Produção de alimentos e energia: a experiência da Itaipu Binacional na implantação do Condomínio de Agroenergia Ajuricaba Introdução Cícero Bley Júnior - Assessoria de Energias Renováveis/Itaipu Binacional Jeferson Toyama - Assessoria de Energias Renováveis/Itaipu Binacional Maria de Fátima dos Santos Ribeiro - IAPAR O Paraná contribui de forma significativa para a produção agrícola e pecuária nacional. Na safra 2011/2012, contribuiu com 22% e 20% da produção nacional de milho e soja, respectivamente, e com 12%, 13% e 26% da produção de leite, suínos e frango, respectivamente. É um estado típico de agricultura familiar, sendo que 87% dos estabelecimentos possuem menos de 50 ha. Dessa forma, as atividades da família na agricultura estão diretamente refletidas nos setores especializados do comércio local e as indústrias que os abastecem com máquinas, insumos, sementes, ferramentas, etc. Além disso, os serviços locais também são estimulados pela agricultura familiar e são estabelecidos na dependência direta de épocas de colheita ou os fluxos financeiros do comércio dos produtos gerados. Além da sua extrema relevância econômica a produção agropecuária deve garantir condições dignas para a manutenção das famílias no meio rural, cuidando-se para que os impactos ambientais sejam os mínimos possíveis. Na produção animal, os principais fatores de impacto ambiental estão relacionados à alimentação do rebanho (incluindo-se a produção dos grãos, o transporte e o processamento da ração) e à produção de dejetos, sobretudo no caso da suinocultura. Dentre as diversas possibilidades de manejo dos dejetos, a biodigestão anaeróbia tem merecido destaque, por possibilitar não apenas a mitigação dos impactos ambientais, mas também por gerar um produto o biogás o qual pode ser utilizado na geração de energia térmica, mecânica, elétrica e veicular. Dessa forma, o biogás pode ser incorporado aos sistemas de produção agropecuária como mais um produto gerado, que pode ser utilizado internamente pelo próprio sistema, e cujo excedente pode ser exportado nas diversas formas de energia, contribuindo assim para a redução dos custos de produção, para a geração de renda e a redução do impacto ambiental da atividade. Todo este cenário justifica os esforços institucionais voltados a viabilizar a inserção das propriedades da agricultura familiar na era da agroenergia, contribuindo para a sustentabilidade da produção.
2172 Anais do X Congresso da Sociedade Brasileira de Sistemas de Produção Após viabilizar as tecnologias de aproveitamento da biomassa residual para geração distribuída de energia elétrica a partir do biogás em seis protótipos instalados na Plataforma Itaipu de Energias Renováveis, e atendendo a uma orientação da Secretaria de Agricultura do Estado do Paraná, a Assessoria de Energias Renováveis da Itaipu Binacional Brasil partiu para o desafio de elaborar e implantar a geração de energia elétrica com biomassa residual em propriedades de agricultura familiar. Nesse sentido foi concebido o projeto Condomínio de Agroenergia para Agricultura Familiar Ajuricaba com objetivo de fornecer uma referência concreta e indicadores de sustentabilidade econômica, ambiental, social e energética para a agroenergia aplicada à agricultura familiar de pequena escala. A implantação do projeto Condomínio de Agroenergia para Agricultura Familiar Ajuricaba contou com os seguintes parceiros: Centro Internacional de Energias Renováveis/CIBiogás, Parque Tecnológico de Itaipu/PTI, Prefeitura Municipal de Marechal Cândido Rondon, Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural/Emater-PR, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária/Embrapa Propósitos do Projeto O projeto tem como objetivo fornecer uma referência concreta para a inserção da agroenergia na agricultura familiar de pequena escala através da definição de critérios econômicos, ambientais, sociais e energéticos. Alguns pontos importantes delinearam as ações propostas neste projeto: A biodigestão de resíduos agrícolas, incluindo os dejetos animais, é a fonte de energia com o melhor custo benefício em relação a investimentos e manutenção; O paradigma da bioenergia em pequena escala é essencialmente coletivo, colaborativo e cooperativo. Seu limite territorial de planejamento e gestão é definido pelo território delineado pela microbacia compartilhada pelo pequeno grupo de agricultores familiares; É necessário manter os processos de bioenergia sob controle total dos agricultores familiares. Isso permite que o projeto de energia em uma pequena bacia hidrográfica consiga ser concebido exclusivamente através da localização territorial, sem levar em consideração as ligações industriais e comerciais que os produtores possam ter; A necessidade de novas estruturas para lidar com o paradigma da produção da bioenergia de pequena escala foi equacionada por meio da criação de condomínios de agroenergia;
