MOVIMENTO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS (MNDH) 2



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A PRÁTICA DA TORTURA NO BRASIL Breve Balanço e Proposições 1 MOVIMENTO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS (MNDH) 2 Introdução O presente relato tem por finalidade apresentar, em breves linhas, a formação, desenvolvimento e perpetuação do fenômeno da tortura no Brasil, situando-o, por conseguinte, no Sistema Internacional de Proteção aos Direitos Humanos. Cuida especialmente, de como O Movimento Nacional de Diretos Humanos-MNDH, a partir das Recomendações do Relator Especial da ONU sobre a tortura e do Comitê Contra a Tortura CAT, vem propondo alternativas no sentido de erradicar a Tortura no Brasil. Assim, apresenta informações e dados extraídos de uma Programa de combate a tortura pensado e executado pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos-MNDH, que aqui se chamara de Campanha Nacional Permanente de Combate a Tortura. 1. Breve Retomada Histórica A prática da tortura no Brasil remonta o tempo da sua formação. A colonização portuguesa torturou e dizimou povos indígenas. Com o mesmo objetivo, oficializou-se a escravidão de negros trazidos da África. A escravatura perdurou até o período da proclamação da Republica e promoveu atrocidades físicas e psicológicas contra a população afrodescendente, consignadas em lei e códigos criminais. Mesmo com a abolição formal da escravatura (1888) e com o advento da República (1889) os direitos civis e políticos, já parcialmente proclamados, não se viram respeitados de fato. Em todo o período republicano, o fenômeno da tortura foi mantido, especialmente nos momentos marcados por sucessivas ditaduras. Sob a égide da Constituição de 1946 houve um 1 Documento apresentado à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA) durante Audiência sobre Tortura no Brasil no 117º Período de Sessões, Washington, 27 de fevereiro de 2003. 2 Elaborado por Marilson Santana, Supervisor da Campanha Nacional de Contra a Tortura e Oscar. Revisado por Rosiana Queiroz e Paulo César Carbonari, membros da Coordenação Nacional do MNDH e Oscar Gatica coordenador adjunto da campanha. Apresentado à CIDH/OEA por Romeu Olmar Klich, Coordenador Nacional do MNDH. 1

relativo progresso na defesa dos direitos civis e políticos. Porém, os direitos e garantias fundamentais do cidadão brasileiro voltaram a ser profundamente cerceados no mais recente período ditatorial (de 1964 a 1985). Mais do que nunca, a tortura passou a ser prática oficial do Estado brasileiro. Os órgãos oficiais compreendiam como normal a repressão, o constrangimento e a ameaça a qualquer cidadão, com o objetivo de obter informação ou para simplesmente castigar em razão de suposta ou virtual opinião contra o regime vigente. Nos anos de 1980, a forte pressão e a luta popular, que se mostrou em movimentos políticos de massa, como a luta pela Anistia e pela Libertação de presos, a reivindicação de eleições diretas para presidente da República (Diretas Já), entre muitas outras, criaram condições políticas e passaram a tornar uma exigência social e cultural o processo de democratização do país, após anos de regime fechado. Contando com ampla participação, o processo constituinte desemboca na promulgação de uma nova Constituição, em outubro de 1988. Ela afirma os direitos e as garantias fundamentais, entre as quais a proibição da tortura (art. 5º, inciso III). Outrossim, mesmo nesse período de transição democrática, a tortura não foi debelada, continuando a ser prática corriqueira como instrumento de investigação ou punição junto às instituições públicas brasileiras do sistema de justiça e segurança pública, especialmente nas corporações policiais e nas delegacias de polícia. A retomada do processo democrático também permitiu o fortalecimento de muitas organizações sociais e populares, entre elas, muitas organizações de direitos humanos o próprio MNDH se fortaleceu neste período que passaram a ser procuradas pelas vitimas para fazer denúncias de casos de tortura. A par das denúncias, também várias iniciativas foram sendo tomadas no sentido de mobilizar condições e propostas para a construção de um novo modelo de justiça e segurança pública. Portanto, se poderia dizer que, ao mesmo tempo em que a prática da tortura passou a ser presente como método de investigação policial, a sociedade civil brasileira passou a denunciá-la e a exigir instrumentos e mecanismos concretos que pudessem resultar em políticas públicas com força para eliminá-la. Estas várias lutas fizeram com que várias iniciativas legislativas fossem tomadas, entre as principais estão à ratificação dos instrumentos internacionais sobre o assunto e promulgação da Lei Federal n.º 9.455, abril de 1997, que define, tipifica e pune a conduta delituosa da Tortura. No ano de 2000, a visita ao Brasil de Sir. Nigel Rodley, Relator Especial da ONU para a Tortura, com a finalidade de verificar as condições de realização dos direitos civis e políticos nesse país, constatou que as instituições estatais, como as delegacias, presídios e penitenciárias fazem da tortura modo corriqueiro de obtenção de provas em processos 2

