambiental integrada, entre outros. Por outro lado, além da ausência de planejamento estratégico que considere o meio ambiente nas alternativas de projetos em cada setor, em etapa anterior ao licenciamento ambiental, um segundo apontamento diz respeito à ausência de articulação do licenciamento com instrumentos de planejamento setoriais e urbanos, por exemplo. Para os entrevistados, o sistema de licenças considera os empreendimentos de uma forma imediatista e individualizada, e não em conformidade com planos territoriais ou setoriais (como ZEE e planos de bacias). Nesse sentido, uma outra consequência da ausência de articulação com instrumentos de planejamento é a desconsideração de impactos cumulativos, conforme se abordará no item sobre Estudo de Impacto Ambiental. 31,6 27,5 25,1 10,5 ii) Excesso de políticas públicas e de atribuições deslocadas para o licenciamento Se a falta de planejamento prévio acaba deslocando para o licenciamento decisões estratégicas que deveriam ter sido tomadas antes - já que esse é um instrumento voltado para melhorar projetos e não para planos e programas que os originaram - outras demandas oriundas de políticas públicas diversas e atribuições do poder público são atreladas ao processo de licenciamento. Dessa forma, a inclusão de aspectos que escapam do escopo do licenciamento acaba por extrapolar a sua função principal, sobrecarregando os processos. Muitas políticas ambientais, segundo alguns entrevistados, são atreladas aos processos de licenciamento como forma de garantir que sejam aplicadas, o que em tese deveria acontecer independente do licenciamento. Se falta planejamento prévio, falta também por parte do poder público o estabelecimento efetivo de políticas, de infraestrutura e de outras atribuições, que não raro acabam por ser atribuídos às obrigações do empreendedor. Alguns apontaram, inclusive, que muitas políticas ambientais não são integralmente incluídas nos orçamentos dos governos e acabam recaindo nos processos de licenciamento. Para dar um exemplo, em regiões em que a presença do Estado é mais ausente, como na Amazônica, não é raro que as condicionantes a autorizarem a instalação de empreendimento prevejam ações que guardem pouca relação com os impactos gerados, como a construção de rede de esgoto e saneamento. A consequência muitas vezes é o travamento do projeto e não a solução das questões políticas. Muitos entrevistados do setor privado, principalmente, alegam que o empreendedor não pode ficar responsável por solucionar as omissões do Estado na região de implantação do empreendimento. Capítulo Global Law pág.: 9

Essa discussão, no entanto, é controversa e demanda debate mais amplo, principalmente em relação ao escopo e aos limites da responsabilidade do empreendedor com o desenvolvimento local do território impactado pelo empreendimento. iii) Falhas nos projetos Embora mencionado por poucos entrevistados, a qualidade dos projetos submetidos ao licenciamento não pode ser desconsiderada. Muitos problemas atribuídos ao processo do licenciamento, principalmente a demora para emissão de licenças, podem muitas vezes ser consequência de projetos ruins, mal planejados, do que propriamente do instrumento em si. iv) Interferência política nos processos decisórios Ainda que o licenciamento ambiental se configure como um instrumento da política ambiental essencialmente técnico, é recorrente entre os entrevistados atribuir como um dos principais desafios do licenciamento ambiental o excesso de interferência política nos processos decisórios. Em escala de importância (sendo 1 o que mais apresenta problemas e 5 o que menos os apresenta), a interfetência política foi mencionada no survey como um dos dois principais problemas do licenciamento por mais da metade dos respondentes, em proporção um pouco inferior à capacidade institucional dos órgãos licenciadores e intervenientes, o principal problema do licenciamento segundo a maioria dos respondentes (Gráfico 03). Componente normativo: ordenamento jurídico do licenciamento 32 51 Componente institucional: atuação dos órgãos licenciadores e intervenientes 57 27 Componente técnico: elaboração