Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X



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Transcrição:

RECRI(E)AR EXPRESSÕES: VIVÊNCIAS DA PSICOLOGIA EM INSTITUIÇÕES DE ABRIGO/ACOLHIMENTO Melissa Hans Sasson Verônica Suzuki Kemmelmeier Nájila Cristina Camargo Cleide Silvane Wachholz Bianca Grabicoski Jussara de Bertoli Louísy Rosa Introdução A história de institucionalização da criança nos remete por volta do ano de 1738, onde há a criação da roda dos expostos, considerada por alguns autores como um marco na história, sendo que a partir desse mecanismo primitivo, começa-se a pensar o abandono das crianças, e em algum tipo de proteção para as mesmas (Pauliv, 2008). A autora Hália Pauliv define esse sistema da roda dos expostos da seguinte forma: mecanismo giratório, feito de madeira, instalado nas portas de conventos, hospitais e asilos, pelo qual passavam recém-nascidos do exterior para o interior dessas instituições (...) (Pauliv, 2008, p. 186). A partir disso podemos inferir que essa situação não só preservava o anonimato dos familiares que abandonavam, bem como repassava a responsabilidade de todos os cuidados para com a criança a terceiros. Mas como nos mostra Siqueira & Dell Aglio (2006), foi nessa lógica de repassar-se a responsabilidade desses cuidados para terceiros, que vemos num primeiro momento, pessoas diretamente ligadas às igrejas assumindo esse papel (como por exemplo, as irmãs dos conventos) e posteriormente essa responsabilidade foi sendo repassada para o Estado num processo gradativo. Num primeiro momento o Estado visava higienizar a sociedade, que estava precária devido ao processo de urbanização. As crianças de ruas ou antissociais eram colocadas em instituições que tinham como objetivo a reeducação, como por exemplo, as Fundações Estaduais do Bem-Estar do Menor (FEBEM s). Como afirmam Zaniani e Boarini (2011): Considerando a premissa de que a mente e a moralidade poderiam ser higienizadas pelas mesmas vias que os corpos, os higienistas focalizaram o indivíduo, prescreveram condutas e

proferiram ensinamentos, especialmente sobre o trato com a infância (p. 275). Portanto, a culpa da fraqueza econômica social era minimizada ao proteger a sociedade das crianças em situação de vulnerabilidade. Percebe-se que esse processo do Estado, a princípio era contrário ao processo das redes filantrópicas que visavam proteger unicamente as crianças. No decorrer dos anos o Estado começa a criar políticas que abordam as crianças e adolescentes como indivíduos de peculiaridades e direitos. Sendo assim, cria também estratégias com a função de cuidar das crianças que por algum motivo não puderam estabelecer-se junto a suas famílias, as chamadas enjeitadas. Dentre tantos mecanismos, como conventos, abrigos e hospitais, que o Estado se utilizou para recolher essas crianças, em 1990 é criado mais um instrumento para a garantia do cuidado e proteção das mesmas, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Este abrange e explana sobre todas as questões que envolvem essa faixa etária, visando promover os direitos e deveres desses jovens, e com isso regulamenta as mais diversas situações, como o caso de infrações, abandono, abuso, adoção, entre outros (Fante & Cassab, 2007; Brasil, 1990). A instituição de acolhimento é a sétima medida de proteção prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que deve ser aplicada, sempre que os direitos da criança e do adolescente forem ameaçados ou violados. No caso em que haja necessidade de a criança e o adolescente serem afastados do seu meio familiar e comunitário, esta medida de proteção deve respeitar os princípios de brevidade, excepcionalidade e provisoriedade, priorizando a reintegração ou reinserção familiar, garantidos na legislação vigente. Além disso, a instituição de acolhimento deve ser utilizada em situações transitórias, como na colocação da criança e do adolescente em família substituta. Violência intrafamiliar, inexistência ou ineficácia de políticas públicas que contemplem ações voltadas para a família e que a potencializem como referência, podem ser algumas das causas do afastamento de crianças e adolescentes da família e de seu abrigamento (Brasil, 1990). O Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990) em seu artigo 92º determina as diretrizes o que as entidades de acolhimento deveriam adotar. Dentre os nove princípios, destaca-se a primazia em garantir às crianças e aos adolescentes um atendimento mais personalizado, em pequenas unidades, a preservação e manutenção dos vínculos familiares e a não transferência constante entre as instituições de acolhimento.

