RELATÓRIO O COORDENADOR PEDAGÓGICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: INTENÇÕES, TENSÕES E CONTRADIÇÕES



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Transcrição:

RELATÓRIO O COORDENADOR PEDAGÓGICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: INTENÇÕES, TENSÕES E CONTRADIÇÕES Pesquisa desenvolvida pela Fundação Carlos Chagas por encomenda da Fundação Victor Civita JUNHO/2011 Realização: Parceria: Fundação Carlos Chagas

2 A Fundação Victor Civita, que tem por missão contribuir para a melhoria da qualidade da Educação Básica no Brasil, produzindo publicações, sites, material pedagógico, pesquisas e projetos que auxiliem na capacitação dos professores, gestores e demais responsáveis pelo processo educacional, implantou uma área de estudos com objetivo de levantar dados e informações que auxiliem as discussões sobre práticas, metodologias e políticas públicas de Educação. Para acompanhar outros trabalhos, visite o nosso site www.fvc.org.br/estudos. EQUIPE DA FUNDAÇÃO VICTOR CIVITA DIRETORIA EXECUTIVA Angela Cristina Dannemann COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA Regina Scarpa REVISTA NOVA ESCOLA E GESTÃO ESCOLAR Gabriel Grossi Paola Gentile ESTUDOS, PESQUISAS E PROJETOS Mauro Morellato Adriana Deróbio

3 EQUIPE DO ESTUDO ASSESSORIA GERAL Claudia Leme Ferreira Davis COORDENAÇÃO DO PROJETO Vera Maria Nigro de Souza Placco Laurinda Ramalho de Almeida Vera Lucia Trevisan de Souza PESQUISADORES LOCAIS Betania Leite Ramalho Jully Fortunato Buendgens Márcia de Souza Hobold Magali Aparecida Silvestre Maria Betania Gondim da Costa Suely Amélia BayumCordeiro Walkiria Rigolon

4 SUMÁRIO Introdução 5 PARTE I O trabalho dos CPs e a constituição de sua identidade profissional 8 1.1 Considerações iniciais sobre o papel do CP 8 1.2 A coordenação pedagógica em sistemas de ensino 9 internacionais 1.3 - A produção da literatura brasileira sobre a temática: 14 contribuições e debates 1.3.1 - O que revelam os textos 15 1.3.2 - O que revelam as teses e dissertações 19 1.3.3 - Perfil dos CPs da Rede Pública 22 1.4 - O papel do CP na formação continuada sob a ótica da legislação 30 1.5 A constituição das identidades profissionais: algumas 33 considerações teóricas PARTE II Procedimentos Metodológicos 35 2.1 Questionários 36 2.2 Entrevistas 37 2.3 Caracterização das escolas 37 2.4 Caracterização dos sujeitos da pesquisa 39 PARTE III - Apresentação e Discussão dos dados 41 3.1 O contexto de trabalho dos CPs 42 3.2 Caracterização e significado em relação à atividade do CP 45 3.3. O trabalho do CP 55 3.3.1 Atribuições do CP 55 3.3.2 Profissão do CP 64 3.3.2.1. Características pessoais e profissionais para ser CP 65 3.3.2.2. Gestão do projeto político-pedagógico da escola 66 3.3.2.3. Relações interpessoais e grupais na escola 68 3.3.2.4. Valorização/satisfação profissional 73 3.3.2.5. Visão do CP como profissional 78 3.4. Formação continuada e o CP 80 3. 4.1. Formação do CP 80 3.4.1.1. Segundo sua percepção 80 3.4.1.2. Formação do CP, segundo o diretor 91 3.4.2. Formação continuada dos professores em serviço pelo CP 92 3.4.2.1. Segundo a percepção dos CPs 94 3. 4.2.2. Segundo os professores 103 3.5. Análise das atribuições prescritas na legislação sobre o CP 107 PARTE IV Conclusões 113 REFERÊNCIAS 128

5 O COORDENADOR PEDAGÓGICO (CP) 1 E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: INTENÇÕES, TENSÕES E CONTRADIÇÕES Introdução Este relatório apresenta os resultados da segunda fase de uma pesquisa 2 que tem como principal objetivo identificar e analisar os processos de coordenação pedagógica, em curso em escolas de diferentes regiões brasileiras, de modo a ampliar o conhecimento sobre o Coordenador Pedagógico ou função semelhante quanto às suas potencialidades e limitações e, com isso, subsidiar políticas públicas de formação docente e organização dos sistemas escolares. Para tanto, buscou-se compreender como se estruturam e se articulam as atribuições de Coordenação Pedagógica, em escolas de ensino fundamental e médio, analisando as características do perfil delineado na fase quantitativa, e as percepções de coordenadores, diretores e professores, quanto a: adesão/rejeição às atribuições da função, dificuldades decorrentes do funcionamento e organização da escola e da formação do profissional do CP e dos professores que coordena, partindo do pressuposto de que o papel central do CP é o de formador de seus professores. O eixo condutor, para a reflexão sobre essas questões, será a constituição da identidade profissional, segundo Claude Dubar (1997). Importa considerar, no entanto, a visão de escola que está na base de nossas explicações e reflexões aqui apresentadas. Dois pontos precisam ser enfatizados: não se pode falar de escola, genericamente, mas de cada escola em particular, dado que cada uma tem características pedagógico-sociais irredutíveis (Azanha, 2003). E há necessidade, para superação das dificuldades cotidianas da escola, de um trabalho coletivo, o qual exige, por sua vez, a presença e atuação de um articulador dos processos educativos que ali se dão. Esse articulador precisa agir nos espaços tempos diferenciados, seja para o desenvolvimento de propostas curriculares, seja para o atendimento a professores, alunos e pais, nas variadas combinações que cada escola comporta. 1 Neste relatório, serão usadas as terminologias: Coordenador(es) Pedagógico(s) ou Coordenadora(s) Pedagógica(s), com a sigla CP. 2 A primeira fase da pesquisa, realizada em 2010, procedeu a um levantamento quantitativo, envolvendo 400 CP de 13 estados brasileiros. Breve relato descritivo encontra-se a partir da página 21 deste relatório e o relatório completo pode ser acessado em http://www.fvc.org.br/estudos-e-pesquisas/2010/perfil-coordenadores-pedagogicos-605038.shtml Esta segunda fase compreendeu um aprofundamento da análise, aplicação de questionários e entrevistas e painel de especialistas, como apresentado e descrito neste relatório.

