O PROGRESSIVO EM PB E EM FRANCÊS



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Anais do 5º Encontro do Celsul, Curitiba-PR, 2003 (761-765) Letícia Tancredo GALLOTTI (PG UFSC) O PROGRESSIVO EM PB E EM FRANCÊS ABSTRACT: The aim of this paper is to study the progressive in brazilian Portuguese, used through the expression estar+ndo, and compare it to its equivalent in French. We show that the two languages express differently in this matter, even keeping the same semantic content. We understand that French has dubious simple present, since it is used both for a progressive and a casual reading. KEYWORDS: Formal semantics; progressive; BP (Brazilian Portuguese); language teaching 0 Introdução: Esta pesquisa é o início de uma futura dissertação de mestrado que tem por objetivo estudar o progressivo no português do Brasil, realizado através da perífrase ESTAR+NDO. Tentando captar mais a fundo seu papel semântico, queremos comparar esta realização da língua portuguesa com o equivalente na língua francesa, normalmente parafraseado pela expressão ÊTRE EN TRAIN DE+INF, além de discutir a maneira como se comportam estas línguas na expressão da progressividade. Nossa hipótese está centrada na idéia de que as duas línguas em questão, o PB e o francês se manifestam diferentemente quanto à questão do progressivo e também de que a língua francesa realiza, na realidade, o presente simples para proferir uma sentença progressiva, sendo a perífrase uma forma mais marcada, presente em discursos formais. Num primeiro momento falaremos da questão do aspecto, presente na realização do progressivo e depois trataremos de discutir, com base em exemplos, como a forma progressiva se comporta nas duas línguas e de que maneira se diferem. Acreditamos que este tipo de pesquisa possa auxiliar profissionais da língua, uma vez que minha própria experiência como estudante de um curso de graduação em francês comprovou que esta não é uma questão simples na aprendizagem do PB para o francês, acredito que pelo fato de nós, brasileiros, utilizarmos com freqüência o progressivo através da perífrase e termos um certo receio em faze-lo, em francês, com o presente simples. Daí sua importância. 1 A questão do aspecto Uma das grandes discussões na descrição de uma língua natural são as questões que envolvem as três categorias semânticas expressas principalmente pelo verbo, mas também por advérbios: o tempo, o aspecto e o modo. Neste trabalho não nos interessará falar do modo, e sim, do tempo e, principalmente do aspecto, pois é a eles que diz respeito a questão de uma sentença estar na forma progressiva. Mas do que estamos falando quando falamos em aspecto? O aspecto é uma propriedade atemporal, portanto não-dêitica que mostra as características internas do verbo, da ação. Diferentemente do tempo, que marca o evento em uma linha e a ele só interessa saber se este evento já aconteceu, está acontecendo ou ainda vai acontecer, marcados, principalmente pela morfologia verbal (presente, passado e futuro), mas também pelos advérbios e adjuntos, o aspecto apresenta como este evento se comporta internamente. Compare os exemplos a seguir: (1) João leu O Grande Sertão Veredas quando criança. (2) João lia O Grande Sertão Veredas quando criança. É claro que existe uma diferença entre estas duas sentenças. Esta diferença é aspectual e é pelo fato de esta ação mostrar-se internamente como finalizada ou não que falamos que o aspecto é perfectivo ou imperfectivo. Castilho (inédito) diferencia o aspecto em duas faces: uma qualitativa, que seria justamente esta questão do evento ser apresentado como estar acabado (aspecto perfectivo) ou inacabado (aspecto imperfectivo) e uma outra quantitativa, que diz respeito à ocorrência do evento descrito, que pode ser singular (aspecto semelfactivo) ou uma ocorrência habitual, reiterada (aspecto iterativo). Mas voltando ao que nos interessa, dizemos que um verbo ou uma locução verbal, ou mesmo uma perífrase tem um aspecto imperfectivo quando o evento por eles descrito continua aberto no tempo ou como segundo Costa (1997:30) afirma em seu O aspecto em Português, quando expressa essa temporalidade interna, ou considerando-a como um fragmento de tempo que se desenrola (expressão da

