OS BENEFÍCIOS FISCAIS À REABILITAÇÃO URBANA ENQUADRAMENTO. Tax benefits on urban rehabilitation. Os benefícios fiscais à reabilitação urbana



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Transcrição:

152 Actualidad Jurídica Uría Menéndez / 42-2016 / 152-156 OS BENEFÍCIOS FISCAIS À REABILITAÇÃO URBANA Os benefícios fiscais à reabilitação urbana A recente recuperação do mercado imobiliário em Portugal tem vindo a atribuir especial destaque à reabilitação do património urbano degradado ainda existente. Como forma de impulsionar este fenómeno e aliciar investidores, a atividade de reabilitação urbana tem como suporte um regime de tributação atrativo. O presente artigo procura identificar os benefícios fiscais à reabilitação urbana e enunciar as principais questões associadas a este regime de incentivos Tax benefits on urban rehabilitation The recent recovery of the Portuguese real estate market has been granting a special highlight on the rehabilitation of the still existing degraded urban real estate. In order to boost this phenomenon and draw investors, the activity of urban rehabilitation is supported by an attractive tax regime. This article is intended to identify the tax benefits linked to urban rehabilitation and enunciate the main questions arising from this incentives regime PALAVRAS CHAVE Reabilitação urbana, Imóveis, Benefícios fiscais, Isenções, Taxas reduzidas. KEY WORDS Urban rehabilitation, Real estate, Tax benefits, Exemptions, Reduced rates. Fecha de recepción: 19-1-2016 Fecha de aceptación: 1-2-2016 ENQUADRAMENTO Apesar da clara importância dos benefícios fiscais à reabilitação urbana no contexto atual do mercado imobiliário português, este regime não é uma novidade no ordenamento jurídico nacional. Dada a situação precária da larga maioria do património imobiliário nos principais centros urbanos em Portugal no início do século XXI, os primeiros benefícios fiscais à reabilitação urbana tiveram origem em 2003 na Reforma da Tributação do Património, introduzida pelo Decreto-Lei 287/2003, o qual aprovou o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis («IMI») e o Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis («IMT»), e introduziu ainda alterações ao Estatuto dos Benefícios Fiscais («EBF»). Nesta primeira fase, os benefícios fiscais à reabilitação urbana resumiam-se por um lado à possibilidade dos municípios, ao abrigo do n.º 5 do artigo 112.º do Código do IMI (atual n.º 6 do artigo 112.º) poderem definir áreas territoriais para serem objeto de operações de reabilitação urbana ou combate à desertificação, e majorar ou minorar até 30% a taxa de IMI aplicável ao ano em questão, e por outro, à isenção temporária de IMI e à isenção de IMT, ambas previstas no então artigo 40.º-A do EBF (atual artigo 45.º). Posteriormente, o artigo 61.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2007) veio aumentar o número de benefícios fiscais à reabilitação urbana e aprovou a aplicação da taxa reduzida de 6% de Imposto sobre o Valor Acrescentado («IVA») a determinados contratos de empreitada de reabilitação urbana. Subsequentemente, o artigo 82.º da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2008) veio aprovar o Regime Extraordinário de Apoio à Reabilitação Urbana aplicável às ações de reabilitação urbana iniciadas entre 1 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2010, e concluídas até 31 dezembro de 2012 que incluía um vasto leque de benefícios fiscais, concretizados numa isenção temporária de IMI para prédios que tivessem sido objeto de ações de reabilitação em áreas de reabilitação urbana, numa isenção de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas («IRC») sobre os rendimentos obtidos por fundos de investimento imobiliário cujo ativo estivesse predominante afeto a ações de reabilitação urbana e ainda, na aplicação de uma taxa reduzida sobre os rendimentos de capitais ou mais-valias obtidas pelos titulares das unidades de participação nos referidos fundos de investimento imobiliário, quer em sede de IRC, quer em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares («IRS»). Por fim, a Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2009) revogou o Regime Extraordinário de Apoio à Reabilitação Urbana e transferiu de forma permanente os benefícios fiscais contidos nesse regime para o artigo 71.