Volatilidade Cambial e Integração Econômica Regional: Uma Breve Reflexão para o Caso do Mercosul

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Transcrição:

Volatilidade Cambial e Integração Econômica Regional: Uma Breve Reflexão para o Caso do Mercosul Márcio Bobik Braga 1 1. Introdução Não se pode negar a atual situação de crise em que se encontra Mercado Comum do Sul - Mercosul. Se num passado recente havia alguma convicção sobre o sucesso deste processo, inclusive vislumbrando-se a possibilidade de se ter algo mais pretensioso e com objetivos voltados para uma maior inserção dos países envolvidos nas relações econômicas internacionais, hoje infelizmente esta convicção não mais existe. Aquilo que seria um objetivo - a criação de um mercado realmente integrado, não apenas com liberdade no movimentação de mercadorias, mas também de fatores de produção, atualmente o Mercosul configura-se apenas como um acordo entre governos, carregado de incertezas e ameaças. A explicação para esta situação pode ser encontrada, de um lado, na ausência de um grau mínimo de cooperação no âmbito das condições e políticas macroeconômicas entre os países envolvidos; e, por outro lado, e talvez mais importante, pela dificuldade de se estabelecer incentivos à integração na atual situação de instabilidade cambial e financeira em que se encontra a região. Este breve artigo tem como objetivo discutir, no contexto da integração econômica regional e mais especificamente no contexto do Mercosul, algumas questões ligadas à problemática da instabilidade cambial. 1 Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da FEA/USP - Campus de Ribeirão Preto, Departamento de Economia e; do PROLAM/USP - Programa de Pós-graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo, linhas de pesquisa: Economia Institucional, Economia da Informação, Integração Econômica Regional, e-mail: marbobik@usp.br.

2. Volatilidade cambial e comércio Os efeitos da taxa de câmbio sobre as relações econômicas internacionais vão além do simples impacto que esta variável macroeconômica pode exercer sobre as exportações, importações e demais itens das contas externas de um país. Sua volatilidade pode também exercer influência sobre o comércio no sentido de reduzi-lo ou, pelo menos, impedir o seu crescimento. Tal conjectura pode ser defendida tanto sob uma perspectiva de curto quanto de longo prazo. No curto prazo, os impactos reais da volatilidade cambial podem ser analisados sob dois pontos de vista. O primeiro diz respeito à elevação das demandas por protecionismo que costumam ocorrer em momentos de volatilidade cambial. 2 O segundo refere-se à redução dos incentivos por parte dos agentes em formalizar contratos cujo "grau de completude" depende da previsibilidade da taxa de câmbio. Pode-se argumentar que as demandas por protecionismo tendem a crescer em períodos de instabilidade cambial. A explicação para este argumento encontra-se no fato da volatilidade cambial alterar a competitividade das empresas ou setores cujas atividades estão voltadas para a produção de bens comercializáveis. Nesse sentido, grandes variações nas taxas de câmbio criam demandas por protecionismo por parte das indústrias afetadas, demandas estas que se manifestam ou sob a forma de tarifas ou subsídios e outras práticas não tarifárias. Por outro lado, pode-se avaliar o comércio e o movimento de fatores de produção como um processo de criação de uma rede de contratos entre residentes e não residentes de um país. Quanto maior a incerteza quanto à taxa de câmbio, maiores as dificuldades no cálculo dos preços relativos relevantes aos resultados previstos nos contratos que envolvem as relações econômicas internacionais; e também maiores as possibilidades de rompimento desses contratos. Ou seja, diante da incerteza quanto ao comportamento dos preços relativos, é possível que ocorra uma diminuição nos 2 Sobre este ponto, ver Eichengreen, Barry. A More Perfect union? The Logic of Economic Integration. Essays in International Finance, no. 198. Department of Economics, Princenton University, 1996. 2

