Vivendo nos Jardins de formigas: diferentes funções para as epífitas associadas aos ninhos



Documentos relacionados
Jardins suspensos da Amazônia: composição florística e sucessão de espécies em jardins de formiga Ana Catarina Conte Jakovac

Densidade, riqueza e composição florística de jardins de formiga em dois ambientes de terra firme na Amazônia Central

Jardins de formigas na Amazônia Central: um experimento de campo utilizando cupins vivos como iscas

1. Introdução. Emília Zoppas de Albuquerque

Seleção de habitat por epífitas e por formigas de jardins de formigas na Amazônia Central

Introdução. Material & métodos

TRABALHO DE CAMPO DE BIOGEOGRAFIA

Riqueza e abundância de Euglossini (Hymenoptera: Apidae) em gradiente de borda de Cerradão Orientador: Evandson dos Anjos Silva Resumo: Introdução

de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia

Influência do efeito de borda na riqueza de formigas em Cerradão

Estímulos químicos induzem recrutamento de formigas na mirmecófita Maieta guianensis (Melastomataceae) Introdução Material & métodos

PLANTIOS DE PAU-ROSA (Aniba rosaeodora Ducke) E A PRODUÇÃO DE ÓLEO A PARTIR DE MUDAS PLANTADAS

Programa Analítico de Disciplina ENF305 Ecologia e Restauração Florestal

2 DAPSA - FMVA - UNESP. 1 Mestranda da FMVA - UNESP (Bolsa CAPES). 3 shvperri@fmva.unesp.br 4 Agradecimento FAPESP pelo apoio financeiro.

VARIAÇÃO ESPACIAL DA ABERTURA DE DOSSEL EM FLORESTA E PLANTIO DE CACAU NA RPPN DA SERRA DO TEIMOSO, BA

ESPÉCIES ARBÓREAS DA BACIA DO RIO MAUÉS-MIRI, MAUÉS AMAZONAS

Nesse trecho, muitas relações ecológicas entre a árvore e outros organismos são citadas, exceto

I3N / Universidad Nacional del Sur / Instituto Hórus ANÁLISE DE RISCO PARA PLANTAS - Versão 1.0 (Julho 2008)

INFLUÊNCIA DA TEXTURA DO SOLO SOBRE OS PARÂMETROS DOS MODELOS DE VAN GENUCHTEN E BROOCKS E COREY. Donizete dos Reis Pereira, Danilo Pereira Ribeiro

I3N / Universidad Nacional del Sur / Instituto Hórus ANÁLISE DE RISCO PARA PLANTAS - Versão 1.0 (Julho 2008)

Relação entre área específica da folha (SLA) e herbivoria em clareira e sub-bosque em uma floresta de terra firme na Amazônia Central Introdução

Determinação de padrões de distribuição espacial de termiteiros de Armitermes cerradoensis e Cornitermes silvestrii

2º ano do Ensino Médio. Ciências Humanas e suas Tecnologias Geografia

ESTRUTURA DO HÁBITAT E A DIVERSIDADE DE INVERTEBRADOS

Profa. Patrícia C. Lobo Faria

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Embrapa Amazônia Oriental Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

Estudo sobre a dependência espacial da dengue em Salvador no ano de 2002: Uma aplicação do Índice de Moran

Tempo de detecção e defesa das formigas Azteca sp. (Formicidae: Dolichoderinae) contra invasores em diferentes partes da mirmecófita Tococa bulifera

Colégio São Paulo. Bioma. adapt ações. Biologia 9º ano Prof. Marana Vargas

I3N / Universidad Nacional del Sur / Instituto Hórus ANÁLISE DE RISCO PARA PLANTAS - Versão 1.0 (Julho 2008)

Competição, filtros ambientais ou acaso? Estruturação de uma comunidade de plantas na Amazônia Central

NÍVEL DE INFESTAÇÃO DE CUPINS DE MONTÍCULO EM PASTAGEM DE Brachiaria NO MUNICÍPIO DE AREIA-PB

BOTÂNICA GERAL. Iane Barroncas Gomes Engenheira Florestal, Mestre Professora Assistente CESIT- UEA

LUDICIDADE APLICADA AO ESTUDO DOS ARACNÌDEOS

Estrutura populacional e distribuição espacial de Qualea grandiflora Mart., em área de transição no Piauí