e avaliação dos estudos de impacto ambiental 25 46 1 e 2 3 Componente de controle e fiscalizatório: ações civis públicas e recursos administrativos 33 42 4 e 5 Componente político-estratégico: interferência política e de demais estratégias de planejamento territorial e de desenvolvimento 54 34 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% Mais Problemas 1; 2 3 4; 5 Menos Poblemas Gráfico 03. Porcentagem de respondentes (%) do survey que apontaram dado componente como pertencente a uma das posições dentro de uma escala de importância que representa aquele que mais apresenta problemas no licenciamento (valor 1) até o que menos apresenta problema (valor 5). A interferência política, naturalmente, não se limita a uma fonte, origem e formato padrão, mas a uma miríade de atores, momentos e formas de ocorrência. No início do processo de licenciamento ambiental, segundo entrevistados, essa interferência pode ser identificada quando todo o planejamento governamental ou concepção do projeto já foi concluído, ou seja, em um momento em que a inviabilização de um empreendimento ou a alteração de sua localização ficam muito difíceis de serem discutidos. O licenciamento acaba, muitas vezes, não cumprindo seu papel, tornando-se um mero instrumento de homologação de decisões previamente tomadas. Ao longo do processo, é quase impossível para o órgão licenciador negar, em alguns casos em que os interesses políticos são grandes, a viabilidade de um empreendimento mesmo quando é Capítulo Global Law pág.: 10

ambientalmente desfavorável. O argumento da garantia da ordem e do desenvolvimento muitas vezes é usado para justificar projetos de alto impacto ambiental. Alem disso, pressões externas por prazos mais céleres são constantemente lembradas pelos entrevistados. Situações como essa acabam evidenciando a falta de autonomia dos órgãos licenciadores, ainda muito sujeitos às interferências políticas. Segundo parte dos entrevistados, estão mais sujeitos à interferência política os projetos estratégicos em que o governo esteja representado não apenas por meio do órgão licenciador como também no papel de empreendedor. Em nível local, a atuação das prefeituras municipais, embora seja um ponto positivo, acabam muitas vezes gerando barganhas políticas que não cabem no licenciamento. Além disso, disputas políticas de poder entre os três níveis federativos sobre os processos de licenciamento acabam por impactá-los negativamente. v) Judicialização do licenciamento Frente a baixa efetividade do licenciamento em garantir a proteção do meio ambiente e dos direitos das populações impactadas, cada vez mais as discussões envolvendo grandes empreendimentos e suas relações com o desenvolvimento local têm sido levadas ao Poder Judiciário, fazendo com que este se debruce sobre a avaliação de impactos ambientais e sociais e as medidas de mitigação e compensação decididas no contexto do licenciamento ambiental desses projetos. Nesse sentido, o Ministério Público tem desempenhado um papel ativo por meio de recomendações ao órgão licenciador e da propositura de ações judiciais. Apesar de todos os aspectos positivos da judicialização, muitos entrevistados mencionaram o excesso de judicialização do licenciamento como um problema por aumentar a insegurança jurídica e os prazos dos processos. Mais especificamente, a atuação excessiva do Ministério Pública é vista como o principal desafio. Quando estimulados a apontar a principal razão para a judicialização do licenciamento, quase um terço dos respondentes do survey (31,8%) apontaram os excessos na atuação do Ministério Público (Tabela 02). Tabela 02. Principais fatores responsáveis pelo excesso de judicialização nos processos de licenciamento ambiental de grandes obras, segundo respondentes do survey. Principais fatores responsáveis pela judicialização % dos respondentes Excessos na atuação do Ministério Público 31,8% Descumprimento na implementação dos PBA e atendomento às condicionantes 23,5 Estudos ambientais incompletos ou mal elaborados 23,5 Falta de transparência e de participação pública 8,8 Outro 12,4 Não obstante, foi mencionado nas entrevistas a