762 O PROGRESSIVO EM PB E EM FRANCÊS cursividade), ou selecionando fases desse tempo interno (expressão das fases inicial, intermediária ou final), ou expressando, ainda, estados resultativos que dêem relevância lingüística à constituição temporal interna de um processo que os antecedeu. Em (1) o evento da leitura de João está fechado, pois, sabemos que se ele leu a atividade já está finalizada. Portanto, dizemos que esta sentença tem um aspecto perfectivo Já o exemplo em (2) seria o de uma ação com o aspecto imperfectivo. Temos uma sentença já com um tempo imperfeito onde podemos afirmar que eventos de leitura ocorreram, mas ao mesmo tempo não podemos inferir a leitura completa do livro por João. A ação da leitura já está terminada, mas o fato é que ela é apresentada em seu desenvolvimento interno e nada podemos afirmar sobre seu término Se em vez de lia tivéssemos, agora, um progressivo, também teríamos um aspecto imperfectivo, já que a perífrase em PB expressa sempre uma ação imperfectiva, que pode indicar um evento, como em (3) ou a repetição deles, como em (2): (3) João estava lendo O Grande Sertão Veredas. E neste trabalho nos interessa justamente o progressivo, que tem um aspecto imperfectivo, como já mencionado, uma vez que mostra a ação em curso, inacabada. É impossível descrever algum fenômeno contendo um aspecto imperfectivo e não falar no famoso paradoxo gerado por este aspecto. O paradoxo do imperfectivo foi tratado por diversos autores, entre eles Dowty (1977), que é quem detém a solução mais famosa para o fenômeno e que até hoje é discutida. Dowty utiliza a classificação de Vendler (1967) para os verbos, que segundo ele expressam uma atividade, um estado, um achievement ou um accomplishment e explica que o paradoxo acontece não com atividades e estados, mas com achievements e, principalmente, com verbos do tipo accomplishment. Mas que tipo de verbos são esses? Veja os exemplos: (4) João está escrevendo um livro. (5) João escreveu um livro. (6) João está empurrando o carro. (7) João empurrou o carro. Sabemos que estes pares de sentenças têm suas diferenças. Intuitivamente podemos dizer que (5) não pode ser inferida de (4), pois sabemos da diferença que é ter um livro escrito e um quase livro escrito. Porém (7) é tranqüilamente inferida de (6), pois não importa o pouco que João possa ter empurrado o carro que já significa que ele empurrou. A questão é que, segundo Dowty, o paradoxo acontece, principalmente, com verbos do tipo accomplishment, que vêm a ser aqueles verbos que pedem um resultado e que em condições normais obtém estes resultados. O problema surge quando estes verbos estão em sua fase progressiva, onde deveriam, mas não podem garantir o resultado esperado. É claro que em (3) João tem a pretensão de terminar de escrever seu livro, mas alguma coisa pode vir a acontecer fazendo com que ele desista de escrevê-lo. Até mesmo em sentenças mais simples de se imaginar um resultado, como: (8) João está atravessando a rua. não podemos inferir que ele atravessou, pois a sentença na forma progressiva mostra a ação em curso e não seu fim, por mais que esteja muito próximo o mundo onde ele realmente atravessa a rua. Este é, basicamente, o paradoxo do imperfectivo 1. Já nas sentenças (6) e (7) estamos falando de uma atividade e com atividades o paradoxo não acontece. A seguir veremos o que a perífrase progressiva ESTAR+NDO tem a nos mostrar. 2 A forma progressiva do PB A forma progressiva do português brasileiro, realizada pela perífrase ESTAR+NDO pode ter duas interpretações, ambas imperfectivas. Veja o exemplo: (9) João está fumando. 1 Para solução aventada por Dowty, ver bibliografia.