Ceará e o eclipse que ajudou Einstein

I3N / Universidad Nacional del Sur / Instituto Hórus ANÁLISE DE RISCO PARA PLANTAS - Versão 1.0 (Julho 2008)

EFEITO DO ISOLAMENTO E DO TAMANHO DA ÁREA SOBRE RIQUEZA DE ESPÉCIES DE FAUNA ABRIGADA EM TRONCOS

Interações Entre Formigas e Nectários Extraflorais em Angicos-do-Cerrado (Anadenanthera falcata)

UTILIZAÇÃO DE LÍQUENS COMO BIOINDICADORES DE POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA NA CIDADE DE CUIABÁ MT

NOVO MAPA NO BRASIL?

BIOLOGIA FLORAL DA PAPOULA-DA- CALIFÓRNIA (Eschscolzia californica Cham., PAPAVERACEAE)

Aula de aplicação de categorias e critérios da IUCN para avaliação do estado de conservação da fauna

Biodiversidade e prosperidade económica

Jimboê. Ciências. Avaliação. Projeto. 4 o ano. 2 o bimestre

GESTÃO AMBIENTAL. Conteúdo

I3N / Universidad Nacional del Sur / Instituto Hórus ANÁLISE DE RISCO PARA PLANTAS - Versão 1.0 (Julho 2008)

Morfologia Vegetal. O corpo da planta

USO DE LEGUMINOSAS NA RECUPERAÇÃO DE SOLOS SOB PASTAGENS DEGRADADAS, EM GURUPI-TO. Danilo Silva Machado¹; Saulo de Oliveira Lima²

ESTRUTURA DE COMUNIDADES E CO-OCORRÊNCIA DE ESPÉCIES DE ARANHAS CURSORIAIS ASSOCIADAS A CUPINZEIROS

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Embrapa Amazônia Oriental Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

QUESTÃO 03 - Esquematize duas cadeias alimentares em que você participe como consumidor primário e terciário, respectivamente.

ESTIMATIVA E DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA BIOMASSA NA FLORESTA OMBRÓFILA MISTA

CARACTERÍSTICAS MORFOLÓGICAS DA FOLHA EM FUNÇÃO DA ALTURA DA ÁRVORE EM Pouteria cladantha sandwith, ESPÉCIE FLORESTAL DA AMAZÔNIA

UFRA/MPEG. Recebido em: 15/04/2017 Aprovado em: 22/07/2017 Publicado em: 31/07/2017 DOI: /Agrarian_Academy_2017a30

Efeito de estratégias de manejo em plantio de eucalipto sobre a ocorrência de aves. Camila Cristiane Isabella

Usa-se mais onde mais se precisa?

Mundo das Plantas RAIZ. Morfologia das Angiospermas. Aula aplicada ao 6º ano Escola Municipal Otávio Manoel Anastácio. Professor: Luiz Carlos.

COLEÇÕES DE REFERÊNCIA E BANCOS DE DADOS DE ESTRUTURAS VEGETAIS: SUBSÍDIOS PARA ESTUDOS PALEOECOLÓGICOS E PALEOETNOBOTÂNICOS

Introdução - Ecologia II

Anais do Seminário de Bolsistas de Pós-Graduação da Embrapa Amazônia Ocidental

Botânica Geral. Iane Barroncas Gomes Engenheira Florestal Mestre em Ciências de Florestas Tropicais Professora Assistente CESIT-UEA

Renan Parmigiani, Maria Gabriela Kiss, Neliton Ricardo Freitas Lara & Karina Campos Tisovec Dufner

Anais III Simpósio Regional de Geoprocessamento e Sensoriamento Remoto Aracaju/SE, 25 a 27 de outubro de 2006

IRRIGAÇÃO PARA PAREDES VERDES E VASOS.

Universidade Federal de Pernambuco

de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia

ZA5223. Flash Eurobarometer 290 (Attitudes of Europeans Towards the Issue of Biodiversity, wave 2) Country Specific Questionnaire Portugal

Comparação dos modelos de Gompertz e Verhulst no ajuste de dados de uma variedade de feijão

PARTE V GEOGRAFIA DA FLORA PAULISTA. 1. Padrão Espacial das Populações Arbóreas

APRESENTAÇÃO DE CURSO INTENSIVO/ACÇÃO DE FORMAÇÃO EM ÉTICA AMBIENTAL/

Diversidade, Riqueza e Distribuição de Bromélias e Orquídeas epífitas na Mata de Galeria do Rio das Antas, Poços de Caldas MG.