6 Pensar os atores dessa escola singular gestores, professores, auxiliares de apoio e alunos, em suas relações com as questões do cotidiano escolar, do currículo, das relações interpessoais e pedagógicas, implica considerar as subjetividades em relação e a necessidade de formação, tendo em vista um instituído que lhes é apresentado como dado e que, frequentemente, não responde às suas necessidades, expectativas e aspirações. Nessas relações intersubjetivas direção-professor, professor-professor, professor-aluno, aluno-aluno e destes com o saber instituído pelos currículos, aparecem os conflitos, as contradições, as perdas de referência dos elementos estruturantes de seu modus vivendi. É certo que aparecem também as aderências ao proposto e as tentativas de fazê-lo o melhor possível (ALMEIDA E PLACCO, 2009). É nesse contexto que situamos o coordenador pedagógico 3 como ator privilegiado em nossa investigação, por entendermos que ele tem, na escola, uma função articuladora, formadora e transformadora (ALMEIDA E PLACCO, 2009) e, portanto, é o profissional mediador entre currículo e professores e, por excelência, o formador dos professores. Embora, com frequência, o Coordenador Pedagógico seja posto, na escola, como tomador de conta dos professores, ou como testa de ferro das autoridades de diferentes órgãos do sistema, outra é nossa compreensão, dado que ele tem uma função mediadora, no sentido de revelar/desvelar os significados das propostas curriculares, para que os professores elaborem seus próprios sentidos, (ALMEIDA E PLACCO, 2009) 4. Ele não pode perder de vista qual é seu papel na formação do aluno, no coletivo da escola, revendo suas práticas e construindo outras ou reafirmando as que se revelam promissoras e significativas para aqueles alunos, aquela escola, aquele momento histórico. Entendemos, assim, que compete ao Coordenador Pedagógico: articular o coletivo da escola, considerando as especificidades do contexto e as possibilidades reais de desenvolvimento de seus processos; formar os professores, no aprofundamento em sua área específica e em conhecimentos da área pedagógica, de modo que realize sua prática em consonância com os objetivos da escola e esses conhecimentos; transformar a realidade, por meio de um processo 3 A denominação para a função ou cargo do que estamos chamando de Coordenador Pedagógico (CP) é diferente, a depender das redes de ensino (municipal ou estadual) ou das regiões do Brasil. São elas: Professor-coordenador, Orientador Pedagógico, Pedagogo e Supervisor Pedagógico. 4 ALMEIDA, Laurinda Ramalho de; PLACCO, V. M. N. S.. O papel do coordenador pedagógico. Revista Educação, São Paulo - SP, p. 38-39, 1 fev. 2009.