Letícia Tancredo GALLOTTI 763 Esta sentença pode ser verdadeira em duas situações distintas: a primeira delas seria a resposta de uma pergunta do tipo: - Mas que demora, diga para o João entrar. Aliás, o que ele está fazendo aí fora? - Ele está fumando. Neste caso, temos um uso que chamamos de progressivo, pois ele fala da circunstância em questão, da ação em curso. É justamente este contexto que nos interessa em nossa pesquisa. Já a outra interpretação seria num contexto do tipo: - Estou sentindo uma diferença no desempenho físico do João. Você sabe o que aconteceu? - Ele está fumando. Aqui estamos falando de um hábito recente de João, que chamamos de um uso habitual. Porém, é preciso falar que o PB descreve um uso habitual também no tempo presente simples, mas aí o que podemos perceber é que este hábito não é recente: - E você sabe onde seu amigo gostaria de sentar? - AH! Com certeza na área climatizada, ele fuma. Segundo Ilari e Montoanelli (1983:31) como a perífrase progressiva pode aplicar-se tanto a verbos que foram construídos anteriormente como habituais quanto a verbos que exprimem uma única realização, obtemos dois tipos de progressivo: habituais e semelfactivos. Os autores apontam, também para a questão de o progressivo não ocorrer no imperativo e tampouco com verbos que indiquem localização espacial, como ficar: (10) (37)* O plantão de vacinações está ficando na rua X. E também ao fato de certos predicados construídos com o ser serem, normalmente, inaceitáveis na forma progressiva, a não ser que a eles seja acrescentado um complemento relativo introduzido por para: (11) (29) * Esta piscina está sendo pequena. (12) (30) Esta piscina está sendo pequena para abrigar os peixes que as equipes... Agora, veremos o que acontece com a língua francesa. 3 O progressivo no francês A maior parte das gramáticas e manuais de bom uso da língua, como o Le bon usage de GREVISSE, tido como padrão da língua francesa, traz o ÊTRE EN TRAIN DE+INF como sendo uma das formas progressivas do francês. E, realmente, não deixa de ser. O que nos chamou a atenção foi o fato de sempre que perguntado, tanto para falantes nativos, quanto para professores de francês e alunos da graduação da Universidade Federal de Santa Catarina como seria a tradução de uma sentença como (8), repetida logo abaixo, todos, sem nenhuma exceção responderam (13): (8) João está atravessando a rua. (13) Jean traverse la rue. O que estaria acontecendo se acabamos de dizer que o progressivo em francês era feito através da perífrase citada acima? Nossa hipótese é a de que o presente simples, em francês, tem a capacidade de ser interpretado como um progressivo. É preciso dizer que não estaria errado se traduzíssemos (9) por (10): (14) Jean est en train de traverser la rue. A questão é que esta seria, claramente, uma forma mais formal e pouco utilizada no dia-a-dia dos falantes. 2 O presente simples na língua francesa teria, então, dois usos freqüentes: um deles para o progressivo, como no exemplo que citamos em (9) e o outro seria um uso habitual, citado logo abaixo, como o presente do PB: 2 Esta questão ainda terá que ser melhor comprovada em CORPUS.

