PISTAS PARA UM MERCADO DO LIVRO NO VIRAR DO SÉCULO 1



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Transcrição:

PISTAS PARA UM MERCADO DO LIVRO NO VIRAR DO SÉCULO 1 José Afonso Furtado O enorme desenvolvimento e expansão das tecnologias de Informação e Comunicação faz com que nos encontremos num momento de transição de uma cultura em que o analógico e o impresso eram dominantes e axiais para uma cultura predominantemente digital. É nesse contexto que a indústria da edição enfrenta uma era de mudança sem precedentes, entre enormes desafios e evidentes oportunidades. Sendo em grande medida diferente das outras indústrias, pela multiplicidade de novos produtos, pela invulgar aspereza da concorrência em certos sectores, pela natureza intangível do valor associado ao seu conteúdo e pelo grau de diversificação de segmento para segmento. Quase se diria melhor indústrias da edição. Ora, como os mesmos desenvolvimentos tecnológicos têm efeitos diversos nos vários sectores do mercado, compreenderemos a complexidade de factores que pode levar, nuns casos, à tranquila persistência do papel e, noutros, à migração de documentos até agora impressos para o mundo digital. Mais ainda, entre todas, só as indústrias de conteúdo terão de se ajustar não só aos novos modos de negociar mas também a mudanças fundamentais nos seus produtos e canais de distribuição. Se, até há bem pouco, se detectava no sector uma cadeia que ia do autor até ao leitor, com funções intermédias bem definidas como a edição, a distribuição ou a venda a retalho, as novas tecnologias tendem a esbater e mesmo a apagar distinções entre processos separados de criação, produção, reprodução e distribuição que caracterizavam esse modelo clássico dos bens impressos, não só porque a tecnologia electrónica é a mesma em cada fase, mas porque em qualquer momento se pode exercer o controlo e tomar decisões sobre a globalidade do processo. O que significaria que qualquer opção se repercute sobre toda a cadeia. E, neste cenário, a primeira preocupação do editor é o conteúdo, a sua aquisição e o seu desenvolvimento. Mas não se pode desligar a gestão dos conteúdos da sua relação com a distribuição ou com os problemas de acesso, sem o que o valor do conteúdo é inexistente. E é nesse sentido que os editores se confrontam, desde logo, com a mais crítica das decisões a tomar: a digitalização do seu património editorial. Opção muito delicada, seja pela dimensão dos investimentos, seja pelas suas consequências sobre a estrutura, o funcionamento e resultados empresariais, mas inevitável para passar de uma filosofia centrada no produto para uma filosofia de serviços, complementando o seu papel de editores tradicionais com a 1 Este texto insere-se na secção debate (Cenários para o Livro) da versão impressa da OBS. 1