judiciais e na aplicação de castigo mesmo disse que a pratica de tortura e sistemática e disseminada. Recomendou alterações profundas no funcionamento daquelas instituições bem como na possibilidade de alteração de visão do judiciário sobre o tema mediante capacitação, vez que este, em linhas gerais, apresenta um visão equivocada quando se trata do tema da tortura. Vale ressaltar a importância de relatórios. Em uma reunião na Comissão de Defesa de Direitos da Pessoa Humana do Ministério da Justiça do Brasil, a senhora Mary Robson, disse que a apresentação de relatórios representa uma oportunidade de fazer um balanço e adotar as medidas necessárias para corrigir falhas na implementação das convenções. O processo de elaboração de relatórios deveria ser considerado como parte integrante de um esforço continuo para promover e fortalecer o respeito pelos direitos humanos e para reafirmar o compromisso do governo. A elaboração de relatório fornece uma oportunidade de agregar vários setores da sociedade em um esforço de identificar os problemas que devem ser abordados. Alem disso, ela reafirma no âmbito domestico e perante a comunidade internacional de respeitar os compromissos internacionais permanecem forte No mesmo período da apresentação das recomendações do relator, o governo brasileiro ofereceu seu relatório ao Comitê de Combate à Tortura da ONU (CAT) e no período de sessões no qual foi discutido, organizações da sociedade civil apresentaram contra informes. Este conjunto de ações resultou também na constatação clara de que a tortura é prática generalizada e sistemática o governo brasileiro não concordou com este ponto no Brasil e recomendou um conjunto de medidas a serem adotadas pelo governo brasileiro para que efetivamente viesse a criar condições para erradicar a tortura no País. Entre as recomendações do CAT e do Relator merecem destaque: a) O Estado parte deveria assegurar que a interpretação da lei que criminaliza a tortura seja feita em conformidade com o artigo primeiro da Convenção; b) O Estado parte deveria adotar todas as medidas necessárias a fim de assegurar a instauração 3

imediata de inquéritos imparciais, sob o efetivo controle do Ministério Público, em todos os casos de queixas de práticas de tortura ou de tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, incluindo atos cometidos por membros das forças policiais. No curso desses inquéritos, os agentes envolvidos deveriam ser suspensos de suas funções; c) Todas as medidas necessárias deveriam ser adotadas para garantir a toda pessoa privada de sua liberdade o direito à defesa, e, por conseguinte, o direito de ser assistido por um advogado, pago pelo Estado, se for necessário; d) Medidas urgentes deveriam ser adotadas para melhorar as condições de detenção nas delegacias de polícia e nas prisões, e o Estado parte deveria, além disso, redobrar seus esforços para remediar o problema da superpopulação carcerária e estabelecer um mecanismo sistemático e independente de supervisão do tratamento na prática de pessoas arrestadas, detidas ou aprisionadas; e) O Estado deveria reforçar as atividades de educação e de promoção dos direitos humanos em geral, e de proibição de atos de tortura, em particular, para os funcionários encarregados da aplicação da lei, bem como para o pessoal da área médica, e introduzir capacitação sobre esses temas nos programas de ensino oficial dirigidos às novas gerações; f) Medidas deveriam ser adotadas para regulamentar e institucionalizar o direito das vítimas de tortura a uma indenização justa e adequada por parte do Estado, e a estabelecer programas para sua mais completa readaptação física e mental; g) O Estado deveria explicitamente proibir o uso como prova em procedimento judicial, de qualquer declaração obtida mediante tortura; h) O Estado deveria fazer a declaração prevista nos artigos 21 e 22 da Convenção; i) O segundo relatório periódico do Estado parte deverá ser submetido o quanto antes, afim de se conformar ao cronograma previsto no artigo 19 da Convenção, e incluir, notadamente: (i) a jurisprudência pertinente relativa à interpretação da noção de tortura; (ii) informações detalhadas sobre alegações, inquéritos e condenações relacionados com atos de tortura cometidos por agentes públicos, e (iii) informação concernente às medidas adotadas pelas autoridades públicas para implementar, em todo o país, as recomendações do Comitê, e também aquelas do Relator Especial sobre Tortura, às quais a delegação do Estado parte fez referência durante o diálogo com o Comitê. Estes processos geraram vários movimentos políticos no País, tanto em nível governamental quanto na sociedade civil, já que ficou explícita a ineficácia da Lei de Tortura. Em Seminário Nacional, organizado com a presença dos Três Poderes (Executivo, Legislativo 4