incentivos ao estabelecimento de contratos entre residentes e não residentes, situação esta que se traduz numa redução do comércio e movimento de fatores. Mas talvez os efeitos mais importantes sejam aqueles de longo prazo: a volatilidade cambial tende a dificultar a reestruturação produtiva em favor do comércio e movimento internacional de fatores. Em primeiro lugar, a volatilidade cambial resulta em incertezas que podem reduzir o horizonte de decisão dos agentes econômicos envolvidos nas atividades "globais", tornando os investimentos e demais relações de longo prazo nestas atividades menos atrativos. Em segundo lugar, se os agentes são avessos ao risco, diante da incerteza quanto ao comportamento da taxa de câmbio, irão definir estratégias de longo prazo cujos resultados dependam menos desta variável. Por fim, considerando que a instabilidade cambial atinge mais as pequenas firmas em relação as grandes, uma vez que as grandes têm maiores possibilidades de diversificação da produção e, conseqüentemente, do risco inerente à atividade produtiva, além de possuírem maior acesso a linhas de financiamento em períodos de baixa lucratividade, pode-se ter como resultado um processo de concentração industrial nas atividades voltadas ao comércio e investimentos internacionais, o que reduz os incentivos às inovações tecnológicas e, conseqüentemente, ganhos de produtividade. 3 Assim, diante de todos estes efeitos, é de se esperar uma estrutura produtiva com menor vocação a atividades voltadas ao comércio e investimentos internacionais, bem como uma maior eficiência destas atividades. Enfim existem argumentos suficientes para que possamos afirmar que a volatilidade cambial conspira contra a globalização produtiva, isto é, contra o comércio e movimento internacional de fatores. E se estes argumentos estão realmente corretos, além dos esforços em direção à liberalização comercial e compatibilização de interesses diante de um processo de internacionalização econômica, esforços devem também ser canalizados no sentido de se atacar às causas da volatilidade cambial. Na atual configuração daquilo que se pode denominar de globalização financeira, tal esforço não é tarefa fácil. 4 3 Os dois últimos argumentos podem ser encontrados em International Monetary Fund. Exchange Rate Volatility and World Trade. Ocasioal Paper no. 28., july, 1984. 4 As conseqüências da globalização financeira são analisadas de forma brilhante por Stiglitz, J. A Globalização e Seus Malefícios. Ed. Futura. 2002. 3

3. O contexto da integração econômica regional A questão da volatilidade cambial torna-se particularmente importante no contexto da integração econômica regional. Muito mais do que um acordo entre governos, um processo de integração deve ser visto como um processo dinâmico de integração produtiva. É bem verdade que os acordos entre os governos são imprescindíveis para o início de um processo de integração. Mas a integração de fato decorre das estratégias empresariais que, a partir de determinado ponto, ganha um caráter autônomo, criando um ciclo virtuoso no processo de integração. Crescem assim as demandas por cooperação em tudo aquilo que é necessário para a consolidação do processo. 5 Cresce também o apoio político e social à integração. A argumentação anterior pode ser melhor entendida a partir da idéia de que, com o avanço da integração e, conseqüentemente, da reestruturação produtiva voltada para o mercado integrado, pelo menos dois fatores dinâmicos se estabelecem: i) a maior sensibilidade dos fluxos comerciais às variações na renda dos países envolvidos tendo em vista a maior especialização produtiva no mercado integrado, o que pode ser interpretado como uma elevação da elasticidade-renda do comércio; e ii) a reação mais intensa dos movimentos de comércio e de fatores frente as variações nos preços relativos dentro do mercado integrado, o que pode ser interpretado como uma elevação da elasticidade-preço do comércio. 6 É justamente esta maior sensibilidade que torna necessário algum grau de estabilidade cambial e que pode ser conseguida a partir da difícil e complexa tarefa da cooperação macroeconômica. Toda esta argumentação é fundamental para se avaliar o atual contexto da integração econômica regional na América Latina. Não que a estabilidade cambial seja imprescindível para a construção de um modelo de integração. Se este se resume em sua forma mais simples, isto é, numa área de livre comércio sem pretensões de ser algo maior, talvez a questão aqui discutida não seja prioritária. 7 Mas se o modelo escolhido 5 A idéia do ciclo virtuoso é bem descrita no trabalho da CEPAL, intitulado Ensayos Sobre Coordinación de Políticas Macroeconómicas. Comision Economica Para America Latina e Caribe. Santiago do Chile. 1992. O trabalho descreve também o chamado ciclo vicioso em que determinadas situações criam incentivos para o retrocesso do processo de integração. 6 Estes dois efeitos dinâmicos são descritos no trabalho da CEPAL destacado na nota anterior. 7 Este talvez seja o caso do Nafta. Aqui podemos então classificar a integração econômica ou como um estado, isto é, sem pretensões de avanço, ou como um processo. 4

