Hipoglicemia hiperinsulinêmica persistente em Neonatos: uma revisão

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Hipoglicemia hiperinsulinêmica persistente em Neonatos: uma revisão Persistent Hyperinsulinemic Hypoglycemia in Neonates: a review Artigo original Valéria Fontanella Medeiros 1 Lucila Ludmila Paula Gutierrez 2 RESUMO A hipoglicemia hiperinsulinêmica persistente (HHP) em neonatos é caracterizada pela hipersecreção de insulina pelo pâncreas causando hipoglicemia constante. As causas desta desordem envolvem principalmente, modificações na estrutura das células β-pancreáticas que alteram a secreção da insulina. Em neonatos, os sintomas envolvem desde convulsões, até sintomas menos específicos como letargia, irritabilidade, dificuldade respiratória, entre outros. O diagnóstico e o manejo terapêutico adequado da doença são de extrema relevância uma vez que a persistência dos níveis reduzidos de glicose em neonatos pode ocasionar lesões irreversíveis ao sistema nervoso central. Dessa forma, o objetivo deste trabalho é realizar uma revisão do manejo clínico da hipoglicemia hiperinsulinêmica endógena, abordando aspectos diagnósticos e terapêuticos. O diagnóstico da doença compreende além da presença dos sintomas de hipoglicemia, as dosagem plasmáticas de insulina, glucagon, peptídeo C, ácidos graxos livres e corpos cetônicos. A terapia da HHP engloba o uso de medicamentos hiperglicemiantes e anti-secretores de insulina, como diazóxido, octreotida, glucagon e nifedipino. Não havendo resposta terapêutica aos medicamentos a pancreatectomia está indicada, levando em consideração se a alteração pancreática se apresenta de forma focal ou difusa, determinando-se assim a extensão da remoção do tecido pancreático. O prognóstico para esta disfunção é bastante variável, mas em grande parte dos casos desencadeia comprometimento psicomotor e cognitivo nos pacientes tardiamente tratados. A revisão reforça a importância de aprofundar os estudos em relação ao diagnóstico e manejo clínico da doença a fim de propiciar um melhor prognóstico. 57 PALAVRAS-CHAVE Hipoglicemia Hiperinsulinêmica Hiperinsulinismo Hipoglicemia. 1 Discente do curso de Farmácia do Centro Universitário Metodista - IPA. E-mail: valeria-sf@hotmail.com 2 Doutora em Ciências Biológicas (Fisiologia) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente é professora de Magistério Superior na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Possui experiência na área de Fisiologia, com ênfase em Fisiologia de Órgãos e Sistemas, atuando principalmente nos seguintes temas: fisiologia e biologia experimental, estresse celular no sistema cardiovascular e Prostaglandinas ciclopentenônicas: potencial terapêutico por citoproteção e redirecionamento do metabolismo lipídico.

ABSTRACT The persistent hyperinsulinemic hypoglycemia (HHP) in neonates is characterized by hypersecretion of insulin by the pancreas causing hypoglycemia constant. The causes of this disorder involve primarily alterations on pancreatic β cells that alter insulin secretion. In newborns, the symptoms involve from seizures, even less specific symptoms such as lethargy, irritability, difficulty breathing, among others. The diagnosis and appropriate therapeutic management of the disease are of utmost importance since the persistence of reduced levels of glucose in newborns can result in irreversible damage to the central nervous system. Thus, the aim of this paper is to review the clinical management of endogenous hyperinsulinemic hypoglycemia, addressing diagnostic and therapeutic aspects. The diagnosis comprises besides the presence of the symptoms of hypoglycemia, the dosage of plasma insulin, glucagon, C-peptide. The HHP therapy comprises the use of hypoglycemic drugs and insulin antisecretory such as diazoxide, octreotide, glucagon, and nifedipine. With no therapeutic response to drugs pancreatectomy is indicated, taking into account the pancreatic disorder presents focal or diffuse, thus determining the extent of removal of pancreatic tissue. The prognosis for this disorder is quite variable, but in most cases triggers cognitive and psychomotor impairment in patients treated late. The review reinforces the importance of further studies regarding the diagnosis and clinical management of the disease in order to provide a better prognosis. KEYWORDS Hyperinsulinemic hypoglycemia - hyperinsulinism Hypoglycemia. 58