7 reflexivo que questiona as ações e suas possibilidades de mudança, e do papel/compromisso de cada profissional com a melhoria da Educação escolar. Dada a importância desse ator no contexto de melhoria da qualidade da Educação, justifica-se aprofundar a discussão sobre como se caracteriza a Coordenação Pedagógica, em diferentes regiões geográficas brasileiras e evidenciar que, apesar das dificuldades enfrentadas, há realizações de Coordenadores Pedagógicos que merecem destaque por oferecerem indicações sobre a formação, o desenvolvimento profissional e acompanhamento da prática dos professores e, aos gestores e legisladores, sobre a pertinência da inclusão desse profissional nas escolas. Ainda que tenha aumentado o número de pesquisas que abordem a coordenação pedagógica em vários aspectos, apresenta-se como desafio caracterizar e analisar a atuação desse profissional nas diferentes regiões do Brasil de modo a acessar as especificidades relativas aos diferentes contextos da Educação escolar nacional. Assim, esta pesquisa investigou a coordenação pedagógica nas cinco regiões do país, nos seguintes estados e cidades: São Paulo, São Paulo; Paraná, Curitiba; Acre, Rio Branco; Goiás, Goiânia; e Rio Grande do Norte, Natal. Em cada uma das cidades, foram selecionadas quatro escolas duas da rede municipal e duas da rede estadual, um coordenador, um diretor e dois professores de cada escola, perfazendo o total de 16 informantes da pesquisa por região e 80 no total. A pesquisa foi realizada em cinco etapas, que forneceram elementos para o texto a seguir, quais sejam: 1 Estudo de literatura especializada, revisão da produção em pesquisa, levantamento da legislação de cada região e construção de um quadro inicial dessas informações, para elaboração do referencial teórico e dos instrumentos de coleta de dados, 2 Elaboração dos instrumentos de coleta de dados questionários e entrevistas, 3 Aplicação dos instrumentos e relato descritivo dos resultados, 4 Organização dos resultados com vista à elaboração e discussão dos dados. Deste modo, o texto que apresentamos se organiza em quatro partes. A primeira Parte I O trabalho do CP e a constituição de sua identidade profissional apresenta abordagens sobre o trabalho do CP na literatura especializada no Brasil e em alguns outros países, em textos e pesquisas sobre o tema no Brasil, na legislação e, ainda, alguns dos principais conceitos teóricos de Claude Dubar, os quais sustentam nossas análises sobre a constituição da identidade profissional do CP. Na parte II, apresentamos os procedimentos metológicos utilizados, momento em que caracterizamos os sujeitos da pesquisa e os contextos em que exercem suas atividades, além de apresentarmos os passos da pesquisa coleta de dados e procedimentos da análise. A parte III

8 traz a apresentação e a discussão dos resultados, com base em categorias que foram sendo construídas ao longo da elaboração da pesquisa. A última parte, IV, apresenta nossas conclusões. PARTE I O trabalho do CP e a constituição de sua identidade profissional 1.1 Considerações iniciais sobre o papel do CP Ao aceitarmos que a formação é um processo de socialização, em que os indivíduos adquirem valores, habilidades e conhecimentos coerentes com os grupos aos quais pertencem ou pretendem pertencer, entendemos que os professores, tanto quanto os alunos, aprendem na escola: Não apenas aprendem, como aprendem, aliás, aquilo que é verdadeiramente essencial: aprendem a sua profissão (CANÁRIO, 1998, p. 9). Embora a formação continuada possa ser feita por cursos (presenciais ou a distância), assessorias, orientações técnicas, com o concurso de universidades, de instituições governamentais e outras instâncias formativas, a literatura atesta a vitalidade maior da modalidade centrada na escola, a qual não é novidade. A formação centrada na escola nasce de estudos, em 1970, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico OCDE, para responder à ineficácia da formação que vinha se processando, dada a dificuldade de passar o veiculado em centros de formação para a escola, ou seja, aprender em um contexto e remeter a outro. É no contexto da formação continuada centrada na escola que situamos o papel do CP e, sem desmerecer a importância de outros profissionais do contexto escolar, reconhecemos seu papel decisivo junto aos professores, pois é na escola que ocorre, preferencialmente, a coincidência entre uma dinâmica formativa e um processo de construção de formas identitárias. O CP, em sua ação formativa, ao levar em conta as dimensões cognitivas, afetivas e sociais que constituem a prática dos professores, ao permitir a reconstrução dos mundos vividos pelos professores em sua trajetória pessoal e profissional, promove a constituição de formas identitárias da docência e da própria coordenação pedagógica. Tardif e Lessard (2005) lembram que o professor acaba desenvolvendo certezas ancoradas e, quando as perdem, perdem a autenticidade. É levando em conta a dimensão subjetiva do processo educacional, o sentido como unidade de análise desse processo, que o CP realiza o processo formativo de forma a provocar mudanças nas certezas ancoradas dos professores e suas próprias.

9 Temos discutido (ALMEIDA e PLACCO, 2009) que o CP tem, na escola, a função mediadora de revelar/desvelar os significados das propostas curriculares para que os professores elaborem seus próprios sentidos, deixando de conjugar o verbo cumprir obrigações curriculares e passando a conjugar os verbos aceitar, trabalhar, operacionalizar determinadas e criar propostas porque estas estão de acordo com suas crenças e seus compromissos sobre a escola e o aluno; e rejeitar as que lhes parecem inadequadas como proposta de trabalho para aqueles alunos, aquela escola, aquele momento histórico. Compete-lhe, então, em seu papel formador, oferecer condições ao professor para que aprofunde sua área específica e trabalhe bem com ela, ou seja, transforme seu conhecimento específico em ensino. Importa, então, destacar dois dos principais compromissos do CP: com uma formação que represente o projeto escolar institucional, atendendo aos objetivos curriculares da escola, e com a promoção do desenvolvimento dos professores, levando em conta suas relações interpessoais com os atores escolares, os pais e a comunidade. Imbricados no papel formativo, estão os papéis de articulador e transformador. Como articulador, para instaurar na escola o significado do trabalho coletivo, e como transformador, tendo participação no coletivo da escola, estimulando a reflexão, a dúvida, a criatividade e a inovação. Na articulação desses três papéis, cabe lembrar a afirmação de Azanha: Cada escola tem características pedagógico-sociais irredutíveis quando se trata de buscar soluções para os problemas que vive. A realidade de cada escola não buscada por meio de inúteis e pretensiosas tentativas de diagnóstico - mas como é sentida e vivenciada por alunos, pais e professores, é o único ponto de partida para um real e adequado esforço de melhoria. (José Mário Pires Azanha. Documento preliminar para reorientação das atividades da Secretaria. Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, 1983) 1.2. A coordenação pedagógica em sistemas de ensino internacionais A conferência Desenvolvimento profissional dos professores. Para a qualidade e para a equidade da aprendizagem ao longo da vida, realizada em Lisboa em setembro de 2007, no quadro do Conselho da União Europeia, enfatizou, ao lado do papel decisivo dos professores, no sentido de tornarem concretizáveis as metas educativas para a melhoria da qualidade da educação, a recomendação aos países membros do Conselho de que sejam incluídas, entre as grandes prioridades, manter e melhorar a qualidade de formação de professores ao longo de

