XIV Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia 28 a 31 de julho de 2009, Rio de Janeiro (RJ) Grupo de Trabalho: Violência e Sociedade [GT 31]



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XIV Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia 28 a 31 de julho de 2009, Rio de Janeiro (RJ) Grupo de Trabalho: Violência e Sociedade [GT 31] Título: Crime, drogas e violência elementos para uma hermenêutica do bandido Autor: Cesar Pinheiro Teixeira (PPGSA/UFRJ) 1

Crime, drogas e violência elementos para uma hermenêutica do bandido Cesar Pinheiro Teixeira (PPGSA/UFRJ) I Este trabalho articula aspectos relativos à maneira pela qual o tráfico de drogas se organizou no Rio de Janeiro e a formação de subjetividades reconhecidas como criminosas. O material empírico consiste em entrevistas realizadas com pessoas que estiveram envolvidas no tráfico de drogas em favelas cariocas 1. Elas narram um processo de transformação através do qual os indivíduos se tornam bandidos, relacionando experiências de violência vividas no mundo do tráfico e transformação do self. A hipótese do trabalho consiste em dizer que, nestes casos, bandido não diz respeito apenas a um rótulo acusatório, mas a uma representação social: uma maneira através da qual os indivíduos pensam, agem e sentem. Para interpretar os dados, tomarei como referência teórica a idéia de sujeição criminal que diz respeito à construção social de subjetividades que são reconhecidas (e se auto reconhecem) como criminosas. II A sujeição criminal, como já afirmara Misse (1999), separa e distancia os indivíduos. Ela divide estamentalmente os indivíduos em bandidos e nãobandidos. Desta forma, bandido existe como uma categoria social cristalizada: com seu habitus, sua visão de mundo, sua maneira de ser. O sujeito criminal (o bandido ) é aquele que é reconhecido (e que reconhece a si mesmo) como portador de uma subjetividade peculiar, criminosa. Nas palavras de Misse: a sujeição criminal é o processo social pelo qual identidades são construídas e atribuídas para habitar adequadamente o que é representado como um mundo à parte, o mundo do crime. Há sujeição 1 Esta comunicação é uma versão modificada do primeiro capítulo de minha dissertação de mestrado (Teixeira, 2009). As entrevistas foram realizadas com ex-bandidos que se converteram ao pentecostalismo. 2

criminal quando há reprodução social de tipos sociais representados como criminais ou potencialmente criminais: bandidos (Misse, 1999: 66). A sujeição criminal pode ter distintas formas históricas (como o malandro, o marginal ou o vagabundo ). É importante lembrarmos que estas formas não se sucedem numa espécie de cadeia evolutiva, mas são produtos de diferentes configurações sociais e históricas. Como procurarei demonstrar na seção seguinte, o bandido, como tipo genérico de sujeito criminal, é, atualmente, identificado com o traficante de drogas - é forjado num contexto em que o tráfico de drogas se organiza de maneira particular. Elementos como o uso da violência e uso da arma de fogo caracterizam bem este tipo histórico de sujeição criminal. A relação entre os atores sociais e a sujeição criminal é extremamente complexa. Por exemplo, um indivíduo pode estar envolvido no tráfico de drogas e não se reconhecer como um bandido 2. Como pudemos observar em algumas entrevistas, havia indivíduos que afirmavam ter participado de várias atividades criminosas, mas que não se reconheciam como bandidos. No caso do tráfico de drogas entre indivíduos de classe média (Grillo, 2008), por exemplo, os traficantes não se vêem como bandidos não se percebem como portadores de subjetividades criminosas. Mas, neste caso, há uma interferência de uma variável de extrema importância para este tema, mas que infelizmente não temos condições de desenvolver neste trabalho: a classe social 3. De qualquer modo, podemos observar que a sujeição criminal não é algo que se abate de maneira fatal sobre os indivíduos envolvidos com práticas 2 É importante notar que este caso difere do desviante secreto, de Becker. Não se trata de um sujeito que adota determinado comportamento desviante e que pode, de alguma forma, esconder este fato dos demais. Trata-se de um indivíduo que se reconhece como desviante (praticante de crimes), mas não se reconhece como bandido (sujeito portador de uma subjetividade supostamente peculiar, criminosa). 3 Variáveis como classe social e gênero são extremamente importantes para o desenvolvimento da perspectiva teórica da sujeição criminal. Entretanto, não foi possível incluí-las nesta comunicação. 3

