OLHAR ESTRANGEIRO, OLHAR DO DESCOBRIMENTO: A QUESTÃO DO OUTRO EM UM MOÇO MUITO BRANCO Leonardo Vieira de Almeida

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Transcrição:

Coleção Multitextos 25 OLHAR ESTRANGEIRO, OLHAR DO DESCOBRIMENTO: A QUESTÃO DO OUTRO EM UM MOÇO MUITO BRANCO Leonardo Vieira de Almeida Muitos contos latino-americanos do século XX privilegiam uma re-visão da História da América pela construção da imagem. Assim, em Viagem à semente (1944), Alejo Carpentier procede a um retorno da linguagem as suas origens, aquele momento em que o olhar se emudece ante a impossibilidade de nomeação. Por sua vez, Juan Rulfo, em Luvina (1953), retrata na conversa entre o ex-morador de um povoado e seu visitante as decepções da Revolução Mexicana. Nesses autores, se observa que a figura do estrangeiro assume papel fundamental. Na verdade, esse outro serve de mediador entre distintos pontos de vista: descobridor de uma terra nova, percebe nesta geografia um lá e um eu que está aqui, sem que estas posições permaneçam estanques. Pois no momento em que seu olhar se depara com o desconhecido, ao instante de incapacidade de expressar o visto, logo se segue um caminho de contaminação; os olhos lidos do descobridor estampam no mapa do novo as páginas de sua viagem. O viajante, como o hermeneuta, está à procura do terceiro ausente, ou, em outras palavras, de uma terceira margem. João Guimarães Rosa, expoente da literatura latino-americana contemporânea, não se afasta de tal problemática. Não é irrelevante lembrarmos que um dos contos de seu livro Primeiras estórias se intitula justamente A terceira margem do rio. Tomando como ponto de partida sua linguagem, esse terceiro poderia ser visto como o resultado de um eu e um outro que, ao entrarem em diálogo, possibilitam um novo discurso. Se o eu pode ser o descobridor e o outro o descoberto e vice-versa, elidem-se suas fronteiras, derivando daí o caráter estrangeiro da própria língua. * Doutorando em Estudos de Literatura Brasileira pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

26 Coleção Multitextos No conto Um moço muito branco, também integrante do volume Primeiras estórias, observamos a chegada, na comarca de Serro Frio, de um ser desconhecido que é anunciado por uma série de cataclismos que assolam a região. Um fenômeno luminoso se projeta no espaço, seguem-se estrondos, um terremoto e medonho temporal, com assombrosa e jamais vista inundação. 1 Cerca de uma semana após esse incidente, no dia de São Félix, na Fazenda do Casco, de Hilário Cordeiro, surge um moço, aparentemente fugitivo, enrolado numa espécie de manta de cobrir cavalos. Essa personagem nos é apresentada e, a propósito, todas as demais, por um narrador que, da perspectiva do presente, assume uma posição de distanciamento em relação aos fatos ocorridos no passado. Seu discurso parte, como ele mesmo assinala no início do relato, de leituras de folhas da época. Assim, a estratégia narrativa se assenta numa voz discursiva que não presenciou diretamente os eventos. A autoridade da estória contada dá credibilidade a algo não visto, mas que, por meio de uma tradição oral coletiva, se engendra em texto escrito. Ao marcar uma data precisa para a chegada do ser misterioso, a noite de 11 de novembro de 1872, busca-se uma maior veracidade para o episódio, apesar do caráter insólito de suas ações. No momento em que procura descrever o visitante de Serro Frio, o narrador se ampara numa linguagem a cujo tom analítico se contrapõe o falar passional, proveniente dos moradores da comunidade 2 : Tão branco; mas não branquicelo, senão que de um branco leve, semidourado de luz: figurando ter por dentro da pele uma segunda 1 ROSA, 1976, p. 86. 2 Essa questão é examinada por Vera Lucia Rodella Abriata. Tomando por base os pressupostos teóricos da análise do discurso francesa, particularmente a obra de Authier-Revuz, a autora analisa a estratégia de utilização do discurso direto manifesta em sua heterogeneidade, de modo a imprimir um caráter polifônico ao conto rosiano. Por outro lado, estuda também os efeitos gerados pelo emprego do discurso indireto, segundo os pressupostos teóricos de Mikhail Bakhtin, como, por exemplo, a variante analisadora da expressão. Cf. Vera Abriata, A heterogeneidade mostrada e a heterogeneidade constitutiva em Um moço muito branco, in:. Seminário internacional Guimarães Rosa, p. 694-696.