10 toda a sua carreira. Foi defendida a posição de que os professores de cada uma das escolas sejam considerados como um coletivo, que se constitui em uma comunidade de aprendizagem, capaz de produzir novas práticas e saberes profissionais, interligando, assim, os processos formativos com a organização da gestão escolar (CANÁRIO, 2008). Embora não tenha sido posta em discussão a figura de um articulador desse processo, é lícito supor a necessidade de interlocutores qualificados para a constituição desse coletivo de aprendizagem. Transpondo para nossa realidade, entendemos que o CP poderia assumir esse papel. Há o consenso, dentro e fora do Brasil, quanto à importância da coordenação/orientação pedagógica para o contexto escolar, mesmo quando ela não é feita por um profissional em cada escola. No sistema escolar francês, por exemplo, existe a figura do conselheiro pedagógico, do qual se exigem competências e conhecimentos pedagógicos, didáticos e relacionais. O conselheiro pedagógico se reporta ao Inspetor de Educação Nacional, sendo seu colaborador direto. O papel do conselheiro pedagógico nas escolas é assistir às equipes de professores, notadamente para ajudá-las a gerenciar seu tempo e otimizar a organização e funcionamento dos ciclos pedagógicos. Esse conselheiro colabora na elaboração, realização e acompanhamento dos projetos da escola, coloca em execução atividades novas e acompanha os professores na realização dessas atividades e tem um papel de mediação com intervenientes exteriores. O documento que identifica as funções do conselheiro pedagógico explicita suas funções no que concerne ao papel de formador: Convém, pois, que o conselheiro pedagógico 5 : - Assegure sua função essencial de ajuda e de aconselhamento, que inclui um trabalho de mediação, de negociação e de ajuda na organização da classe, que integre as finalidades pedagógicas definidas no plano nacional; - Traga o olhar de fora, objetivo, confiante e construtivo de um professor experimentado, que permita ao professor, quaisquer que sejam as situações, nas quais trabalhe, ter um olhar positivo sobre a criança, desenvolver uma atitude reflexiva sobre sua prática e agregar uma dimensão social à sua função de ensino; 5 Disponível em http://www.educreuse23.ac-limoges.fr/cafipemf/conseiller2.htm (acesso em 20.10.2010).

11 - Por outro lado, que se beneficie de ações de formação prévias à sua entrada na função, e como seus outros colegas formadores, que se candidate aos estágios oferecidos pelo Plano Nacional de Formação, bem como às missões acadêmicas de formação, organizadas pelo pessoal da Educação Nacional, para responder às necessidades e expectativas específicas de sua profissão. Chamou-nos a atenção o fato de haver, em um documento, de âmbito normativo de funções e atribuições, uma atribuição relativa à postura do conselheiro pedagógico, que supõe a importância dos aspectos afetivos na relação com os professores e revela a concepção de que é na relação, na interação com os professores, que as condutas relacionadas ao ensino e aprendizagem são apropriadas, tornando possíveis, assim, condutas adequadas ou inadequadas, a depender das vivências nessas relações. No sistema escolar canadense, especificamente em Quebec, os conselheiros pedagógicos são encontrados nos três níveis de ensino (secundário, colegial e universitário). Sua principal tarefa é o aconselhamento do pessoal de ensino dos estabelecimentos escolares, relativamente a: implantação, desenvolvimento e avaliação dos programas de estudos; escolha e utilização de métodos, de técnicas, de equipamento e de material didático e pedagógico a fim de favorecer o desenvolvimento e a qualidade do ensino; importância de conhecer pesquisas, mudanças e inovações no domínio pedagógico; importância de informarse sobre as exigências de evolução profissional, e empenhar-se em processos de avaliação contínua. Compete-lhes ainda: identificar os objetivos pedagógicos, propor métodos de ensino e avaliar os progressos dos estudantes em função dos métodos utilizados; planejar, organizar e oferecer cursos de aperfeiçoamento ao pessoal de ensino e colaborar na elaboração de programas de formação continuada oferecidos pelas universidades; organizar e incentivar encontros com o pessoal de ensino, analisando suas necessidades e propondo soluções apropriadas; aconselhar a compra de equipamento e de material didático e pedagógico; ocupar-se da promoção de programas de cursos oferecidos à clientela e ao público. Interessante observar que, em França e no Canadá, as tarefas desse profissional denominado de conselheiro pedagógico giram em torno dos três eixos que caracterizam o papel do CP no Brasil formador, articulador e transformador. Evidencia-se, também, que seus espaços de atuação, suas funções, suas atribuições e, sobretudo, o seu papel de

