Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas [IRC] Lei n.º 2/2014 de 16 de Janeiro A Lei n.º 2/2014 de 16 de Janeiro veio proceder à reforma da tributação do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC). Nas próximas linhas tentaremos sumariar algumas das principais novidades. Revisão do regime de transparência fiscal O regime da transparência fiscal foi profundamente alterado. Nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 2 do CIRC, passa agora a estender-se o regime de transparência fiscal a sociedades profissionais cujos rendimentos provenham, em mais de 75%, do exercício conjunto ou isolado de atividades profissionais especificamente previstas no artigo 151.º do Código do IRS, desde que se verifiquem, cumulativamente, em qualquer dia do período de tributação, os seguintes requisitos: i) o número de sócios não seja superior a cinco; ii) nenhum dos sócios seja pessoa coletiva de direito público; iii) pelo menos 75% do capital social seja detido por profissionais que exerçam as referidas atividades, total ou parcialmente através da sociedade. Assim, se por ex.º, uma sociedade era até aqui detida em 80% por um médico ou arquiteto e em 20% por um profissional de outra atividade, pode cair no regime da transparência fiscal. A referência a qualquer dia do período de tributação e a vacatio legis da lei, fazem adivinhar o surgimento de problemas judiciais, a não ser que entretanto surja clarificação legal ou administrativa.. Alteração do regime de isenção das reservas e dos lucros à saída de Portugal Nos termos do art.º 14.º do CIRC, estende se o regime de isenção a participações sociais iguais ou superiores a 5%, passando se a prever o alargamento do regime de isenção a lucros e reservas que sejam colocado(a)s à disposição de uma determinada entidade que seja residente de um Estado com o qual tenha sido celebrada Convenção de Dupla Tributação. Esta isenção, contudo, só opera no caso da referida entidade estar sujeita no Estado de residência a uma taxa não inferior a 60% da taxa do IRC. Para ser possível aproveitar a isenção exige se um prazo mínimo de vinte e quatro meses de detenção da participação social.
A nova lei vem clarificar ainda a questão da aplicação do método de consolidação proporcional nas contas individuais, passando a prever se expressamente que não concorrem para a formação do lucro tributável os rendimentos e gastos resultantes da aplicação do método de consolidação proporcional na mensuração dos empreendimentos conjuntos. No que diz respeito ao regime fiscal dos subsídios ao investimento relacionados com ativos não depreciáveis, passa a prever se as seguintes regras: i) No caso de ativos intangíveis sem período de vida útil definida, o subsídio ao investimento deve ser reconhecido como rendimento, proporcionalmente ao longo de 20 anos; i) No caso de propriedades de investimento e ativos biológicos não consumíveis mensurados ao justo valor, o subsídio deve ser reconhecido como rendimento proporcionalmente ao longo do período máximo de vida útil que seria aplicável caso fossem mensurados ao custo; Gastos e Perdas Quanto ao regime da dedutibilidade dos gastos, constante do art.º 23.º CIRC, deixa de preverse o critério da «comprovada indispensabilidade», passando a vigorar o princípio geral da livre dedutibilidade dos gastos relacionados com a atividade do sujeito passivo por este incorridos ou suportados com vista a obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. A nova lei clarifica ainda as exigências documentais para efeitos da dedução fiscal, estabelecendo que nos casos em que o fornecedor seja obrigado a emitir fatura nos termos do CIVA, o documento comprovativo deverá respeitar os próprios critérios do CIVA. Nos restantes casos, o documento deverá conter: i) O nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatários; ii) O número de identificação fiscal fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatários, sempre que se trate de pessoas singulares com residência em Portugal ou entidades não residentes com estabelecimento estável no território nacional; iii) Quantidade e descrição dos bens adquiridos ou dos serviços prestados; iv) Valor da contraprestação, designadamente o preço; v) Data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente ou em que os serviços foram realizados
Relativamente aos encargos não dedutíveis, deixam de ser dedutíveis para efeitos fiscais as tributações autónomas, os encargos não documentados, os juros de mora que não tenham origem contratual e as menos valias relacionadas com instrumentos de capital próprio, na parte que correspondam a mais valias e a lucros que tenham beneficiado do regime de participation exemption ou do crédito por dupla tributação internacional. No caso de contratos de construção, sempre que o seu desfecho não possa ser estimado comv fiabilidade, passa a ser relevante o método do lucro nulo. Perdas por imparidade Para efeitos das perdas por imparidade dedutíveis para efeitos fiscais (art.º 28.º A CIRC), passa a considerar se como crédito resultante da atividade normal, o montante de juros recebidos pelo atraso no cumprimento da obrigação. Créditos Incobráveis Os arts.º 28.º A e 41.º do CIRC, numa aproximação ao regime do art.º 78.