Compartimentação geomorfológica do rio Paraguai na borda norte do Pantanal, município de Cáceres, MT



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Compartimentação geomorfológica do rio Paraguai na borda norte do Pantanal, município de Cáceres, MT Aguinaldo Silva 1 Mario Luis Assine 2 Edvard E. de Souza Filho 3 Sandra Baptista da Cunha 4 Hiran Zani 1 1 Pós-Graduação em Geociências e Meio Ambiente, UNESP - Campus de Rio Claro Avenida 24-A, 1515 Bela Vista. CEP 13506-900. Rio Claro, SP. aguinald_silva@yahoo.com.br. 2 Departamento de Geologia Aplicada, UNESP - Campus de Rio Claro Avenida 24-A, 1515 Bela Vista. CEP 13506-900. Rio Claro, SP. assine@rc.unesp.br. 3 Departamento de Geografia, UEM - Universidade Estadual de Maringa Avenida Colombo, 5790 CEP 87020-900. Maringá, PR edvardmarilia@wnet.com.br 4 Departamento de Geografia, UFF - Universidade Federal Fluminense Rua Miguel de Frias, 9 - CEP 24220-008. Niterói, RJ sandracunha@openlink.com.br Resumo. Fluindo de norte para sul, o rio Paraguai apresenta uma compartimentação muito complexa na Bacia do Pantanal, pois atravessa domínios geológicos e morfológicos distintos. A norte, na região de Cáceres, em terras baixas da Depressão do Alto Paraguai, o Paraguai já se apresenta como um rio aluvial, uma vez que é responsável por agradação num cinturão de meandros embutido num vale entrincheirado em depósitos aluviais mais antigos. Esta configuração está intimamente associada à existência do leque aluvial do Paraguai-Corixo Grande, que vem sendo construído pelo rio Paraguai na entrada da planície sedimentar do Pantanal, onde o rio deflete para leste. Neste ponto, o canal adquire padrão distributário, perdendo água para a planície de inundação não só devido a extravasamento, mas também devido à existência de pontos de rompimento de diques e de construção de leques de espraiamento. Na planície são visíveis complexos de avulsão e vários canais abandonados, alguns ainda ativos durante as cheias. Após a confluência dos dois canais principais, que delineiam a ilha de Taiamã, há uma diminuição drástica no gradiente topográfico compondo com a planície fluvial do Cuiabá uma paisagem repleta de lagoas, sazonalmente inundável, típica do Pantanal Mato-grossense. Palavras-chave: Rio Paraguai, Pantanal Mato-grossense, geomorfologia fluvial, padrões de canal. 257