insegurança causada pla análise posterior do Ministério Público de licenças que já foram emitidas, questionando a legitimidade do próprio corpo técnico e diretivo do órgão licenciador. O resultado desta situação de insegurança jurídica ocasiona postura defensiva de técnicos e dirigentes dos órgãos ambientais, os quais acabam postergando os procedimentos e exigindo, cada vez mais, complementações e exigências desarrazoadas, como reflexo do temor de serem processados e, inclusive, sofrerem processos de ordem criminal mesmo quando adotam conclusões respaldadas pela boa-fé funcional. Desafios internos do licenciamento - Gerais A avaliação de impacto realizada pelos órgãos ambientais compreende um conjunto de fases, desde a triagem de projetos pelo órgão ambiental; a definição de escopo dos estudos de impacto ambiental, à avalição de impacto ambiental e ao monitoramento. Os desafios internos ao Capítulo Global Law pág.: 11

licenciamento apurados pelas entrevistas e pelo survey, foram organizados em cada uma dessas fases. Algumas questões são transversais, como a participação por exemplo, e exercem influência em mais de uma fase. De todo modo, os desafios estão relacionados basicamente às normas que estabelecem os procedimentos e à performance dos atores envolvidos, o que envolve desde a capacidade institucional e técnica dos órgãos licenciadores e intervenientes até a participação dos empreendedores e da sociedade civil ao longo dos processos de licenciamento. Ambas as normas e a aplicação dessas permeiam cada uma das fases do licenciamento, como também de forma geral ligada a todo o processo. i) Desafios regulatórios A regulação do licenciamento foi dos aspectos menos citados pelos entrevistados como responsável pelos seus probremas. Existe uma percepção mais recorrente de que o problema está mais na aplicação da norma do que nela em si. Mesmo quando provocados para apontar os principais problemas na regulação do licenciamento, a grande maioria dos respondentes do survey (61,8%) acha que o que mais atrapalha são as normas externas que são deslocadas para o licenciamento, causando sobreposições e conflitos jurídicos ou simplesmente tornando mais difícil e confusa a aplicação das normas (Tabela 03). Tabela 03. Principais problemas relacionados legais do licenciamento ambiental de grandes obras, segundo respondentes do survey. Principais problemas legais do licenciamento % dos respondentes O problema não está na regulação do licenciamento, mas na sobreposição ou interferência de normas externas a ele que são inseridas nos processos Falhas na regulação específica do licenciamento (Lei 6.938/81, Resoluções CONAMA 01/86, 09/87 e 237/97, LC 140/11) 61,8% Não tem problema, o regime jurídico do licenciamento é bem estruturado 11,8 Outro 11,8 Em relação à regulação do licenciamento, os problemas mais apontados pelos entrevistados foram a falta de clareza das normas e os conflitos de competência. Esse último, por estar mais atrelado a uma fase do licenciamento, será tratado mais adiante no item referente a análise de competência. Segundo Silva e Cappelli (2016), a própria característica da legislação ambiental é excessivamente conceitual e principiológica, carente de regras que determinem ac o es ou abstenc o es; além de repleta de conceitos juri dicos indeterminados, o que acaba por resultar em discussões acerca da natureza jurídica das licenças e do grau de discricionariedade dos órgãos ambientais. De acordo com os autores, outros aspectos relacionados à regulação do licenciamento que damandam maior clareza dizem respeito (i) os critérios para a repartição de competências na LC 140/2011, (ii) o relacionamento com outorgas setoriais, (iii) a intervenção dos demais entes federativos e dos órgãos não integrantes do Sisnama, (d) o elenco dos casos de obrigatoriedade do EIA/Rima, (iv) o acesso à informação, a participação e controle sociais. Essas críticas corroboram um dos principais problemas gerais do licenciamento identificado pelos entrevistados, a falta de clareza em relação ao procedimento como um todo. Falta clareza, assim, sobre o papel de cada ator social no licenciamento ambiental