e Judiciário) e de mais de dois mil representantes de organizações da sociedade civil entre as quais o Movimento Nacional de Direitos Humanos, que assinou representando a sociedade civil, realizado em dezembro de 2000, assinou-se um Pacto Nacional Contra a Tortura, que estabeleceu o compromisso conjunto do Estado e da Sociedade Civil no sentido de implementar medidas que tornassem eficaz a mencionada lei, como passo importante para a erradicação de tal prática delituosa. Este pacto resultou em várias ações, entre elas a organização de uma Campanha Nacional de Combate à Tortura, por parte que está presente em 20 unidades da federação e conta com uma Central Nacional de recebimento de alegações, através de um sistema de ligação telefônica gratuita e Centrais Estaduais, que localizadas nos estados aso responsáveis pelo encaminhamento das alegações para os oragos competentes como delegacia de policia e Ministério Publico. De outros lado, tem-se os Comitês Nacionais e Comitês Estaduais, que conta na sua composição com autoridades publicas e entidades da sociedade civil no âmbito nacional e estadual. Tem como função básica discutir os aspectos políticas da campanha. Diante disso, a nossa Campanha tem uma estratégia com três aspectos articulados : um político, outro formativo e um operacional. Assim, mobilizou a sociedade civil e os oragos públicos para que efetivamente a tortura seja enfrentada como um crime e deixe de ser pratica recorrente e sistemática em nosso pais. O Movimento Nacional de Direitos Humanos MNDH entende que, em hipótese alguma a Campanha vem a resolver o problema da tortura, mas tem por objetivo sensibilizar a sociedade e comprometer as autoridades, constitucionalmente investidas da tarefa de erradicar a tortura, como determina a lei. Por isso o envolvimento dos diversos atores sociais interessados e os agente públicos responsáveis pela sua erradicação e requisito fundamental. De modo especial, o MNDH entende que a Campanha e um bom momento para mobilizar a sociedade em vista de implementar, sistematizar e socializar propostas criativas no sentido de construir uma Política Nacional de Justiça e Segurança Publica pautada pelos Direitos humanos. Para maiores informações segue em anexo o relatório nosso relatora elaborado para um ano da campanha mencionada. 2.Instrumentos Jurídicos para o Combate ao Crime de Tortura O Brasil se insere no sistema internacional de proteção dos Direitos Humanos, inclusive no combate à tortura. Os seguintes diplomas internacionais consagram a proibição da prática de Tortura e estão plenamente vigentes no país: a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966), a 5

Convenção das Nações Unidas Contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984), a Convenção Interamericana de Direitos Humanos e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (1985). Em linhas gerais, estes instrumentos normativos não definem o crime de Tortura, mas tecem parâmetros e recomendações no sentido de que os países signatários produzam legislação que busque a prevenção e a punição de tal prática. A Constituição Federal de 1988, conforme já se disse entende a Tortura como afronta aos direitos fundamentais do cidadão. Não é demais lembrar que no plano legislativo o Brasil também conta com uma lei que tipifica e pune a prática da tortura, como também já dissemos. Seguindo o que estabelece a legislação nacional à luz do direito internacional, a Tortura se configura como a conduta humana praticada com algumas finalidades específicas. Por isso, diversas são as suas práticas. É Tortura constranger alguém, utilizando-se de violência e grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental para obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa (tortura-prova). Há tortura também quando a conduta provocar uma ação ou omissão de natureza criminosa (tortura como crimemeio) ou através de discriminação racial ou religiosa (tortura racial ou discriminatória) 3. Por outro lado, pratica-a quem submete alguém, que está sob sua guarda, poder ou autoridade, a intenso sofrimento físico ou mental como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo (tortura-castigo). A lei aponta ainda uma outra hipótese de prática desse delito, consubstanciado no parágrafo 1º do artigo 1º, que diz incorrer na mesma pena aquele que submeter pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal. Essa prática pode ser classificada como tortura do encarcerado e pode ser evidenciada em atos como a privação de sol, jogo de luz, solitária, etc. Há crime também quando se verifica omissão por parte de quem deveria apurá-lo e não toma as devidas providências contra a prática. 3.Alguns dados que ilustram a situação atual Algumas considerações e conclusões foram elaboradas com base no banco de dados oriundo do SOS-Tortura e em pesquisas realizadas pelo MNDH que a seguir expomos. Adiantamos que maiores detalhes sobre essas informações encontram-se dispostas no relatório em anexo. 6