12 articulador revelam que os sistemas educacionais desses países reconhecem a necessidade de um profissional na Educação escolar que faça a mediação dos processos educativos. Ainda no âmbito de países estrangeiros, Vezub (2010) relata experiências bemsucedidas sobre o desenvolvimento profissional docente centrado na escola em cinco países: Chile, Nicarágua, Moçambique, Portugal e Canadá (Ontário). Sistematiza os seguintes programas: LEM Campanha de Leitura, Escrita e Matemática, no Chile; CETT Centro de Excelência para Capacitação de Professores, na Nicarágua; CRESCER Cursos de Reforço Escolar, Sistemáticos, Contínuos, Experimentais e Reflexivos, em Moçambique; EXPLORANDO Programa de Formação de Professores do 1º Ciclo do Ensino Básico em Ensino Experimental de Ciências em Portugal; TLLP Programa de Aprendizagem e Liderança para Professores com Experiência, em Ontário. Incluímos tais experiências neste levantamento porque, em todas elas, aparece um ator de importância capital para a implementação dos programas: na estratégia LEM (Chile), que envolve universidades, Ministério de Educação Nacional, departamentos provinciais, municípios e escolas, a figura-chave do dispositivo é o Professor Consultor (PC), que assume o papel de capacitador e assessor. Essa pessoa é um docente, um colega, um pai, que foi selecionado por seu perfil acadêmico e profissional, com base em uma série de requisitos (VEZUB, 2010, p.36); a experiência CETT (Nicarágua) representa uma aliança de cooperação entre diversos organismos governamentais, privados, institutos de formação e universidades para atender principalmente a escolas rurais e de setores desfavorecidos da população, com baixo rendimento acadêmico, e aposta na formação de competências profissionais e no empoderamento pedagógico-didático dos professores, para que adotem uma postura críticoreflexiva sobre suas práticas. É um modelo em cascata: primeiro se forma um grupo de professores e diretores de escolas que transmitem essas aprendizagens aos docentes de suas respectivas comunidades. O programa prevê também a formação de assessores pedagógicos para trabalhar nos municípios e departamentos. A formação apresenta um módulo introdutório e outros quatro destinados a desenvolver competências para o ensino de leitura e escrita e sua avaliação: gestão democrática, gestão da área afetiva e gestão curricular. O CETT considera fundamental a assessoria nas aulas com o objetivo de ajudar os professores na transição que implica passar da compreensão da teoria para a implementação de novas práticas. O acompanhamento se inicia depois que o docente recebeu a primeira capacitação presencial e se prolonga por todo o ano letivo, pelo capacitador que...

13...é concebido como um mediador que estabelece uma relação horizontal e que facilita o acesso sistemático ao conhecimento prático-pedagógico de cada docente e ao saber pedagógico de natureza acadêmica e teórica [...] o capacitador ou acompanhante é um profissional da educação (professor com ampla experiência docente, licenciado em educação ou disciplinas afins), que domina o enfoque e a metodologia comunicativa para o ensino da leitura e escrita. (VEZUB, 2010, p. 58) O programa CRESCER (Moçambique), destinado a professores do Ensino Primário I (1º ao 5º ano), é um modelo em cascata, que começa com uma capacitação das equipes provinciais, a cargo de técnicos nacionais, integrados com instituições de formação. A base do dispositivo de formação é o trabalho em pequenos grupos de professores que se encontram regularmente para discutir, avaliar e refletir sobre suas experiências e estratégias de implementação de novas metodologias. Um componente importante do programa são as visitas de monitoramento e assistência regulares que os professores recebem em suas aulas, a cargo dos formadores. Ao analisar os dispositivos do Programa, Vezub (2010, p. 78) afirma: O trabalho de reflexão da prática que realizam os grupos de professores em suas escolas é mais frutífero quando se faz com a coordenação e supervisão de um colega experimentado, e especificamente preparado para este tipo de tarefa... O programa de formação de professores do 1º Ciclo de Ensino Básico em Ensino Experimental de Ciências (Portugal), conhecido como programa EXPLORANDO, está a cargo dos Institutos Superiores de Formação Docente e de Universidades que o ministério contrata. O modelo concebe a formação como um instrumento para o desenvolvimento social, pessoal e profissional do professor, integrando o conhecimento teórico e prático, base imprescindível das inovações. Prevê sessões de trabalho para construção e discussão de estratégias didáticas, e os formadores devem propiciar ambientes de trabalho nos quais os professores tenham liberdade para explicitar suas próprias ideias, refletir e questionar suas práticas, confrontar suas ideias com as dos colegas. As sessões de trabalho teórico-prático são de diferentes tipos, mas envolvem sempre a participação de um formador: cinco sessões plenárias com todos os professores da escola; nove sessões de grupo, agrupadas segundo pertencer a um mesmo ano de escolaridade; três sessões de escola, em grupos de quatro a seis professores da mesma escola; quatro sessões de acompanhamento em sala de aula, nas quais cada professor trabalha com seu formador na observação de práticas de aula, seguidas de reflexão.

