Uma discussão emergente: questões de gênero na Amazônia.



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Transcrição:

Uma discussão emergente: questões de gênero na Amazônia. TORRES, Iraildes Caldas; SANTOS, Fabiane Vinente dos (Org.). Intersecção de Gênero na Amazônia. Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas - EDUA, 2011. 290p. Tissiano da Silveira * Esta coletânea de textos, Intersecção de Gênero na Amazônia, reflete a preocupação de alguns espaços acadêmicos em colocar as questões de gênero em pauta. Estes, mesmo que raros, são de suma importância para as discussões sobre relações de poder, feminismo, identidades e outras tantas abordagens possíveis a partir da problematização das relações de gênero. O livro organizado pelas antropólogas Iraildes Caldas Torres e Fabiene Vinente dos Santos traz uma série de artigos sobre a região amazônica e suas populações, utilizando o gênero de forma transversal em pesquisas acadêmicas - a maioria dos autores da publicação são da área da antropologia - divididas em três grandes eixos: Gênero, Ciência e Desenvolvimento na Amazônia; Mulheres da Floresta, Migração e Meio Ambiente na Amazônia; e um terceiro centrado nas questões indígenas, como identidade, trabalho e organização. Iraildes Caldas Torres é atualmente professora do Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Universidade Federal do Amazonas UFAM, ela tem formação em Filosofia, Teologia e Serviço Social, doutorando-se, em 2003, em Ciências Sociais e Antropologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Seus trabalhos tratam das áreas de cultura e identidade, meio ambiente e movimentos sociais na Amazônia, tendo um grande número de publicações entre livros e artigos acadêmicos, sendo o mais recente As Novas Amazônidas, publicado em 2005, que aborda os desafios e conquistas de mulheres na Amazônia por uma perspectiva de gênero. Fabiane Vinente dos Santos é doutoranda em Antropologia Social (PPGAS/Unicamp), Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), pesquisadora do Instituto de Pesquisa Leônidas e Maria Deane da Fundação Oswaldo Cruz, ela tem como campo de trabalho a Antropologia, com ênfase em questões de * Doutorando do Programa de Pós-graduação em História na Universidade Federal de Santa Catarina, Bolsista CNPq, tissiano.silveira@gmail.com. 305

Gênero, Etnologia indígena e Políticas de saúde. Esta publicação demonstra que a categoria gênero está cada vez mais incorporada aos trabalhos em diferentes áreas do conhecimento, como podemos perceber no texto de Joana Maria Pedro 1, onde a historiadora fala de seus usos na historiografia:... para observar os impactos dos acontecimentos sobre homens e mulheres, a forma como a fonte é constituída, os dados que podem ser coletados e a maneira como se vai criticar a fonte (2011, p.1). Pedro diz que historiadores de muito prestígio, como Hobsbawm e Roger Chartier, têm afirmado que A Revolução das Mulheres foi um dos grandes acontecimentos do século XX, e que a dominação de gênero permeia as relações (idem), portanto é oportuno que os estudos que se concentram na região amazônica comecem a discutir o gênero nas mais diversas problemáticas de suas pesquisas. A região deve ser desmistificada e complexificada, ela ainda é tida como um campo homogêneo, onde não é tratada a enorme polifonia que se apresenta na publicação aqui analisada. Pensar nas relações de poder, através da dominação masculina constituídas no locus amazônico também é algo novo, seja em estudos sobre as populações indígenas, em populações urbanas que se amontoam às marges de antigos igarapés nas capitais amazônicas 2 e comunidades extrativistas. Assim como Maria Sybilla 3 no século XVII contribuiu para não pensarmos numa ciência essencialmente masculina, enquanto fazia minucioso trabalho de desenho e identificação de insetos no Suriname, trabalhos que revisitam trajetórias e construções sociais para perceber os lugares e conflitos das mulheres, por exemplo, mostram-se inovadores ainda hoje, para comprovar isto basta pensar em quantas publicações que tratam da discussão de gênero são editadas pelas instituições universitárias no Brasil. Portanto, uma publicação como esta pode ajudar para que num futuro tenhamos mais pesquisas divulgadas que utilizem o gênero em suas metodologias, assim talvez saibamos mais das mulheres nordestinas, das construções de tradições masculinas nos pampas (gaúchos), enfim, que tenhamos uma inserção maior de uma discussão importante para a produção acadêmica no nosso país. Em Intersecção de Gênero na Amazônia, uma trajetória singular como a de Maria 1PEDRO, Joana Maria. Relações de gênero como categoria transversal na historiografia contemporânea. Revista Topoi, v. 12, n. 22, jan.-jun. 2011, p. 270-283. 2Os igarapés são pequenos cursos d'água, nas cidades como Manaus é comum que tenham suas margens invadidas nos processos urbanos desordenados, uma favelização das cidades amazônicas. 3DAVIS, Natalie Zemon. Nas Margens: três mulheres do século XVII. Trad. Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. 306