Abstract. The Upper Paraguay drainage basin is situated in west-central Brazil, near the Bolivian border. The river flows from north to south and its altitudes ranges from 130m (Cáceres) to 80m (Nabileque). In the Pantanal wetland, the Paraguay is the trunk river of an alluvial depositional tract characterized by complex geomorphologic zonation resulted from an intricate geologic evolution from the Late Pleistocene to the present. This paper focuses the Paraguay River at the northern portion of the Pantanal wetland, in the Caceres Municipality (Mato Grosso State), where four different geomorphologic zones were characterized. In the upper zone, the Paraguay plain is a meander belt confined in a valley incised on older alluvial deposits. Downstream, the river deflects 90 to east at the entrance to the Pantanal wetland and acquires a distributary pattern. The fluvial discharge diminishes in the Pantanal due to the presence of many points and channel outflow. Many avulsion belts and abandoned channels are visible within the floodplain, some of them still active during flood events. Key-words: Paraguay River, Pantanal wetland, fluvial geomorphology, channel pattern 1. Introdução O rio Paraguai nasce na Serra do Araporé (também conhecida por Serra das Pedras de Amolar) no Planalto Central do Brasil. Correndo de norte para sul, numa extensão de 2.612km, o rio deságua suas águas no rio Paraná na altura da cidade de Corrientes, na Argentina. Sua bacia hidrográfica tem uma área total de 1.095.000 km², abrangendo terras do Centro-Oeste do Brasil (estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul), da Bolívia, do Paraguai e da Argentina. ANA(2004). Com base em trechos com diferentes características, Almeida (1945) subdividiu o rio em quatro segmentos distintos em termos morfológicos e de processos geológicos atuantes. A subdivisão proposta por Almeida foi adotada pelo IBGE (1977), que fez referência aos quatro segmentos como: 1) Paraguai Superior - das suas nascentes à foz do rio Jauru; 2) Alto Paraguai - da foz do rio Jauru à foz do rio Apa; 3) Médio Paraguai - da foz do rio Apa até a cidade de Lomas Valentinas; e 4) Paraguai Inferior - de Lomas Valentinas até confluência com o rio Paraná. Os dois segmentos superiores foram englobados em um só pelo PCBAP (1997), sob a denominação bacia do Alto Paraguai. Com limite sul na divisa Brasil/Paraguai (rio Apa), tendo a maior parte de sua área no Brasil e abrangendo todo o Pantanal Mato-grossense, a bacia é ainda pouco conhecida do ponto de vista do meio físico, especialmente no que concerne à sua geomorfologia fluvial. A maior parte dos trabalhos realizados apresentam abordagem regional, como é o caso dos levantamentos das folhas Cuiabá (SD.21) e Corumbá (SE.21) realizados pelo Radambrasil (1982 a,b). Neste aspecto, merece destaque como importante fonte de dados os resultados do Plano de Conservação da Bacia do Alto Paraguai- Pantanal -PCBAP (1997) -, que teve como objetivo a realização de levantamentos das características físicas e biológicas, dos recursos naturais e das áreas de risco na bacia do Alto Paraguai. O objetivo deste trabalho é apresentar uma proposta de compartimentação geomormorfológica da planície fluvial do rio Paraguai no segmento entre a foz do rio Seputuba e a Estação Ecológica de Taiamã, entre as coordenadas 15 45 00 e 16 35 00 S e 57 40 00 e 58 15 00 W, Município de Cáceres - MT (Figura 1). Dados adicionais sobre esta área podem ser encontrados nos trabalhos de Souza (2004) e de Silva (2006). A caracterização dos compartimentos do rio Paraguai na área estudada reveste-se de importância econômica e ambiental, pois o rio, que é uma importante via de transporte de pessoas e de commodities agrícolas e minerais, vem sofrendo assoreamento em vários pontos, o que tem exigido obras de dragagem para manter sua navegabilidade. 258

Figura 1: Mapa da Bacia do Alto Paraguai com indicação da área estudada. (modif. de Assine et al., 2005) 2. Material e Métodos Para a compartimentação da planície foram analisados dados de sensores remotos, tais como imagens de satélite e de radar, além de fotografias aéreas. O método de análise utilizado para a compartimentação baseou-se na identificação de elementos morfológicos presentes na margem da planície fluvial (como terraços marginais), no reconhecimento de formas deposicionais pretéritas impressas na planície de inundação (paleocanais, depósitos de diques marginais, lagos em meandros abandonados e antigas barras em pontal), na caracterização da posição do canal em relação às margens da planície (se simétrica ou assimétrica), na quantificação de atributos geométricos (largura da planície e índice de sinuosidade do canal), 259