Introdução Segundo Costa, Maia e Araújo (2006), a hipoglicemia hiperinsulinêmica persistente (HHP) é uma desordem causada pela hipersecreção de insulina pelas células β-pancreáticas das ilhotas de Langerhans, promovendo a redução constante dos níveis plasmáticos de glicose. Na infância, a HHP constitui uma das causas mais comuns de hipoglicemia com incidência de 1 caso em 50.000 nascidos vivos na Europa Central (FLANAGAN; KAPOOR; HUSSAIN, 2011). Dados epidemiológicos mostram que em neonatos a HHP manifesta-se de forma pouco freqüente na população mundial, com 1:30.000 a 1:50.000 nascidos vivos. Em comunidades isoladas, com alta consangüinidade, a incidência de casos é maior, representando 1:2.500 nascidos vivos (LIND- LEY; DUNNE, 2005). Quanto à incidência de casos no Brasil, desconhecem-se artigos científicos onde descrevam a incidência de casos nacionais (LIBERA- TORE JR. et al., 2012). A HHP em crianças tem causas variadas, sendo ocasionado na maioria das vezes, por desordens congênitas como alterações nos genes codificadores dos canais de potássio ATP-dependentes (K ATP ) que estão presentes nas células β-pancreática, mas também podem ter origem secundária, como a diabetes mellitus materno ou outro fator estressante perinatal (LI- BERATORE JR; MARTINELLI JR., 2011; HALABY; STEINKRAUSS, 2012). A hipoglicemia persistente desencadeia uma série de respostas fisiológicas no organismo que envolvem sintomas adrenérgicos e neuroglicopênicos, como pele pálida, sudorese, calafrios, taquicardia, cefaleia, letargia e convulsões. Em lactentes os sintomas apresentam-se como letargia, irritabilidade, agitação, taquipnéia, dificuldade respiratória, apnéia, hipotermia e convulsões (HALABY; STEINKRAUSS, 2012;). Em neonatos, a identificação dos sintomas e o manejo adequado da doença são importantes uma vez que a persistência da hipoglicemia pode acarretar lesão neurológica permanente (LINDLEY; DUNNE, 2005). De acordo com Cryer e colaboradores (2009), o diagnóstico laboratorial do hiperinsulinismo é feito através das dosagens plasmáticas de glicose, insulina e peptídeo C, molécula cossecretada em equivalência com a quantidade de insulina podendo ser auxiliar no diagnóstico da hipoglicemia. Na hipoglicemia, os valores de glicose plasmática devem estar abaixo dos limites da glicemia de jejum, que é de 50 mg/dl em adultos e adolescentes, 40 mg/dl em crianças e pré- -púrberes, 30 mg/dl em neonatos e 20 mg/dl em neonatos prematuros ou pouco desenvolvidos para a idade gestacional (FELÍCIO et al., 2012), enquanto os valores de insulina e peptídeo C estão elevados (HUSSAIN, 2005). Os principais medicamentos utilizados no tratamento da HHP em neonatos são o diazóxido, agente hiperglicemiante, agonista dos canais K ATP, e a octreotida, fármaco análogo da somatostatina, que age inibindo a secreção de insulina pelo pâncreas. Ambos representam uma boa opção terapêutica, se mostrando eficientes no tratamento da HHE, mas também se pode empregar os antagonistas dos canais de cálcio e o glucagon. Quando não há resposta ao tratamento medicamentoso se faz necessário a pancreatectomia (FERRAZ; ALMEIDA; MELLO, 2005; HUS- SAIN, 2005). Neste contexto, o objetivo deste trabalho é realizar uma revisão sobre a hipoglicemia hiperinsulinêmica persistente em neonatos, quanto ao manejo clínico e tratamento medicamentoso empregado na doença a fim de propiciar a melhor escolha terapêutica e evitar a falha do tratamento clínico decorrente do uso irracional de medicamentos. Metodologia A revisão bibliográfica foi realizada por meio das bases eletrônicas de dados, Science Direct, PubMed, Periódicos Capes e Scielo com busca bibliográfica padronizada, procurando artigos com os Descritores em Ciências da Saúde (DeCs), utilizando-se como palavras-chave: Hipoglicemia Hiperinsulinêmica, Hiperinsulinismo, Hipoglicemia, em inglês e português. A partir dos resumos, foram escolhidos os artigos internacionais e nacionais com data de publicação entre 2000 e 2013 contendo informações quanto a dados epidemiológicos, fisiopatologia, diagnóstico, tratamento e prognóstico da hipoglicemia hiperinsulinêmica persistente. 59