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Embrapa Amazônia Oriental Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

PRODUCAO DE MUDAS DE ESPÉCIES FRUTIFERAS DO CERRADO

DISTÂNCIA DA PLANTA MÃE E ESTABELECIMENTO DE PLÂNTULAS DE Scleronema micranthum (MALVACEAE) EM UMA FLORESTA DE TERRA FIRME NA AMAZÔNIA CENTRAL

ESTUDO DO SISTEMA RADICULAR DA SOJA (GLYCINE MAX (L.) MERRIL) EM SOLO LATOSSOLO ROXO ADU BADO OU SEM ADUBO ( 1 ) SINOPSE 1 INTRODUÇÃO

LEVANTAMENTO DE CUPINS EM ESTRUTURAS DE MADEIRAS DE BLOCOS DO MINI-CAMPUS (SETOR-SUL) DA UFAM.

III-072 CONTRIBUIÇÃO PARA O ESTUDO E AVALIAÇÃO DA RELAÇÃO CARBONO NITROGÊNIO NA COMPOSTAGEM

ESTIMATIVA DA CAPACIDADE DE ARMAZENAMENTO DE ÁGUA NO SOLO NO ESTADO DO CEARÁ RESUMO

Anais do Seminário de Bolsistas de Pós-Graduação da Embrapa Amazônia Ocidental

Análise de métricas da paisagem utilizando o Fragstats 3.3

POTENCIALIDADES DA CAATINGA

Colégio Meta. Lista de Recuperação - Ecologia. Professor(a): Maria Augusta Guimarães Carvalho. 3 Ano Ensino Médio. Aluno ( a ) / / 2014

Relações entre tamanho de formigas (Hymenoptera: Formicidae) e recrutamento por busca de alimento

Efeitos da adubação nitrogenada de liberação lenta sobre a qualidade de mudas de café

NOME TURMA ANO NÚMERO

AVALIAÇÃO DA QUALIDADE FISIOLOGICA DAS SEMENTES NA PRODUTIVIDADE DA CULTURA DA SOJA. Material e Métodos. Sementes (Brasil, 2009.

Confederação Nacional do Transporte - CNT Diretoria Executiva da CNT. DESPOLUIR Programa Ambiental do Transporte

MANILKARA HUBERI STANDLEY (MAÇARANDUBA), EM UMA FLORESTA NATURAL NA REGIÃO DE PARAGOMINAS, PA 1.

Variação temporal nos efeitos da visitação de nectários extraflorais de Qualea multiflora

Projetos Intervales. Modificado de:

I3N / Universidad Nacional del Sur / Instituto Hórus ANÁLISE DE RISCO PARA PLANTAS - Versão 1.0 (Julho 2008)

Programa Analítico de Disciplina ENT367 Entomologia Florestal

DATA: 02 / 05 / 2017 I ETAPA AVALIAÇÃO ESPECIAL DE CIÊNCIAS 6.º ANO/EF

FLORÍSTICA E SIMILARIDADE DE TRÊS PARCELAS PERMANENTES DO PROJETO TEAM NA AMAZÔNIA CENTRAL

Exame de Ingresso no Doutorado Programa de Pós-graduação em Ecologia - USP

1 Biodiversidade. Definições de biodiversidade

6 Estudos de Casos Porta Lógica OU de 4 Entradas

O MÉTODO DOS QUADRATS

Existe uma relação entre abundância de plantas na restinga e suas taxas de herbivoria? INTRODUÇÃO. Juliana Correia

Transcrição:

Vivendo nos Jardins de formigas: diferentes funções para as epífitas associadas aos ninhos Fabiane Mundim Introdução As epífitas mirmecófitas apresentam alta diversidade e abundância nos trópicos (Davidson, 1988). A associação entre formigas arborícolas e plantas epífitas, também conhecidas como jardins de formiga, é um dos melhores exemplos já conhecidos de interações mutualísticas (Bronstein, 1998). Ule (1905) observou que as formigas coletavam as sementes das epífitas e as semeavam e quando estas se desenvolviam, formavam a estrutura do jardim. Wheeler (1921) argumentou que as epífitas precedem as formigas, ou seja, as formigas colonizam as epífitas apenas quando suas raízes já estão formadas. No entanto, alguns autores, como Madison (1979), Kleinfeldt (1978) e Davidson (1988), ao observarem que as formigas dos jardins são atraídas por frutos e/ou sementes de epífitas devido ao seu valor nutricional e compostos químicos atrativos, verificaram que as formigas incorporam as sementes no jardim e que algumas destas germinam, o que apóia a hipótese de Ule. A formação de um novo jardim pode acontecer pela fissão de um jardim adulto ou pela fundação a partir de indivíduos alados (Hölldobler & Wilson, 1990). Porém, independente do tipo de formação e da idade do jardim estes são encontrados com maior freqüência em locais com elevada intensidade luminosa (Yu, 1994), já que estas condições são favoráveis ao rápido crescimento das epífitas (Davidson & Epstein, 1989). Quando as epífitas crescem mais, elas proporcionam uma maior estrutura para o desenvolvimento do ninho, que pode rapidamente se desenvolver e produzir alados. A associação entre essas plantas e as formigas parece ser obrigatória, já que existem espécies de epífitas que só ocorrem em jardins e vice-versa (Davidson 1988; Hölldobler & Wilson, 1990). Assim, existe uma forte evidência de que as epífitas de jardins e as formigas arborícolas co-evoluíram (Yu, 2001). Porém, pouco se sabe sobre como ocorre a colonização e a sucessão dessas epífitas na formação dos jardins de formiga. Tanto as formigas arborícolas como as epífitas dos jardins possuem vantagens nessa associação. As formigas dispersam as sementes e provavelmente fornecem nutrientes para o desenvolvimento das epífitas (Janzen, 1979), além de promover proteção contra herbívoros (Janzen, 1979; Vieira-Neto et al., 2006). Em contrapartida, as epífitas provisionam alimento para as formigas (polpa de frutos, arilos de sementes e exsudados de nectários extraflorais) e, por meio da absorção radicular e transpiração, retiram o excesso de água dos jardins, permitindo que estes resistam à destruição pelo excesso de umidade (Yu, 1994). As raízes das 1

epífitas ainda garantem a estrutura e a resistência do ninho (Ribeiro et al., 1999), porém, pouco se conhece sobre quais espécies de epífitas estruturam os jardins de formigas. Sabese apenas que espécies que estruturam os jardins estão presentes na maioria dos jardins e promovem a sua fixação (Jakovac, 2006). Algumas espécies de epífitas dos gêneros Anthurium, Codonanthes e Philodendron são freqüentes e abundantes nos jardins de formigas (Jakovac, 2006). Mas, não se sabe se essas espécies estão presentes nos jardins desde o início de sua formação. Comumente essas espécies são denominadas estruturadoras (Hölldobler & Wilson, 1990; Ribeiro et al., 1999), porém, não há uma caracterização clara dessas raízes que as qualificariam como tal. Assim, o primeiro objetivo deste estudo foi verificar como ocorre a colonização das epífitas nos jardins de formiga recém fundados. Minha hipótese é de que a colonização pelas formigas se inicia com espécies de epífitas capazes de conferir algum tipo de suporte e armação para o jardim. O segundo objetivo foi caracterizar as raízes das epífitas presentes nos jardins e verificar as características que cada uma das epífitas abundantes possuem. Minha hipótese é que, diferente da literatura, as epífitas não possuem a mesma função no jardim o que poderá ser evidenciado por diferenças nas suas estruturas radiculares. Espero encontrar uma caracterização morfológica específica para cada raiz, um maior acúmulo de matéria orgânica (terra mais folhas que as formigas agregam para a construção do jardim) nas raízes com funções mais estruturais e uma maior proporção de volume, em relação às outras epífitas. Material & métodos O trabalho foi realizado na Reserva do Km 41 (59 43 O; 2 24 S), uma área do Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF/INPA) cerca de 100 km ao Norte da cidade de Manaus. O trabalho foi realizado em um platô e em um baixio de uma floresta contínua de terra firme e também na estrada. Nos dois ambientes foram coletados todos os jardins de formiga encontrados que tivessem ao menos uma espécie de epífita de um desses gêneros: Codonanthes, Anthurium e Philodendron. Foi também coletada uma amostra do forófito para identificação. Para o primeiro objetivo, foram coletados jardins recém formados (por fissão e for fundação) e para o segundo objetivo foram coletados jardins de vários tamanhos. Na coleta dos jardins recém formados, foi anotado quando havia um jardim adulto próximo ou não. Quando o jardim pequeno estava distante até cinco metros de distância de um adulto, isso indicava que a formação deste jardim pode ter sido por fissão, quando o jardim adulto estava longe (mais de cinco metros) ou ausente, isso indicava que a formação do jardim pode ter sido por fundação a partir de alados. Essa observação é importante para eliminar uma possível preferência das 2