GT 4 - Transição Agroecológica em Sistemas de Produção 2173 Caracterização do Condomínio de AgroenergiaAjuricaba O Condomínio de Agroenergia Ajuricaba reúne 33 pequenos estabelecimentos familiares localizadas na na microbacia hidrográfica do rio Ajuricaba. Nesse ambiente, foi constatado que o potencial de produção de biogás disponível nas propriedades da agricultura familiar, quando analisado individualmente, não atingiria a escala necessária para viabilizar o seu aproveitamento para produção de energia elétrica. Dessa forma, a proposta para viabilizar o aproveitamento dos recursos energéticos renováveis na agricultura familiar foi assumir a microbacia como a unidade de planejamento. Ao assumir a microbacia como a unidade planejamento, ficou evidente que, se somado o potencial de produção de biogás disponível em cada propriedade seria possível alcançar a escala necessária para viabilizar a implantação de uma microcentral termelétrica. Dessa forma, o aproveitamento do biogás produzido em propriedades da agricultura familiar se tornou viável por meio da interligação dos biodigestores instalados em cada uma das propriedades através de gasodutos rurais. O processo de integração das propriedades rurais, considerando a microbacia como unidade de planejamento, utilizou ferramentas de gestão territorial por meio de um software livre de código aberto, desenvolvido pelo Centro Internacional de Hidroinformática/PTI, para cadastro das informações associadas às coordenadas geográficas, o qual é chamado de cadastro técnico multifinalitário (CTM). A partir desse cadastro foi possível mapear o potencial de produção de biogás presente em cada propriedade e estruturar a logística de deslocamento do biogás. Este processo resultou na concepção do condomínio. A Figura 1 apresenta o arranjo geográfico da estrutura do condomínio. Na Figura 1 destaca-se: na cor verde as propriedades que fazem parte do condomínio; na cor alaranjada a localização da microcentral termelétrica (MCT); a linha de cor vermelha corresponde ao gasoduto primário, o qual liga os biodigestores ao gasoduto principal; e a linha de cor alaranjada o gasoduto principal. Além do biogás, os sistemas de biodigestão instalados no condomínio produzem o biofertilizante, o qual é uma importante fonte de nutrientes às culturas e contribui com a melhoria das características físicas do solo, (Angonese, 2006), contribuindo ainda para a redução dos custos de produção das lavouras. As iniciativas de uso do biogás implantadas na região comtribuiram para viabilizar uma séria de tecnologias sociais inovadoras para a produção produção, o transporte e o uso do biogás, tais como: gasodutos rurais (Figura 2a), biodigestores de pequena vazão (Figura 2b), filtro para purificação do biogás específico para pequena escala, secador de grãos a biogás, motores a biogás, etc.
2174 Anais do X Congresso da Sociedade Brasileira de Sistemas de Produção Figura 1. Bacia hidrográfica Ajuricaba e propriedades rurais., Figura 2. a) Biodigestor instalado em uma propriedade familiar; b) Instalação do gasoduto.
GT 4 - Transição Agroecológica em Sistemas de Produção 2175 Conclusões O Condomíniode Agroenergia para Agricultura Familiar Ajuricaba é formado por 33 propriedades da agricultura familiar que produzem juntas 16 mil toneladas por ano de resíduos, com os quais é possível produzir cerca de 319.000 m 3 /ano de biogás. Em cada uma das propriedades foi instalado um biodigestor individual a fim de produzir localmente o biofertilizante e o biogás. O biofertizante é utilizado pelos produtores para a fertilização orgânica do solo, aumentando o potencial produtivo do solo e evitando o custo com a compra de fertilizantes químicos usados na agricultura. O biogás pode ser consumido na própria propriedade, gerando receita através da substituição do GLP (gás liquefeito de petróleo) utilizado na cocção de alimentos e agregando valor ao leite através da esterilização de ordenhadeiras. O excedente de biogás da propriedade é transportado por uma rede de gasodutos rurais de 22 quilômetros de extensão até uma Micro Central Termelétrica (MCT), onde parte do biogás é utilizado para a secagem de grãos e outra parte é transformado em biometano, o qual pode utilizado na produção de eletricidade. A fim de tornar a produção da agroenergia descentralizada uma realidade nacional e permitir que a sociedade tire proveito de seus benefícios algumas medidas são necessárias: Criação de uma nova estrutura para gestão de projetos em agroenergia; É necessário o estimulo a fundos de incentivo e pesquisa, desenvolvimento e inovação para o desenvolvimento e aprimoramento de novas tecnologias, as quais devem ser incorporadas àcadeia de suprimentos do biogás; Capacitação de projetistas, especialistas em operações e técnicos para supervisionar a instalação, manutenção e monitoramento das unidades geradoras; Criação de assistência técnica, com ênfase em bioenergia, gerada a partir da agricultura familiar; Estabelecimento de uma estratégia para o plantio de culturas energéticas sem prejuízo a produção de alimentos, como por exemplo, o uso de terras de vocação florestal para produção biomassa florestal; Estimulo à organização dos agricultores familiares de pequena escala para a geração e utilização de bioenergia; Definição de normas para Licenciamento Ambiental e Mecanismos de desenvolvimento limpo para a operacionalização de condomínios de agroenergia. A adoção legal da metodologia de Geração Distribuída é uma questão-chave para o aproveitamento de todas as fontes de energias renováveis viáveis, dentre elas a bioenergia gerada pela agricultura familiar.
2176 Anais do X Congresso da Sociedade Brasileira de Sistemas de Produção Referências Angose, AR, AT Campos, CE Zacarkim, MS Matsuo, F. Rev. Bras. Eng. Agríc. Ambiental, 2006 Scielo Brasil. Bley, C; Amon, D. BIO-ENERGY IN FAMILY FARMING: A NEW SUSTAINABLE PERSPECTIVE FOR THE RURAL SECTOR IN BRAZIL. A Case Story, International Energy Agency - Bioenergy Task 37. setembro de 2013.