Coleção Multitextos 27 claridade. Sobremodo se assemelhava a esses estrangeiros que a gente não depara nem nunca viu; fazia para si outra raça. Seja que da maneira ainda hoje se conta, mas transtornado incerto, pelo decorrer do tempo, porquanto narrado por filhos ou netos dos que eram rapazes, quer ver que meninos, quando em boa hora o conheceram. 3 Como podemos observar, a história do moço branco que visita Serro Frio surge inicialmente ante o assombro da comunidade com o estrangeiro. A esse olhar primeiro, que não pode se amparar em uma referencialidade, segue-se uma segunda fase, marcada pela tentativa de descrever o outro. Por sua vez, essa impressão cristalizada em discurso oral é traduzida para o escrito, as folhas de época. Munido, portanto, de uma tradição oral e escrita, o narrador procura relacionar as diferentes fontes em seu texto. O que, de fato, ocorre, é que as próprias versões da história assumem um lugar peregrino, migrando tanto do testemunho ocular, oral e impresso. Sob esse aspecto, é importante apontarmos o estudo de Antonio Carreño sobre determinadas características das crônicas do descobrimento da América. Em Naufragios, de Alvar Núñez Cabeza de Vaca: una retórica de la crónica colonial, o crítico assinala o ecletismo literário como traço distintivo dos relatos dos descobridores. Tal problema está ligado a uma rica tradição medieval e renascentista, em que se verifica uma fusão entre História e Fábula: os processos epistemológicos e lingüísticos surgem frente a uma realidade que se inventa de novo como linguagem. 4 No cruzamento de dois mundos, nasce a disparidade analógica entre o escrito e seu referente, a não-coincidência entre linguagem e realidade. Assim, o escrito se torna a máscara do ausente, do outro : Sua escrita marca dramaticamente tal diferença : a per- 3 ROSA, 1976, p. 86-87. 4 CARREÑO, 1978, p. 505. Em espanhol no original: los procesos epistemológicos y lingüísticos surgen ante una realidad que se inventa de nuevo como lenguaje.

28 Coleção Multitextos cepção do outro por meio de sua própria dessemelhança. 5 Segundo Carreño, o processo epistemológico ou de apreensão da realidade no relato da crônica apresenta algumas fases intimamente encadeadas. A primeira fase, chamada observatio, surge do assombro com o nunca visto. A segunda fase, descriptio, fixa os signos vacilantes como escrita. A comprehensio e a definitio, que constituem a terceira fase, adotam o observado num contexto já próximo ao outro. É mediante a quarta fase, a permutatio, que se mesclam, numa verdadeira rotação de signos, as novas referências culturais. Esta última fase marca o pathos da escrita do cronista: seu entusiasmo ante uma cartografia do novo é acompanhado pela angústia ante a incapacidade de definir o visto. Ao nos atermos ao relato da crônica para nossa análise do conto de Guimarães Rosa, não é irrelevante lembrarmos a posição de Walter Benjamin quanto a este modelo narrativo. Para o pensador alemão, o cronista apresenta os acontecimentos como modelos de devir do mundo. Suas narrativas históricas se assentam num plano divino de salvação, e, portanto, ele se encontra isento da responsabilidade de fornecer esclarecimentos demonstráveis. Desse modo, a narrativa do cronista se afasta daquela desempenhada pelo historiador, o qual é obrigado a explicar, de uma maneira ou de outra, os fatos a que se refere. Portanto, esse relato vindo de longe, quer de paragens estranhas, quer de outros tempos através da tradição, como diz Benjamin, dispunha de uma autoridade que lhe dava credibilidade, mesmo quando não era verificado. Em oposição a tal gênero de discurso, o crítico coloca a informação, que exige a confirmação de sua veracidade. A informação precisa ser plausível, a narrati- 5 CARREÑO, 1978, p. 505. Em espanhol no original: Su escritura marca dramaticamente tal diferencia : la percepción de lo otro a través de su misma desemejanza