É possível dizer que sistema foi bem recebido pela sociedade visto o número de ligações recebidas. Durante o período compreendido entre 30 de Outubro de 2001 e 30 de outubro de 2002, foi possível registrar um total de 23.709 ligações. Deste total, 1629 foram convertidas em alegações de Tortura. Todavia, é Interessante frisar que do total de ligações, um percentual de 54,01% correspondem à ligação muda ou a que o suposto autor vem a desligar. Em primeiríssima análise, isso poderia significar o medo de futuras represálias por parte do agente ou mesmo a insegurança quanto ao sistema de recepção, ou seja, a vítima tem medo de denunciar. Além daqueles descritos na lei, O SOS Tortura distingue dois tipos de tortura quanto à natureza. Elas podem ser de natureza física, isto é, decorrente de violência direta como principal prática, ou de natureza psicológica ou mental, decorrente de atos que causem transtornos de natureza psíquica. Se a tortura tem caráter físico e é majoritariamente institucional, cabem os seguintes questionamentos: qual seria o principal local de ocorrência de prática de tortura e quem seria o principal agente agressor? Os dados revelam que a delegacia aparece como o local privilegiado dessa prática. O número de alegações que indica a delegacia como espaço privilegiado de prática de tortura confirma a hipótese da institucionalidade de tal crime. Por conseguinte, os Policiais são considerados os principais agentes de tortura. Aparecem em primeiro lugar com 26,80% das alegações, atribuindo-se responsabilidade por prática de tortura a 865 (oitocentos e sessenta e cinco) agentes que praticam policiamento ostensivo e guarda da sociedade, seguido daquele que realiza a investigação que aparece em 26,16% dos relatos das alegações, contando com 813 (oitocentos e treze) agentes policiais arrolados como autores do crime. A vítima que aparece na maioria dos relatos das alegações geralmente é jovem situado na faixa etária entre 19 e 29 anos, do sexo masculino. Em 996 ligações, correspondente a 69,70% dos casos, aparecem 1327 (mil trezentos e vinte e sete) vítimas com esse perfil. Adolescentes, crianças, deficientes e gestantes aparecem em seguida, compondo em termos percentuais 10,50%, 7,35%, 2,45% e 0,42%, respectivamente. Desse universo, 79,93% são do sexo masculino contra 6,65% de alegações que informam a vítima como pertencente ao sexo feminino. Os dados revelam que homossexuais ou pertencente a um grupo de diferente sexualidade aparecem em 8,10% das alegações. No que se refere à cor da pele, os relatos atestam que 35,38% das vítimas não informam a cor da pele, 31,25 % são apresentadas como pardas, 23,98% como de pele branca, 8,06% informam cor da pele negra e apenas 1,33% 3 Lei Federal n.º 9.455/97, Artigo1º, inciso I, alíneas a, b, c, d. 7