e no reconhecimento de pontos de rompimento das barrancas marginais e interpretação de antigos eventos de avulsão fluvial. Trabalhos de campo foram realizados para verificação e levantamento das características dos compartimentos identificados a partir de imagens de sensores remotos. Nestes trabalhos, feições morfológicas, erosivas e deposicionais foram avaliadas e descritas, buscando-se caracterizar mais detalhadamente o canal e as planícies de inundação. Durante os trabalhos de campo foram realizados sobrevôos o que possibilitou uma melhor caracterização da área estudada. 3. Resultados A bacia de drenagem tem forma assimétrica, uma vez que os afluentes da margem direita são mais longos que os da margem esquerda. Na margem direita os principais tributários são os rios Sepotuba, Cabaçal e o Jauru (Figura 2). A planície fluvial está condicionada pela estrutura geológica, ocupando a parte mais baixa de um amplo sinclinal assimétrico, com flancos que apresentam mergulho suave para oeste e acentuado para leste, onde se encontram relevos montanhosos da Província Serrana. Alvarenga e Trompette (1993). O curso do rio Paraguai em sua extensão no Município de Cáceres foi compartimentado, de montante para jusante, em quatro segmentos: I (da foz do rio Seputuba até a foz do rio Jauru), II (da foz do rio Jauru até a Baia das Éguas), III (da Baía das Éguas até a proximidade do Castelo de Areia) e IV (a partir da localidade conhecida como Castelo de Areia). Tais segmentos apresentam distintas características geomorfológicas, expressadas em termos de diferentes elementos morfológicos e de processos fluviais atuantes (Figura 3). Os dois segmentos superiores apresentam como característica comum o fato de que a planície encontra-se embutida em um vale entrincheirado em depósitos mais antigos, com terraços marginais que decrescem para jusante. No segmento I, que possui extensão de 71km e planície de inundação com largura média de 1700m, o rio Paraguai apresenta largura média de 150m e sinuosidade de 2,2. Neste segmento o rio apresenta barras em pontal e lagoas em meandros abandonados. No segmento II, com extensão de 35km e planície de inundação com aproximadamente 3000m de largura, o rio apresenta largura média de 200m e sinuosidade de 1,1. Nesta área o canal é retilíneo, apresentando barras alternadas e várias ilhas fixas. Já a planície de inundação apresenta canais menores com alta sinuosidade, de natureza reliquiar, mas ainda ativos durante as cheias. Os outros dois segmentos apresentam características completamente distintas uma vez que a planície de inundação não está condicionada pela presença de terraços e as águas de inundação se espraiam de forma divergente em relação ao canal, já na planície do Pantanal. O segmento III tem 51km de extensão e seu início é marcado pela deflexão do rio para leste. O canal possui largura média de 250m e índice de sinuosidade de 1,6, sendo comuns trechos com meandros abertos e a presença de ilhas e barras vegetadas. O compartimento IV inicia-se nas proximidades do ponto conhecido como Castelo de Areia, onde ocorre bifurcação do canal. Os dois canais distributários apresentam alta sinuosidade, podendo ser classificados como canais meandrantes. Este compartimento representa o principal sítio de sedimentação, onde está sendo construído o lobo distributário atual do leque do Paraguai-Corixo Grande. Assine (2003). Nste último compartimento geomorfológico os dois canais voltam a se unir delineando a ilha de Taiamã. Ao longo do compartimento a descarga fluvial decresce para jusante devido à perda de água para a planície que se alarga, compondo com a planície aluvial do Cuiabá uma 260

paisagem repleta de lagoas, sazonalmente inundável, típica do Pantanal Mato-grossense (Figura 4). Figura 2. Divisão geomorfológica do rio Paraguai no município de Cáceres-MT (Fonte: Imagens Landsat ETM+. Elaboração: NEVES, S. M. A. S. (2006).). 261

Figura 3. Compartimentos geomorfológicos I, II e III, em imagens de satélite (Landsat 7, 1998, composição falsa cor RGB-543, com o canal principal destacado em branco) e em fotografias aéreas oblíquas. A localização das fotografias está indicada nas imagens de satélite dos três compartimentos. 262

Figura 4. Imagem de satélite do compartimento IV, ilustrando a bifurcação do canal na altura do Castelo de Areia, o aumento da sinuosidade a partir deste ponto e a presença de pontos de rompimento dos diques marginais (crevasses) que drenam água para a planície do Pantanal. 4. Considerações Finais Uma bacia hidrográfica é um sistema geomórfico, compondo uma estrutura de inteiração de processos e formas que executa a elaboração da paisagem e é mantida pela entrada, transferência e saída de energia e matéria. A bacia de drenagem representa a zona de entrada onde ocorre a captação da água e a produção de sedimentos, a rede hidrográfica é a zona responsável pela transferência da água e dos sedimentos e a foz é a zona de saída do sistema. Souza Filho (1993). A presente disposição dos compartimentos identificados representa um momento na evolução do sistema, cujas tendências de mudança são condicionadas pela dinâmica interna que caracteriza o funcionamento do sistema (processos autogênicos) e por variáveis externas que constituem o macroambiente no qual o sistema está inserido (processos alogênicos relacionados à tectônica e ao clima). Para a adequada compreensão da evolução do rio Paraguai, é necessário assim que cada compartimento da planície fluvial seja estudado em detalhe, buscando-se estabelecer parâmetros essenciais da planície e do canal, tais como potência específica da corrente e declividade do canal, e a existência de estruturas tectônicas ativas, tais como falhas. Tanto os processos autogênicos como alogênicos promovem mudanças no nível de base, que por sua vez altera gradientes hidráulicos, promovendo mudanças nos sítios onde ocorrem processos de erosão e deposição. Queda e subseqüente elevação do nível de base na área do Pantanal, por exemplo, podem explicar a origem do entrincheiramento dos compartimentos I e II por erosão remontante e a posterior agradação fluvial. Desta forma, a compreensão das variáveis do macroambiente e de como o sistema funciona são fundamentais para o entendimento da paisagem atual e das possíveis tendências de mudanças no futuro. 263