Por outro lado, o uso da medida acolhimento tem-se configurado mais como uma política de atendimento que põe em risco a aplicabilidade dos princípios legais ECA, violando, por exemplo, o direito à convivência familiar e comunitária, do que servindo para a proteção efetiva das crianças e dos adolescentes, considerados sujeitos de direitos e prioridade absoluta (Brasil, 1990) no país. Neste sentido, a maioria das instituições de acolhimento, em função de sua lógica de funcionamento específica (na qual se afasta do que está previsto pelo ECA), pode ser considerada como Goffman (1961/2003) denominou de Instituições Totais. Nestas, segundo este autor, todos os aspectos da vida são realizados no mesmo espaço e sob uma única autoridade, onde é possível visualizar uma lógica de disciplinarização e massificação de subjetividades. Tais instituições são definidas por tal autor como um local de residência, trabalho e lazer, onde um grande número de indivíduos em situação semelhante é separado da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levando uma vida fechada e formalmente administrada, tal como afirma: Quando resenhamos as diferentes instituições de nossa sociedade ocidental, verificamos que algumas são muito mais fechadas que outras. Seu fechamento ou caráter total é simbolizado pela barreira à relação social com o mundo externo e por proibições à saída que muitas vezes estão incluídas no esquema físico por exemplo, portas fechadas, paredes altas, arame farpado, fossos, água, florestas ou pântanos. A tais estabelecimentos dou o nome de instituições totais (Goffman, 2003, p. 16). O que Goffman (2003) tenta nos esclarecer é que de acordo com essa lógica de funcionamento a instituição corta os laços com o passado do interno, ou seja, com o mundo externo, e isso causa o que o autor chama de uma mortificação do eu. Esse processo consiste na destituição de aspectos que singularizam o indivíduo, mergulhando-o na rotina da instituição e cada vez mais o inserindo nos coletivizações, aos poucos ele perde sua identidade. Weber (1995) coloca ainda que esse tipo de massificação, como ela denomina, ou seja, essa forma de mergulhar o indivíduo na coletivização, cerceando em partes sua capacidade de socialização, influencia significativamente nas representações que ele irá criar.

Desta maneira, compreende-se que a institucionalização de crianças e adolescentes foi (e ainda aparenta ser) historicamente constituída como uma das principais práticas de atendimento a infância vulnerável do país. Esta prática pode refletir uma prática assistencialista voltada para a contenção do desvio, caracterizada como discriminatória e estigmatizante. Assim, pode-se compreender que a institucionalização de crianças e adolescentes surge como resposta de uma demanda, do desenvolvimento das cidades e a complexidade da vida social. A irrefutável maioria destes sujeitos provém de família definidas como desestruturadas, famílias estas que refletem às mazelas da pobreza, explicitando a injusta política social, legitimada em nosso país (Oliveira, 2006). O que se pode constatar é que inúmeras instituições de acolhimento a crianças e adolescentes que em grande parte trata-se de sujeitos retirados de seus lares, pelo fato de que, muitas vezes, o poder familiar é suspenso devido a situações caracterizadas como maus-tratos, violência, e/ou negligência (Oliveira, 2006). Observa-se assim, o quanto estas instituições refletem uma demanda vinda da própria sociedade que é produtora de violências explícitas e implícitas, vivenciadas pelas crianças e pelos adolescentes (Silva, 1997 citado por Oliveira, 2006). Embora haja no Brasil um guia intitulado Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes que contêm como devem ser o processo de abrigamento, as orientações metodológicas e funcionais das instituições, percebe-se que existem muitas falhas relacionadas ao trabalho interdisciplinar. Nota-se necessária também maior atuação do poder público, estadual e municipal em relação a essas instituições, pois muitas vezes em vez de solucionarem os problemas infantis e da adolescência, acabam prolongando-os com a demora dos processos judiciários. O trabalho do psicólogo nessa área tem fundamental importância tanto por conter os pressupostos essenciais para avaliação psicológica das crianças, adolescentes e familiares, quanto por objetivar as mudanças e futuras reestruturações desse contexto, e ainda proporcionar espaços de diálogos entre a equipe técnica, coordenação geral da Instituição e órgãos responsáveis pelos direitos da infância e adolescência, tal como cita Antoni e Koller (2001):

