Vila Praia de Âncora Monopólio privado do 3º ciclo com escola pública disponível do outro lado da Rua.



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Transcrição:

Vila Praia de Âncora Monopólio privado do 3º ciclo com escola pública disponível do outro lado da Rua. N a verdade, na escola básica do Vale do Âncora, em Vila Praia de Âncora, podemos usar, e com mais solidez, os mesmos argumentos que os colégios com contrato de associação usam na sua campanha mediática, que os jornalistas divulgam acriticamente, mesmo se está carregadinha de informação tóxica. Há uns dias, li um espantoso texto de alguém que argumentava, exibindo e alegando com mapas (com argumentação muito ridícula e contra todas as evidências), que o Colégio La Salle, em Barcelinhos (que, juntamente com o de Lamas, são atores centrais da campanha mediática) deve continuar a capturar recursos públicos (e a palavra capturar é mesmo esta e sei porque a uso). No nosso caso, em Vila Praia de Âncora não são precisos mapas, e nem tem de haver muita discussão sobre distâncias. A escola privada fica na mesma rua, no mesmo passeio. É só atravessar um cruzamento e a largura de uma faixa (há quem diga 6, outros dizem 7 metros, nunca fui lá medir, mas é atravessar uma rua).

Os nossos alunos da Escola Básica do Vale do Âncora que frequentam no 1º e o 2º ciclo (1º ao 6º ano) uma escola pública (mesmo pública e não privada) são aí felizes, sentem-se bem, tem uma boa escola e bons resultados. Tudo argumentos que as escolas de contrato de associação escreveram em slogan nas camisolas amarelas, que professores e alunos exibem. Os nossos alunos também as podiam usar. A nossa escola tem qualidade e presta serviço público reconhecido. Sou obviamente suspeito pois sou lá professor há 3 anos mas, da mesma forma que não me porei a discutir a qualidade dos outros, espero que façam a justiça de reconhecer resultados a quem os tem. Não duvido que os alunos que frequentam as escolas de contrato de associação tenham isso também. Mas a esses, que já lá estão, ninguém os quer tirar de lá (o que está em causa é a entrada de alunos novos, não a saída dos que já lá estão). Por isso, quem se manifesta nada tem a ver com o problema em si mesmo (pois terminará o ciclo na escola que os restantes contribuintes através do Estado lhe vem pagando 2 vezes, por sinal, a que frequentam e a que dispensam). Mas, por outro lado, por causa do contrato de associação, os meus alunos em Vila Praia de Âncora, que passarem para o 7º ano, vão ser retirados da escola onde se sentem bem, tem bons resultados e são felizes. Isto, porque, transitando para o 7º ano, são obrigados (todos, mesmo os que queiram de outra forma) a transitar para a escola com contrato de associação que fica na mesma rua. H á assim uma escola pública (com salas disponíveis, bem equipada, com boas instalações) que, por fazer parte de um agrupamento que inclui todas as outras escolas do concelho, que tem alunos do pré-escolar ao 12º ano, tem professores e todos os recursos para leccionar o 3º ciclo (e até depois do 9º ano). A razão passada para haver uma escola privada a receber dinheiro do Estado para prestar esse serviço deixou de existir há muito. O Estado tem recursos para fazer ele próprio e, só não faz, porque os titulares políticos da decisão (sejam do poder central mas também, tristemente, do poder local), que valorizam mais o que acham que dá votos que o interesse público, impelem o rumo noutro sentido.