º do CIVA, vieram esclarecer em que processos se considera verificado o risco de incobrabilidade: a) Processo de execução; b) Processo de insolvência; c) Processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do SIREVE. É revogada a obrigação de comunicação ao devedor do reconhecimento do gasto para efeitos fiscais e para efeitos de dedutibilidade fiscal dos créditos incobráveis. Depreciações e Amortizações No que concerne a esta matéria, prevista nos arts 29.º ss CIRC, importa salientar que não é possível acrescentar ao valor depreciável a estimativa de custos de desmantelamento. Além disso, deve ainda ser desconsiderado o valor residual. É ainda clarificada a possibilidade de que grandes reparações e beneficiações e benfeitorias sejam reconhecidas como elementos do ativo fixo tangível, e por via disso sejam depreciadas com base no respetivo período de vida útil esperada. O goodwill (que não tenha resultado de operações em que se aplicou o regime de neutralidade fiscal ou que respeite à aquisição de participações sociais), bem como as marcas, alvarás,
processos de produção, modelos ou outros direitos assimilados, adquiridos a título oneroso e sem vigência temporal limitada, poderão ser amortizados para efeitos fiscais pelo período de 20 anos (aplicável apenas aos ativos adquiridos a partir de 1 de Janeiro de 2014). As propriedades de investimento e os ativos biológicos não consumíveis mensurados ao justo valor, poderão ser amortizados fiscalmente durante o período de vida útil máximo (aplicandose as quotas mínimas). O regime fiscal das realizações de utilidade social é alargado aos contratos de seguro, de doença ou saúde em benefício dos familiares dos trabalhadores ou reformados, em detrimento do anterior regime que era apenas aplicável aos seguros que cobrissem os trabalhadores). Relativamente às reestruturações empresariais (fusões, cisões, entradas de ativos e permutas de partes sociais), a lei veio também clarificar as operações suscetíveis de sujeição ao regime da neutralidade fiscal. Sempre que a operação for feita fora da neutralidade fiscal não existe facto tributário ao nível da sociedade beneficiária, mas sim ao nível da sociedade transmitente, que será tributada no regime de mais e menos valias. Às eventuais mais valias não é aplicável o regime de reinvestimento. Os prejuízos fiscais das sociedades fundidas/cindidas em operações realizadas no regime de neutralidade, podem ser utilizados na sociedade beneficiária, sem necessidade de autorização prévia, embora continuem a existir limites para a dedução dos prejuízos transmitidos). Ainda dentro das operações de reestruturação, são estabelecidos os critérios de transferência dos eventuais encargos financeiros não deduzidos e esclarecida a transmissibilidade dos benefícios fiscais em curso. Regime das mais e menos valias Passa a considerar se como transmissão onerosa, para efeitos de qualificação como mais ou menos valias fiscais (arts. 46.º a 48.º CIRC): (i) a anulação das partes ou de capital por redução de capital social destinada à cobertura de prejuízos de uma sociedade quando o respetivo sócio, em consequência da anulação, deixe de nela deter qualquer participação (ii) a remição e amortização de participações sociais com redução de capital
No caso das participações financeiras, determina a nova lei que as coberturas de perdas efetuadas pelos sócios acrescem ao custo de aquisição da participação e os montantes entregues aos sócios em resultado da redução do capital são reduzidos ao custo de aquisição. É revogado o regime de reinvestimento às partes de capital e passa a ser aplicável aos ativos intangíveis, eliminando se a possibilidade de aplicação do regime às propriedades de investimento Regime da participation exemption Este tema consta dos artigos 51.º a 51.º D CIRC. Os dividendos recebidos e as mais ou menos valias realizadas com partes de capital não serão tributados desde que se verifiquem os seguintes requisitos: (i) O sujeito passivo detenha, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 5% do capital social ou direitos de voto da sociedade que distribui os lucros ou reservas, ou cuja transmissão onerosa do capital dê origem à mais ou menos valia; (ii) O sujeito passivo detenha a participação, durante pelo menos 24 meses (iii) A sociedade que distribui os lucros ou reservas ou cujo capital social é objeto de transmissão onerosa deve estar sujeita e não isenta de: (a) IRC; (b) um imposto referido na Diretiva «Mãe Filhas», ou (c) a imposto similar, desde que neste último caso a taxa aplicável não seja inferior a, pelo menos, 60% da taxa de IRC (este último requisito pode ser afastado se verificadas determinadas condições). O regime de eliminação da dupla tributação não é aplicável a lucros ou reservas que constituam gastos dedutíveis na esfera da entidade distribuidora. A não tributação das mais valias não é aplicável no caso das participações sociais transmitidas respeitarem a sociedades que possuam imóveis cujo valor represente mais de 50% do seu ativo (com exceção de bens imóveis afetos a uma atividade de natureza agrícola, industrial ou comercial que não consista na locação ou na compra e venda de imóveis). Quanto às ações próprias, estabelece se que os resultados com a transmissão das mesmas não relevam para efeitos fiscais. Relativamente aos rendimentos provenientes de estabelecimentos estáveis, é introduzido um regime opcional de isenção dos respetivos lucros/prejuízos, o qual contempla algumas normas anti abuso).
