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Transcrição:

Para Christine Lourenço, minha professora de física. Quero ser uma mulher como você quando crescer.

Todo dia eu me pergunto a mesma coisa: por que diabos ainda tenho twitter? Joguei o celular sobre a cama e tentei relaxar o maxilar, estressada. Não bastasse estar presa em casa por meses porque certos indivíduos de pouco intelecto não conseguiam respeitar as recomendações mais simples da ciência, eu ainda tinha que ficar vendo influencer ganhar seguidor por destilar ódio e preconceito. Sentei na beirada da cama e olhei a pilha de livros e apostilas sobre a escrivaninha, e outro dos meus questionamentos frequentes me veio a mente: Por que eu me dou o trabalho? Esse tempo todo em que estive estudando, em que estive vendo documentários e lendo livros para entender mais sobre a sociedade, buscando sei lá o que no conhecimento, só fui capaz de chegar à conclusão de que o ser humano foi uma péssima ideia e que eu não sou nem um pouco melhor. A gente perde todo esse tempo tentando sair do lugar, tentando se encaixar e se classificar como alguma coisa boa e simplesmente não consegue. Porque, no fim, parece que o egoísmo sempre ganha e honestamente? Eu duvido que fosse lutar por qualquer coisa se alguém colocasse uma arma na minha cabeça. A gente sempre vem primeiro aos próprios olhos. Ainda assim, e todas as pessoas que conseguiam mover céus e terras pelos seus? E Marsha P. Johnson, que jogou a primeira pedra de Stonewall e foi assassinada por defender os direitos da comunidade LGBTQ+? E Angela Davis, que foi presa por expressar seu conhecimento, por querer transmiti-lo? Se essas pessoas e tantas outras são capazes então o problema sou eu? -Chris! Vem jantar! A voz da minha mãe vindo da cozinha me salvou de cair num buraco sem fundo, e pelo resto daquela noite consegui me manter longe daquele lugar confuso da minha mente. Mas há pouco que se possa fazer durante a madrugada. Observando as constelações lá fora, me deixei levar pelos meus próprios pensamentos. Hey Universo, pensei, meio irônica e meio esperançosa. Bem que você podia me dar algum sinal de que eu não sou um completo desperdício de espaço. Nenhum vento nas árvores, nenhuma estrela cadente. Suspirei e puxei o cobertor até o queixo, fechando os olhos e ignorando o aperto no peito. Como se o Universo fosse me ouvir. No meu sonho, eu estava em Nova Iorque. Veja bem, eu nunca estive em Nova Iorque, mas aquilo definitivamente não era o que imaginei. Não que minhas expectativas tivessem sido frustradas; muito pelo contrário. A cidade estava muito limpa, o céu um azul brilhante e precisei de um segundo para absorver o quão bonita a paisagem era. As ruas arborizadas como se houvessem replicado miniaturas do Central Park em cada esquina, criando sombra para os pedestres que passavam e sobre os bicicletários quase vazios. Haviam poucos carros nas ruas, e o barulho predominante eram

