Plantas do cerrado: comercialização, uso e indicação terapêutica fornecida pelos raizeiros e vendedores, Teresina, Piauí



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Transcrição:

SCIENTIA PLENA VOL. 7, NUM. 12 2011 www.scientiaplena.org.br Plantas do cerrado: comercialização, uso e indicação terapêutica fornecida pelos raizeiros e vendedores, Teresina, Piauí G. M. Conceição¹; A. C. Ruggieri²; M. F. V. Araujo 3 ; T. T. M. M. Conceição 4 ; M. A. M. M. Conceição 4 1 Laboratório de Biologia Vegetal, Universidade Estadual do Maranhão, 65055-310, São Luís-Ma, Brasil 1,2 Programa de Pós-Graduação em Zootecnia, Universidade Estadual Paulista, 14884-900, Jaboticabal-SP, Brasil 1,3 Universidade Estadual do Piaui, 64002-150, Teresina-Pi, Brasil 4 Associação de Ensino Superior do Piauí, 64048-210, Teresina-Pi, Brasil hyophila@yahoo.com.br (Recebido em 11 de março de 2010; aceito em 19 de dezembro de 2011) O objetivo da pesquisa foi conhecer as espécies de plantas medicinais do Cerrado que são comercializadas pelos raizeiros e vendedores no município de Teresina (PI). Para realização da mesma, foram aplicados questionários a raizeiros que comercializam plantas medicinais no Mercado Central da capital. O estudo registrou 50 espécies, distribuídas em 49 gêneros. 89,2% das plantas comercializadas têm sua origem nos cerrados piauienses, enquanto que 10,8% delas são pertencentes aos estados do Maranhão, do Ceará e da Bahia. As espécies medicinais de cerrados mais vendidas e usadas em Teresina são Hancornia speciosa, Eugenia dysenterica, Bowdichia virgilioides, Myracrodruon urundeuva, Amburana cearensis, Caryocar coriaceum, Vernonia ferruginea, Mauritia flexuosa e Ximenia americana, dentre outras. Palavras-chave: Etnobotânica; Plantas Medicinais; Cerrado The research aimed to ascertain the species of medicinal plants of the cerrado are marketed by salespeople and tricksters in the city of Teresina (PI). To perform the same, it was made use of questionnaires that were applied to "salespeople" who sell medicinal plants in the central market of the city. The study recorded 50 species belonging to 49 genera and 89,2% of the plants sold are of the moors in Piaui, while 10,8% were belonging to the state of Maranhão, Ceará and Bahia. The medicinal species of closed most sold and used in the city of Teresina (PI) are: Hancornia speciosa, Eugemia dysenterica, Bowdichia virgilioides, Myracrodruon urundeuva, Amburana cearensis, Caryocar coriaceum, Vernonia ferruginea, Mauritia flexuosa, Ximenia americana, among and others. Keywords: Ethnobotany; Medicinal Plants; Cerrado 1. INTRODUÇÃO O Cerrado é o segundo bioma brasileiro mais extenso, com aproximadamente 200 milhões de hectares, ou seja, cerca de 25% do território nacional. Ele predomina no Centro-Oeste, tendo suas disjunções na Amazônia Setentrional, no interior do Nordeste, na Bacia do Rio Paraná e na Região Sudeste. É bastante rico em espécies utilizadas na medicina popular, em função de características morfológicas, como xilopódios e cascas, que acumulam reservas e, com frequência, possuem substâncias farmacologicamente ativas. Além disso, esse bioma apresenta grande diversidade de ordem, famílias e gêneros, e quanto maior for a diversidade taxonômica em níveis superiores, maior é o distanciamento filogenético entre as espécies e maior é a diferença e a diversidade química entre elas, o que demonstra, assim, sua importância para pesquisas com plantas medicinais (1). Segundo a International Conservation (IC), o Cerrado já figura na relação dos 17 ecossistemas mais degradados do planeta (hot spots), precisando urgentemente de medidas que compatibilizem o desenvolvimento com a manutenção da sua biodiversidade. Cerca de 80% do Cerrado já foi modificado pelo homem, e somente 19% dele corresponde a áreas-fragmento nas quais a vegetação original ainda se encontra em bom estado (2). 129902-1