aparecem nos relatos como de cor amarela. É preciso asseverar que geralmente aquelas alegações que informam a cor da pele da vítima como pardos na verdade, no Brasil podem ser lidas como negros. Uma vez que o sistema do SOS Tortura não tem acesso direto à vítima, esse dado deve ser interpretado com o olhar de que a grande vítima de Tortura é o homem, jovem e negro. O MNDH buscou também verificar o posicionamento dos Tribunais dos Estados componentes da Federação brasileira. Quanto aos casos de tortura oriundos de denúncia do Ministério Público, ou mesmo suscitados no âmbito da apuração de outros delitos, como prática para obtenção de confissão. Dos 91 casos identificados na pesquisa, pudemos identificar 58 ações penais de crime de tortura e 33 incidentes processuais, onde a prática da tortura foi suscitada para desconstituir prova em Ação Penal de delito diverso.. É preciso dizer que do total de 58 (cinqüenta e oito) processos localizados, apenas 25 possuem sentença, restando 33 em andamento na primeira instância Dos Tribunais de Justiça pesquisados, com exceção daqueles que ainda não tiveram a pesquisa completada como é o caso de Bahia e Minas Gerais e pelo fato de estarem a maioria dos casos ainda em andamento na primeira instância, sem contar com sentenças, temos nos Tribunais de Justiça que apresentam o maior número de condenações o Paraná (46%) e o Rio de Janeiro ( 33%). Entretanto, em linha gerais o que se observa e a permanecia da situação de impunidade. 4 Nota-se que o grande número de condenações é em relação a agentes públicos no exercício de sua profissão, em especial, policiais civis e militares. Dentre os 15 (quinze) casos de condenação em nível de primeira instância encontrados, 8 (oito) deles envolviam policiais, 5 (cinco) envolviam familiares e 1 (um) caso o acusado era suspeito de outros delitos e utilizou-se da prática da tortura para colher informações da vítima visando processo já instaurado contra ele. Pode-se verificar, a partir do número de sentenças e acórdãos percorridos, o grande número de práticas de tortura alegadas e, todavia, não provadas, fazendo-a inexistente no mundo jurídico e, consequentemente, gerando sentenças penais absolutórias quando a tortura aparece como crime autônomo. Assim como a condenação, no âmbito de ações penais diversas (tortura como incidente processual), quando a prova da materialidade do delito consubstancia-se na confissão do agente. Assim, é pertinente é pertinente, nesse sentido, a preocupação da Anistia Internacional, declarada no seu relatório sobre Tortura e maus-tratos no Brasil, quando diz que a maior parte dos delitos que chegam aos tribunais nesse país são convertidos em tipos como maus-tratos, 8

abuso de autoridade ou lesão corporal o que segundo este relatório produzem e acarretam sentenças punitivas muito mais brandas. 5 Propostas: Conclusões e Recomendações Diante do exposto, solicitamos que a Comissão Interameriacana de Direitos Humanos recomende ao Estado brasileiro que a erradicação da tortura requer um esforço e uma ação das instituições e organizações nacionais para o respeito aos direitos humanos, especialmente para: 1) Dar realização plenas a todas as recomendações do Relator Especial da ONU e do CAT/ONU. 2) Tornar eficaz a lei de tortura, entre outros aspectos, reformulando o processo de investigação criminal que dificulta a apuração dos fatos; 3) Chamar a atenção dos atores jurídicos, especialmente do Judiciário e Ministério Público para a necessidade de dar operatividade e eficácia à lei de tortura; 4) Reformular completamente o Sistema de Justiça e Segurança Pública, especialmente no que concerne a atividade policial. 5) Elaborar um plano nacional para a erradicação da tortura; 6) Construir uma agenda comum para o diagnostico, erradicação e prevenção de tortura: 7) Estabelecer uma maior prioridade para os casos de tortura do Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA; 8) Criação de uma relatoria especial para tortura na Comissão de Direitos Humanos da OEA; 9) Estabelecer um monitoramento para verificação e exigibilidade das recomendações propostas também por essa comissão; 10) Recomendar a atribuição de competência da Justiça Federal para violação de Direitos Humanos; 11) Que o relator encarregado do Brasil realize visita do relator especial da ONU sobre a tortura ao Brasil. 4 Cf. Relatório da Campanha Nacional Permanente de Combate a Tortura, MNDH, 2002 ( em anexo) 5 ANISTIA INTERNACIONAL. Tortura e Maus Tratos no Brasil. Desumanização e impunidade no sistema de justiça criminal. 2001. p. 38. Um relatório do Conselho Nacional dos Procuradores de Justiça constatou que o 9

Acreditamos que a sociedade vem cumprindo o seu papel, apontando os caminhos. Acreditamos também que a esperança pode vencer o medo e a face da segurança e justiça pública no nosso país pode ser refeita para a garantia da liberdade e igualdade de todos os cidadãos brasileiros, guardada a diversidade que nos enriquece e nos torna uma nação singular neste cenário mundializado. Concretamente, acreditamos que o Estado e a Sociedade pode tomar algumas medidas nesse sentido. Enfim, devemos refundar o Pacto Nacional contra a Tortura. Ministério Publico ofertou 507 denúncias, sendo que o judiciário julgou apenas 45 delas, desclassificando todas, alegando que ano se enquadrava na lei 10