formigas por algumas espécies de epífitas dependendo do tipo de formação do jardim. Em cada jardim foi retirada a parte aérea de cada epífita, e a parte restante foi pesada e tiveram seu volume estimado a partir de três medidas de diâmetro. Posteriormente, o jardim foi lavado para retirar a matéria orgânica (terra mais folhiço) e as raízes foram separadas, pesadas e classificadas segundo a morfologia (pivotante, fasciculada), o número de ramificações, o tipo de raiz (aérea, adventícia, superficial), o grau de entrelaçamento, o grau de aderência da matéria orgânica às raízes, a estrutura do ninho formada a partir das raízes e da matéria orgânica aderida (compacta, cartonada) e inserção das raízes no jardim. Isso foi feito para os jardins adultos e os recém fundados. Com base nessas características observadas e coletadas, as epífitas citadas na literatura como estruturadoras devem possuir um alto grau de entrelaçamento de suas raízes, propiciando uma maior aderência da matéria orgânica às raízes, com isso o peso de sua matéria orgânica agregada pelas formigas ao jardim deve ser maior. Além disso, a proporção de raiz dos gêneros considerados estruturadores deve ser maior do que das outras e sua inserção deve ser mais profunda. Para as análises estatísticas, as espécies de epífitas foram agrupadas em gêneros. Para responder à primeira questão sobre a colonização das epífitas nos jardins fundados, foi feito uma ANOVA para verificar qual sistema radicular mais contribui para o início da formação do jardim. A variável dependente foram as proporções do peso de cada raiz e a variável independente foi o gênero de epífita. Para responder à segunda pergunta, juntamente com a caracterização das raízes foi feita uma regressão linear simples entre volume do ninho e peso das raízes separadas por gênero, isso para ver se há uma relação positiva para raízes estruturadora em relação às outras. Foi feito também uma regressão linear simples entre o peso da matéria orgânica e o peso da raiz de cada gênero, isso para ver se o aumento da quantidade de matéria orgânica que as formigas incrementam no jardim está positivamente relacionado com o peso das raízes que proporcionariam sustentação. Foi realizada também uma ANOVA em que a variável dependente foi a proporção do peso de cada raiz e a variável independente foi cada gênero, isso para verificar se a proporção de raiz é maior para as espécies consideradas estruturadoras. Além disso, para testar se a probabilidade de ocorrência de raízes saindo do forófito é em função do volume do jardim ou do peso da matéria orgânica, foi feita uma análise de regressão logística. Resultados Foram amostrados 40 jardins de formigas, sendo nove no baixio, 16 no interior da floresta e 12 ao longo da estrada. De todos os jardins amostrados, 17 eram recém fundados e 3