60 Hipoglicemia Hiperinsulinêmica Persistente - HHP Segundo Lindley e Dunne (2005), em neonatos a hipoglicemia hiperinsulinêmica pode apresentar- -se de forma transitória estando relacionado com diabetes materna, asfixia perinatal, policitemia e incompatibilidade do fator Rh entre a mãe e o recém-nascido. Aproximadamente 15% dos casos diagnosticados de hipoglicemia hiperinsulinêmica são transitórios e os sintomas desaparecem durante o primeiro mês de vida. De acordo com Ferraz, Almeida e Mello (2005), quando a hipoglicemia hiperinsulinêmica é persistente, as causas são de origem congênita e comumente estão associadas, com algumas exceções, à modificações nos canais K ATP presentes na membrana celular das células β-pancreáticas. Estes canais estão diretamente envolvidos com a secreção de insulina e apresentam como mutações mais comuns as alterações nos genes codificadores das subunidades SUR-1 e Kir6.2. Hussain (2005) reforça esta idéia e ressalta que em raros casos, também podem ocorrer mutações nos genes codificadores da glicoquinase e glutamato desidrogenase, enzimas envolvidas na glicólise, aumentando a afinidade das mesmas pela glicose, causando assim, um aumento na secreção de insulina, Na HHP, as alterações das subunidades SUR-1 e Kir6.2 causam despolarização contínua da membrana celular acarretando a exocitose permanente dos grânulos de insulina. (HUSSAIN; AYNSLEY-GREEN, 2003). Com o excesso de insulina há a redução dos níveis glicêmicos porque a insulina promove uma maior absorção de glicose pelos músculos esqueléticos e tecido adiposo. A insulina também impede a glicogenólise, a gliconeogênese e a lipólise (SILVER- THORN, 2010).Estima-se que aproximadamente 40% dos pacientes com HHE apresentam modificações nas subunidades SUR-1 e Kir6.2; os outros 60% dos casos tem causa desconhecida. (HUSSAIN; AYNSLEY- -GREEN, 2003). Arnoux e colaboradores (2010) explicam que em indivíduos onde a secreção de insulina pelas células β-pancreáticas não está alterada, o metabolismo da glicose promove a despolarização da membrana celular e liberação dos grânulos de insulina. Esse processo ocorre através do aumento da razão ATP/ADP pela glicólise e ciclo de Krebs no citosol ativando na membrana celular o receptor de sulfoniluréia (SUR- 1) que se fecha promovendo um aumento na concentração de K + intracelular. O aumento do íon K + leva a despolarização da membrana celular, abertura dos canais de Ca 2+ voltagem-dependente e elevação da concentração de cálcio intracelular, resultando na exocitose dos grânulos de insulina. De acordo com Silverthorn (2010), existem tecidos que utilizam a glicose como fonte energética exclusiva. O sistema nervoso central (SNC) compreende um dos tecidos que necessitam da manutenção constante dos níveis de glicose plasmática, por este motivo a glicemia sempre deve ser mantida em níveis adequados, não podendo haver secreção de insulina no período de jejum. Em neonatos, os índices glicêmicos devem estar em valor maior ou igual a 40mg/ dl para garantir o suprimento energético adequado para o tecido cerebral (ANDRADE, 2002). Dessa forma, quando não há fornecimento energético adequado de glicose para o SNC, o tecido torna-se vulnerável a escassez de substrato, embora possa utilizar outras fontes de energia, como fosfocreatina, lactato e piruvato. Com as reservas de glicose escassas no tecido neural, a diminuição do metabolismo cerebral pode causar lesões severas, principalmente no córtex cerebral e hipocampo, acarretando prejuízos no desenvolvimento neurológico do paciente (SILVERSTEIN et al., 2011; ANDRA- DE, 2002). De acordo com Languren e colaboradores (2013), para contrabalançar a falta de glicose para o tecido cerebral, o organismo possui um mecanismo endócrino contrarregulador que é ativado estimulando a secreção de glucagon pelo pâncreas e de epinefrina pela glândula suprarrenal. O glucagon estimula a glicogenólise e a gliconeogênese a fim e aumentar a glicose plasmática, enquanto a epinefrina, além de estimular a glicogenólise e a gliconeogênese, promove a lipólise e diminuição da secreção de insulina. Dois outros hormônios, o cortisol e o hormônio do crescimento (GH), também atuam na contrarregulação, incitando a lipólise e a gliconeogênese, porém de forma mais lenta.