14 O programa de Ontário para professores experientes é o único, dos cinco analisados, que responde quase exclusivamente às necessidades de desenvolvimento profissional e pessoal dos docentes, tal como formadas por eles mesmos. Essa política se dirige a um grupo específico de professores, aqueles com experiência docente que decidiram permanecer nessa função. Seu propósito é alcançar o intercâmbio, a transmissão de saberes entre colegas. Dos cinco casos, esse é o único em que as associações, grêmios e federações docentes participam ativamente, junto com as autoridades educativas. Ao focar o papel e as funções que desempenham os capacitadores ou formadores, Vezub (2010, p. 119) observa que as experiências citadas:...promovem uma relação horizontal com os professores em formação, atuam como mediadores entre o saber especializado e o saber prático; assumem a função de assessoramento, através de modalidades de tutoria ou consultoria que acompanham os professores em suas escolas e nas salas de aula para implementação das mudanças; objetivam envolver os gestores dos estabelecimentos para que assumam sua liderança pedagógica no interior das escolas e ofereçam apoio às atividades docentes. Os contextos abordados nas pesquisas citadas indicam a presença, sempre, de um profissional que articula a formação na escola, além de, em alguns casos, se responsabilizar por ela. Esse profissional, a nosso ver, tem um papel que se assemelha ao do CP, no Brasil. 1.3. A produção da literatura brasileira sobre a temática: contribuições e debates O levantamento das produções sobre coordenação pedagógica, no âmbito da pesquisa ou de reflexão sobre a prática, revela que, nos últimos anos, tem havido um interesse crescente sobre o tema, envolvendo desde perspectivas mais abrangentes, como a questão da profissão, da identidade profissional e carreira, até abordagens mais focadas no sujeito, como aspectos subjetivos, habilidades e competências, entre outros. Tal abundância de produção nos conduziu a recortes e a uma organização que melhor representasse essa produção. Assim, apresentamos, a seguir, uma breve síntese dos textos publicados em coletâneas que visam como público leitor o CP, cujo caráter se aproxima mais de reflexões sobre práticas ou concepções e, na sequencia, busca-se fazer o mesmo movimento em relação às dissertações e teses sobre o tema, defendidas em universidades brasileiras.

15 1.3.1 - O que revelam os textos Optou-se, ao examinar a literatura existente, tomar como objeto de análise aqueles textos que proclamaram como objetivo a preocupação em discutir o papel e as funções do CP. A indefinição das funções e a necessidade do atendimento às peculiaridades de cada escola são uma das discussões que se colocam. Mate (1998) argumenta sobre a necessidade de definir a identidade do coordenador, cujo espaço parece não estar assegurado; daí, os desvios da função e o engessamento de seu trabalho pelas relações de poder, tanto ao nível da escola como de outras instâncias dos órgãos governamentais. Afirma a autora que, se, por um lado, isso representa um empecilho, por outro pode levar a um movimento criativo para construir seu espaço: Vários estilos de coordenar trabalhos nas escolas estão em construção. Torna-se claro [...] que certa angústia acompanha essas experiências singulares e às vezes isoladas... (MATE, 1998, p. 18). Almeida (2000) também entra na linha da argumentação de atender às especificidades de cada escola ao registrar a experiência dos coordenadores que assumiram o Projeto Noturno (desencadeado pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo para a melhoria do ensino noturno) e que alavancaram seu trabalho nas particularidades de cada escola e na ressignificação do trabalho docente com base em objetivos comuns que atendessem às necessidades da escola e dos professores. Assume a autora que......a formação continuada deve estar centrada na escola [...]. É o lugar onde os saberes e as experiências são trocadas, validadas, apropriadas e rejeitadas [...]. É no cruzamento dos projetos individuais com o coletivo, nas negociações ali implicadas que a vida na escola se faz e que, quanto mais projetos individuais estejam contemplados no coletivo, maior a possibilidade de sucesso destes. (ALMEIDA, 2000, p. 86) Nessa mesma linha, Placco e Souza (2009, p. 28) afirmam: É preciso que o projeto da escola seja um espelho que reflita cada um de seus participantes, com suas marcas e características específicas, que contribuem, a seu modo, para o trabalho da escola. Mas esse espelho, a um só tempo, reflete também a escola, como coletivo, com objetivos e finalidades que visem à formação do aluno e dos professores. A questão dos saberes e das aprendizagens do adulto coordenador é abordada em alguns textos. André e Vieira (2006), com base na conceituação de Tardif (2002, p. 212), que atribui ao saber um sentido bem amplo, que engloba os conhecimentos, as habilidades (ou aptidões) e as atitudes dos docentes, ou seja, tudo o que foi muitas vezes chamado de saber, de saberfazer e de saber-ser, e do fato de o autor considerar que não se pode falar em saberes sem