G. M. Conceição et al., Scientia Plena 7, 129902 (2011) 2 O Cerrado brasileiro apresenta uma flora diversificada com inúmeras potencialidades, dentre as quais se encontram as plantas com potencial medicinal. Motivado pela diversidade da flora nativa do Cerrado, pela condição socioeconômica, pela cultura popular e pela divulgação de propriedades milagrosas das plantas, o comércio informal de plantas medicinais tem se mantido e vem aumentando a cada dia no Brasil. Nesse contexto estão inseridos os raizeiros, figuras marcantes com espaço garantido nas ruas, em feiras livres e em mercados (3). O uso das plantas medicinais faz parte do convívio humano desde os primórdios das civilizações e trouxe consigo muitos elementos tradicionais, provenientes da herança dos antepassados e baseados nos conhecimentos práticos que foram obtidos através das observações e transmitidos de acordo com a cultura para as pessoas que ali viviam. Com isso, o homem aprendeu a reconhecer, a respeitar e a usar as propriedades curativas das plantas, sendo empregadas pelas comunidades para tratamentos das enfermidades humanas e também para os animais (4). As plantas medicinais têm sido um importante recurso terapêutico desde os primórdios da antiguidade até nossos dias. Durante milhares de anos, os conhecimentos adquiridos foram repassados de geração em geração e acumulados por séculos (5). O conhecimento popular não deve ser desprezado pela ciência e pela tecnologia. Esse conhecimento, alicerçado sobre bases empíricas e resultados práticos, se contrapõe ao conhecimento científico, que se fundamenta em teorias comprovadas experimentalmente com métodos aceitos pela comunidade científica (6). A consciência dos males causados pelo excesso de remédios alopáticos, a carência de recursos dos órgãos públicos de saúde do Brasil e os incessantes aumentos de preços dos medicamentos industrializados são fatores determinantes para o crescimento do número de pessoas interessadas no conhecimento das plantas medicinais (7). No Brasil, a utilização das plantas medicinais no tratamento de doenças apresenta, fundamentalmente, influências das culturas indígena, africana e, naturalmente, europeia. Essas influências deixaram marcas profundas nas diferentes áreas da cultura brasileira no que concerne aos aspectos material e espiritual, constituindo a base da medicina popular que há algum tempo vem sendo retomada pela medicina natural. Esta procura aproveitar suas práticas, dando-lhe caráter científico e integrando-a em um conjunto de princípios que visam não apenas a curar algumas doenças, mas restituir o homem à vida natural (8). As plantas medicinais são usadas como meio preventivo ou como fonte medicamentosa na cura de diversas doenças, principalmente por pessoas de baixo poder aquisitivo dos meios rural e urbano (9). Entende-se por planta medicinal toda e qualquer planta que serve, de alguma maneira, para o tratamento de um problema de saúde, tendo efeito definido sobre doenças e sintomas e com eficácia comprovada cientificamente. Diante das considerações supracitadas, salienta-se que a identificação e o resgate das espécies medicinais no Cerrado é uma importante tarefa de pesquisa cientifica, uma vez que com as informações da medicina popular e/ou tradicional pode-se verificar a potencialidade de exploração de espécies de forma sustentada (9). O objetivo da pesquisa foi conhecer as espécies de plantas medicinais do Cerrado que são comercializadas pelos raizeiros e vendedores no município de Teresina (PI). 2. MATERIAIS E MÉTODOS Com uma área de 1.809 km², o município de Teresina encontra-se localizado nas seguintes coordenadas geográficas: latitude 5 05 12 S, longitude 42 48 42 W, alcançando uma altitude de 65 m em um semiplanalto anteriormente chamado de Chapada do Corisco, na margem direita do Rio Parnaíba, distante 500 km de sua foz no Atlântico. É a única capital nordestina que fica afastada do litoral, situando-se no interior. Ocupando uma posição próxima ao Equador, Teresina apresenta um clima tropical megatérmico, úmido e frio de dezembro a maio, quente e abafado de setembro a dezembro e