Manejo clínico da hipoglicemia hiperinsulinêmica persistente Diagnóstico da HHP Após o nascimento, os neonatos passam por um processo adaptativo devido a interrupção do fornecimento de glicose pela mãe. Esse processo é transitório e tende a normalizar assim que o organismo do recém-nascido consegue equilibrar a produção de glicose com a demanda energética do SNC (FREITAS, 2009). Os recém-nascidos que apresentam hipoglicemia sem causa conhecida, após esse período adaptativo e aqueles que se encaixam na Tríade de Whipple devem ser submetidos a avaliação endocrinológica para avaliar a causa da hipoglicemia (HALABY; STEINKRAUSS, 2012). A Tríade de Whipple avalia os níveis de glicose plasmática no momento do episódio hipoglicêmico, presença de sintomas de hipoglicemia e se há melhora desses sintomas após a administração de glicose ao paciente (FELÍCIO et al., 2012) Para Halaby e Steinkrauss (2012), para um diagnóstico preciso da HHP, além dos aspectos clínicos do paciente, se deve considerar alguns exames laboratoriais que incluem principalmente as dosagens de glicose, insulina e peptídeo C. Na hipoglicemia de jejum, os níveis de glicose reduzidos induzem a níveis quase nulos de insulina e peptídeo C. Portanto, em um episódio hipoglicêmico na HHP os valores de glicose plasmática devem estar abaixo dos limites da glicemia de jejum, que é de 30 mg/dl em neonatos e 20 mg/dl em neonatos prematuros ou pouco desenvolvidos para a idade gestacional (FELÍCIO et al., 2012), enquanto os valores de insulina e peptídeo C estarão elevados (HUSSAIN, 2005). De León e Stanley (2013) ressaltam que os valores da concentração plasmática de insulina podem ser até 90% mais baixo que os valores reais circulantes, para isso é necessário a dosagem de peptídeo C. Como o peptídeo C é secretado na mesma proporção que a insulina (1:1) e tem uma taxa de degradação menor, seus valores são mais condizentes e refletem com mais precisão a secreção da insulina pelo pâncreas. Já para Dunne e colaboradores (2004), os critérios para diagnóstico da HHP devem incluir além das dosagens de glicose e insulina, as dosagens sanguíneas de ácidos graxos livres e corpos cetônicos. Para complementar o diagnóstico, o teste do glucagon deve ser realizado para avaliar a resposta glicêmica, que deverá ser positiva e exame de urina que deve apresentar ausência de cetonúria. Para Lovisolo (2009), o diagnóstico da HHP está associado às respostas bioquímicas do organismo que evidenciam o excesso de secreção de insulina. A inibição da lipólise por hiperinsulinemia gera resultados baixos nas dosagens de ácidos graxos livres e corpos cetônicos. Tratamento clínico e estratégia terapêutica da HHP De acordo com Hussain e Aynsley-Green (2003), a terapia da HHP visa prevenir os danos causados ao SNC em decorrência da falta de glicose, garantindo o desenvolvimento neuropsicomotor da criança. Em neonatos a prioridade é assegurar que os níveis glicêmicos sejam mantidos de forma adequada primariamente com a administração de glicose endovenosa, glucagon e ajuste da dieta. Posteriormente, define-se a causa da hipoglicemia, determinando se a mesma apresenta-se de forma transitória ou persistente (LINDLEY; DUNNE, 2005). Se a hipoglicemia for persistente, uma das maneiras emergenciais de tratamento passa a ser a administração de glucagon ou administração concomitante de glucagon e glicose, em infusão contínua (MOHAMED; ARYA; HUSSAIN, 2012). O glucagon age diretamente sobre o fígado, onde comporta-se como um agonista dos receptores de glucagon endógeno. Seu mecanismo de ação envolve a ativação da glicogenólise e inibição da síntese de glicogênio. Também promove a inibição da glicólise e estimulação da gliconeogênese (BRUNTON; LAZO; PARKER, 2010). Hussain (2005) sugere a utilização de glucagon via intramuscular no tratamento de urgência da HHP enquanto não há acesso intravenoso para administração de glicose, pois seu efeito é observado em poucos minutos, propiciando a reversão dos sintomas com rapidez. De acordo com Hussain (2005) sua ação promove, além de glicogenólise e gliconeogênese, a lipólise e catabolismo de aminoácidos para obtenção de energia. Segundo Palladino, Bennett e Stanley (2008), o glucagon estaria indicado para manutenção da glicemia com doses contínuas de 1mg/dia naqueles pacien- 61