Sibylla é mostrada no primeiro capítulo, o artigo passa em revista textos produzidos na Expedição Thayer (1865-1866), onde a co-autoria de uma mulher, Elizabeth Agassiz é pedra de toque para entender o meio científico e o tempo desta produção. É discutido no artigo a necessidade da validação científica através da figura do marido de Elizabeth, Louis Agassiz, que deixava para a mulher as anotações da viagem chamadas por ele de aventuras do grupo, mas que justamente com esta despretensão científica viria demonstrar a capacidade de descrição etnológica de Elizabeth Agassiz. O primeiro capítulo, além do texto citado anteriormente, está concentrado na ideia de um protagonismo feminino nas esferas institucionais, como mostrado no texto de Denilson Silvan. O capítulo trata também dos movimentos sociais rurais, no artigo de Thais Tartalha do Nascimento trata das trajetórias de três lideranças, sendo duas delas mulheres, atuando numa área rural do Amazonas. Além do protagonismo na ação, o último texto do capítulo mostra um outro tipo de protagonismo, a relação das mulheres com a memória, no caso, mulheres do Estado do Tocantins, que sofreram uma transposição forçada de suas moradias devido uma usina hidrelétrica e que através da memória guardam suas histórias de vida, seus cotidianos domésticos, se tornando importantes fontes para análise historiográfica. A segunda parte discute as mulheres da floresta, retratando as mudanças que ocorrem nos discursos. Através das práticas de pescadoras, o texto de Irailde Caldas Torres mostra mudanças ocorridas numa comunidade em que a tradicional atividade masculina da pesca, representada pelo mito do panema 4, está sendo invertida na comunidade de Lago dos Reis, no Amazonas. Num outro artigo, de Michele Portela, as mulheres da floresta são representadas por uma liderança seringueira, através da análise de um jornal alternativo acreano que publicou sua história. Há neste capítulo também uma interessante pesquisa, de Márcia Maria de oliveira, sobre a migração de mulheres na Amazônia, destacando a situação de vulnerabilidade das colombianas que se refugiam na tríplice fronteira, vindas das áreas de guerrilha e sem documentação, sofrendo enormes adversidades por uma dupla condição: a de estrangeira e mulher. A terceira parte está concentrada na temática indígena, dois artigos discutem a situação de mulheres indígenas que se encontram em centros urbanos da Amazônia, 4Segundo Irailde Torres, a panema é o azar mitológico atribuído a mulheres que participam de atividades ditas masculinas, como a pesca. 307

amiúde a situação das que vivem em Manaus, que encontram estratégias de organização e para manter suas identidades étnicas através de associações, geralmente ligadas a produção e venda de artesanatos. Assim elas conseguem reconstruir a territorialidade nos espaços urbanos porque estas associações extrapolam a sua condição mercadológica, a venda de objetos, se transformando em espaços de sociabilidades, mantendo a língua e histórias vivas. Esta (re)territorialização é também demonstrada por Solange Pereira do Nascimento e Iraildes Caldas Torres, no texto que discute a trajetória da Tuxaua da comunidade Sahu-apé, de etnia Sateré-Mawé, que além de se tornar líder, foi responsável pela condução do grupo numa terra nova que se transformaria na aldeia. O último artigo da publicação trata da relação dos indígenas com o exército nacional brasileiro, desde os contatos desconfiados, ao fetiche de alguns jovens de se tornarem soldados, o tema é tratado também pela perspectiva da construção da masculinidade em grupos étnicos pela influência das vivências na caserna, As trajetórias mostradas nos textos são interessantes para uma revisão da história, deslocando as mulheres da situação essencialmente domésticas uma construção da representação feminina para uma posição protagonista que muitas mulheres tiveram na região amazônica, e também nos faz olhar para as questões contemporâneas, sobre a divisão do trabalho e as relações constituídas entre homens e mulheres. Afinal, é justamente a relação de poder que se desenvolve entre os gêneros que deve ser percebida e discutida. Porém, nem sempre inventariar mulheres que tiveram destaque em determinada região é o suficiente, isto deixa de lado as mudanças que ocorrem entre as mulheres que não ocupam posições de grande visibilidade. Nesta medida acredito que é muito importante falar das pescadoras de Lago dos Reis ou das indígenas da associação Poterîka'ra Numiâ, dos coletivos que (re)constroem os discursos a respeito de si mesmo. Há que se atentar na publicação para o que acredito ser fruto do pouco tempo que a categoria gênero é apropriada pelos trabalhos acadêmicos, podendo ser percebido em alguns artigos em que a questão é tratada dentro de um recorte que não parece estar integrado ao corpus da pesquisa do seu autor, assim ficando deslocado, isolado do restante. Acredito que as pesquisas teriam muito a ganhar se aproveitassem a categoria como uma discussão transversal em todo o seu trabalho. 308

A publicação tem bons artigos, um em especial chama a atenção: Tornando-se outro, mas continuando o mesmo: indígenas, militarismo e masculinidade no Noroeste amazônico, o qual discute masculinidade e militarismo em etnias indígenas. Segundo Cristina Scheibe Wolff 5, este campo, masculinidade, apareceu nos estudos acadêmicos na última década no bojo das discussões de gênero centrados na perspectiva feminina, mas acabaram por ser tornar uma maneira de entender os processos que a constituem. Wolff diz ser ainda muito incipiente os estudos sobre a masculinidade, portanto se torna relevante que a publicação tenha espaço para este tema. A coletânea Intersecção de Gênero na Amazônia traz importantes questões que fazem parte das discussões acadêmicas no âmbito da região amazônica e contribui para que a categoria gênero faça parte das pesquisas em diferentes campos. Termino fazendo uma digressão para pensarmos nas Amazonas que povoaram o imaginário de europeus e brasileiros desde o século XVI, através da construção do mito por Orellana e Carvajal. Elas eram mulheres da floresta, guerreiras que não se intimidaram com os espanhóis, assim acho interessante retomar um discurso sobre mulheres fortes como representação do feminino na Amazônia, uma região onde se faz necessário às mulheres ultrapassar barreiras naturais e sociais ímpares. Recebido em Março de 2013 Aprovado em Abril de 2013 5WOLFF, Cristina Scheibe Wolff. Gênero, masculinidade e militarismo: Uma entrevista com o historiador Gil Mihaely Revista Esboços. Vol 14, n. 17/2007, p. 213-218. 309