bem como sobre o que determina a lei e o que esperam os órgãos reguladores/licenciadores. Além disso, outros temas foram citados como pouco claros, tais como a definição de critérios para a elaboração dos estudos ambientais, a avaliação de impactos e o estabelecimento de medidas mitigadoras e compensatórias. Em especial, mencionou-se as expectativas criadas pelo sistema normativo ao definir o conceito de significativo impacto ambiental. Os desafios levantados nas entrevistas corroboram os achados de documentos elaborados pela CNI (2013) e ABEMA (2013), em que ambos identificaram como um dos principais problemas do licenciamento ambiental brasileiro a ausência de regras gerais e a falta de clareza e imprecisão na 14,5 Capítulo Global Law pág.: 12

regulamentação. Mencionam como problemas relacionados à regulação do licenciamento, ainda, a definição das tipologias de atividades e empreendimentos sujeitos ao licenciamento ambiental; a definição de responsabilidades dos envolvidos; a manifestação dos interessados no licenciamento ambiental; o prazo para manifestação; a definição dos itens que podem ser incluídos no cálculo da taxa de licenciamento ambiental e o alto grau de discricionariedade dos analistas e dos gestores. Nesse sentido, alguns entrevistados reforçaram que o espaço discricionário concedido aos órgãos e agentes responsáveis pelo licenciamento ainda não alcançou adequado equilíbrio, propiciando espaço para interferências políticas e decisões arbitrárias, bem como dificultando as ações de controle administrativo e judicial. Sendo assim, pode-se dizer que as análises de percepção, de modo geral, enfatizam o alto grau de incerteza a respeito dos critérios a serem aplicados ao procedimento de licenciamento ambiental. ii) Desafios na aplicação das normas ii.1) Órgãos licenciadores e intervenientes A atuação dos órgãos ambientais licenciadores, mas também dos intervenientes, está entre os fatores mais apontados como principal problema do licenciamento ambiental. A principal razão é a fragilidade institucional dos ógaos ambientais, tanto em termos da qualidade e quantidade dos técnicos como de infraestrutura e orçamento. Além disso, existem problemas de coordenação entre órgãos ambientais federal, estadual e municipal como também de coordenação interorganizacional. Os respondentes do survey indicaram a percepção de que os órgãos ambientais não possuem estrutura adequada para atender adequadamente às demandas do licenciamento ambiental. Neste sentido, 44% dos respondentes apontou como principal problema institucional do licenciamento a falta de estrutura e capacitação técnica dos órgãos ambientais. Apenas 1,6% dos respondentes indicou considerar que os órgãos estão bem estruturados e com quadro técnico qualificado. Tabela 04. Principais problemas institucionais do licenciamento ambiental de grandes obras, segundo respondentes do survey. Principais problemas institucionais do licenciamento % dos respondentes Falta de estrutura e capacitação técnica dos órgãos ambientais licenciadores 44,1% Atuação exagerada, discricionária e política dos órgãos intervenientes 14,9 Falta de estrutura e capacitação técnica dos órgãos intervenientes 14,4 Atuação exagerada, discricionária e política dos órgãos ambientais licenciadores 13,8 Não tem problema, os órgãos ambientais e intervenientes estão bem estruturados e possuem quadro técnico qualificado Outro 11,2 A falta de meios operacionais, incluindo recursos orçamentários, financeiros, humanos e logísticos, bem de programas permanentes de capacitação e treinamento de pessoal foram problemas mencionados também por outros estudos e documentos voltados à identificação de desafios do licenciamento ambiental, como os da ABEMA (2013) e Banco Mundial (2008). Um estudo do IPEA (2013) também ressaltou que a demanda crescente por licenças ambientais contrasta com a capacidade instalada estabilizada ou decrescente dos órgãos ambientais executores, principalmente dos estaduais. Em relação à coordenação entre os órgãos ambientais, as normas previstas na Constituição, nas leis ambientais, bem como nas resoluções do CONAMA revelam-se na prática insuficientes para disciplinar situações complexas envolvendo a atuação conjunta dos entes federativos. Isto ocorre, talvez, porque tais normas pretendem regular genericamente e transversalmente as atividades de 1,6 Capítulo Global Law pág.: 13