62 tes que não responderam clinicamente ao diazóxido e a octreotida e necessitam da intervenção cirúrgica para reversão dos hipoglicemia. Para Lord e De León (2013), o glucagon também só é útil para o manejo da hipoglicemia para aqueles pacientes sem resposta ao tratamento medicamentoso que aguardam cirurgia pancreática. Em estudo mais recente, Palladino e Stanley (2011) não indicam o uso de glucagon para o tratamento a longo prazo, somente para manejo dos pacientes que aguardam pela pancreatectomia na dose de 1 mg/dia em infusão contínua. Quando é estabelecido a HHP como causa da hipoglicemia persistente, os principais fármacos utilizados na terapia medicamentosa, em mais longo prazo, após manejo emergencial e normalização inicial da glicemia, são diazóxido, octreotida e os antagonistas dos canais de cálcio, principalmente o nifedipino, podendo ser empregados em terapia combinada. (HUSSAIN; AYNSLEY-GREEN, 2003). Para Liberatore Jr. e Martinelli Jr. (2011) o diazóxido é o fármaco de escolha para o tratamento após urgência da HHP. Trata-se de um agonista dos canais K ATP. Na célula β-pancreática, o fármaco liga-se as subunidades dos canais K ATP prolongando seu tempo de abertura e evitando assim a despolarização da membrana, com isso não há liberação da insulina. Para exercer seu efeito hiperglicemiante o medicamento deve ser administrado por via oral. Entre os efeitos adversos, a retenção hídrica é a que requer maior atenção, portanto, o diazóxido deve ser usado em terapia combinada com um diurético tiazídico. Ferraz, Almeida e Mello (2005) também indicam a utilização de diazóxido em associação com um diurético como primeira opção para o tratamento medicamentoso, mesmo sendo 90% dos casos neonatais resistentes ao tratamento com este medicamento. De acordo com Lindley e Dunne (2005), somente cerca de 16% dos neonatos com HHP respondem a terapia com o diazóxido empregado por via oral devido as alterações das subunidades dos canais K ATP onde a molécula do fármaco se liga para exercer a sua atividade hiperglicemiante. Para os pacientes que respondem ao tratamento, a retenção hídrica causada pelo fármaco torna seu uso limitante devido a maioria dos pacientes estarem fazendo uso de soluções por via intravenosa, o que potencializaria o efeito adverso. Para Palladino, Bennett e Stanley (2008), o tratamento medicamentoso de primeira linha deve ser com o diazóxido e diurético, no entanto, os pacientes com HHP focal e difusa em sua maioria não respondem bem ao tratamento com este medicamento. Mohamed, Arya e Hussain (2012) reforçam a opinião de que o diazóxido é a primeira escolha medicamentosa para o tratamento da HHP a longo prazo mesmo apresentando hipertricose e retenção hídrica como efeitos adversos comuns. Para diminuir os efeitos do acúmulo de líquidos, Mohamed, Arya e Hussain (2012) propõem a utilização conjunta com diuréticos, como clorotiazida. Para Lord e De León (2013) e Senniapan, Arya e Hussain (2013) o diazóxido representa um dos pilares do tratamento medicamentoso da doença, mesmo havendo o conhecimento de que muitos dos pacientes não respondem a terapia devido às modificações dos canais K ATP e de que os efeitos adversos provocados pelo diazóxido, quanto à retenção hídrica, são mais pronunciados em neonatos. Já Marquard e colaboradores (2011) apesar de reforçar o emprego de diazóxido como terapia padrão, considera seu uso limitado pelas alterações nos canais K ATP que muitos pacientes apresentam e que culminam na falha terapêutica medicamentosa. Palladino e Stanley (2011) também elegem o diazóxido como primeira escolha terapêutica concomitantemente ao uso de um diurético. No entanto, nem sempre o paciente neonato responde a terapia com diazóxido. Neste caso, será necessário outra alternativa terapêutica. Speranza e colaboradores (2008) em uma revisão sobre a terapia da HHP propõe o uso de octreotida como segunda escolha terapêutica medicamentosa para o tratamento da doença e como última alternativa antes de uma intervenção cirúrgica. A octreotida é um peptídeo sintético análogo da somatostatina com ação anti-secretora. Seu mecanismo de ação está envolvido com a inibição da secreção de insulina, glucagon e outros peptídeos gastropancreáticos. No hipotálamo, impede a secreção do hormônios estimulante da tireoide (TSH), hormônio adrenocorticotrófico (AC- TH), prolactina e hormônio do crescimento (GH) (BRUNTON; LAZO; PARKER, 2010). Para Palladino, Bennett e Stanley (2008) o mecanismo de ação do fármaco no impedimento da secreção de insulina se dá pela inibição da hiperpolarização celular através do bloqueio dos canais de cálcio voltagem-dependente. Os autores ainda reforçam que a octreotida deve ser empregada somente naqueles pacientes que não respondem ao diazóxido. Já em um estudo