Coleção Multitextos 29 va recorre de bom grado ao maravilhoso. 6 Deparamo-nos aqui com um ponto importante para nosso estudo do conto rosiano: a questão do maravilhoso nas letras latinoamericanas. Esse problema, por sinal, foi intensamente debatido por Alejo Carpentier que, ao longo de sua obra como crítico literário, associou o tema à própria crise lexical dos conquistadores da América, diante da contingência de nomear o novo. Em seu artigo O barroco e o real maravilhoso, Carpentier se refere às Cartas de relação, de Hernán Cortés, dirigidas ao imperador Carlos V. Cortés, ao se deparar com as terras do México, reconhece a insuficiência da língua para dizer das coisas nunca vistas. Diante de tal problemática, o escritor cubano dá ênfase ao seguinte fato: Portanto, para compreender, interpretar este novo mundo o homem necessitava de um novo vocabulário, mas além disso pois sem um não existe o outro de uma nova ótica. 7 Levando em consideração esta nova ótica apontada pelo crítico cubano, podemos sugerir que, ao aparecer em Serro Frio, tendo perdido a memória e o uso da fala, o moço muito branco realiza uma leitura desse microcosmo que o acolhe com espanto pelo viés do olhar. Por sua vez, os habitantes da comarca procuram, à sua maneira, traduzir o singular visitante. É o preto José Kakende, escravo meio alforriado e louco, que dá sua versão do episódio ocorrido na beira do rio, antes da catástrofe que se abate sobre a região:... o rojo de vento e grandeza de nuvem, em resplandor, e nela, entre fogo, se movendo uma artimanha amarelo-escura, avoante trem, chato e redondo, com redoma de vidro sobreposta, azulosa, e que, pousando, de dentro, desceram os Arcanjos, mediante rodas, labaredas e rumores. 8 6 BENJAMIN, 1992, p. 34. 7 CARPENTIER, 1987, p. 126. 8 ROSA, 1976, p. 88.

30 Coleção Multitextos O relato de Kakende transmite a dificuldade diante do estrangeiro, ou, por outro lado, é a própria língua que se torna estrangeira 9 em contato com o outro. Perante a impossibilidade de nomear aquilo que vê, a fala do negro se ampara numa proliferação de significantes a partir de uma leitura radial, procurando inferir a ausência do significado específico. Este gesto, por sua vez, é considerado por Severo Sarduy como uma das características marcantes de certos artificialismos lingüísticos do neobarroco latino-americano, pelos quais se desvelam camadas ocultas de determinados textos. Debruçando-se sobre o termo proliferação, o crítico cubano verifica que esse mecanismo consiste em ocultar o significante de um significado específico, sem substituí-lo por outro. A leitura radial que procura substituir este significado pela cadeia de significantes pode, assim, se processar de duas formas: em cadeia fechada, onde o elemento ausente conduz a um significado preciso; ou em cadeia aberta, como se a operação de significação, que por acumulação aponta o significante ausente, não condissesse mais que à contradição dos significantes. Estes, em vez de se unirem, dispersam-se, anulando-se de maneira mútua. 10 Com respeito ao procedimento lingüístico acima apontado, a análise de Carpentier, mediante o conceito de real maravilhoso, também encontra no vocabulário barroco uma resposta satisfatória com respeito ao modo de expressar a realidade americana. 9 Quanto ao problema de uma língua estrangeira, vale apontarmos o ponto de vista de Gilles Deleuze. Segundo o filósofo francês, o pensamento ocidental é mais modelado pelo verbo ser, pelo É. Em substituição a este último, Deleuze analisa E, conjunção aditiva ou adversativa, que arrasta todas as relações, desequilibra o ser, o verbo. O E, e...e...e..., seria a gagueira criadora, o uso estrangeiro da língua, em oposição a seu uso conforme e dominante fundado sobre o verbo ser. Desse modo, podemos inferir que os habitantes de Serro Frio, como, por exemplo, José Kakende, são portadores dessa língua estrangeira, ao se depararem com o indiscernível moço muito branco. Com relação à gagueira criadora conferir Gilles Deleuze, Três questões sobre seis vezes dois (Godard), in:.conversações, p. 59-60. 10 SARDUY, 1979, p. 166.