º do EBF, com a epígrafe «Incentivos à reabilitação urbana», introduzindo simultaneamente novidades adicionais como taxas reduzidas em sede de IRS para rendimentos decorrentes de atividades relacionadas com prédios reabilitados e uma nova isenção de IMT para a primeira transmissão dos mesmos. Atualmente mantém-se em vigor os benefícios fiscais à reabilitação urbana introduzidos ao longo dos últi-

FORO DE ACTUALIDAD 153 mos anos e face à sua evolução legislativa é possível aferir desde logo que o legislador começou, numa fase inicial, em sede de tributação do património e do consumo, por incentivar os sujeitos passivos a adquirirem imóveis para reabilitar, e acabou por complementar este regime numa fase posterior com a introdução de novos benefícios fiscais, nomeadamente em sede de tributação dos rendimentos, desta vez para incentivar a aquisição de prédios reabilitados. BENEFÍCIOS EM SEDE DE TRIBUTAÇÃO DO PATRIMÓNIO IMT Com o objetivo de incentivar os sujeitos passivos a optar pela reabilitação urbana, estabelece o n.º 2 do artigo 45.º do EBF que estão isentas de IMT as aquisições de prédios urbanos destinados a reabilitação urbana, desde que o adquirente inicie as respetivas obras no prazo de três anos a contar da aquisição. Para poder beneficiar desta isenção, as obras deverão (i) ser enquadradas na definição «reabilitação urbanística» plasmado no n.º 3 do artigo 45 do EBF, que consiste no «processo de transformação do solo urbanizado, compreendendo a execução de obras de construção, reconstrução, alteração, ampliação, demolição e conservação de edifícios, tal como definidas no regime jurídico da urbanização e da edificação, com o objetivo de melhorar as condições de uso, conservando o seu caráter fundamental, bem como o conjunto de operações urbanísticas e de loteamento e de obras de urbanização, que visem a recuperação de zonas históricas e de áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística»; (ii) ser certificadas pelo Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I. P. ou pela Câmara Municipal competente, consoante o caso; e (iii) ao prédio reabilitado deverá ser atribuída uma classificação energética igual ou superior a «A» ou uma classificação energética superior àquela certificada antes das obras de reabilitação em pelo menos dois níveis energéticos, com exceção dos prédios dispensados dos requisitos de eficiência energética ao abrigo regime excecional aplicável à reabilitação urbana aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2014, de 8 de abril. O reconhecimento da isenção cabe, regra geral, à Câmara Municipal da área de situação do prédio e deverá ser feita depois de concluídas as obras de reabilitação e atribuída a certificação urbanística e energética ao prédio reabilitado. Tendo em consideração que a isenção está dependente de reconhecimento, o IMT é pago a priori, na aquisição do prédio destinado a reabilitação, e apenas restituído ao adquirente após o reconhecimento da isenção. Uma vez reconhecida a isenção, a Câmara Municipal deverá comunicá-la ao serviço de finanças da área da situação dos prédios no prazo de 30 dias para que o mesmo possa anular as liquidações de IMT e restituir o imposto pago ao sujeito passivo. Finalmente, estabelece o n.º 7 do artigo 45.º do EBF que os benefícios fiscais previstos neste artigo não são cumuláveis com benefícios fiscais de idêntica natureza, sem prejuízo da opção por outro mais favorável. Paralelamente, e por forma a incentivar a aquisição de imóveis reabilitados, de acordo com os n.ºs 8, 20 e 21 do artigo 71.