mais recente, a octreotida continua sendo a segunda linha de tratamento, no entanto apresenta um efeito adverso pouco freqüente, mas significativo, a enterocolite necrosante provocada pelo uso crônico da substância e que é potencialmente prejudicial ao paciente, sendo um limitante para a escolha terapêutica a longo prazo (PALLADINO; STANLEY, 2011). Lord e De León (2013) reforçam a teoria da terapêutica com octreotida afirmando que a mesma só deve ser empregada aos pacientes que não tiveram melhora dos sintomas com a utilização de diazóxido na dose máxima terapêutica e ressaltam a ocorrência de enterocolite necrosante como sendo um agravante para a escolha da utilização deste fármaco. Segundo Lindley e Dunne (2005), em alguns casos é recomendado o emprego de terapias medicamentosas mais agressivas, com o intuito de evitar a cirurgia pancreática. Para isso, é indicada a utilização dos análogos da somatostatina, como octreotida, em associação com um bloqueador dos canais de Ca 2+ como o nifedipino. No entanto, o nifedipino, de acordo com Speranza e colaboradores (2008), ainda não apresenta eficácia comprovada no tratamento da HHP. O mecanismo de ação do nifedipino envolve a redução do influxo de cálcio para o interior das células bloqueando a ação dos canais de Ca 2+. Sua atividade é exercida principalmente no músculo liso vascular causando vasodilatação e consequente diminuição da pressão arterial. Por este motivo, sua principal utilização na prática clínica é para o tratamento da hipertensão arterial e da angina. Ferraz, Almeida e Mello (2005) mencionam haver poucos relatos de uso de nifedipino na HHP com resposta terapêutica adequada. Já Lindley e Dunne (2005) recomendam a utilização de um bloqueador dos canais de Ca 2+ em conjunto com a octreotida para os pacientes que não responderam ao tratamento com o diazóxido. Marquard e colaboradores (2011) indicam o nifedipino como auxiliar na terapêutica, em conjunto com octreotida, pois foi demonstrada, em alguns estudos, a diminuição da secreção de insulina pelo bloqueio dos canais de Ca 2+ relacionada ao seu uso. No entanto não está bem elucidada a sua eficácia, não devendo este ser administrado em terapia individualizada. Já Palladino e Stanley (2011) não indicam a utilização de nifedipino por não apresentar eficácia comprovada no tratamento da HHP. A Tabela 1 apresenta um resumo das informações referentes a mecanismo de ação, dose terapêutica, via de administração, frequência e efeitos adversos dos medicamentos empregados no tratamento da HHP, diazóxido, octreotida, nifedipino, e glucagon. 63 Tabela 1: Tratamento medicamentoso da hipoglicemia hiperinsulinêmica persistente Medicamento Diazóxido Octreotida Nifedipino Glucagon Mecanismo de Ação Agonista dos canais Inibição da secreção de Inibição da secreção de Estímulo da glicoge- efeitos esperados K ATP impede a libe- insulina pelo bloqueio insulina pelo bloqueio nólise, gliconeogê- ração de insulina dos canais de Ca 2+ dos canais de Ca 2+ nese e lipólise. Via de Administração Dose/Posologia Oral (VO) 5-20mg/Kg/dia Intravenosa (IV) Subcutânea (SC) 5-30µg/Kg/dia Oral (VO) 0,3-0,8mg/Kg/dia Intravenosa (IV) Intramuscular (IM) Subcutânea(SC) 1mg/dia 8/8 horas 8/8 horas 8/8 horas Infusão contínua Efeitos Adversos - Retenção hídrica - Hipertricose - Hipotenção - Taquicardia - Esteatorréia - Desconforto abdominal - Supressão dos hormônios da hipófise - Enterocolite necrosante - Hipotensão - Taquicardia - Edema Secreção paradoxal de insulina Associações empregadas Diurético tiazídico Nifedipino Octreotida (Adaptado de MARKHAM, 2003; HUSSAIN, 2005; MARQUARD et al., 2011).