16 relacioná-los com o contexto de trabalho, inspiram-se nos eixos propostos por ele para discutir os saberes do CP, destacando os aspectos que sustentam e promovem a ação de coordenar, conforme a entendemos nesta pesquisa: 1 A pessoa do trabalhador e seu trabalho a capacidade de articular diferentes tipos de saberes para solucionar os problemas que lhes chegam; 2 Pluralidade de saberes o coordenador, em sua atuação, precisa dominar saberes gerenciais, curriculares, pedagógicos, relacionais; 3 Temporalidade no transcorrer do saber os saberes modificam-se no transcorrer da trajetória profissional, ganhando novos formatos baseando-se nos contextos de trabalho. O coordenador precisa estar atento às brechas que a legislação e o cotidiano permitem para atuar, inovar e provocar inovações; 4 A experiência enquanto fundamento do saber ao confrontar os professores com a necessidade de variar as estratégias, e precisar o melhor momento e formas de fazê-lo, ao distribuir seu tempo para não se consumir pelas urgências, ao lidar com as relações interpessoais, o coordenador aciona saberes práticos, que se adquirem na experiência cotidiana; 5 Saberes humanos a respeito de seres humanos o coordenador precisa ser um profissional atento às mudanças na sociedade e na escola. Atento, também, às pessoas que o cercam, respeitando seus medos, inexperiências, frustrações; 6 Saber repensar a formação dos professores é de fundamental importância que o coordenador não se perca nas emergências e rotinas e subestime seu papel de formador. Deve lutar para garantir espaço para desempenhar esse papel, bem como para cuidar de sua própria formação continuada. Placco e Souza (2010) enfatizam não só os saberes necessários ao CP mas também os processos psicológicos que os coordenadores podem acionar no seu trabalho formativo junto aos professores, como: a memória, a metacognição, a subjetividade. Considerar a subjetividade, afirmam as autoras, permite ao coordenador ultrapassar uma visão limitadora de seu papel sem perder de vista os objetivos propostos pela equipe escolar. Dessa forma, será: [...] ao mesmo tempo, mediador e construtor de novos sentidos para e com o formando em qualquer processo de formação, tanto no momento da experiência quanto na reconstrução dessas ao longo da vida. O papel do formador em relação à aprendizagem do adulto se assemelha à tarefa do maestro em uma orquestra: de sua

17 batuta sai o movimento e a energia para a coordenação do grupo e a expressão singular de cada músico, mas a obra sinfônica só ganha existência na manifestação do conjunto (PLACCO, SOUZA, 2006, p. 46). A questão da coformação na escola, importante para a articulação de um trabalho coletivo, é enfocada por Cunha e Prado (2008). Com base no pressuposto defendido por Canário (2000), na perspectiva da formação em contexto centrada na escola que se ocupa dos saberes profissionais emergentes do contexto de ação dos professores, os autores discutem a importância de o coordenador ser o interlocutor privilegiado entre os professores em suas reflexões sobre a prática. Fujikawa (2006), partindo do pressuposto de que cabe ao coordenador um importante papel no estabelecimento de parcerias, divisão de tarefas, planejamento de instrumentos de reflexão e de avaliação, bem como valorização das conquistas realizadas, apresenta o registro escrito da prática pedagógica como um instrumento de reflexão e oportunidade formativa. Na escrita de sua prática, tanto o professor como o coordenador assumem a autoria daquilo que fazem, suas escolhas e opções, avaliando as decisões tomadas, revelando as concepções sobre as quais apóia suas ações [...] (FUJIKAWA, 2006, p. 128). Bruno (1998), ao tratar dos desencontros de expectativas dos diferentes envolvidos na construção do trabalho coletivo das escolas, ao questionar qual seria o papel do coordenador, afirma: Podemos pensar em três visões possíveis para o papel do coordenador: uma como representante dos objetivos e princípios da rede escolar a que pertence (...), outra, como educador que tem a obrigação de favorecer a formação dos professores, colocando-os em contato com diversos autores e experiências para que elaborem suas próprias críticas e visões de escola (ainda que sob as diretrizes da rede em que atuam) e, finalmente, como alguém que tenta fazer valer suas convicções, impondo seu modelo para o projeto pedagógico (BRUNO, 1998, p. 15). O texto de Almeida (2006) também aponta a necessidade de o coordenador ser cuidado por outras instâncias do sistema. Ao discutir a questão do cuidar, parte de cinco eixos: a formação para o cuidar, o cuidar do fazer, o cuidar do conhecimento já elaborado, o cuidar da elaboração de projetos de vida éticos, o cuidar de si mesmo questões que o professor deve levar em conta em seu trabalho, conclui: Entendemos que o cuidado pressupõe reciprocidade; quando me proponho a cuidar, recebo respostas de cuidado em meu entorno. Julgamos, porém, que cabe às instâncias superiores à escola (em decorrência de políticas públicas) oferecer ao coordenador recursos para um desempenho satisfatório e cuidados com sua formação.