apenas as vozes animadas conversando em todos os cantos e os sininhos de bicicletas cortando caminho pela calçada. Reparei também que as pessoas se vestiam de modo engraçado. Suas roupas eram de tecidos leves e coloridos, todos com vestidos ou calças longas que passavam a mesma sensação de se estar usando uma túnica antiga. Eu mesma me surpreendi ao olhar para baixo e perceber estar usando exatamente as mesmas peças, porém em um tom de branco quase espectral. Andei um pouco, procurando uma vitrine onde conseguisse ver o meu reflexo por inteiro. Foi então que admiti para mim mesma que deveria ser tudo um sonho. Tudo em meu rosto parecia perfeito e extremamente natural. Meus cabelos geralmente sempre rebeldes agora caíam em ondinhas até meus ombros e eu me sentia mais forte do que nunca, como se fosse capaz de levantar um prédio usando apenas o indicador - o que talvez fosse mesmo, já que (eu havia me convencido a esse ponto) estava sonhando. Decidi conversar com as pessoas para tentar descobrir mais sobre aquele belo universo em meu subconsciente. Claro, no fundo as respostas seriam o que eu quisesse que fossem, porque era meu subconsciente, mas sonhos não precisam fazer sentido, então apenas prossegui com meu plano e entrei na biblioteca cuja vitrine eu usei como espelho. Lá dentro só se ouviam os sons de páginas sendo viradas, as teclas de um computador enquanto alguém escrevia freneticamente e o ruído dos ares-condicionados. Foi só então que me dei conta do calor que fazia do lado de fora em comparação ao ambiente de temperatura controlada. Caminhei apreensiva até uma das mesas e acenei para a moça lendo, esperando que ela me notasse sem que eu precisasse fazer barulho, mas seus olhos continuaram navegando pelas páginas como se ela não tivesse percebido a movimentação na sua frente. Franzi as sobrancelhas. Talvez as pessoas do sonho não me vissem? -Com licença? Moça? Desculpe atrapalhar é que eu As palavras morreram na minha boca quando ela guardou o livro na mochila, se levantou da cadeira e me atravessou - é isso aí mesmo que você leu, ela me atravessou, como se estivesse andando por um espaço normal preenchido por moléculas comuns existentes no ar. Será que meu cérebro acha que eu sou uma piada?, pensei enquanto andava pelas pessoas procurando alguma reação, absolutamente nada acontecendo. Qual a graça de imaginar um lugar tão maneiro quanto esse, estar consciente dentro do sonho e não conseguir controlar o que acontece? -Já passou pela sua cabeça a possibilidade disso tudo não ser um sonho? Virei para trás assustada e encontrei uma mulher sorrindo despreocupadamente perto de uma das estantes. Seus olhos pareciam atentos à tudo, mesmo que estivessem focados em mim, como olhos de coruja. As roupas dela eram de fato túnicas gregas e ela usava uma fina coroa de louros no cabelo. Entretanto, aquilo era tudo que eu podia dizer sobre ela de forma concreta. O resto de suas feições mudava constantemente, todo o seu ser ondulando com trocas de cor de pele, idade, penteado, altura e peso. E, por alguma razão, nenhuma de suas formas me parecia estranha. Eu já vira todas aquelas mulheres.

Eu admirava todas elas. -E você vocês seriam quem exatamente? A mulher segurou uma risadinha e acenou para que eu me aproximasse. Olhando com atenção, ela parecia uma das filósofas das minhas apostilas: cabelo black grisalho, óculos redondos (não me pergunte de onde eles saíram) e rugas no rosto. -Não acredito que não sabe quem sou, criança. Achei que esse fosse seu assunto favorito. Parei por um segundo. Meu assunto favorito? Qual era o meu assunto favorito? Eu mesma? Bandas de rock emo? Meninas bonitas? Mitologia grega? Bastou que o pensamento cruzar minha mente para seu corpo tremeluzir de novo. Agora ela era uma moça jovem, longos cabelos escuros e pele azeitonada, carregando uma lira na mão direita. Safo, a poetisa. E então Hipátia, a astrônoma. Meu queixo caiu e por um segundo eu esqueci como se formavam palavras. Ela não aguentou e soltou a risada que estava segurando, como se a minha realização fosse tremendamente divertida. Eu estava frente a frente com a deusa da sabedoria em pessoa. Talvez fosse hora de dar um tempo em Percy Jackson. -Você é Atena? Mas você não devia, sei lá, ter três metros de altura e uma cara própria ou algo assim? Ela deu de ombros. -Os mortais atribuem muitas faces à sabedoria. Não seria justo me apossar de uma delas e torná-la a única verdade. Entretanto isso não significa que eu seja percebida sob qualquer aspecto. -Tudo é arte, mas arte não é qualquer coisa, saquei. Será que dá pra me explicar o que está acontecendo por favor? -Eu lhe trouxe aqui para te mostrar um livro, criança. Naquela prateleira, o terceiro a partir da marcação da letra L. Que sonho esquisito. Mas, ei, quem sou eu para contrariar a divindade do meu subconsciente? Caminhei para o lugar que a deusa tinha apontado e puxei um livro com aparência velha, páginas amareladas e título quase desaparecendo. O nome do autor na parte inferior da capa estava mais visível, apesar de um pouco apagado. E o nome do autor Era o meu. Abri o livro curiosíssima para saber seu conteúdo, mas minha cabeça começou a doer no mesmo instante, a obra caindo no chão enquanto eu pressionava minhas têmporas desesperada para fazer aquela sensação de queimação no meu crânio ir embora. -As coisas acontecem no tempo certo, criança. Você vai saber o que escreveu quando escrever, porém nem eu posso te contar mais do que isso. Atena, ainda na aparência de Safo, se agachou para resgatar o livro e guardá-lo no lugar outra vez. Meu cérebro pareceu desistir de entrar em combustão espontânea, mas a dor tinha sido real demais para um sonho. Eu já tinha tomado tiros antes e nem percebido, como conseguia sentir cada nervo do meu corpo agora?