23 estabelecidos. Dos recém fundados, sete se localizavam perto de um jardim adulto, sugerindo que a formação pode ter sido por fissão, enquanto que nove não possuíam ninho adulto próximo e provavelmente foram formados por fundação a partir de alados. Em jardins recém formados, independente do tipo de formação, foi encontrado apenas Codonanthes e em apenas um caso apareceu Anthurium. Isso fez com que a proporção de raiz de Codonanthes fosse maior do que a proporção das outras raízes (F 2,48 = 26,435; p< 0,001; Figura 1). Figura 1. Porcentagem média do peso das raízes de cada gênero em relação ao peso total das raízes encontradas nos jardins recém fundados. Nos gêneros das epífitas predominantes nos jardins de formigas, verificou-se que nem todas as plantas possuíam a função de estruturar o jardim (Tabela 1). Apenas o gênero Philodendron apresentou relação entre o peso de matéria orgânica acumulada e o peso de suas raízes, mostrando que estas raízes são capazes de proporcionar estrutura para o crescimento do jardim (Tabela 2). Já a relação entre o volume do ninho e o peso da raiz foi significativa para as três categorias de raízes, porém a maior inclinação da reta para Philodendron mostrou que este gênero parece contribuir mais para o aumento do volume do ninho mais do que os outros gêneros (Figura 2). A proporção de raiz em relação ao total de raízes encontradas, que foi maior em Codonanthes ( F 2,108 = 16,780; p<0,001; Figura 3). Foram amostrados 37 jardins e forófitos, destes 17 eram de gêneros diferentes. Cinco forófitos emitiam raízes dos galhos suporte para dentro dos jardins. Destes cinco, três forófitos eram do gênero Guapira (Nyctaginaceae) e dois do gênero Unonopsis (Annonaceae). Porém, a presença dessas raízes emitidas pelo forófito não possui relação com o peso da matéria orgânica (X 2 = 0,206; g.l.=1; p= 0,650), nem com o volume do jardim (X 2 = 2,283; g.l.=1; p= 0,131). 4

Tabela 1. Classificação das raízes dos principais gêneros de epífitas encontrados nos jardins de formiga. Gênero Característica Fotografia Philodendron Raiz pivotante, com grande quantidade de raízes primárias finas e longas, formando uma estrutura favorável à deposição de matéria orgânica (terra mais folhiço) pelas formigas. Porém, toda essa estrutura de raízes entrelaçadas não parece deixar a matéria orgânica firmemente aderida, podendo se desfazer facilmente. Codonanthes Anthurium Raiz pivotante com uma raiz principal grossa e comprida, da qual saem várias raízes secundárias comprida e finas e destas uma grande quantidade de raízes terciárias pequenas, finas e densas, parecendo uma cabeleira. Esta raiz está sempre presente em ninhos recém fundados e no interior de ninhos adultos, formando uma estrutura compacta de matéria orgânica (terra mais folhiço) fortemente aderida às raízes. Raiz aérea, com grande quantidade de raízes primárias grossas, situadas superficialmente no jardim, sendo muito frágeis para dar sustentação. Possuem vários pontos de inserção de suas raízes na superfície do jardim. Tabela 2. Relação entre o peso da matéria orgânica acumulada nas raízes dos jardins de formiga e o peso das raízes de cada epífita. Gêneros Peso da matéria orgânica R 2 F (1,35) P Codonanthes 0,055 2,023 0,164 Philodendron 0,455 29,278 <0,001 Anthurium 0,074 2,817 0,102 5

Figura 2. Relação entre o volume total do ninho e o peso das raízes de cada gênero de epífita. Figura 3. Média da proporção do peso da raiz em relação ao peso total das raízes, dos jardins novos e já estabelecidos. Discussão A espécie mais frequentemente encontrada nos jardins recém fundados foi do gênero Codonanthes e devido à sua caracterização é possível aceitar que a colonização já se inicie com epífitas capazes de conferir algum tipo de suporte e estrutura para o jardim. Nos jardins sempre ocorre o padrão aninhado em que as espécies ocasionais e raras nunca ocorrem se uma das mais freqüentes não tiver colonizado o ninho previamente (Jakovac, 2006). Este padrão de ocupação pode ser explicado por três hipóteses: a hipótese da facilitação (Callaway, 1995; Hernandez-Rosas, 2001), a hipótese da preferência das formigas por algumas sementes de epífitas (Davidson, 1988) e a hipótese da probabilidade de chegada de propágulos dependente da abundância relativa natural das espécies no ambiente (Hubell, 2001). Espécies com características que proporcionam a fundação dos jardins, crescem junto com o jardim, e mais tarde, quando este jardim já está estabelecido, outras epífitas que proporcionam maior estrutura para que o jardim aumente de volume são incorporadas, possibilitando a colonização por outras formigas. Assim a hipótese da preferência das formigas por algumas sementes de epífitas parece ser a 6