criminosas; é uma condição social e subjetiva que pode se desenvolver a partir e dentro de tais práticas. Assim, observamos que pode haver um descompasso entre a atividade criminosa e a assimilação subjetiva da categoria social bandido. Como procurarei mostrar adiante, são em certas situações da vida de determinados indivíduos que eles podem (ou não) assimilar esta categoria disponível socialmente, incorporando-a. Nestes casos, não existe apenas um processo de rotulação que ocorre na interação entre os indivíduos entre acusadores e acusados. Bandido, da perspectiva teórica da sujeição criminal, consiste numa categoria construída historicamente e disponível socialmente, passível de incorporação (na condição de ethos e/ou habitus). Porém, o foco deste trabalho recai sobre aqueles indivíduos que assimilaram tal categoria, ou seja, que se assujeitaram. Esta assimilação não se dá de maneira simples, mas consiste num processo de subjetivação que compreende o aprendizado de uma maneira de ser, de um estilo de vida, de um ethos e/ou de um habitus. Desta forma, o processo de assimilação da sujeição criminal tem a ver diretamente com a construção social de uma individualidade, de uma personalidade, de uma natureza. Assimilar a sujeição criminal significa, portanto, transformar-se num tipo de ser. Daí vem a sua força: bandido é algo que os sujeitos criminais acreditam que eles são; é uma espécie de verdade de si. III Em a Máquina e a Revolta (1985), Zaluar observa algumas distinções entre malandro e bandido, apontando para a violência como principal elemento de distinção entre os dois tipos. Entretanto, é importante ressaltar que, para Zaluar, a emergência do bandido pode representar uma ruptura no padrão dos sujeitos identificados com e pertencentes à vida do crime. Misse, apesar de reconhecer tais diferenças, enfatiza um processo de acumulação social da violência em diferentes tipos sócio-históricos. Mas o que importa, neste momento, é ressaltar que ambos trabalham com dados (etnográficos e históricos) que nos permitem enxergar uma correlação entre a emergência do tráfico de drogas (tráfico de cocaína no final dos anos 1970 e início dos anos 1980) e o surgimento desse temido personagem presente nas favelas cariocas 4

(o traficante) cuja imagem é, para além de todas as nuances, associada ao uso da arma de fogo e à violência. De maneira geral, como ambos ressaltam, é a organização que caracteriza o movimento e, com ela, a introdução da arma de fogo, que consolida determinada representação social do bandido. De acordo com a antropóloga, a emergência do tráfico de cocaína nas favelas cariocas ajuda a criar as condições para que as representações relativas à categoria bandido, que se opõe, assim como a de malandro, à categoria de trabalhador, seja transformada, rompendo com a categoria de malandro e as características que lhe constituíam. Enquanto o malandro estava munido com suas habilidades: seja para a conversa, para a música, luta ou dança, o bandido firma a sua base identitária no uso da arma de fogo e na disposição para matar. Violência, crime e drogas, parecem fundir-se e constituir o solo sobre o qual se erige a representação social acerca do bandido. É importante lembrar que esta categoria, embora de maneira geral possa ser definida como nos termos acima, nada tem de unívoca. Zaluar mesmo aponta diferenças internas entre os chefes e os teleguiados, entre os bandidos formados e os bichos soltos. No primeiro caso, há autonomia da ação e o poder de mando, por parte dos chefes; subordinação e obediência, por parte dos teleguiados. No segundo caso, a diferença, embora tenha também uma dimensão política já que o bandido formado é mais respeitado pelos moradores e pelos outros bandidos que o bicho solto reside no uso da violência. O bandido formado, dentre outras coisas, é aquele que conhece as regras do jogo : restringe o uso da violência apenas a situações especiais, seja para manter a ordem no morro ou seja dentro das guerras com quadrilhas rivais, para defender sua área. O bicho solto é um bandido perverso, que usa indiscriminadamente a violência, seja contra moradores, contra membros da própria quadrilha e de quadrilhas rivais. De qualquer modo, como afirma Zaluar, a posse da arma de fogo e a disposição para matar alinham, de maneira geral, estas diferentes representações. O tráfico de cocaína, mais especificamente, inaugura um tipo de organização do comércio ilegal de drogas e constrói um arranjo de relações sociais (interno e externo às quadrilhas) cujos elos são garantidos, em última instância, pelo uso da força, da arma de fogo. A organização do comércio ilegal 5