-Já te disse o porquê. A deusa me encarou, suas íris cor de ouro derretido exalando poder, quase arrancando a resposta da minha língua. -Isso não é um sonho. -Exato. -Então o que é? Eu fiquei louca de tanto pensar e estou vendo coisas? Ela suspirou e me olhou como se eu fosse uma criança tentando enfiar o cubo no buraco redondo de um daqueles brinquedo para nenês. -Isso é o futuro. Não posso te dizer quando exatamente, como já expliquei, mas achei que seria agradável para você mudar de ambiente um pouco. Sair de casa, respirar ar puro. Bom, o mais puro possível. Certos danos são irreversíveis. -Com todo o respeito, vossa santidade, Παρθενώνα ou seja lá qual for o pronome de tratamento para deuses antigos, mas eu não entendo qual o ponto disso tudo. Ah sim, eu já estava convencida que aquele era o futuro. Não sobra muito espaço para discordâncias quando quem te informa de algo é a própria deusa da sabedoria. -Vamos conversar enquanto caminhamos. Quero lhe mostrar algumas coisas. Segui-a para fora da biblioteca. O sol estava fortíssimo, brilhando por entre as folhas e criando um mormaço na calçada. Nem o tecido leve das minhas roupas parecia ajudar com o calor. -Aparentemente o futuro não resolveu o problema do aquecimento global hein? Atena tremeluziu de novo e Greta Thunberg me respondeu numa voz tristonha: -Eles fizeram o possível. A situação está sob controle, e novas tecnologias vão aos poucos consertar a atmosfera do planeta, porém ainda vão sofrer com o calor por muito tempo e muitas espécies foram perdidas. Desviei de um ciclista e apertei o passo. Para uma adolescente, a deusa andava bem depressa. -Ok. Será que dá pra me explicar sobre o meu livro na estante? O máximo que você puder, é claro. -Você pediu um sinal, e eu te considerei digna de um relance da diferença que você fará no mundo. A sociedade mudou muito nas últimas dezenas de anos e você foi parte dessa mudança, Chris. Os livros que escreverá inspiraram outras pessoas e essas pessoas fizeram mais por outras, numa corrente até chegarmos aqui. Da mesma forma com quem você ajudou. -Quer dizer que eu vou ficar famosa? Mais uma mudança. Judith Butler não parecia feliz com a minha pergunta. -O que quero dizer é que toda atitude visando mudança desencadeia milhares de outras ações que se movem na mesma direção, na direção do progresso. Você não pode deixar que o imediatismo capitalista do seu tempo te impeça de realizar grandes coisas, mesmo que elas só sejam reconhecidas séculos após a sua existência. Mantenha em mente que evoluir uma estrutura como a que você conhece até para esse estágio que presenciamos agora é trabalho longo e árduo. -Eu sei, mas É difícil me conformar com tudo de errado que existe no meu tempo, lutando sem ver nenhum tipo de melhora e me manter lutando por um futuro que pode ou não