O psicólogo deve fazer parte de uma equipe multidisciplinar, cujo trabalho deva ultrapassar as tarefas operacionais de suprir as necessidades básicas de alimentação e conforto da criança; tentando propiciar um ambiente de apoio afetivo e acolhedor; e na busca por amenizar as marcas da violência trazidas pela sua história de vida (Antoni e Koller, 2001, p.23). A sociedade civil muitas vezes consegue amenizar as falhas técnicas e de manutenção de instituições de acolhimento, por meio de parcerias e voluntariado. Serviços complementares (como estagiários e recriadores) acabam acrescentando na vivência comunitária dessas crianças e adolescentes, e servindo como fiscalizadores da violação de direitos. Na tentativa de propiciar às crianças e adolescentes meios de expressão e de não massificação o Instituto Fazendo História criou o projeto Fazendo Minha História. Neste são elaboradas estratégias para que as crianças e adolescentes institucionalizados reconheçam seus valores e os de sua história de vida, por intermédio da criação de álbuns, mediação de leitura e dinâmicas grupais. O projeto Fazendo Minha História tornou-se um modelo em trabalhos com crianças e adolescentes em instituições de acolhimento, porque comprova através de resultados as mudanças ocorridas no universo de cada participante. Com o interesse de ampliar um projeto já existente na Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO, o qual prepara e apoia pais que estão na fila de espera da adoção, e embasado na teoria e prática do projeto Fazendo Minha História, o projeto Vivências Lúdicas em Instituições de Abrigo surgiu para realizar atividades com crianças e adolescentes institucionalizados. Este projeto foi planejado e organizado por acadêmicos de Psicologia e iniciou através da articulação com a Secretaria do Bem-Estar Social, com a coordenação das Instituições de Acolhimento e com a equipe técnica das mesmas, visando promover por meio de oficinas lúdicas semanais, ao longo do ano de 2012, a integração entre crianças e adolescentes e o desenvolvimento cognitivo e social dos mesmos. As atividades de cada encontro variam com o funcionamento dos grupos, sendo que são realizadas com objetivos pré-estabelecidos. Assim, através da demanda coletiva, são abordados assuntos específicos e estes são trabalhados através de dinâmicas, brincadeiras, conversas, leituras, desenhos, etc.

O presente trabalho busca apresentar o objetivo, a metodologia e os resultados da atuação dos acadêmicos em uma Instituição de Acolhimento e também promover a cogitação de se estenderem projetos nessa área, visto que as crianças e adolescentes institucionalizados devem ser vistos não como indivíduos estigmatizados e vitimizados, e sim como indivíduos de direitos que devem ser priorizados já que pertencems a situações de risco e muitas vezes de vulnerabilidade. Objetivos O projeto de extensão Vivências lúdicas em instituições de abrigo realiza encontros semanais com crianças e adolescentes que estão em processo de acolhimento institucional no município Irati - Paraná. Por meio de oficinas lúdicas são trabalhados diversos tópicos que buscam propiciar às crianças e adolescentes aspectos que promovam a identidade individual e a reflexão sobre si enquanto sujeito de direitos inserido na sociedade. Também tem o propósito de possibilitar um autoconhecimento da história de vida, do papel social, de proporcionar meios de expressão através de desenho, escrita ou relatos verbais; bem como, auxiliar no desenvolvimento social e cognitivo dos participantes, buscando contribuir para a formação de perspectivas de um futuro de qualidade pessoal e social. Metodologia O projeto em questão é conduzido por 10 acadêmicos do segundo ao quinto ano do o curso de Psicologia e orientado pela professora coordenadora Verônica Suzuki Kemmelmeier do mesmo curso. Os acadêmicos estão divididos em dois grupos, na medida em que este projeto possui parceria com duas instituições do município de Irati PR. Uma destas instituições (instituição A) possui caráter governamental e estrutura casalar, e acolhe oito crianças, entre sete meses e nove anos. A outra instituição (instituição B) é uma organização não governamental (ONG) que está em funcionamento com 17 crianças e adolescentes, onde a mais nova é recém-nascida e a mais velha possui 17 anos. O espaço utilizado para a realização dos encontros é nas próprias instituições.