G. M. Conceição et al., Scientia Plena 7, 129902 (2011) 3 seco e ameno, com noites frias, de junho a agosto. Possui temperatura média anual de 28,4ºC e apresenta precipitação pluviométrica média anual de 1.397,7 mm. Para a realização da pesquisa, foram aplicados questionários a 20 raizeiros que comercializam plantas medicinais no Mercado Central do município de Teresina, bem como a vendedores de ervas distribuídos no Centro da cidade. Os questionários possuíam os seguintes itens informativos: nome vulgar da planta, nome científico, procedência, parte usada e aplicação da mesma. As determinações das plantas foram feitas através de literatura especializada referente às plantas medicinais e de consulta a especialistas. Os dados coletados serviram de base para a confecção da tabela 1, com plantas medicinais do Cerrado, apresentando nome científico, nome vulgar, parte usada, além do uso e/ou da aplicação. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO As plantas medicinais do Cerrado mais utilizadas estão apresentadas em ordem alfabética dos seus respectivos nomes científicos, seguidos da nomenclatura vulgar e de breve anotação sobre a parte da planta utilizada e sua indicação terapêutica. O estudo sobre comercialização e uso de plantas medicinais do Cerrado pela população teresinense apontou 50 espécies, distribuídas em 49 gêneros (tabela 1). De acordo com os dados obtidos através dos questionários aplicados aos vendedores de plantas medicinais no município, percebeu-se que 89,2% das plantas comercializadas têm sua origem nos cerrados piauienses, enquanto que 10,8% são pertencentes aos estados do Maranhão, do Ceará e da Bahia. Infere-se que o número de espécies relacionadas neste trabalho é expressivo. Verificou-se, ainda, que são usadas para comercialização tanto partes vegetativas como reprodutivas dos vegetais, sendo que a casca e a entrecasca são as mais comercializadas, seguidas de folhas, frutos e raízes. Na verdade, a comercialização das plantas de cerrados com potencial medicinal nunca se dá com a planta inteira, e sim com uma parte da mesma, uma vez que seus princípios ativos estão presentes em determinados órgãos, dependendo da morfofisiologia da planta e do momento em que ela é coletada. Observou-se que sempre há uma concordância quanto às informações para o uso de uma parte de planta. Isso provavelmente decorre da presença dos princípios ativos nesses órgãos ou fragmentos, corroborando o que diz Martins et al. (10), que tem recomendado a colheita de casca e entrecasca, flores, frutos e sementes, raízes, talos e folhas em plantas para o uso medicinal. Várias são as indicações para o uso das plantas medicinais comercializadas em Teresina, tais como reumatismo, bronquite, diarreias, hemorragias, dermatite, gripe, febre, problemas cardíacos, dentre outras. As espécies medicinais de cerrados mais vendidas e usadas no município de Teresina são Hancornia speciosa, Eugenia dysenterica, Bowdichia virgilioides, Myracrodruon urundeuva, Amburana cearensis, Caryocar coriaceum, Vernonia ferruginea, Mauritia flexuosa e Ximenia americana (tabela 1). Várias espécies de plantas medicinais do Cerrado têm sido alvo de investigação científica, com a finalidade da comprovação e da eficácia do seu uso, principalmente quando a planta possui um uso recorrente por uma população tradicional, quilombola, etc. Dessa forma, a ciência usa o conhecimento empírico produzido pela comunidade para a descoberta e/ou a validação da informação científica desse conhecimento. A espécie Anacardium occidentale (cajueiro) tem sido usada, ao longo do tempo, como antiinflamatório, principalmente em decorrência da presença de taninos. Pesquisas com essa espécie e com outras têm revelado fatos extraordinários, contribuindo para a cura de diversas patogenias. No caso específico do Anacardium occidentale, o heteropolissacarídeo ramificado extraído da goma é formado por galactose (61%), arabinose (14%), ramnose (7%), glicose (8%), ácido glicurônico (5%), além de pequenas quantidades (aproximadamente 2% de cada) de manose, xilose e ácido metilglicurônico (11). De acordo com pesquisas realizadas por Florêncio et al. (12), o heteropolissacarídeo tem demonstrado ser uma substância com atividade antitumoral contra as células do Sarcoma 180.