melhor hipótese para explicar o padrão aninhado dessas epífitas nos jardins de formiga. Sabe-se que a estrutura comumente elipsoidal e a complexidade dos jardins de formigas são determinadas pelas epífitas que o compõe (Hölldobler & Wilson, 1990; Ribeiro et al., 1999). Para as espécies do gênero Codonanthes foi verificado que as raízes pivotantes com uma grande densidade de raízes secundárias promoviam uma menor estrutura para o crescimento do jardim, sugerindo que estas plantas sejam classificadas como não estruturadoras. Porém a grande contribuição em peso das raízes e presença de matéria orgânica aderida a elas sugere que elas possam ter um papel estruturador. Jardins com esta consistência compacta, dificilmente seriam destruídos por movimentações bruscas o que favoreceria a colonização por outras epífitas possibilitando a expansão do jardim e a permanência deste no ambiente. Segundo os parâmetros analisados, Philodendron é o único gênero que possui atributos capazes de formar uma estrutura para o jardim de formiga. Porém, quando ocorria apenas Philodendron, observou-se que o jardim apresentava uma estrutura do tipo cartonado, comum em cupinzeiros arborícolas (ver Abe et al., 2000). Nesse tipo estrutural, parece que a matéria orgânica não se fixa firmemente nas raízes, formando grandes espaços no seu interior, o que deixa os jardins com consistência instável podendo ser facilmente destruídos por qualquer movimentação brusca. Assim, mesmo apresentando características estruturadoras, não seria uma boa estratégia para o jardins, ter como epífita estruturadora apenas Philodendron. A interação entre Philodendron e Codonanthes foi observada em alguns jardins, e esta parecia ser a melhor estrutura. Nesse sentido, é possível dizer que jardins com mais de uma epífita com características estruturadoras terá sua aptidão aumentada, podendo o jardim crescer mais rapidamente. Yu (1994) demonstrou experimentalmente que, quando apenas as folhas da epífita Peperomia eram retiradas, os jardins se desfaziam rapidamente devido ao excesso de umidade, por falta de transpiração suficiente da parte aérea das outras plantas que compõe o jardim. A inserção das raízes de Anthurium e Peperômia é superficial, com vários pontos de apoio sobre o jardim, sugerindo que elas possuem a função principal de transpiração. A complexidade da associação epífitasformigas arborícolas é devido à variedade de famílias de epífitas distantes filogeneticamente e de espécies de formigas envolvidas, somados com a freqüente associação entre duas espécies de formigas que utilizam o mesmo espaço (Vantaux et al., 2007). Adicionalmente a esta complexidade de interações, foi observado que os gêneros Guapira e Unonopsis possuem espécies que hospedam os jardins. Pois esses forófitos parecem emitir raízes depois da formação do jardim e essas raízes devem ter a função de absorver nutrientes do jardim. Assim, esta interação entre jardim e hospedeira deve ser estudada mais profundamente, pois se esta associação for mutualistica, como se supõe, seria mais uma interação nesta complexa rede. Conclui-se, então, que jardins são fundados por espécies com características que proporcionam maior fixação do jardim. Isto propicia uma estrutura mais estável que, futuramente, favorecerá o estabelecimento de outras epífitas e de outras formigas, proporcionando o crescimento do jardim. Cada espécie de epífita pode ter uma função diferente no jardim de acordo com o tipo de raiz que possui e o aparecimento de mais do que uma epífita estruturadora no jardim pode ser vantajoso para as epífitas e para os jardins. Agradecimentos Agradeço primeiramente a Glauco e Zé Luis pela oportunidade de estar aqui com esta turma sebosa. Aos professores pelas dicas e ensinamentos, pelas críticas que soavam como destruidoras, mas, na verdade eram para uma construção interna de caráter profissional. Dos professores agradeço principalmente ao Rogelio, que durante a orientação do grupo da Rolandra, me ensinou, na prática, muito sobre estruturar uma apresentação concisa e a Paulo De Marco por levantar meu astral na fase mais crítica (destruição dos relatórios individuais), e pelos conselhos que vou levar por toda minha vida. Aos monitores Juliana e André (Pescador Parrudo), mas principalmente ao Parrudo pelas piadinhas e desenhozinhos nos meus relatórios 7