Coleção Multitextos 31 O barroco, seguindo essa linha, seria a língua do milagre. Por sinal, procedendo a uma variação etimológica da palavra olhar, percebemos que ela se encontra relacionada a mirus (espantoso, estranho, maravilhoso). Deste último provém mirari (espantar-se, mirar com espanto, mirar, olhar) e admirari (mirar com espanto respeitoso, com veneração). O olhar, paralisado pelo assombro, vê o milagre, miraculum, as maravilhas, mirabilia. O milagre, assim, por sua própria etimologia, pertence ao âmbito do olhar e tem como destino a visão. 11 Desse modo, se assinalamos que o moço muito branco realiza uma leitura muda por meio do olhar, suas ações, em conseqüência, têm como sucedâneo a realização de milagres. Ao encontrar na porta de uma igreja um pedinte cego, Nicolau, o moço de olhos cor-de-rosa dá-lhe uma partícula retirada de sua algibeira. Sem conseguir reconhecer o objeto ao apalpá-lo com as mãos, o cego o leva à boca. No entanto, seu menino-guia o adverte de que o misterioso presente não seria artigo para comer, mas alguma espécie de caroço de árvore. Nicolau, por sua vez, planta a semente e, em seu lugar, nasce um pé de flor azulado, do mais raro desenho 12, com entreaspecto de serem várias flores numa única, 11 CHAUÍ, 1988, p. 36. 12 Com relação a esta flor estrangeira que o moço muito branco oferece ao cego Nicolau, é importante notar como a temática de um estranhamento enraizado no mundo vegetal surge com força na literatura fantástica latino-americana. No conto Viola Acherontia, Leopoldo Lugones apresenta a história de um cientista que procura criar a flor da morte, a violeta do título. Já Silvina Ocampo continua esta linha em Homens, animais e trepadeiras. A esse propósito, faz-se necessária uma distinção entre o real maravilhoso e o fantástico, este último ligado ao célebre livro de Tzvetan Todorov. O Unheimliche, a estranheza inquietante definida por Freud, aplica-se com justeza ao efeito de fantasticidade. É preciso que o leitor tema o não familiar, enquanto representação de um outro que ameaça sua rígida ordem de valores. Já o maravilhoso, no dizer de Irlemar Chiampi, propõe um reconhecimento inquietante, pois o papel da mitologia, das crenças religiosas, da magia e tradições populares consiste em trazer de volta o Heimliche, o familiar coletivo, oculto e dissimulado pela repressão da racionalidade. Nesse sentido, a flor com entreaspecto de serem várias numa única e os outros diversos signos que povoam o texto rosiano estariam mais ligados, em nosso entender, a este último

32 Coleção Multitextos entremeadas de maneira impossível, num primor confuso. 13 Aliás, nenhum dos moradores de Serro Frio consegue definir suas cores, por serem desconhecidas do século. Quanto ao fato deste desconhecer, percebemos sua proximidade com a linguagem das crônicas do descobrimento, em que se estabelecem correspondências de identidade e diferença. Nos diários de Cristóvão Colombo, a indiscernibilidade do olhar sobre o outro causa o entreaspecto do elemento que se tem em vista, nomeado de modo recorrente pelo descobridor como maravilha. Assim, no relato do dia 16 de outubro de 1492, em seus Diários, Colombo, diante de um conjunto de árvores distintas, se detém com ramos de vários tipos que, estranhos por sua diversidade, causam-lhe assombro. Um desses ramos o atrai de modo singular. Sua fala, procurando descrevê-lo, cria uma acumulação gradual e polissindética de lexemas. Esta relação hiperbólica germina numa percepção que procura traduzir o referente autígeno pelo extrato alógeno, criando um terceiro objeto: Por exemplo, um ramo tinha folhas como as da cana e outras como as do lentisco, e assim numa só árvore havia folhas de cinco ou seis tipos e todas diferentes. 14 Cana e lentisco são plantas européias. Quanto à primeira, seria posteriormente trazida para a América pelo viajante genovês em sua segunda expedição 15. De fato, podemos perceber que o aspecto. Assim, tememos em concordar com o ponto de vista de Flávio Moreira da Costa, ao inserir o conto Um moço muito branco em sua antologia Os melhores contos fantásticos, publicado pela Nova Fronteira em 2006. Quanto à distinção entre real maravilhoso e fantástico cf. Chiampi, O realismo maravilhoso: forma e ideologia no romance hispano-americano, p. 68-69. 13 ROSA, 1976, p. 89. 14 COLOMBO apud TODOROV, 1996, p. 19. 15 Em Contrapunteo cubano del tabaco y el azúcar, obra de 1940, o antropólogo cubano Fernando Ortiz parte do mito de descobrimento empreendido por Colombo para desenvolver sua idéia de transculturação, fenômeno para o conhecimento da história da América e em especial de Cuba. Convertendo os produtos, segundo seu ponto de vista, mais importantes no constructo de uma expressão americana, o tabaco (planta nativa da América) e a cana-de-açúcar (planta estrangeira) em personagens, Don Tabaco y Doña Azúcar, Ortiz defende que é no contraponto dessa