G. M. Conceição et al., Scientia Plena 7, 129902 (2011) 4 Estudos também apontam que as espécies Myracrodruon urundeuva (aroeira-do-sertão) e Bauhinia forficata (pata-de-vaca) apresentam atividades anticolinesterásica, antioxidante e antiinflamatória, importantes para o tratamento da doença de Alzheimer, provavelmente diminuindo a sua progressão. Tabela 1. Lista de espécies medicinais do Cerrado comercializadas por raizeiros, erveiros e vendedores no município de Teresina (PI). NOME CIENTÍFICO NOME VULGAR P. U. USO E APLICAÇÃO Acrocomia aculeata Macaúba Polpa Dores de cabeça e nevralgias, afecções das vias respiratórias. Agonandra brasiliensis Marfim Folha, Reumatismo, bronquite. Amburana cearensis Imburana-de-cheiro Tosse, bronquite, asma, afecções pulmonares, dores reumáticas, sinusite, suspensão de menstruação. Anacardium occidentale Cajuí Gripe, derrame, dor de barriga. Anadenanthera falcata Angico-do-cerrado Gripe, bronquite, reumatismo, cicatrizante de feridas. Andira humilis Angelim-do-campo Diabetes e anti-helmíntico Anemopaegma arvense Catuaba Folha, Fraqueza, afrodisíaco. Annona coriacea Araticum Folha Diarreia e indutor de mestruação. Astronium fraxinifolium Gonçalo-alves Folha, Flor, Febre, diarreia, hemorroidas, reumatismos, etc. Bauhinia forficata Mororó Folha, Flor Antidiabética, purgativo, diurético, problemas urinários. Bowdichia virgilioides Sucupira Semente Infecções diversas e amigdalite. Bredemeyera floribunda Flor-de-bunda Folha Afecções da pele. Brosimum gaudichaudii Mama-cadela,, Gripe, sinusite e febre. Folha Caesalpinia ferrea Jucá Semente Diarreia, gripe, vitiligo, diabete. Caryocar coriaceum Pequi Polpa Bronquite, gripe, resfriado e controle de tumores. Casearia sylvestris Farinha-seca Folha Queimaduras e injúrias cutâneas. Cecropia pachystachya Embaúba Folha Purificação do sangue. Cleome spinosa Mussambê, Gripe, tosse, garganta inflamada. Folha Combretum leprosum Mufumbo Anti-hemorrágico, dor de barriga. Copaifera langsdorffii Copaíba Folha, Úlcera, ferida, sinusite, reumatismo. Semente Curatella americana Lixeira Cicatrização de feridas e úlceras. Croton sonderianus Marmeleiro Folha Inchaço, dor de barriga. Eugenia dysenterica Cagaita Folha, Problemas cardíacos. Flor Hancornia speciosa Mangaba Folha, Cólica menstrual, luxações e hipertensão., Resina Úlcera estomacal, cistites, prostatites, febre, Hymenaea stigonocarpa Jatobá anemia, diabete. Amebíase, disenteria, broncopneumonia, Ionidium ipecacuana Purga-do-campo hemorragia. Kielmeyera coriacea Folha-santa, Flor Dor de dente. Lecythis pisonis Sapucaia Folha Sífilis, diabete. Leucorreia, reumatismo, blenorragia, Luehea speciosa Açoita-cavalo Folha hemorragia, difteria, prisão de ventre, bronquite. Magonia pubescens Tingui Folha Antisséptico. Mauritia flexuosa Buriti Polpa Queimaduras da pele., Afecção das vias respiratórias e do aparelho

G. M. Conceição et al., Scientia Plena 7, 129902 (2011) 5 Myracrodruon urundeuva Aroeira Flor, urinário, hemorroidas, inflamações dos ovários e trompas, úlceras, bronquites, resfriados, reumatismo, etc. Piptadenia rígida Angico-preto Reumatismo, hematomas, gastrites. Platonia insignis Bacuri Semente Diarreia, distúrbios estomacais. Pterodon emarginatus Sucupira Folha, Flor, Reumatismo, diabete, inflamação de garganta e gripe. Qualea grandiflora Pau-terra Limpeza externa de úlceras e feridas, dores Rosmarinus officinalis Alecrim Folha Salvertia convallariodora Folha-larga Acidez estomacal. Sclerolobium Pau-pombo Ferimentos diversos. paniculatum Strychnos pseudoquina Quina-quina Stryphnodendron coriaceum Barbatimão estomacais. Hemorroidas, sinusite, cicatrizante, antimicrobiano, diurético, eliminação de gases digestivos. Inflamações