Para a realização do trabalho foram delimitados encontros semanais, com duração aproximada de uma hora e meia. As intervenções e ações são planejadas e avaliadas a partir de cada encontro bem como a partir das supervisões dadas semanalmente. Na Instituição A, o grupo é realizado nas quartas-feiras no período vespertino, e na Instituição B têm-se três grupos sendo que um deles é realizado nas segundas-feiras no período matutino, e dois nas sextas-férias no período vespertino. Percebemos a necessidade desta divisão nesta instituição levando em consideração o contraturno escolar das crianças e adolescentes em questão. Desta maneira, buscamos por contemplar os dois turnos (matutino e vespertino) a fim de atender a todas as crianças e adolescentes inseridos na instituição. A divisão também levou em consideração a faixa etária das crianças, visto que esta possui grande amplitude e a separação mostrou-se enquanto demanda para os adolescentes. As atividades de início objetivaram conhecer um pouco mais as crianças e adolescentes, bem como, o ambiente no qual eles vivem, buscando entender a sua rotina e tentando a partir de uma construção de vínculo compreender as demandas e as dificuldades por eles apresentados, a fim de revermos e direcionarmos nosso planejamento de atividades. As atividades são adaptadas de acordo com a faixa etária dos participantes, mas dentre os objetivos contemplados de maneira geral, destacamos as dinâmicas de apresentação, cujo se buscou saber um pouco dos gostos e opinião de cada um, atividades onde foram trabalhados os desejos e ambições para o futuro, as qualidades e defeitos de cada um, bem como, as questões de respeito entre as crianças e empregados da instituição, discutindo como é viver em um abrigo, questões como suas (im)possibilidades neste ambiente, considerando a convivência em um lugar com várias personalidades singulares, com gostos e opiniões distintas, bem como, a respeito da necessidade em lidar com as diferenças e aceitar as vontades alheias. Dentre as observações é possível destacar que no grupo de crianças, demandaram-se atividades mais livres e lúdicas, como possibilidade de elas se posicionarem e opinarem sobre seus desejos, onde a partir delas foram trabalhadas as regras de respeito e cooperativismo. Já no grupo de adolescentes, dentre várias questões, foi demandado um espaço para desabafos, críticas e questionamentos a respeito das regras institucionais, assim como das dificuldades de