64 Na falha do tratamento medicamentoso da HHE, recomenda-se a pancreatectomia parcial ou subtotal. A intervenção cirúrgica também objetiva o controle da hipoglicemia e minimiza as complicações decorrentes da doença, através da redução do número de células pancreáticas secretoras de insulina (AL-SHANAFEY, 2009). Segundo Hussain (2005) a extensão da cirurgia será determinada pelo tipo histológico da HHP, classificando-a como difusa quando há hipertrofia das células β-pancreáticas e hiperplasia do pâncreas, e focal quando ocorre alterações nas subunidades SUR-1 e Kir6.2 das células β-pancreáticas. Na forma focal da HHP, a intervenção cirúrgica visa remover somente o foco da lesão mantendo viável o restante do tecido pancreático, enquanto que a forma difusa requer uma pancreatectomia subtotal (95 a 98% do pâncreas é retirado). A Tabela 2 apresenta um resumo do esquema do manejo clínico no tratamento da HHP difusa e focal. Tabela 2: Resumo do manejo clínico no tratamento empregado na hipoglicemia hiperinsulinêmica persistente difusa e focal. Extensão Tipo de HHE Medicamentos Cirúrgica Pancreatectomia subtotal HHP - Difusa D/O/N/G* Pancreatectomia parcial HHP Focal D/O/N/G* * D- diazóxido, O- octreotida, N- nifedipino, G- glucagon (Adaptado de HUSSAIN, 2005). Segundo Lovisolo (2009), para diferenciar os tipos histológicos da HHP, a tomografia por emissão de prótons (PET scan) é a mais indicada, pois se trata de uma técnica não invasiva. Hussain e colaboradores (2006), explicam que a técnica utiliza 18F-fluoro- -L-DOPA para definir o local e extensão da lesão, pois a substância liga-se a enzima DOPA descarboxilase no pâncreas inibindo-a; esta reação torna-se visível ao exame de imagem. Assim, conforme visto, para normalização da glicemia do neonato emergencialmente, pode-se utilizar o glucagon isolado ou infusão contínua de glicose e glucagon. Após o diagnóstico de HHP, o medicamento de primeira escolha é o diazóxido. No entanto, para o paciente com HHP que não responde ao tratamento com o diazóxido, utiliza-se, ainda, como estratégia terapêutica para controle da glicemia, a octreotida ou a octreotida em associação com nifedipino. Se o paciente não apresentar resposta a segunda linha de tratamento, ou os efeitos adversos decorrente da utilização destes medicamentos forem muito pronunciados, a cirurgia se torna a única opção para o manejo da doença. Para ser definida a extensão cirúrgica, os exames diagnósticos para diferenciar o tipo histológico da HHP são necessários. Definido o tipo histológico, se realiza a pancreatectomia parcial (ressecamento da lesão) ou subtotal, conforme mostra a Figura 1. Oliveira e Falcão (2007) referem que o prognóstico dos pacientes com HHP é muito variável em decorrência das diferentes formas de apresentação da doença (que em alguns casos ocorre de forma tardia), do manejo clínico e da estratégia terapêutica empregada. Lovisolo (2009) refere que são escassos os estudos a respeito da evolução dos neonatos com HHP e que é essencial a rápida intervenção dos profissionais da área da saúde para o tratamenteo desta doença, para que não haja comprometimento do Sistema Nervosos Central dos pacientes. Para Goel e Choudhury (2012), as lesões pancreáticas focais da HHP são curáveis. No entanto, os pacientes que apresentam a forma difusa não possuem a mesma perspectiva de cura. Inclusive, para estes pacientes, o manejo inadequado da doença pode não impedir que o neonato venha a desenvolver retardo cognitivo, por exemplo. Além disso, a pancreatectomia subtotal, necessária para tratamento