º do EBF, estão isentas de IMT as transmissões onerosas de prédios urbanos ou frações autónomas prédios urbanos desde que (i) seja a primeira transmissão onerosa do imóvel após a ação de reabilitação; (ii) o imóvel reabilitado seja destinado exclusivamente a habitação própria e permanente; (iii) o imóvel reabilitado esteja localizado numa área de reabilitação urbana ou seja um imóvel arrendado passível de atualização faseada das rendas nos termos dos artigos 27.º e seguintes do Novo Regime do Arrendamento Urbano («NRAU»); e (iv) as obras de reabilitação tenham sido iniciadas após 1 de janeiro de 2008 e estejam concluídas antes de 31 de dezembro de 2020. À semelhança do artigo 45.º do EBF referido acima, o artigo 71.º do EBF estabelece a sua própria definição de ação reabilitação urbana, e também as definições de «área de reabilitação urbana» e «estado de conservação», elementares para a aplicação deste regime. Com efeito, entende-se como: Ações de reabilitação - «as intervenções destinadas a conferir adequadas características de desempenho e de segurança funcional, estrutural e construtiva a um ou vários edifícios, ou às construções funcionalmente adjacentes incorporadas no seu logradouro, bem como às suas fracções, ou a conceder-lhe novas aptidões funcionais, com vista a permitir novos usos ou o mesmo uso com padrões de desempenho mais elevados, das quais resulte um estado de conservação do imóvel, pelo menos, dois níveis acima do atribuído antes da intervenção»; Área de reabilitação urbana - «a área territorialmente delimitada, compreendendo espaços urbanos caracterizados pela insuficiência, degradação ou obsolescência dos edifícios, das infra-estruturas urbanísticas, dos equipamentos sociais, das áreas livres e espaços verdes, podendo abranger designadamente áreas e centros históricos, zonas de protec-

154 Actualidad Jurídica Uría Menéndez / 42-2016 / 152-156 ção de imóveis classificados ou em vias de classificação, nos termos da Lei de Bases do Património Cultural, áreas urbanas degradadas ou zonas urbanas consolidadas»; e Estado de conservação - «o estado do edifício ou da habitação determinado nos termos do disposto no NRAU e no Decreto-Lei n.º 156/2006, de 8 de Agosto, para efeito de actualização faseada das rendas ou, quando não seja o caso, classificado pelos competentes serviços municipais, em vistoria realizada para o efeito, com referência aos níveis de conservação constantes do quadro do artigo 33.º do NRAU». O âmbito e o alcance exato desta isenção está dependente de deliberação da Assembleia Municipal e a competência para comprovar o início e a conclusão das obras de reabilitação, bem como para verificar o estado do imóvel antes e depois das obras, é da Câmara Municipal ou de outra entidade legalmente habilitada para gerir um programa de reabilitação urbana para a área de localização do imóvel. IMI Em sede de IMI prevê o n.º 1 do artigo 45.º do EBF que os prédios urbanos objeto de reabilitação urbana estão isentos de IMI durante um período de três anos a contar, inclusive, do ano em que a licença camarária de construção foi emitida. Esta isenção temporária de IMI opera nos mesmos termos referidos acima para a isenção de IMT prevista no mesmo artigo. Em suma, a obra de reabilitação deverá ser enquadrada na definição de «reabilitação urbanística», os níveis energéticos deverão ser elevados, o IMI deverá ser pago a priori e apenas será restituído ao sujeito passivo após o reconhecimento da isenção por parte da Câmara Municipal da área de situação do prédio. Já o artigo n.º 7 do artigo 71.º do EBF prevê que os prédios urbanos objeto de ações de reabilitação urbana podem beneficiar de uma isenção de IMI pelo prazo de cinco anos a contar, inclusive, do ano em que a ação de reabilitação foi concluída, com a possibilidade de renovar a isenção por um período adicional de cinco anos. A isenção de IMI ao abrigo do artigo 71.