pelos países tiver maiores pretensões, podendo ser caracterizado como um processo em direção a formas mais complexas de integração (mercado comum ou mesmo uma união monetária), a questão torna-se fundamental. Neste sentido, a problemática da volatilidade cambial é crucial na interpretação da atual situação de crise do Mercosul; e diante desta afirmação, surge inicialmente a questão da cooperação macroeconômica. A literatura sobre economia internacional e a experiência européia destacam a importância da coordenação de políticas e harmonização de determinadas condições macroeconômicas para o sucesso e estabilidade política num processo de integração econômica regional. Apesar da cooperação macroeconômica sempre ter sido colocada como pauta prioritária nas discussões em torno do processo de implementação do Mercosul, na prática muito pouco foi efetivamente realizado nesse sentido. 8 Tanto a Argentina quanto o Brasil, os dois principais parceiros do bloco, seguiram estratégias de políticas de estabilização inflacionária diferentes, apesar da idéia da ancoragem cambial estar presente nestas estratégias. Também pouco fez no que diz respeito à implementação e harmonização de condições macroeconômicas necessárias a uma menor vulnerabilidade de suas economias às condições financeiras internacionais. Esta questão ficou evidente com a mudança de regime cambial verificada no Brasil no início de 1999. Tudo isso pode nos levar a crer que os governos foram negligentes no que diz respeito à condução das condições necessárias à integração. Isto talvez seja verdade. Entretanto, não se pode negar o papel dos ataques especulativos que vem sendo observados na região sobre a crise do Mercosul. Diante destes ataques, torna-se politicamente insustentável a manutenção do valor da moeda nacional. A resistência da Argentina em manter a paridade cambial talvez seja o exemplo mais claro de quão desastroso pode ser a tentativa de manutenção do câmbio fixo numa situação de ataque especulativo. O fato é que tais ataques especulativos parecem ser mais uma característica da atual configuração do processo de globalização financeira do que movimentos isolados. 8 A necessidade de coordenação de políticas macroeconômicas, aliás, está explicitada no Tratado de Assunção, que constituiu o Mercosul no início de 1991. 5

Pelo menos é o que a história nas últimas décadas, particularmente nos anos 90, demonstra. 9 4. O futuro Apesar de ser um dos principais modelos de integração em curso no "mundo globalizado", o retrocesso do Mercosul é evidente diante da crise cambial e financeira que paira sobre a região, particularmente sobre as economias argentina e brasileira. É bem verdade que a ausência de um comprometimento mais profundo no que diz respeito à cooperação no âmbito das condições e políticas macroeconômicas foi decisivo neste retrocesso. Mas talvez a atual configuração da globalização financeira em nada contribui para os incentivos à cooperação. Talvez não seja nenhum absurdo afirmar que esta globalização financeira conspira contra a integração latino-americana (ou, de uma forma geral, contra a globalização produtiva). Neste momento chegamos à situação em que se torna irrelevante afirmar se são as condições macroeconômicas inadequada que têm causado a instabilidade cambial e financeira na região ou se é esta instabilidade é que tem deteriorado tais condições. O fato é que, hoje, o Mercosul não passa de um estado de integração, muito longe daquilo pretendido pelos seus parceiros por ocasião de sua criação. Sua credibilidade é frágil na atual conjuntura, fato este que impede o surgimento de incentivos à criação de condições necessárias ao seu avanço. Ou seja, o Mercosul encontra-se hoje naquilo que pode-se denominar de ciclo vicioso. Junte-se a tudo isso as ameaças dos acordos bilaterais, dos protestos sociais e da instabilidade política na região. 9 Este ponto é destacado pelo trabalho já citado de Stiglitz. Segundo o autor, se no final dos anos 80 existia um certo consenso acerca da importância da liberalização financeira, as crises nos anos 90 tem desacreditado o chamado Consenso de Washington. 6