terem uma vida social e uma vida fora da instituição, assim foi possibilitado, pelos extensionistas, um espaço para acolher estas angústias de maneira ética e sigilosa. Desta maneira, o projeto vem buscando por meio de brincadeiras, dinâmicas e discussões procurar conhecer a cada indivíduo que vive nestas instituições, e, entender suas angústias e medos, bem como alegrias e desejos, visando auxiliar em sua convivência e na constituição e simbolização de suas histórias de vida. Resultados e Discussão Considerando o restrito número de estudos ainda existentes sobre a temática de projetos lúdicos em instituições de abrigo, buscamos observar os resultados obtidos pelo projeto por meio de uma análise dos relatórios elaborados semanalmente, bem como a partir de cada encontro e supervisões com a professora orientadora. Desde o início do projeto de extensão, em abril do ano corrente de 2012, realizamos seis encontros, que continuarão em curso até o final do ano letivo. Neste poucos encontros, já se faz possível visualizar avanços no que diz respeito à constituição do vínculo entre os integrantes do grupo, a interação grupal, e o desenvolvimento pessoal de cada participante. As atividades desenvolvidas procuraram seguir os temas propostos no cronograma, e para o primeiro semestre os acadêmicos abordaram questões que envolvessem as características pessoais, como qualidades e defeitos, respeito e valorização ao próximo e viver em grupo no abrigo. Portanto, utilizaram como recurso argila, recortes de figuras, corda, balões, lápis de cor, canetinha, cola colorida e outros materiais, em atividades como: Mímica da personalidade, dinâmica do cordão do sim ou não, dinâmica quem sou eu, dinâmica cada um é um, dinâmica da pessoinha, dinâmica das figuras, atividade cartaz com recortes do que gosto ou não no abrigo, atividade com argila, dinâmica da carta para o amigo sobre como vivo no abrigo, dança da cadeira, brincadeira da estátua, brincadeira de morto e vivo, dinâmica de escrever um história e deixar os outros terminá-la, leituras de letras de música, leituras de livros infanto-juvenis e trechos de livros, entre outras. Em todas estas atividades buscava-se compreender as particularidades de cada participante e promover um espaço para que eles pudessem expressar-se, sempre questionando o que gostavam de fazer, para que assim fosse preparado um encontro agradável a todos.

Foi possível observar no desenvolver dessas atividades que os adolescentes estavam utilizando o espaço como uma forma de dizer sobre suas dificuldades na instituição, como as regras fixas da rotina, a falta de ter alguém para conversar, a rotatividade de funcionários, a falta de informações sobre as mudanças ocorridas no próprio abrigo, o que os afetam diretamente. Notou-se entre os adolescentes que o acolhimento é entendido como uma medida de melhoria de vida, ao mesmo tempo em que não é um espaço que proporciona a autonomia. Observou-se que a instituição não promove atividades de administração de liberdade, e não tem programas que gerem e sustentem os desejos e sonhos para o futuro dos jovens. Observou-se que alguns indivíduos que estão a mais tempo abrigados demonstram dificuldade nos relacionamentos em grupo e em lidar com adversidades, apresentando comportamentos agressivos com os demais integrantes. Porém isso não se constitui regra, pois a maior parte dos adolescentes, os quais possuem apadrinhamento afetivo, ou seja, saem aos finais de semana da rotina do abrigo, se relacionam melhor e pensam mais sobre o futuro fora da instituição, como conquistar uma profissão e uma família. Também se percebeu que existe certo conformismo vindo das crianças e adolescentes sobre as suas situações de acolhimento, talvez isso se dê pela demora de seus processos no judiciário o que acaba violando o direito de convivência familiar e comunitária. Observou-se ainda que as crianças possuem dificuldade em aceitar ordens e em respeitar as regras estabelecidas nas atividades, agindo com agressividade em muito momentos. Relatam a falta que sentem de suas mães e das promessas que estas os fizeram e não cumpriram, bem como de como podiam fazer tudo o que queriam em suas casas, pois suas mães não faziam nada. Já os adolescentes pouco falam sobre seu passado, focando seus interesses na resolução dos problemas atuais e em como serão suas vidas quando saírem da instituição. O grupo é o único espaço em que podem discutir e tirar dúvidas sobre esses aspectos, visto que a instituição não desenvolve nenhum programa de desligamento, mesmo que grande parte dos abrigados sejam adolescentes. Dessa forma, podemos concluir que o grupo contém muitas diversidades e que de alguma forma está se constituindo um espaço para todos vivenciarem suas angústias, seus medos, dificuldades, alegrias, tristezas, mas principalmente um espaço para construir sonhos, planejando o amanhã, enquanto se vive o hoje.