º do EBF opera nos mesmos moldes referidos supra para a isenção de IMT, com exceção da necessidade do prédio reabilitado ser transmitido pela primeira vez para ser utilizado exclusivamente para habitação própria e permanente do adquirente (que no caso do IMI não é aplicável). A Inconsistência Conceptual Identificados os benefícios fiscais à reabilitação urbana em sede de tributação do património, não podemos deixar de referir que o conjunto de benefícios fiscais à reabilitação urbana previsto nos artigos 45.º e 71.º do EBF peca pela falta de consistência nas suas definições chave. Com efeito, para a aplicação da isenção prevista no artigo 45.º do EBF, é necessário que as obras possam ser enquadradas na definição de «reabilitação urbanística», que estabelece a necessidade do edifício, após as obras de reabilitação, sejam elas de construção, reconstrução, alteração, ampliação, demolição ou conservação, manter o seu carácter fundamental, enquanto a definição de «ação de reabilitação» para a aplicação da isenção prevista no artigo 71.º do EBF, não menciona o tipo de obras a levar a cabo ou a manutenção do carácter fundamental da obra, parecendo assim conter um âmbito de aplicação mais amplo. Neste contexto, importa notar que a definição de «reabilitação urbanística» prevista no artigo 45.º do EBF encontra a sua origem, e corresponde quase na íntegra à definição de «reabilitação urbana» do n.º 2 artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 104/2004, de 7 de maio, que estabelecia regime jurídico excecional da reabilitação urbana de zonas históricas e de áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística. Este diploma foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro que contém o atual Regime Jurídico da Reabilitação Urbana («RJRU»). Por sua vez, a definição de «ação de reabilitação urbana» prevista no artigo 71.º do EBF, embora correspondente em parte à definição de «reabilitação de edifícios» prevista na alínea i) do artigo 2.º do RJRU, não encontra, contudo, correspondência com a definição de «reabilitação urbana» prevista na alínea j) do mesmo artigo, de acordo com a qual a reabilitação urbana consiste na «forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infraestruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização coletiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios». Esta definição de reabilitação urbana, prevista no regime legal próprio, clarifica não só a natureza das obras que integram o conceito, mas também a necessidade de manutenção no todo ou em parte substancial do património urbanístico e imobiliário existente.

FORO DE ACTUALIDAD 155 Assim, para além da inconsistência verificada no próprio do EBF, também é clara a inconsistência existente nas definições estabelecidas no EBF e no RJRU. Face ao exposto, torna-se evidente que ao abrigo do conjunto de benefícios fiscais à reabilitação urbana formado pelos artigos 45.º e 71.º do EBF, vigoram definições diferentes de «reabilitação urbana», o que não vimos como se possa justificar em função dos objetivos prosseguidos pelos benefícios consagrados em cada um dos artigos. Para nós, a inconsistência conceptual a um regime tão importante é inaceitável pelo que se deveria apelar à sua uniformização e ao recurso às definições contidas no regime legal próprio, ou seja, no RJRU. Contudo, na ausência deste procedimento e na presença de duas definições distintas no EBF, entendemos que a definição de «ação de reabilitação urbana» prevista no artigo 71.º do EBF, fundada no RJRU em vigor, deverá ser considerada, para efeitos da aplicação dos benefícios fiscais à reabilitação urbana, como mais adequada, em prejuízo da definição de «reabilitação urbanística» ínsita no artigo 45.º do EBF, definição essa apoiada num diploma hoje em dia revogado. A Cumulação de Benefícios Tal como referido supra, estabelece o n.º 7 do artigo 45.º do EBF que os benefícios fiscais previstos nesse artigo não são cumuláveis com outros benefícios fiscais de idêntica natureza e o sujeito passivo pode optar por outro mais favorável. Neste contexto, face às dúvidas existentes na articulação dos benefícios fiscais previstos nos artigos 45.º e 71.