perspectiva de editores electrónicos. Essa codificação em metadata é indispensável para permitir o arquivo e reutilização do conteúdo em momentos e formas eventualmente desconhecidas no momento da sua aquisição, possibilitando o desenvolvimento de um produto mais conforme às expectativas do mercado, potencialmente global e transferível para uma multiplicidade de suportes. E mais, embora a edição electrónica possa hoje ser palco de algumas incertezas, na viragem do século constituirá um factor de sobrevivência para os editores, sendo que uma entrada demasiado tardia nesse mercado virá a ter custos desproporcionadamente acrescidos. Os produtos gerados pela edição electrónica apresentam um valor acrescentado em relação à edição tradicional no que se refere à disponibilidade, à transparência e interactividade e formato dos conteúdos. Por outro lado, se a indústria da edição em papel é normalmente apresentada na sua relação com os quatro aspectos básicos dos média impressos periodicidade, actualidade, universalidade e disponibilidade, no universo digital os meios de diferenciação e de valor acrescentado serão completamente novos. O que tem levado a que se considere que a edição electrónica é, pode ou deve ser mais do que a extensão dos produtos editoriais já existentes, apontando-se assim para uma mudança de paradigma na indústria da edição. Em relação ao livro impresso os produtos da edição electrónica também se diferenciam pela necessidade de um suporte hardware e de software sem o qual não é possível aceder à informação. Cada suporte define um ou mais âmbitos concorrenciais com regras próprias de funcionamento que derivam da sua natureza e das características do conteúdo informativo. Os segmentos do sector definem-se assim pela combinação produto/mercado/tecnologia, pelo que normalmente se adopta uma segmentação do mercado que, partindo da sua característica PC-based, se distinguem por serem offline ou online. No primeiro caso, se considerarmos o CD-Rom, que pelas suas características multimédia surgiu em grande força no mercado da edição entre 1993 e 1995, temos de reconhecer que muitas das expectativas que gerou não se vieram a concretizar. Muito embora o mercado educativo pareça promissor e o CD-Rom seja provavelmente neste momento o primeiro média de difusão em alguns segmentos (mercado de referência, mercado da edição profissional e alguns outros mercados altamente especializados), o que é certo é que se torna hoje perceptível que este suporte não foi capaz de dar origem a um mercado de massas e que o seu horizonte tecnológico era, afinal, limitado. E o que agora acontece é que o CD-Rom está como que entalado entre a emergência da tecnologia DVD (Digital Versatile Disc), considerada pelos tecno-gurus como a plataforma multimédia definitiva, e o crescimento exponencial da Internet. Embora seja prematura a avaliação do impacte do DVD na indústria da edição, já não é possível ignorá-lo, bem como aos problemas que enfrenta a sua transformação num produto de massas. O DVD demonstrou já o seu potencial em campos convergentes como o vídeo, o audio, o filme e os computadores. Este suporte, mesmo na sua versão normal de 4,7 Gbytes, tem uma capacidade cerca de sete vezes superior ao CD-Rom e uma impressionante qualidade multimédia. No entanto algumas questões persistem e anuncia-se mais uma vez o DVD, agora como o Produto do Ano 2

em 1998. Se, numa perspectiva de oferta, o mercado de CD-Rom se divide basicamente em dois mercados distintos, o mercado profissional e das bases de dados e o mercado de consumo e se, para efeito da edição profissional, o CD-Rom provou ser um média ideal para a publicação de largos arquivos de informação de elevado conteúdo técnico e de referência, já os editores de CD-Rom vocacionados para o mercado de consumo se depararam com diversos problemas e algumas frustrações. No caso do DVD a perspectiva geral não deverá ser muito diferente: interessará a alguns dos editores que já trabalhavam com CD-Rom, especialmente no mercado profissional, onde a sua maior capacidade de armazenamento trará vantagens óbvias, mas, no mercado de consumo, os produtos específicos da edição tradicional, agora em DVD-Rom, continuarão a encontrar pelo menos alguns dos obstáculos já detectados no anterior suporte. Perante este cenário, talvez o verdadeiro futuro do DVD no universo PC dependa da convergência dos computadores, da televisão e da Internet. Internet que, com a sua enorme capacidade de armazenamento de informação, suplanta facilmente os 17 GB de capacidade previstos para a versão mais avançada do DVD, apresentando imbatíveis vantagens suplementares. Se bem que a edição online tenha já cerca de trinta anos, é o crescimento exponencial da Internet e particularmente da World Wide Web que virá a mobilizar a atenção dos profissionais do livro. O desafio é duplo: dominar as novas tecnologias e enfrentar novos concorrentes nas suas áreas tradicionais, provavelmente melhor equipados para enfrentar os riscos dessas tecnologias e os novos mercados a que deram origem. Algumas hesitações dos editores, embora compreensíveis, não podem subsistir quando se sabe que a partir de agora o futuro da edição estará indissoluvelmente ligado às redes electrónicas e a entrada no mercado online tem de ser encarada como um investimento, quiçá não reprodutivo a curto prazo. Por isso se exige ponderação em termos de custos de construção e manutenção dos Web sites, devendo definir-se antecipadamente a estratégia de produto e a opção entre a abordagem da Internet como suporte adicional para transferir produtos já existentes em papel ou como um suporte com valências alternativas específicas, levando ao desenvolvimento de produtos radicalmente novos. Com a construção do seu site, as editoras devem atingir alguns objectivos, variáveis consoante a sua dimensão e filosofia de produto. Entre eles a consolidação do brandig, que aumenta de importância na rede pela necessidade de reconhecimento num mercado global e em larga medida ainda não estruturado; a promoção de produtos específicos já disponíveis; apresentação e teste de projectos; desenvolvimento de serviços a nível interno e para os seus clientes; aproximação dos seus consumidores e incorporação do feedback no desenvolvimento de produtos. Para ser competitivo o Web site de um editor deve ter um conjunto único de informação útil, deve ter capacidade para dar rápida resposta por força das suas capacidades interactivas, e prestar serviços que correspondam às necessidades identificadas pelo consumidor. Se o tempo é um factor da maior importância, pois doravante os editores devem provar que estão preparados para fornecer informação praticamente em tempo real, a interactividade é provavelmente o elemento crítico, pois o site não pode ser apenas um sistema de fornecimento de informação mas um local onde o 3