Considerações Finais Observou-se que a criação desse projeto foi de extrema relevância, visto que essas instituições ainda apresentam dificuldade, mesmo que previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, de produzir espaços para refletirem sobre suas vidas, para vivênciarem novas experiências, assim como o próprio atendimento psicológico, seja individual ou em grupo. Devido, entre outros fatores, por existir apenas um profissional de Psicologia para atender as duas instituições, em uma carga horária mínima e com excesso de atribuições. Este aspecto impossibilita que essas crianças tenham o seu direito de receber atendimento personalidado, individual ou em grupo, negados, bem como de receberem apoio e escuta sobre seus problemas sejam dos motivos que os levaram ao abrigamento, ou mesmo qualquer eventualidade do cotidiano. Deve ser ressaltada que o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) ainda é recente se comparado à história da institucionalização de crianças e adolescentes. Mudar o processo e a organização das instituições, fazer com que órgãos fiscalizadores como Conselho Tutelar e Vara da Infância priorizem a infância e adolescência, e promover políticas que antes de afastar os sujeitos de seu convívio familiar e comunitário promova políticas públicas de prevenção e fortalecimento familiar, serão efeitos gradativos e longos. Se antes era tentada uma higienização social, atualmente nota-se que há uma higienização da consciência social. A criança estando institucionalizada muitas vezes dá a ideia de que está guardada, tirando assim a culpa da sociedade de acolher a família na sua diversidade. Os fenômenos que estão relacionados ao abrigamento estão permeados por redes complexas de entendimento e um órgão não consegue atender todas as demandas necessárias para que as Instituições estejam de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente. O CONANDA & CNAS (2008) em suas orientações técnicas para os serviços de acolhimento, salientam a necessidade de serem prestados serviços de qualidade, em pequenos grupos, condizentes com os direitos e as necessidades físicas, psicológicas e sociais da criança e do adolescente. Sendo responsabilidade e dever da instituição garantir espaços privados, objetos pessoais e registros, inclusive fotográficos, sobre a história de vida e desenvolvimento de cada criança e adolescente. No entanto, pouco se observa na realidade das instituições em

enfoque, visto que estas negam a realização de trabalhos que envolvam diretamente a história de vida desses sujeitos, bem como possuem poucos recursos para lidar com as dificuldades relacionadas ao passado dos acolhidos, muitas vezes negando à criança o direito mínimo e de conhecer e registrar sua história. Desta maneira, durante os poucos encontros realizados até o presente momento, já se faz possível reconhecer a relevância de se criar um espaço que possibilitem a descontração, já que as regras na instituição são rígidas e devem ser seguidas por todos os abrigados, bem como, para refletirem sobre diversos aspectos de suas vidas, seja elaborando sofrimentos e perdas do passado, seja vivenciando com alegria o presente, e planejando com perspectivas positivas um futuro cheio de possibilidades. Referências Aguiar, O. X; Carrero, M. L. C; Rondina, R. C. (2007) Casa Abrigo: Possibilidade de Atuação para Psicólogo. Revista Científica Eletrônica de Psicologia. Garça. n.9. novembro. Antoni, C.; Koller, S. H. (2001) O psicólogo ecológico no contexto institucional: uma experiência com meninas vítimas de violência. Psicol. Ciênc. e Profissão, vol.21, n.1, p.14-29. Argolo. M. E. D. (2007). Adoção de crianças e adolescentes em situação de abrigamento: A última ou única alternativa? Trabalho de conclusão de curso da área de serviço social. Brasília: Unb. Disponível em: <http://bdm.bce.unb.br/handle/10483/750> Acesso em: 29 de março de 2012. Badinter, E. (1985) Um amor conquistado: O mito do amor materno. 2º edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. 370 p. Brasil. Lei Federal n. 8069, de 13 de julho de 1990. ECA _ Estatuto da Criança e do Adolescente. CONANDA & CNAS. (2008) Orientações técnicas para os serviços de acolhimento para crianças e adolescentes. Brasília. Goffman, E. (1961/2003) Manicômios, prisões e conventos. 7.ed. São Paulo: Perspectiva. Pauliv, H. (2008) Adoção: Exercício da Infertilidade. São Paulo: Paulinas.

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