5. Agradecimentos Os autores agradecem ao CNPq pela concessão de bolsa de produtividade em pesquisa a Mario Luis Assine e Edvard E. Souza Filho, e de bolsa de doutorado a Aguinaldo; à FAPESP pelo apoio financeiro (Processo 99/00326-4) e pela concessão de bolsa de mestrado a Hiran Zani (processo 06/02381-8): 6. Referências Bibliográficas Almeida, F. F. M. de, Geologia do Sudoeste Mato-grossense. Boletim da divisão de Geologia e Mineralogia, Rio de Janeiro (116), 1945 p. 19 25. Alvarenga, C. J. S. e Trompette, R. Evolução Tectônica Brasiliana da Faixa Paraguai: A estruturação da região de Cuiabá. Revista Brasileira de Geociências 23 (1) 1993, p.18-30. ANA Agência Nacional de Águas. Implementação de Práticas de Gerenciamento Integrado de Bacia Hidrográfica para o Pantanal e Bacia do Alto Paraguai ANA/GEF/PNUMA/OEA: Programa de Ações Estratégicas para o Gerenciamento Integrado do Pantanal e Bacia do Alto Paraguai: Relatório Final/Agência Nacional de Águas ANA... (et al.), Brasília, 2004. Assine, M. L. Sedimentação na Bacia do Pantanal Mato-Grossense, Centro-Oeste do Brasil. Rio Claro, Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Tese de Livre-Docência, 106p, 2003. Assine, M. L.; Padovani, C. R.; Zacharias, A. A.; Angulo, R. J.; Souza, M. C. 2005. Compartimentação geomorfológica, processos de avulsão fluvial e mudanças de curso do Rio Taquari, Pantanal Mato-Grossense. Revista Brasileira de Geomorfologia, 6: 97-108. IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Geografia do Brasil. vol. 4, Região Centro-Oeste, Rio de Janeiro. 1977. Neves, S. M. A. S. Modelagem de um banco de dados geográficos do Pantanal de Cáceres/MT: estudo aplicado ao turismo. 2006. s/ f. Tese (Doutorado) - Programa de pós-graduação em Geografia, Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. PCBAP. Plano de Conservação da Bacia do Alto Paraguai - Pantanal. Brasília: Diagnóstico do Meio Físico e Biótico. Ministério dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal. Vol. 2, 1997, p. 1349. Radambrasil. Levantamentos dos recursos naturais. Cuiabá - Rio de Janeiro: Ministério das Minas e Energia. Secretária Geral. Projeto RADAMBRASIL. Folha SD 21 Cuiabá e SE 21 Corumbá, 1982. Silva, A. Padrões de Canal do Rio Paraguai na Região de Cáceres-MT, Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Maringá-PR, 2006. Souza, C. A. Dinâmica do Corredor Fluvial do rio Paraguai entre a cidade de Cáceres e a Estação Ecológica da Ilha de Taiamã - MT, Tese de Doutorado UFRJ, 2004. Souza Filho, E. E. Aspectos da Geologia e Estratigrafia dos Depósitos Sedimentares do Rio Paraná entre Porto Primavera (MS) e Guaíra (PR) Tese de Doutorado. Instituto de Geociências/USP. São Paulo-SP. 1993. 264