No apuramento do lucro tributável dos estabelecimentos estáveis situados em Portugal, passam a ser aceites como gastos os encargos gerais de administração que seriam normalmente contratados, aceites e praticados entre entidades independentes, em detrimento do critério de repartição definido anteriormente definido). Dedução de prejuízos: É alargado dos 5 para 12 anos o período de reporte de prejuízos fiscais gerados a partir do exercício de 2014. Os prejuízos poderão ser utilizados até ao limite de 70% do lucro tributável (contra os anteriores 75%) art.º 52.º CIRC. Para efeitos dessa utilização devem ser deduzidos os prejuízos apurados há mais tempo. A alteração do objeto social ou a mudança substancial da atividade deixam de interferir no direito ao reporte dos prejuízos fiscais. Com exceção dos casos de alteração da titularidade de mais de 50% do capital social ou dos direitos de voto, consagra se a eliminação de algumas das causas que conduzem à perda do reporte dos prejuízos fiscais, nomeadamente: i) A titularidade passe de direta para indireta e vice versa; ii) A alteração decorra de operações de reestruturação dos grupos realizadas no âmbito da aplicação do regime especial da neutralidade fiscal; iii) Sucessão por morte; iv) Quando o adquirente já detinha, direta ou indiretamente, mais de 20% do capital social/direitos de voto desde o início do período de tributação a que respeitam os prejuízos v) Quando o adquirente seja trabalhador ou membro dos órgãos sociais da sociedade, pelo menos desde o início do período de tributação a que respeitam os prejuízos. Liquidação de sociedades Na liquidação de sociedades, o resultado da partilha passa a ser qualificado como mais e menos valia (art.º 81.º CIRC). A mais valia não será tributada se estiver abrangida pelo regime de participation exemption. As menos valias passam a ser integralmente dedutíveis, quando as participações tenham sido detidas por um período mínimo de 4 anos. Para apuramento do custo de aquisição das partes sociais, entram também outros instrumentos de capital próprio, como por exemplo as prestações suplementares. No caso de transferência da sede social para fora do território português haverá lugar a apuramento de ganhos sujeitos a imposto. O pagamento desse imposto poderá ser diferido,
caso a transferência seja feita para uma Estado Membro da UE ou do EEE e sempre sob determinadas condições. No caso em que não seja aplicável o regime de participation exemption, por opção do sujeito passivo, é possível aproveitar um crédito por dupla tributação internacional relativamente aos lucros ou reservas recebidos, desde que aquele detenha, ou venha a deter, por um período de 24 meses uma participação não inferior a 5%. Quando for utilizada a opção acima referida, o sujeito passivo deve acrescer à sua matéria coletável os lucros ou reservas distribuídos, utilizando o imposto pago pela entidade afiliada por esses lucros, como crédito por dupla tributação internacional (ou a fração do IRC que seria devida por esses lucros ou reservas, consoante o que for menor). O prazo de utilização do crédito por dupla tributação internacional passa para 5 anos (contra o regime de 1 ano anteriormente previsto). Este crédito passa a ser apurado por país, considerando a totalidade dos rendimentos, com exceção dos rendimentos imputáveis a estabelecimentos estáveis, cujo crédito é calculado isoladamente. Pagamento Especial de Conta (PEC) O PEC passa a ser dedutível até ao 6.º período de tributação (art.º 93.º CIRC). Findo esse prazo, o reembolso do PEC deixa de depender de inspeção fiscal. Nos pagamentos por conta, deixa de ser necessário a sua realização quando o imposto de base para o seu cálculo for inferior a 200. O PEC não é devido pelos sujeitos passivos que sejam tributados de acordo com o regime simplificado. As alterações ao PEC são aplicáveis após 1 de Janeiro de 2014. Retenção na fonte É alterada a disposição legal relativa à dispensa de retenção na fonte (97º CIRC), prevendo se que não há lugar a retenção sobre os juros e outros rendimentos resultantes de contratos de suprimento, papel comercial ou obrigações, que sejam pagos a detentores de mais de 10% do capital social. Dupla tributação A nova lei prevê uma simplificação dos requisitos para aplicação das convenções de dupla tributação (art.º 91.º CIRC), passando a admitir se a utilização de certificados de residência emitidos pelo Estado de residência do beneficiário dos rendimentos.