764 O PROGRESSIVO EM PB E EM FRANCÊS (15) Jean fume. Sendo assim, o presente simples para o francês é ambíguo entre uma leitura progressiva e uma leitura habitual. É claro que o contexto sempre favorece uma das interpretações, mas também o uso de alguns advérbios temporais como o en ce moment ou o maintenant podem auxiliar nesta desambigüização. Observe os exemplos: (16) Jean traverse la rue en ce moment/maintenant. Neste caso, não temos nenhuma dúvida de que se trata de uma leitura progressiva. Isso, por causa do advérbio que indica uma coincidência entre o momento de fala e o momento de evento, impossibilitando a leitura habitual. É possível, também, na língua francesa utilizar o gerúndio para exprimir o uso circunstancial, progressivo. Porém, o gerúndio em francês se forma com a partícula en + o particípio ant e é preciso ter dois verbos na frase com o mesmo sujeito, mais precisamente dois eventos que devem ocorrer simultaneamente. Sendo assim, o gerúndio também marca uma ação progressiva, mas impõe certas restrições. Como exemplo temos a sentença abaixo, que no PB é perfeitamente aceitável, mas sua tradução não pode ser feita com o gerúndio do francês: (17) Ele está comendo pão. (18)*Il est en mangeant du pain. Com a perífrase com gerúndio poderíamos dizer 3 : (19) Il mange du pain en regardant la télé. (Ele come pão assistindo TV enquanto assiste TV) Veremos agora, o que já podemos dizer sobre a maneira com que cada língua manifesta o progressivo, objeto principal de nosso estudo. 4 Considerações sobre o progressivo Nosso objetivo inicial era o de estudar o progressivo em PB e em Francês. O que fizemos aqui foram apenas algumas observações do que acontece em situações reais do uso de sentenças deste tipo. Muitos outros rumos ainda devem ser traçados para que esta futura dissertação contribua de alguma maneira no ensino do Francês como língua estrangeira. Em especial nada dissemos sobre a semântica do progressivo, tópico bastante árduo. De uma maneira geral, o que vimos pode ser resumido em: PB : perífrase ESTAR+NDO leitura progressiva leitura habitual (recente) Francês: perífrase ÊTRE EN TRAIN DE+INF leitura progressiva muito pouco utilizada Presente simples leitura progressiva leitura habitual Ou seja, cada língua se manifesta sintaticamente de uma maneira para formar uma sentença progressiva, mas quer seja com a perífrase em PB ou com o presente simples em francês, o aspecto imperfectivo da sentença progressiva se mantém, pois o operador PROG é um operador universal. Tanto é verdade que vale notar que o paradoxo do imperfectivo se mantém na língua francesa, só com o presente simples, o que comprova sua real existência neste tempo. (20) Jean traverse la rue. (21) Jean a traversé la rue. 3 Esta é uma questão que não será desenvolvida neste artigo.

Letícia Tancredo GALLOTTI 765 O paradoxo se mantém, pois (21) não pode ser inferida de (20), como no caso do PB, já citado anteriormente. Por fim, se estamos afirmando que a semântica do operador PROG é universal e que as duas línguas em questão, o PB e o francês distanciam-se somente na forma sintática, podemos afirmar que ao pensarmos numa sintaxe simples, temos que imaginar que deve haver um nódulo para o aspecto (ASP) e um nódulo para o Tempo. A morfologia de presente simples em francês terá, então, duas possibilidades de interpretação disponíveis no modulo ASP: o progressivo ou o habitual. A interpretação habitual terá que vir acompanhada por um operador de genericidade (algo como o GEN proposto por Krifka et alli), enquanto que a leitura progressiva será submetida a um fechamento existencial. RESUMO: O objetivo deste trabalho é estudar o progressivo no português brasileiro, realizado através da perífrase ESTAR+NDO, além de comparar com o equivalente na língua francesa. Mostramos que as duas línguas manifestam-se diferentemente quanto a esta questão, apesar de manterem o mesmo conteúdo semântico. Afirmamos que o francês tem seu presente simples ambíguo, uma vez que o utiliza tanto para uma leitura progressiva quanto para uma leitura habitual. PALAVRAS-CHAVE: semântica formal; progressivo, PB; ensino de línguas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: CASTILHO, Ataliba. Aspecto Verbal no Portguês falado. USP (inédito). COSTA, Sônia Bastos Borba. O aspecto em Português. 2 ed. São Paulo: Contexto, 1997.- (Repensando a Língua Portuguesa). DOWTY, David. Toward a semantic analysis of verb aspect and the English imperfective progressive. Linguistics and Philosophy. Vol. 1. 1977. ILARI, Rodolfo e MONTOANELLI, Ivone. As formas progressivas do Português. Cadernos de Estudos Lingüísticos, UNICAMP.São Paulo. Vol. 5 (27-60). 1983. GREVISSE, Maurice. Le Bon Usage. 10ª ed.. Belgique: Duculot. 1975.