que sempre me faziam rir. Ao Tiago Izzo e Glauco Machado pela paciência em me ajudar na elaboração do projeto final. Ao grupo 5 da Dimona, que permaneceu na Mil: Murilo, Pedro e Wanessa, passamos por um Karma juntos que só nos libertou no Km 41, mas foi um aprendizado e tanto! Ao grupo das lenticelas... Danilo, Ana Paula e Letícia, apesar dos contratempos vencemos! E por fim ao grupo do 41, Bia, Débora e Toyoyo, só tenho a dizer que foi muito bom trabalhar com esse grupo! Gostaria de agradecer a todas as almas sebosas que compunham este grupo maravilhoso que não vou esquecer, pois guardo todos no coração. Gostaria de agradecer em especial a Bia, por escutar as merdas que eu digo quando estou chateada... E claro, Ana Paula e Wanessa, pessoas MUITO especiais pra mim, durante o curso. Galera foi bom aprender com vocês!!!! Referências bibliográficas Bignell, D.E. & P. Eggleton. 2000. Termites in ecosystems, pp. 364-381. In: Termites: evolution, sociality, symbioses, ecology, (T. Abel; D.E. Bignell & M. Higashi, eds.) Kluwer Academic Publishers, Boston. Bronstein, J.L. 1994. Conditional outcomes in mutualistic interactions. Trends in Ecology and Evolution, 9: 214-217. Callaway, R.M. 1995. Positive interactions among plants. The Botanical Review, 61: 306-337. Davidson, D.W. 1988. Ecological studies of neotropical ant gardens. Ecology, 69: 1138-1152. Davidson, D.W. & W.W. Epstein. 1989. Epiphytic associations with ants, pp. 200-233. In: Vascular plants as epiphytes, (U. Luttge, ed.). Springer-Verlag New York, New York. Hernandez-Rosas, J. 2001. Ocupación de los portadores por epifitas vasculares em um bosque húmedo tropical del alto Orinoco, Edo. Amazonas, Venezuela. Acta Científica Venezolana, 52: 292-303. Hölldobler, B. & E.O. Wilson. 1990. The ants. Harvard University Press, Londres. Hubell, S.P. 2001. The unified neutral theory of biodiversity and biogeography. Princeton University Press, Oxford. Jakovac, A.C.C. 2006. Jardins suspensos da Amazônia: composição florística e sucessão de espécies em jardins de formiga. In: Livro do curso de campo Ecologia da Floresta Amazônica (G. Machado & J.L. Camargo, eds). PDBFF/INPA, Manaus. Janzen D.H. 1979. Epiphytic myrmecophytes in Sarawak: mutualism through the feeding of plants by ants. Biotropica, 6: 237-259. Kleinfeldt, S.E. 1978. Ant-gardens: the interaction of Codonanthe crassifolia (Gesneriaceae) and Crematogaster longispina (Formicidae). Ecology, 59: 449-456. Madison, M. 1979. Parabiosis in Brazilian ants. Psyche, 19: 36-41. Ribeiro, J.E.; M.J.G. Hopkins; A. Vincentini; C. Sothers; M.A.S. Costa; J.M. Brito; M.A.D. Souza; L.H.P. Martins; L.G. Lohmann; P.A.C.L. Assunção; E. Pereira; C.F. Silva; M.R. Mesquita & L.C. Procopio 1999. Flora da Reserva Ducke: guia de identificação das plantas vasculares de uma floresta de terra-firme na Amazônia Central. INPA, Manaus. Ule, E. 1905. Wechselbeziehungen zwischen Ameisen und Pflanzen. Flora, 94: 491-497. Vantaux, A.; A. Dejean; A. Dor & J. Orivel. 2007. Parasitism versus mutualism in the antgarden parabiosis between Camponotus femoratus and Crematogaster levior. Insectes Sociaux, 54: 95-99. Vieira-Neto, E.H.M.; A. Maciel; D. Kasper & R. Souza. 2006. Jardins suspensos da Amazônia Central: história natural e um teste de hipóteses sobre interações entre formigas e epífitas. In: Livro do curso de campo Ecologia da Floresta Amazônica (G. Machado & J.L. Camargo, eds). PDBFF/INPA, Manaus. Wheeler, W.M. 1921. A new case of parabiosis and the ant-gardens of British Guiana. Ecology, 2: 89-103. Yu, D.W. 1994. The structural role of epiphytes in ant gardens. Biotropica, 26: 222-226. Yu, D.W. 2001. Parasites of mutualisms. Biological Journal of the Linnean Society, 72: 529-546. 8