da forma difusa da doença, em que somente a terapia medicamentosa não estabiliza a glicemia, está fortemente relacionada com desenvolvimento de diabetes mellitus do tipo II a longo prazo. Segundo Mohamed, Arya e Hussain (2012), alguns pacientes com HHP recuperam-se sem a necessidade de cirurgia, uns em apenas poucos meses e outros após alguns anos depois do diagnóstico da doença. Para estes pacientes que vão apresentando normalização dos níveis glicêmicos com o tratamento farmacológico, as doses dos medicamentos vão sendo diminuídas. Neste momento, pode-se suspen-

Figura 1: Resumo da conduta clínica no tratamento da hipoglicemia hiperinsulinêmica persistente. (Adaptado de LOVISOLO, 2009). 65 Prognóstico do paciente com HHP

66 der as medicações e, então, se avalia se houve recuperação da doença. Já para os pacientes que não apresentam melhora da hipoglicemia, os ajustes de dose são de extrema importância para evitar a recorrência da doença, sendo necessária a utilização de medicamentos por décadas. Menni e colaboradores (2001) realizaram um estudo retrospectivo que acompanhou 90 pacientes que apresentaram HHP quando recém-nascidos ou na infância. O estudo avaliou o desenvolvimento neurológico e psicomotor de cada indivíduo dividindo-os em três grupos: desenvolvimento psicomotor normal, comprometimento psicomotor intermediário e comprometimento psicomotor grave. Os resultados mostram que 26 % dos pacientes apresentaram comprometimento psicomotor, sendo a incidência de 18% para os casos classificados como intermediários e 8% para os considerados como severo. A pesquisa mostra ainda que a incidência dos casos de HHP é maior em neonatos (60%) e que o comprometimento psicomotor e neurológico está mais associado a este grupo (32%). Oliveira e Falcão (2007), em um estudo de revisão sobre o prognóstico dos pacientes com hipoglicemia hiperinsulinêmica persistente, observam que em muitos pacientes tratados clinicamente há o desenvolvimento de retardo psicomotor e mental em diferentes graus de severidade, variando de acordo com o tempo para percepção dos sintomas e para diagnóstico bem como com o início do tratamento da disfunção. Alguns pacientes também apresentam crises convulsivas e aumento de peso alguns anos após o aparecimento da HHP. Para os pacientes que são submetidos à cirurgia pancreática ocorre desenvolvimento de diabetes mellitus do tipo II em grande parte deles. Para os neonatos com lesão focal a glicemia apresenta níveis normais após o ressecamento da lesão na maioria dos casos de HHP. Quanto aos pacientes com lesão difusa, algumas vezes há a recorrência da hipoglicemia após a pancreatectomia, sendo necessário o tratamento clínico e/ou nova cirurgia pancreática. Assim, conforme o exposto por Oliveira e Falcão (2007), é de suma importância diagnosticar com brevidade os sintomas e traçar um manejo terapêutico adequado para o tratamento da HHP, pois conforme visto, a demora em reverter à hipoglicemia está fortemente relacionada às complicações da doença, bem como o tipo de alteração histológica pancreática que cada paciente apresenta. Conclusão Conforme visto, um diagnóstico tardio e uma escolha terapêutica falha influenciam diretamente no prognóstico da hipoglicemia hiperinsulinêmica persistente, podendo acarretar seqüelas neurológicas irreversíveis para o paciente, além de diabetes e epilepsia. Embora pouco freqüente, a HHP representa uma doença grave, reforçando a importância de haverem mais estudos voltados para a compreensão desta disfunção.

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