Coleção Multitextos 33 olhar do descobrimento é um olhar lido. Ou seja, para Colombo, leitor de Il milione, de Marco Pólo; do Imago Mundi (1480), de Pierre d Ailly; da Historia Rerum Ubique Gestarum, de Aeneas Sylvius Piccolomini (Pio II), impressa em 1477, e da cartografia de Toscanelli, o mundo virgem se perfaz num diálogo entre diferentes textos da tradição. Assim, a primeira história da América não seria a História em seu sentido de realidade vivida, mas de realidade fabulada. O Mundo Novo nasce em Literatura. Sob esse aspecto, não é irrelevante apontarmos que para Guimarães Rosa o escritor se aproxima do descobridor, o que vem reforçar nosso ponto de vista. No famoso diálogo com Günter Lorenz, na cidade de Gênova, em 1965, o autor mineiro dá seu enfoque sobre esta questão: O escritor, naturalmente só o bom escritor, é um descobridor; o mau crítico é seu inimigo, pois é inimigo dos descobridores, dos que procuram mundos desconhecidos. Colombo deve ter sido sempre ilógico, ou então não teria descoberto a América. O escritor deve ser um Colombo. Mas o crítico malévolo e insuficientemente instruído pertence àquela camarilha que queria impedir a partida por ser contrária à sua sacrossanta lógica. O bom crítico, ao contrário, sobe a bordo da nave como timoneiro. É assim que penso. 16 Se o bom escritor é um descobridor, se infere que para Guimarães Rosa, ao apontar o problema da América, a colonização do continente se deu pela linguagem, aliás, uma constante na literatura latino-americana 17. Outro ponto fundamental a ser posto em fábula alegórica que decorre a transculturação. Na década de 70, o termo seria incorporado aos estudos literários pelo crítico uruguaio Ángel Rama para explicar de que maneira recursos da vanguarda européia haviam, por meio deste processo, se adaptado à realidade latino-americana. Rama elege João Guimarães Rosa como um dos mais importantes transculturadores latino-americanos, ao lado de José María Arguedas, Gabriel García Márquez e Juan Rulfo. 16 ROSA, 1983, p. 76. 17 Com relação a este tópico, muito próxima de Guimarães Rosa é a opinião de Gabriel García Márquez, ao dizer que os Diários de Colombo são o primeiro testemunho da chamada literatura mágica. Cf. Márquez, Entrevista por Luis Súarez