18 Atribuir-lhe responsabilidades sem as condições necessárias para as respostas adequadas é negar-lhe esse cuidar (ALMEIDA, 2006, p. 59). O texto de Garrido (2000) relata uma experiência de formação continuada com 50 professores coordenadores da rede estadual de ensino de São Paulo que participaram de curso conveniado entre a Secretaria de Estado da Educação e a USP Universidade de São Paulo. Relata que o começo foi difícil porque os coordenadores não se percebiam reconhecidos por seus pares, percebiam-se desgastados, fragilizados, perdendo tempo. Aos poucos, foram expondo suas dificuldades, angústias, cobranças. A coesão do grupo foi nascendo da partilha, do clima de cumplicidade e do reconhecimento de que tinham trajetórias existenciais, crenças, esperanças, utopias, projetos e problemas comuns. Sentiram-se fortalecidos e comprometidos com o grupo. Por meio da própria vivência, tomaram consciência da importância de trabalhar a identidade e a coesão grupal entre os professores. Se eles não se identificassem com seus pares e se não houvesse coesão do grupo, o trabalho coletivo não teria como andar, por falta de compromisso, envolvimento, confiança, respeito e espírito de cooperação. Apresentaram exemplos de situações e de atitudes que podiam favorecer ou minar o trabalho coletivo. Esses casos foram dramatizados e discutidos pelo grupo (GARRIDO, 2000, p. 12). Com base nessa coesão, surgiram os grupos de referência, que passaram a se constituir como equipes de apoio para os coordenadores, para que estes, ao final do curso, não voltassem para seu isolamento. Cabe lembrar ainda o texto de Fusari (2000), ao relatar pesquisa feita com 80 coordenadores pedagógicos sobre formação continuada. Dos 80: [...] apenas dois CPs (2,4%) afirmam que a formação contínua na própria escola não funciona; quanto ao funcionamento do local, 55 (68,7%) afirmam que funciona muito a formação contínua fora e dentro da escola; 32 (40%), no cotidiano da própria escola, e 27 (33,7%), fora da escola. É animador constatar que a maioria já percebe o valor de a formação contínua ocorrer no cotidiano de trabalho e também, mas não só, fora da escola. O que é recorrente nos textos analisados é a defesa de que a função principal do CP é a formação continuada dos professores, seja na própria escola, em horários de trabalho pedagógico coletivo ou atendimento individual, seja estimulando sua participação em cursos, congressos, seminários e orientações técnicas. Os textos sugerem que as atribuições do coordenador, no que se refere à dimensão formativa, se fundamentam em: promover a articulação da equipe escolar para elaborar o projeto político-pedagógico da escola, mediar as relações interpessoais, planejar, organizar e

19 conduzir as reuniões pedagógicas, enfrentar as relações de poder desencadeadas na escola, desempenhar sua prática atendendo à diversidade dos professores e das escolas, efetivar o registro escrito como forma de sustentar a autoria de seu papel na escola. Para tanto, saberes específicos são requeridos, além dos saberes da docência, embora ancorados neles, o que se reporta à necessidade de novas aprendizagens, tanto para o adulto professor como para o adulto coordenador. 1.3.2 - O que revelam as teses e dissertações Em consulta feita à Biblioteca Digital de Teses e Dissertações do Ministério de Ciência e Tecnologia 6, utilizando como descritor a expressão coordenação pedagógica nos títulos, nas palavras-chave e nos resumos, foram acessados 500 trabalhos realizados no período de 1981 a 2010. Verificou-se que, na maior parte deles, coordenação pedagógica aparece nos resumos, remetendo à ideia de prática pedagógica, mediação pedagógica, organização pedagógica, trabalho pedagógico, tutoria, construção de parcerias, ação coletiva, salas de apoio, projetos pedagógicos, entre outros, e se refere tanto a contextos escolares como a não escolares. Essa constatação conduziu-nos a refinar a pesquisa, tomando como critério a coordenação na escola e ficamos com 200 trabalhos, que tratam de contextos escolares, neles incluídos trabalhos sobre creches, educação infantil, ensino fundamental e médio, ensino superior, escola de música, escola de línguas, EAD (Educação a Distância), AVA (Ambiente Virtual de Aprendizagem), hospitais. Do total de 200 trabalhos, 36 têm como lócus a rede pública estadual, e 59, a rede pública municipal. Os gráficos 1 e 2, a seguir, elaborados com base nessa etapa, evidenciam que os trabalhos sobre coordenação pedagógica apresentam crescimento considerável a partir de 2003, sendo maior o número de dissertações. Apesar dos resultados apresentados no ano de 2010 sugerirem uma possível queda na produção de pesquisas que tratam da Coordenação Pedagógica, é importante considerar que muitos trabalhos defendidos nesse ano não estão acessíveis porque levam certo tempo para que sejam disponibilizados para a consulta pública. Evidenciam também os gráficos, que estudos sobre a rede pública municipal suplantam os da rede estadual e que a maior incidência de trabalhos surge a partir de 2006. 6 Disponível em http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses. Acesso em 28/10/2010

20 Gráfico 1-Distribuição dos 200 trabalhos produzidos entre 1981 e 2010 Observação: M- Mestrado e D-Doutorado Gráfico 2-Produção por Rede de Ensino Nova consulta, desta vez empregando os descritores Coordenador Pedagógico, Professor Coordenador Pedagógico e Pedagogo, permitiu a identificação de 20 trabalhos realizados no período, revelando que as novas denominações desse profissional também se tornaram objeto de interesse de pesquisadores. A consulta ao Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) 7, utilizando as palavras-chave Coordenador Pedagógico, no período de 1987 a 2009 (o banco só oferece trabalhos a partir de 1987), revelou 77 teses, nas quais 11 a expressão Coordenador Pedagógico aparece no título ou no resumo, considerando que a ferramenta de pesquisa realiza a busca também no resumo. Revelou, ainda, 440 dissertações, das quais 65 7 Último acesso em 28.3.2011