licenciamento ambiental, sem atender às especificidades das políticas ambientais isoladamente consideradas. Descoladas do legado individual dos diferentes tipos de danos ao meio ambiente, normas de caráter genérico-transversal que estabelecem, por exemplo, critérios geográficos para determinar quem tem competência para realizar o licenciamento ambiental, têm alcance limitado para a solução de situações concretas, tal como demonstrado no estudo do Banco Mundial sobre licenciamento de hidrelétricas (Banco Mundial, 2008). Cabe observar que um regime regulatório desprovido de regras de competência claras pode conduzir a um cenário em que a definição de como as competências devem ser repartidas acabe não sendo realizada pelo Poder Legislativo, tampouco pelo Presidente da República ou por órgãos da Administração, mas sim por atores envolvidos no enforcement da legislação ambiental, tais como membros do Ministério Público e do Poder Judiciário. Os problemas na implementação dos procedimentos de licenciamento ambiental não decorrem apenas da falta de critérios claros para orientar a coordenação entre órgãos ambientais dos três entes federativos. Problemas de coordenação interorganizacional surgem também entre órgãos administrativos do mesmo ente federativo. A esse respeito, verifica-se que as falhas no fluxo de informações entre diversas agências e órgãos governamentais constitui um problema recorrente dos procedimentos de licenciamento ambiental de projetos de infraestrutura. A esse respeito, verifica-se que as normas que disciplinam o licenciamento ambiental não possuem clareza e precisão no que diz respeito ao quando e como os diversos órgãos envolvidos no processo de licenciamento devem interagir. iii.2) Participação pública A atuação da sociedade civil, embora reconhecida por todos os entrevistados como sendo essencial para os processos de licenciamento ambiental, não tem sido percebida como efetiva para a maioria. Existe uma dificuldade de engajar a sociedade como um todo e melhorar a participação principalmente das comunidades impactadas por grandes obras, tanto no processo decisório de planejamento e concepção dos projetos como ao longo do processo de licenciamento. A participação pública é vista geralmente como incipiente, limitada à audiência pública e pouco efetiva, uma vez que não consegue de fato alterar decisões políticas tomadas em momentos anteriores. Alguns obstáculos foram apontados como os principais responsáveis pela baixa qualidade dos instrumentos de participação social no licenciamento ambiental. Um deles é o meio de participação, centrado na realização de audiência pública depois da elaboração dos estudos ambientais, muito tempo depois da decisão pelo projeto. Essa percepção corrobora resultado de estudo realizado pelo IPEA (2013), que identificou como um desafio o déficit de participação social no processo decisório principalmente pela realização tardia das audiências. Estudo realizado pelo Banco Mundial (2008) apontou que a primeira audiência pública ocorre, na média, 852 dias após o início do processo de licenciamento. Isto é, elas são realizadas em um momento no qual as demandas da população dificilmente podem ser incorporadas ao projeto. Segundo a ABEMA (2013), não é surpreendente que as audiências em geral funcionem mais como espaço de manifestações daqueles que se opõem ao projeto do que como oportunidade de discussão das medidas mitigadoras pela comunidade afetada, tal qual como apontado pela ABEMA. Um outro obstáculo é o formato das audiências, que acaba extrapolando a prerrogativa e se tornando um meio de solução de conflitos sociais e demandas por políticas públicas, infraestrutura e serviços que nem sempre se limitam ao escopo do empreendimento. Muitas vezes são postos em pauta problemas históricos das populações atingidas, não se restringindo aos impactos do empreendimento. Capítulo Global Law pág.: 14