34 Coleção Multitextos evidência é o caráter ilógico associado à empresa de Colombo. De fato, para o navegador italiano, imbuído da fé no Paraíso terreal, proveniente tanto dos modelos edênicos medievais quanto dos poetas gregos e romanos, o Oriente deveria reservar a imaculada visão da Idade do Ouro. Este processo mental não é distinto das obras de imaginação escritas aproximadamente pela mesma época. Em Visão do Paraíso, Sérgio Buarque de Holanda se refere a uma das églogas, anterior a 1482, da Arcadia do pastor Iacopo Sannarazo, que aponta como remédio para o mal do mundo o retorno aos tempos idílicos, onde impera a perfeita concórdia humana. 18 No entanto, se estamos discutindo o esforço tradutório que efetua Guimarães Rosa no conto Um moço muito branco, a partir das narrações dos cronistas da América, não podemos deixar de lado o fato de que, sob o olhar do escritor mineiro, a viagem do descobrimento se constrói por meio de um entrelaçamento de textos. Quanto a este último, ele se constitui em ferramenta para a elaboração do próprio relato cronístico, pois, ao operar com História e ficção, mescla distintas fontes textuais. Assim, em seu Naufrágios, Alvar Núñez Cabeza de Vaca tece seu discurso no cruzamento da propedêutica da conquista e da tradição hagiográfica de raiz popular, além de inserir no corpo narrativo pequenas histórias, como a da Mala Cosa, personagem diabólico de procedência medieval. No caso de Um moço muito branco, esse entrelaçamento se complexifica ainda mais. Guimarães Rosa, ao entrecruzar inúmeros textos já em si fragmentários, concebe uma espécie de mapa constelar, um mosaico de temas, signos, lexias 19. Dessa forma, no en La Calle, in:. García Márquez habla de García Márquez, p. 196. 18 HOLANDA, 1959, p. 209. 19 Para um estudo mais aprofundado sobre o espaço constelar como estratégia semiótica do discurso rosiano, em diálogo com a idéia de Walter Benjamin a respeito de um teatro de ruínas como cenário particular do barroco alemão, sugerimos a leitura de Leonardo Vieira de Almeida, A busca da tradução: jogos miméticos em

Coleção Multitextos 35 microcosmo de Serro Frio, se a viagem do descobrimento inserta o motivo do assombro de Colombo diante do Mundo Novo, a ele vêm se unir raízes das legendas dos santos que, por exemplo, nos textos de Cabeza de Vaca, são agentes de seus contínuos milagres na América do Norte 20. O que resulta de tal artifício é que a narrativa se concebe como metatexto. Nesse sentido, se servindo de uma técnica do comentário ferramenta utilizada por um cronista, como, por exemplo, o Inca Garcilaso de la Vega, na sua revisão dos mitos quíchuas deturpados pelos historiadores hispânicos, no século XVI 21 -, Rosa opera uma releitura da História da América como um contraponto de fragmentos de textos de seus primeiros intérpretes. Com respeito a Um moço muito branco, se constata que, ao contrário do mito fundador da Idade do Ouro, no qual o descobridor viaja em busca do Paraíso terreno, ocorre um movimento distinto. A população de Serro Frio, imersa na avareza de Duarte Dias e na melancolia de sua filha Viviana, é que experimenta, com a presença do descobridor, uma efêmera época bem-aventurada. Com dedos de Midas, o estranho visitante faz prosperar os negócios de Hilário Cordeiro, o dono de terras que o acolhe na comarca. Também a moça Viviana, ao ter o seio tocado pela palma de sua mão, sente apagar a va- Cara-de-Bronze, in:. Vozes em diálogo ano 1 n. 1 UERJ / CEH dez / 2005, p. 18-29. 20 Enrique Pupo-Walker efetua uma importante crítica à interpretação dos milagres realizados pelo conquistador da Flórida, tidos por muitos teóricos como verdadeiros. Para Pulpo-Walker, a empresa salvífica de Cabeza de Vaca estava diretamente condicionada ao seu ímpeto de conquista, aproximando-o muito mais de Hernán Cortés do que de um santo milagreiro. Nesses termos, o crítico percebe a separação entre autor, escritor e personagem no relato de Alvar Núñez, o que revela a oscilação entre História e fábula nos textos dos cronistas. Cf. Pulpo-Walker, Pesquisas para una nueva lectura de los Naufragios, de Alvar Núñez Cabeza de Vaca, in:. Revista iberoamericana, vol. III, julio-septiembre 1987, núm. 140, p. 517-539. 21 Marcelino Menéndez y Pelayo afirma que os Comentarios reales, do Inca Garcilaso de la Vega, são um romance utópico e não um texto histórico, pelo seu alto caráter imaginativo. Cf. Pelayo, Historia de la poesia hispanoamericana, p. 75-76.