Ensino privado obrigatório no 3º ciclo no Vale do Âncora Um monopólio rentista ou a liberdade de escolha inquinada? No ano passado (e em muitos anos anteriores), houve alunos que quiseram ficar a fazer o 3º ciclo na escola pública do Vale do Âncora. Os anteriores decisores da ex-dren, com acolitamento autárquico (e até porque a escola privada tem dono) proibiram abertura de turmas e alegaram que só a escola privada é que tinha direito contratual a abrir as turmas. Os mesmos que agora berram, com acrisolada defesa da liberdade de escolha, num contexto claramente deslocado, não quiseram saber da liberdade de escolha desses alunos ala para a escola com contrato de associação. Se queriam doutra forma vão para outro concelho! ou para Caminha! Realmente, se a escolha for entre, estar ao pé da porta ou andar 5 ou 10 kms, e pagar por isso, as cartas estão mais ou menos marcadas, certo? Mas há outras escolhas. Por exemplo, ficar na escola pública. A liás, toda esta argumentação da liberdade de escolha está inquinada pelo sentido de ação de quem a usa. A escolha é um processo individual. Todo o discurso dos que usam o argumento (deslocado, porque contratos de associação não têm a ver com liberdade de escolha mas com a prestação mínima do serviço) esquece que as escolas não são frequentadas de forma individual mas em classes (isto é turmas). Na saúde, a minha escolha sobre o sítio onde opero as cataratas, por exemplo, é basicamente minha e afeta-me a mim apenas (embora possa haver efeitos de agregação). Numa escola, além de o serviço ser prestado no longo prazo (anos ou ciclos) é prestado a um grupo (turma). Por isso, se, em 25 alunos, só 12 escolherem um sítio, 13 escolheram por todos. E os 12, que queriam diferente, ficam obrigados à escolha dos restantes e vão ter de ir para a turma deles. 1 decidiu para desempatar e lá se foi a Liberdade. A pressão social, o bairrismo politiqueiro (sempre má ideia, mas tristemente comum, em escolhas estruturais), e até, o efetivo desconhecimento da realidade dos factos, fazem o resto. Em especial, se se não falar toda a verdade e ainda se usar o argumento da tradição, isto é, que o caso já dura há muito (o que ironicamente é o que sempre me choca mais, sendo professor de História).

Qualidade: privado vs público Porque lançam a suspeita sobre a escola pública para afirmar a sua? E não estou a dizer que a escola privada seja má ou sequer pior. Se a escolha realmente fosse a causa disto, isto é, se existisse real escolha (o que, insisto, não é o caso) devia prever a possibilidade de ir para um lado, ou para o outro, e não obrigatoriamente para o privado. Só se escolhe fora de um monopólio e em alternativa. E não é isso que acontece no Vale do Âncora. No 3º ciclo só há ensino privado e não tinha de ser assim. Tendo fortes ligações familiares e emocionais a Vila Praia de Âncora, dói-me ver a cegueira e o bairrismo deslocado dos que não entendem que é melhor uma escola realmente da comunidade e dos cidadãos (pública, sem dono) do que uma escola juridicamente detida por um privado, isto é, que tem dono. E tudo isto ser feito em nome da liberdade dói-me ainda mais. Imaginemos que era comigo. T endo fortes ligações familiares à terra, e podendo nela morar, até podia, se tivesse filhos, tê-los a estudar aí. Na minha família, sempre se escolheu a escola pública. Escolheria assim aquela que os pseudoliberais, que berram na TV pela felicidade dos seus alunos, chamam agora estatal, como se fosse insulto. E se, tendo filhos no 3º ciclo, mantivesse a escolha familiar pela escola pública, poderia até, no meu caso, se quisesse, pagar para fazer a escolha contrária. Porque a questão era de princípio e de liberdade. Será que os fatigantes propaladores da liberdade não vêem que até há quem não queira escolher escolas da rede pública com gestão privada porque, por exemplo, não acreditam em parcerias público-privadas ou porque,

em Educação, gostam do produto puro (e privado é privado, e paga-se por si mesmo, e tem dono, e público é público, e resulta de financiamento público, e tem gestão pública). É ideológico? Talvez. Mas é uma escolha. Para chegar a ter filhos no 7º ano, a estudar em Vila Praia de Âncora, na escola pública (mesmo pública, não a que passa por tal), a continuarmos assim nestas águas turvas, não tinha escolha. Porque o Estado, que podia ter aí uma escola realmente pública excelente, em nome de uma falsa conceção sobre contratos de associação, ma tiraria. Em suma, porque se deu um monopólio do 3º ciclo a uma escola privada. Liberais a defender monopólios é coisa inacreditável mas acontece em Portugal. Por isso, ou a coisa mudava ou lá teria que colocar os meus filhos em Caminha, Viana do Castelo ou sujeitar-me ao que não queria. Escolha? Não. Tratamento preferencial ao sector privado porque o Estado ou quem nos representa nele quer mesmo gastar aquele dinheiro até contra a vontade dos cidadãos Porque será? Pelo interesse público da dita escolha? Luís Sottomaior Braga Vila Praia de Âncora, 9 de Maio de 2016