º do EBF, a Autoridade Tributária e Aduaneira («AT») veio, recentemente, através do Ofício Circulado n.º 40109, de 21 de julho de 2015, sancionar o entendimento de que as isenções de IMI consagradas em ambos os artigos «embora operem em momentos diferentes, porque visam criar incentivos à reabilitação urbana, tutelando o interesse público consistente em recuperar e preservar o património imobiliário urbano, têm idêntica natureza, não sendo cumulativos, devendo o sujeito passivo optar por aquele que lhe for mais favorável, conforme previsto no n.º 7 do artigo 45.º do EBF. (..). Estas isenções têm, também, natureza objetiva, por serem concedidas em relação aos prédios, independentemente da qualidade dos seus titulares, pelo que, na apreciação dos respetivos pressupostos, é irrelevante uma eventual alteração da titularidade dos prédios». Portanto, de acordo com a interpretação da AT, um sujeito passivo que tenha adquirido um prédio para reabilitar e tenha obtido o reembolso do IMI pago durante os três anos a contar da emissão da licença camarária ao abrigo do artigo 45.º do EBF, terá de liquidar e pagar o IMI referente a este período para que, após a conclusão das obras, o prédio possa beneficiar da isenção de IMI por um prazo cinco anos (renovável por outros cinco) nos termos do n.º 7 do artigo 71.º do EBF. Da nossa parte, não se afigura como uma tarefa fácil compreender esta posição da AT na medida em que, apesar de ambas as isenções criarem incentivos à reabilitação urbana, uma pretende incentivar a reabilitação, isentando o sujeito passivo de IMI durante a própria reabilitação, enquanto outra incentiva a aquisição de prédios reabilitados, isentando o sujeito passivo (que reabilitou ou que adquire reabilitado) de IMI durante cinco ou dez anos após a conclusão das obras reabilitação. Por conseguinte, ainda que as isenções sejam concedidas em função dos prédios (e não dos sujeitos passivos), não se compreende a referência à irrelevância do sujeito passivo titular dos prédios pois assim sendo, tendo o sujeito passivo reabilitador optado pela isenção prevista no artigo 45.º, precludida está a isenção de IMI para o sujeito passivo que adquira o prédio reabilitado após as obras de reabilitação, a não ser que o sujeito passivo reabilitador renuncie à isenção de que beneficiou e liquide o imposto devido (que apenas tenderá a renunciar caso o benefício económico consequente, refletido no preço de venda do prédio, seja superior à poupança fiscal anteriormente obtida através da isenção). Tendo em consideração o sistema de benefícios fiscais à reabilitação urbana como um todo, e também os diferentes objetivos subjacentes às disposições em análise, entendemos que não poderá ter sido a intenção do legislador limitar a aplicação das isenções em sede de IMI ou à reabilitação de prédios, ou à aquisição de prédios reabilitados. Finalmente, importa ainda notar que o Ofício Circulado n.º 40109, de 21 de julho de 2015, não refere qualquer conflito relativamente às isenções de IMT previstas em ambos os artigos. Em sede de IMT, consideramos ser ainda mais evidente a possibilidade de cumulação dos benefícios e não vislumbramos como é possível sustentar, com base na mesma fundamentação, a não aplicação cumulativa de ambas as isenções, tendo em consideração que o benefício fiscal à aquisição de prédios reabilitados depende por um lado da qualidade do sujeito pas-

156 Actualidad Jurídica Uría Menéndez / 42-2016 / 152-156 sivo, que terá de ser uma pessoa singular a adquirir um imóvel exclusivamente para habitação própria e permanente, e por outro, do momento da transmissão, que deverá ser a primeira desde a conclusão das obras de reabilitação. Não obstante, não podemos excluir a possibilidade da AT vir a ter outra interpretação sobre a articulação destas normas. BENEFÍCIOS EM SEDE DE TRIBUTAÇÃO DO CONSUMO Em sede de IVA, os benefícios à reabilitação urbana encontram apoio nas verbas 2.23 e 2.24 da lista I anexa ao Código do IVA, relativa a bens sujeitos à taxa reduzida atual de 6%. Com efeito, os