dos gânglios mesentéricos, do fígado, do baço e do estômago. Afecções escorbúticas, diarreia, hemorragia, hemoptises, asseios e infecções do útero. Resina, Úlcera, diurético, gripe, depurativo, Tabebuia avellanedae Pau d arco Broto, antisséptico, anti-inflamatório, antialérgico, cicatrizante, antibacteriano. Tabebuia caraiba Ipê-amarelo Folha, Gripes, resfriados e tosse. Terminalia fagifolia Merindiba Aftas e tumores. Turnera ulmifolia Chanana Flor, Ferimentos, fígado. Vernonia ferruginea Assa-peixe Folha Tosse, bronquite, hemorroidas e afecções do útero. Vernonia scorpioides Assa-peixe Folha Analgésico, antifúngico. Xylopia aromatica Pimenta-de-macaco Folha Hemorroidas. Ximenia americana Ameixa Inflamação, gastrite. Legenda: P. U. (Parte Usada). 4. CONCLUSÕES Em síntese, reconhece-se a importância dos recursos vegetais do Cerrado no tocante às suas potencialidades, principalmente a medicinal, uma vez que as mesmas são utilizadas por populações tradicionais e de baixo poder aquisitivo para a cura de diversos males, com eficiência terapêutica comprovada, muitas vezes, cientificamente. Por essas e outras razões, é necessário que pesquisas resgatem o conhecimento popular sobre as plantas medicinais e que estudos químicos e farmacológicos sejam realizados para que se possa verificar e/ou confirmar a importância dessas plantas na cura de patogenias que muitas vezes assolam a humanidade. O resultado obtido pelo presente trabalho vem reforçar a necessidade de estudos sistemáticos, não só para o município de Teresina, mas para os outros municípios que se enquadram dentro do domínio do Cerrado, com o objetivo de destacar a riqueza da flora medicinal e, ao mesmo tempo, identificar o grau de ameaça causado pela pressão de coleta sobre várias espécies. 1. FARNSWORTH, N. R. Screening plants for new medicines. In: E.O. Wilson (ed) Biodiversity. Washington DC: Nac. Acad. Press. 521p, 1988. 2. PIRES, M. O. & SANTOS, I. M. Construindo o cerrado sustentável: experiências e contribuições das ONG s. Gráfica Nacional, Goiás, 147p, 2000. 3. DOURADO, E.R., et al. COMERCIALIZAÇÃO DE PLANTAS MEDICINAIS POR RAIZEIROS NA CIDADE DE ANÁPOLIS-GO. Revista Eletrônica de Farmácia Suplemento, Vol 2 (2), 67-69, 2005. 4. OLIVEIRA, L. S. T., et al. USO DE PLANTAS MEDICINAIS NO TRATAMENTO DE ANIMAIS. Científico Conhecer - ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Goiânia, vol.5, n.8, p. 1-8, 2009.

G. M. Conceição et al., Scientia Plena 7, 129902 (2011) 6 5. DI STASI, L. C. Arte, Ciência e Magia. IN: DI STASI, Luiz Cláudio (Org). Plantas Medicinais: Arte e Ciência. São Paulo: Editora UNESP, 1996, p. 15-21, 1996. 6. CASTRO, H. G.; FERREIRA, F. A. A dialética do conhecimento no uso das plantas medicinais. Revista Brasileira de Plantas Medicinais, v. 3, n. 2, p. 19-21, 2001. 7. ROSA, M. M. T. et al. Plantas comercializadas como medicinais no município de Barra do Piraí, Rio de Janeiro, Brasil. CONGRESSO NACIONAL DE BOTÂNICA, 49, Salvador: Universidade Federal da Bahia. Anais... Salvador, p. 288, 1998 8,10. MARTINS, E. R. et al. Plantas medicinais. Viçosa: UFV, Imprensa Universitária. 1995. 220p, 1995. 9. MARONI, B. C.; DI STASI, L. C.; MACHADO, S. R. Plantas medicinais de cerrado de Botucatu guia ilustrado, São Paulo: Editora UNESP, 194p, 2006. 11. PAULA, R. C. M.; RODRIGUES, J. F. Composition and rheological properties of cashew trees gum, the exudate polysaccharide from Anacardium occidentale L. Carbohydr. Polym. v. 26, p. 177-181, 1995. 12. FLORÊNCIO, A. P. S. et al. Estudo da atividade anti-tumoral do polissacarídeo (pju) extraído de Anacardium occidentale frente a um modelo experimental do sarcoma 180. Revista Eletrônica de Farmácia, vol. IV (1), 61-65, 2007.