Preços de transferência No regime dos preços de transferência, constante do art.º 63.º CIRC, a percentagem mínima para que se considere estarmos perante a existência de relações especiais passa de 10% para 20%. Estabelece se ainda que às relações entre estabelecimentos estáveis e a casa mãe são aplicáveis as regras de preços de transferência. Rendimentos decorrentes da cessão ou utilização temporária de patentes e desenhos ou modelos industriais Os rendimentos decorrentes da cessão ou utilização temporária de patentes e desenhos ou modelos industriais sujeitos a registo e que sejam registados depois de 1 de Janeiro de 2014, passam a concorrer para a determinação do lucro tributável em 50% do seu valor, embora este regime esteja condicionado por algumas normas anti abuso (art.º 50.º A CIRC). No apuramento do rendimento tributável dos sujeitos passivos das entidades que não exerçam a título principal uma atividade comercial, industrial ou agrícola, passam a ser dedutíveis, até à respetiva concorrência, os gastos com a realização dos seus fins estatutários, desde que não exista qualquer interesse dos membros dos órgãos estatutários nos resultados de exploração das atividades económicas prosseguidas. Regime simplificado de tributação É estabelecido nos artigos 86.º A e 86.º B CIRC um regime simplificado de tributação para os sujeitos passivos que satisfaçam, entre outras, as seguintes condições i) Tenham obtido no período de tributação anterior um montante anual ilíquido de rendimentos não superior a 200.000 ; ii) O total de balanço não exceda 500.000. A matéria coletável é apurada através da aplicação dos seguintes coeficientes: 0,04 das vendas e prestações de serviços de atividades hoteleiras, restauração e bebidas; 0,75 dos rendimentos das atividades profissionais constantes da tabela a que se refere o artigo 151 º do CIRS; 0,10 dos restantes rendimentos de prestações de serviços e subsídios destinados a exploração; 0,30 dos subsídios não destinados à exploração; 0,95 dos rendimentos provenientes de cessão ou utilização temporária da propriedade intelectual ou industrial ou know how, dos outros rendimentos de capitais, do resultado
positivo de rendimentos prediais, do saldo positivo das mais e menos valias e dos restantes incrementos patrimoniais; 1,00 do valor de aquisição dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito. Na aplicação do regime simplificado, a matéria coletável não pode ser inferior a 60% do valor anual da RMMG. Os sujeitos passivos tributados de acordo com as regras do regime simplificado, ficam dispensados de efetuar pagamentos especiais por conta e de pagar tributações autónomas relativamente aos encargos com despesas de representação e com ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria, lucros distribuídos por entidades isentas, bónus e indemnizações pagas aos membros do órgão de gestão. Taxa de IRC A taxa de IRC é reduzida para 23% art.º 87.º CIRC. Para as PME s (assim classificadas nos termos do disposto no DL 372/2007), a taxa é de 17% para os primeiros 15.000 de matéria coletável. Estabelece se uma nova derrama estadual de 7% (art.º 87.º A) para matérias coletáveis superiores a 35M. No que se refere às tributações autónomas (art.º 88.º), os encargos efetuados ou suportados com viaturas ligeiras de passageiros, motos ou motociclos, excluindo veículos elétricos, passam a estar sujeitos a tributação autónoma às taxas de: i) 10%, se o custo de aquisição for inferior a 25.000 ; ii) 27,5%, se o custo de aquisição for igual ou superior a 25.000 mas inferior a 35.000 ; iii) 35%, se o custo de aquisição for igual ou superior a 35.000. Estas taxas são elevadas em 10 pontos percentuais em caso de prejuízos fiscais. Prevê se que não há lugar a tributação autónoma relativamente às viaturas para as quais tenha sido celebrado o acordo previsto no nº 9 da al.b) do nº 3 do art.2º do CIRS que prevê a consideração da utilização de viatura como rendimento do trabalho. A tributação autónoma deixa de ser aplicável a despesas incorridas por estabelecimentos estáveis situados fora de Portugal, relativas à atividade exercida por seu intermédio. Suzana Fernandes da Costa, Oscar Veloso, Conceição Soares