contratos de empreitadas de reabilitação urbana encontram-se sujeitos à taxa reduzida de IVA desde que (i) a obra qualifique como reabilitação urbana tal como definida no RJRU; (ii) o imóvel ou espaço público esteja localizado numa área de reabilitação urbana ou esteja enquadrado no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional. As empreitadas de reabilitação de imóveis, independentemente da sua localização, contratadas diretamente pelo Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana ou aquelas efetuadas ao abrigo de regime especiais de apoio financeiro ou fiscal à reabilitação urbana ou apoiadas financeiramente pelo IHRU também beneficiam da taxa reduzida de IVA. Neste contexto, não podemos deixar de sublinhar que a verba 2.23 faz uma remissão - e bem -para a definição de reabilitação urbana contida no diploma próprio, o RJRU. Assim, para além das definições díspares nos artigos 45.º e 71.º do EBF, notamos que no conjunto de benefícios fiscais à reabilitação urbana operam, infelizmente, três definições de reabilitação urbana distintas. Na prática, para que a redução do IVA possa ser aplicável, deverá ser exibido o documento emitido pela Câmara Municipal da área da situação do prédio, comprovativo da localização do imóvel em Área de Reabilitação Urbana. BENEFÍCIOS EM SEDE DE TRIBUTAÇÃO DOS RENDIMENTOS Em sede de IRC, o principal benefício fiscal à reabilitação urbana refere-se a fundos de investimento imobiliário. Ao abrigo do n.º 1 do artigo 71.º do EBF, os rendimentos de qualquer natureza obtidos por fundos de investimento imobiliário que operem de acordo com a legislação nacional, constituídos entre 1 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2013, estão isentos de IRC desde que pelo menos 75% dos seu ativos sejam bens imóveis localizados em áreas de reabilitação urbana, sujeitos a ações de reabilitação urbana (tal como definida para efeitos desse artigo). Por sua vez, os resgates ou as distribuições de lucros aos titulares de unidades em participação nestes fundos beneficiam de uma taxa reduzida de retenção na fonte em sede de IRC ou IRS de 10%, exceto quando os beneficiários sejam entidades residentes num paraíso fiscal, tal como definidos na Portaria 150/2004, de 13 de fevereiro, ou entidades não residentes detidas direta ou indiretamente em mais de 25% por entidades residentes para efeitos fiscais em Portugal. Os rendimentos de capitais obtidos por entidades isentas ou entidades não residentes sem estabelecimento estável em Portugal ao qual possam ser imputados os rendimentos não estão sujeitos a retenção na fonte. Por fim, o saldo positivo entre as mais e menos-valias realizadas com a alienação de unidades de participação poderá estar sujeito à taxa especial de 10%. Quanto aos benefícios fiscais a ações de reabilitação urbana realizadas por sujeitos passivos individuais, estabelecem os n.ºs 4, 5 e 6 do artigo 71.º do EBF uma dedução à coleta de 30% dos encargos suportados pelo proprietário com a reabilitação, até um limite de 500 e uma taxa especial de IRS de 5% sobre mais-valias e rendimentos prediais obtidos com imóveis reabilitados e localizados em áreas de reabitação urbana. CONSIDERAÇÕES FINAIS Face a todo o exposto, é evidente o impulso que os benefícios fiscais à reabilitação urbana proporcionam à recuperação e reabilitação do património urbanístico degradado. Contudo, tal como demonstrado, o regime peca pela falta de consistência nas suas definições chave, o que acaba por suscitar dúvidas interpretativas e práticas nas operações de reabilitação levadas a cabo pelos sujeitos passivos. Fundamente, a própria interpretação das definições relevantes e a articulação na aplicação dos diferentes benefícios também se revelam um obstáculo ao funcionamento deste regime que, tendo em conta o crescente número de operações de reabilitação, apela a uma intervenção atualista e coerente do legislador. FILIPE ROMÃO y GERARD EVERAERT* * Abogados del Área de Derecho Fiscal y Laboral de Uría Menéndez (Lisboa).