público pode interagir, fazer as suas pesquisas, estabelecer links, etc., no preciso momento em que ligar o seu computador. Igualmente decisiva é a cooperação através de toda a cadeia da oferta para servir o consumidor decisivo o consumidor final. Num contexto em que cada vez mais se fala de uma economia da atenção, o poder da rede poderá residir na sua capacidade de permitir que o utilizador obtenha exactamente a informação de que necessita, em qualquer momento e obtenha exactamente a informação de que necessita, em qualquer momento e lugar. Assim, a customisation corresponde a uma estratégia de produto na cadeia da oferta, a um esforço do editor para adaptar e especificar produtos e serviços digitais interactivos destinados a alvos de mercado altamente definidos. Esta preocupação tem levado à alteração de um modelo de edição centralizado ( primeiro imprime-se, depois distribui-se ) para um modelo de edição distribuída, possibilitada pelo advento da tecnologia das redes e pelo desenvolvimento de novos modelos de impressoras digitais: primeiro distribui-se electronicamente, depois imprime-se. Já perfeitamente instalados no universo educativo existem casos de custom publishing, segmento de rápido e seguro crescimento. Os mesmos desenvolvimentos tecnológicos levaram ao aparecimento da noção de printing on demand, ou seja, a impressão casuística de textos digitalizados em livrarias, ateliers de impressão ou copy shops. Para além de permitir aos editores hipóteses de rentabilização do seu fundo, a publicação de obras altamente especializadas e que constituiriam riscos editoriais excessivos ou de documentos e relatórios de tiragens muito limitadas, pode vir a possibilitar uma nova linha de negócio no sector retalhista. A desintermediação é um outro tema que tem justificado alguma controvérsia. Aplicada à indústria da edição a desintermediação levaria a uma compressão no circuito do livro aproximando o autor do leitor e dispensando progressivamente editores, distribuidores ou livreiros. Contudo, embora se assista a alterações nas relações tradicionais na cadeia da oferta, o que se tem verificado é que a Web provoca o aparecimento de novos intermediários que, ligando produtores, vendedores e compradores, oferecem mais valor acrescentado, designadamente agregando, integrando e tratando conteúdos, possibilitando ofertas personalizadas, comparando produtos e preços e oferecendo novos e atraentes esquemas de pagamento. Também por isso, a tentativa de alguns editores generalistas ultrapassarem os retalhistas por meio da venda directa tem constituído uma das estratégias mais nocivas no âmbito da Internet. Na verdade, os livreiros possuem uma autoridade e presunção de objectividade com que o editor nunca poderá concorrer, já que o leitor deseja, sobre um determinado assunto, ter acesso a todas as ofertas possíveis e a todas as informações que o auxiliem na sua decisão. Parece assim muito mais acertado que os editores e os intermediários encontrem formas de colaboração que potenciem os seus produtos junto dos consumidores finais, disponibilizando, por exemplo, a partir da sua base de dados, o acesso a catálogos, press releases, capas, recensões e informação actualizada sobre a disponibilidade dos títulos. O que faz tanto mais sentido quando é no sector das livrarias online que as potencialidades da Internet se têm vindo a revelar mais rapidamente. Esse sucesso, que as experiências nos Estados 4