acontecer. Além disso, se o inimigo não se cansa nunca, de que adianta continuar acertando ele? Atena parou no lugar e continuou em silêncio sem me responder, mas o mundo ao nosso redor o fez. Num piscar de olhos as árvores sumiram, as pessoas desapareceram, os prédios estavam em chamas. E tão rápido quanto a visão se metamorfoseou, ela voltou ao estado anterior. A deusa não se dignou a olhar para mim enquanto retomava sua caminhada. Passamos pelas ruas até chegar num edifício grande cercado por um espaço aberto maior ainda. Eu sou incapaz de descrever agora o que vi lá, - talvez uma intervenção de Atena para que eu não conservasse informações que ainda não deveria saber - mas tenho certeza de que era uma escola e que as crianças circulavam livremente. Do mesmo lugar do meu subconsciente que sabia que aquele lugar era um colégio, surgiu a conexão de que provavelmente não haviam mais sistemas prisionais então - afinal, muitas das pensadoras que me inspiravam e das quais Atena se apossou para se apresentar para mim defendiam o fim do encarceramento em massa. Abri a boca para perguntar mais sobre o assunto, mas o pensamento se perdeu quando uma garotinha correu por nós, um cacto nas mãos e a mochila nas costas. Tive que me desviar enquanto ela seguia na direção de um rapaz que parecia bastante jovem a esperava ao lado de uma bicicleta, e ela o abraçou sem hesitar. -Papai! -Oi Angélica. Preparada para ver a vovó Cassy hoje? -Sim! - Ela bateu uma palminha contra o vaso do cacto, contente. Algo naquele sorriso me pareceu estranhamente familiar, algo nas covinhas e em como os olhos dela pareciam se iluminar com uma empolgação sobrenatural -Atena aquela menininha? -Sim, Chris. -Fiquei paralisada por um momento. Eu teria família própria em algum momento? Filhos biológicos? A deusa riu, pressentindo minha confusão mental. -Mas não se preocupe com isso agora. O meu ponto é apenas mostrar que há todo um destino que precisa ser construído por você. Pense para além do seu tempo, criança. Pense nela, e em como ela irá estudar sobre as revoluções que começaram na rua e aprender a ser grata pelos que vieram antes dela desde cedo. Pense em todos os filhos e filhas que andaram sobre o caminho que todos vocês construirão, de mãos dadas. "Somos levados a acreditar que o nosso tempo é o mais importante, mas há uma figura maior em jogo. Não dizemos que os jovens são o futuro porque cabe a eles construí-lo, e sim porque cabe a nós garantir que eles tenham um. Você, assim como tantos outros, transformarão nossa sociedade em uma comunidade, estabelecerão novas leis justas, destruirão à fogo e ferro as construções aos pedaços que os poderosos do seu tempo mantêm em constante manutenção. Porém, nem todos verão o que você está vendo agora. Nem mesmo você mesma. O inimigo só vence quando desistimos. Nós somos um exército." Observei Atena. Agora seu rosto me trazia uma sensação de conforto, uma face que eu vi durante tantos anos e que perdi não muito tempo atrás. Não pude evitar as lágrimas que tomaram meus olhos quando minha avó de coração pousou sua mão em meu ombro e me ofereceu um sorriso confortante.

-Sei que pode ser desencorajante não ver a mudança. Apenas tente se lembrar, minha querida, que não é sobre o imediato; é sobre manter acesa a chama da liberdade, da sede e do desejo pelo conhecimento. Agora vamos, preciso te levar para casa. -Mas já? Quer dizer, tem tanto que gostaria de saber, de ver! Não podemos andar mais um pouco pela cidade? E as faculdades? Algo nelas mudou tão drasticamente quando na educação básica? E a saúde pública, como estamos lidando com isso nesse momento? E quanto a violência doméstica, a indústria do cinema, as influências que a juventude daqui tem? Minha avó apenas balançou a cabeça. -Todas essas respostas estão no seu tempo, Chris. Acredite em mim. Até considerei argumentar por um momento, entretanto a dor de cabeça voltou mais forte que antes. Pressionei minhas têmporas outra vez e olhei para Atena, desesperada por qualquer ajuda. A deusa colocou as mãos sobre as minhas e beijou minha testa. Seus lábios eram frios. Seus olhos cor de ouro me encararam uma última vez. E o mundo ao meu redor se desfez em névoa e lembranças. Quando acordei ainda eram oito da manhã - um horário incomumente cedo para mim, especialmente quando não tinha nenhum compromisso. Mas não senti sono ou vontade alguma de me revirar até achar uma posição confortável outra vez. Levantei-me e fui para a sala, assustando minha mãe que passava o café e aproveitava o silêncio. -Chris, que surpresa te ver de pé essa hora. -É eu Tive um sonho esquisito. -Nossa eu ando tão cansada que nem consigo sonhar mais. -Ela brincou, servindo uma xícara para si mesma e uma para mim. -Já que está aqui, pode passar um pano na casa para mim? Preciso terminar de preencher alguns documentos pro trabalho. -Claro. Acolhi meu cafézinho e fui para a pequena sacada que tínhamos, encarando o horizonte e tentando manter o sonho vívido na mente. Foi bom e criativo; não queria esquecê-lo. Um crocitar ao meu lado me assustou e quase derramei a bebida quente nos meus pijamas. No parapeito ao meu lado estava pousada uma coruja, seus olhos fechados e a cabeça enfiada nas asas como se estivesse cochilando. Estendi a mão tímida e acariciei as penas de sua cabeça. A coruja despertou e me encarou com olhos dourados cheios de sabedoria. E eu não soube o que tinha que fazer. Mas tive certeza que faria algo. E será grandioso a seu próprio modo.