36 Coleção Multitextos garosa tristeza. Duarte Dias, por sua vez, tomado de cólera pelo gesto que considera leviano para com a filha, exige o casamento do moço. Só com a intervenção do padre Bayão e de outros moradores mais velhos de Serro Frio é que a raiva de Duarte se extingue. A partir daí, um enfim de alegria passa a habitá-lo. Algum tempo depois, no dia da missa da Dedicação de Nossa Senhora das Neves, Duarte Dias se dirige até a Fazenda do Casco, e, com palavras desencontradas e chorando, suplica a Hilário Cordeiro que o deixe levar o moço muito branco. Este último, acompanhado de José Kakende, conduz Duarte até uma tapera de olaria. Chegando aí, sob indicação do moço, cava a terra e encontra uma grupiara de diamantes ou um panelão de dinheiro. Crente de que ficou rico, o pai de Viviana passa a ser sucinto e bondoso, conforme nos conta o narrador, fato que tem sua validez no relato sobremaravilhado dos coevos. 22 Portanto, a partir desse exame, pode se dizer que o conto Um moço muito branco é construído numa estrutura em palimpsesto, na qual se grava o discurso do comentário. Tal discurso se debruça, no entanto, sobre as ruínas da própria História. O mito da Idade do Ouro, que serviu de sustentáculo para as empresas dos descobridores, mas também para a ideia de fundação de uma literatura nacional, só pode existir como fratura 23. A esse respeito, é necessário destacar como o escritor cubano José Lezama Lima, em defesa de uma História americana tecida pela imagem, una em uma mesma cicatriz América Latina e América do Norte 24. Na sua concepção, 22 ROSA, 1976, p. 91. 23 Devemos esta hipótese a Júlio César Valladão Diniz. 24 Em verdade, o procedimento de Lezama Lima parte de uma inversão paródica do conceito de natureza em Hegel, particularmente em sua Filosofia da História (Vorlesungen über die Philosophie der Geschichte, 1832-1831). Hegel, em suas Lições, reduz a América a uma geografia, um mundo natural fora da História. Para o filósofo alemão o Espírito só poderia ser manifestado pelo aperto espacial, enquanto Lezama irá afirmar que foi a amplidão do mapa americano que possibilitou o desenvolvimento pleno de sua cultura. Cf. Irlemar Chiampi, A História tecida pela imagem, in:. A expressão americana, p. 23.

Coleção Multitextos 37 a História deve ser lida como fábula intertextual e intratextual, num contraponto analógico, que nomeia como Era Imaginária. Para tanto, Lezama Lima sugere a hipótese de que o hiato americano, sua realidade transgeográfica, transcultural e trans-histórica poderia ser discernida, por exemplo, na imagem fragmentada da baleia branca de Melville, Moby Dick. No enigma-corpo do Leviatã norte-americano, entrevisto em sua ruína, soariam os textos de uma Era Imaginária. Tal estilhaçamento é também índice de uma outra estória, confluente à História, ou seja, a própria linguagem. Se o escritor, para Guimarães Rosa, deve ser um novo Colombo, não podemos perder de vista o fato de que essa viagem outra se faz sobre o território virgem da página em branco. Nesta terra sem mapa, o autor é mirado pelo silêncio e o assombro, emudece ante o brilho de uma idade perdida. Ao final do conto de Rosa, o moço muito branco, com a ajuda do louco José Kakende, parte de Serro Frio, na primeira luz do sol, tidas asas. Os moradores da comarca, passado o tempo da fugaz bonança, passam então a experimentar uma saudade e meia-morte, só de imaginarem nele. Como as estórias, o moço branco será ainda sempre estrangeiro, pois cintilava ausente, aconteceu. 25 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRIATA, Vera Lucia Rodella. A heterogeneidade mostrada e a heterogeneidade constitutiva em Um moço muito branco. In:. Seminário Internacional Guimarães Rosa (1998-2000), 2000. Veredas de Rosa. Belo Horizonte: PUC 25 ROSA, 1976, p. 91.

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