Unidos tornaram rapidamente conhecido, deve-se não só à estrutura de distribuição aí consolidada mas ainda ao modo como livrarias e distribuidores desenvolveram sinergias com proveito mútuo. Isso levou a um rápido crescimento do negócio e a esquemas de concorrência entre retalhistas que passam mais pela diferenciação através da extensão da oferta, rapidez de expedição e cumprimento dos prazos, qualidade de informação e prestação de serviços adicionais do que pela questão dos preços. Parece assim, algo paradoxalmente, que por agora o maior impacto da Internet se tem traduzido na venda online de livros impressos... O contexto da mudança da indústria da edição face às novas tecnologias encerra ainda alguns problemas de complexa resolução. Desde logo, os problemas relacionados com a protecção dos direitos de autor e do copyright. Neste âmbito, a questão da autenticidade e integridade do documento ganha especial relevo pela facilidade com que nas redes electrónicas eles podem ser manipulados e alterados. Para além dos progressos que se têm conseguido, em especial na União Europeia, designadamente com a aprovação de um direito sui generis que protege o produtor das bases e equipara estas a obras literárias, artísticas ou científicas, são indispensáveis instrumentos tecnológicos adequados. O desenvolvimento e expansão dos sistemas de encriptação podem garantir a remuneração do editor no momento do acesso ao conteúdo e o controlo da sua utilização posterior, tentando dar resposta à questão do downstreaming. Para além destes esquemas de protecção, o sistema de digital watermarks deve ser considerado como um meio económico e ponderado de encarar a defesa dos direitos de autor e copyright. Também o projecto DOI (Digital Object Identifier), lançado pelo Association of American Publishers, pode levar ao aparecimento de um conjunto de tecnologias que possibilitem o comércio de peças editadas ou cuja informação circule em ambiente digital de modo a garantir a protecção do copyright, a compensação dos criadores pelo seu trabalho e a facilitar aos consumidores as suas pesquisas e a identificação dos detentores dos direitos. Por fim, um dos constrangimentos que não pode ser ignorado na evolução da edição electrónica diz respeito à evolução do comportamento dos consumidores finais. Se aceitarmos que existem quatro arquétipos para caracterizar os utilizadores potenciais da edição electrónica trabalhadores do conhecimento, entusiastas dos computadores, consumidores de tempo limitado e utilizadores de lazer tem-se vindo a verificar que as duas primeiras categorias correspondem a cerca de 80% dos utilizadores. No entanto, o actual mercado baseado nestes consumidores activos terá um crescimento pouco significativo. Assim, para a maioria dos editores vai ser vital atrair os grupos passivos. Os editores generalistas terão de procurar atrair o grupo dos utilizadores de lazer, que se apresenta como o único em condições de vir a constituir um mercado de massas para a edição electrónica. Já para os editores de premium information services, que trabalham em áreas altamente especializadas do direito, da economia ou da finança, o mercado dos consumidores de tempo limitado, correspondendo a executivos, advogados, gestores, consultores, etc., será um mercado decisivo. 5

Para concluir provisoriamente, pode dizer-se que, a prazo, veremos alguns dos documentos agora impressos transferirem-se para suportes digitais, ao mesmo tempo que o género de documentos que tem caracterizado a nossa conformação cultural continuarão a viver a parte mais importante da sua vida em papel, ainda que a sua distribuição possa ser electrónica. Textos que terão uma existência primária, secundária ou terciária, movendo-se entre scanners e impressoras, mas continuando, livros impressos e as novas formas e géneros que emergem no mundo digital, a exercer um decisivo papel cultural, também por força da sua interacção e simbiose. E será difícil negar que este mundo em mutação é o lugar de alguns medos, de muitos desafios e de um intenso fascínio. 6