de drogas, nas favelas cariocas, fundamenta-se em relações de amizade, confiança, relações comerciais, mas que são sempre garantidas pelo uso da força 4. Não é por acaso que o X9 (o delator) é uma figura extremamente odiada no mundo do tráfico de drogas. A ele são reservados os castigos mais cruéis. Pois sempre que o X9 age, ele sinaliza uma certa fraqueza dos elos de confiança que estruturam a quadrilha e a completa instabilidade das relativas ordem e paz. Zaluar (1985:151-152) descreve de forma bastante clara a articulação entre organização do comércio ilegal das drogas e a importância do recurso à violência para a funcionalidade do negócio. Segundo a autora, como o tráfico é ilegal, não há nenhum meio jurídico de realizar a cobrança, e a lealdade pessoal não é suficiente para garantir o cumprimento do contrato. Quem o garante, no final das contas, é o revólver, usado sem contemplação em cima dos traidores. O vapor é aquele que recebe a droga no local e espera os fregueses. Ele é o homem de confiança do traficante e deve prestar conta a ele do que for vendido e dos gastos para manter a neutralidade policial. O avião é o que vai até o freguês, ou melhor, o que aponta o freguês para o vapor e, ao mesmo tempo, vigia a polícia. Dele, portanto, depende o vapor para avisá-lo da chegada de um freguês ou da polícia. Dele, uma traição pode ser fatal para o vapor. Sobre ele, o vapor mantém o poder também através do revólver, no final das contas. A dependência vital entre os elos dessa hierarquia e a conseqüente possibilidade de traição e engano, tanto no que diz respeito à neutralidade policial quanto ao pagamento neste rendoso comércio, torna necessária a coerção pela força das armas. A ênfase nesta descrição recai sobre o caráter comercial das relações, sustentada, em última análise, pelo uso da arma de fogo. Porém, tal organização do tráfico não se restringe só à relação entre patrões e empregados ou entre a quadrilha e a polícia; ela também atinge a comunidade, a organização social da favela, impondo-se, embora esta 4 Grillo (2008), por exemplo, ao pesquisar o tráfico de drogas na classe média, mostra como os traficantes do asfalto apontam para a não recorrência ao uso da violência como um elemento que os diferencia do tráfico do morro. 6

interpretação seja questionável, como poder paralelo (Leeds, 1998). A ordem da comunidade, desta forma, também é, se não garantida, ao menos realizada através do uso da arma de fogo. Assim, o tráfico de drogas é capaz de criar leis, julgar os infratores e puni-los. Isto é extremamente variável de comunidade para comunidade: depende, de maneira geral, da relação da comunidade com o tráfico, do carisma e da personalidade do dono e de contextos específicos (estar em guerra ou não, por exemplo). Mas, o ponto relevante aqui é o seguinte: a articulação entre a organização do tráfico e a violência extrapola o limite dos conflitos (internos ou entre quadrilhas) e atinge a organização social da comunidade. Desta forma, não somente o traidor ou o devedor que são objeto de violência de traficantes, mas também qualquer pessoa que descumpra as regras : um marido que bate em sua mulher, um filho que agride a mãe, o estuprador, o ladrão que rouba na comunidade, etc. Os castigos variam de simples advertências, passando por coças (surras) que podem ser públicas ou não, podendo chegar à morte (o que não é raro). Assim, a violência presente na organização do comércio ilegal de drogas, como instrumento que garante, em ultima instância, a funcionalidade do negócio, incorpora-se à própria organização social da comunidade e se torna, em muitos lugares, parte integrante do cotidiano. Mas, de acordo com o que eu ouvi de muitos entrevistados, tal violência não acontece de forma descontrolada, uma vez que aplicá-la sem o conhecimento e/ou consentimento do dono também pode implicar castigo. Obviamente, isso varia de acordo com diferentes situações e de acordo com a importância do infrator dentro da quadrilha ou dentro da comunidade. Mas, de maneira geral, funciona como me disse um dos entrevistados, Altair, ex-traficante, a respeito da comunidade onde mora: lá ninguém mata sem ordem do dono. Sem uma pesquisa empírica in loco não há como saber os limites desse tipo de afirmação. Mas, ainda assim, afirmações como a de Altair nos sugerem idéias importantes: que a violência do tráfico não é caótica. Ela acontece de acordo com regras estabelecidas pelos bandidos da comunidade. Muitos dos entrevistados narraram, por exemplo, situações em que eram obrigados pelo dono a tomar atitudes (termo utilizado para se referir à ação violenta). Ou tinham a obrigação de tomar atitudes por causa de sua posição no tráfico. Como no caso de Alex, ex-traficante que atuava numa favela carioca. Depois 7

de ser delatado por um X9 e perder um dinheiro e umas cargas pra polícia foi obrigado a tomar uma atitude em relação ao delator. A ordem veio do dono, seu amigo de infância, Alex, se você não der, você toma. A seguinte questão emerge: em que medida esta relação de obrigação com a violência, que é inerente à forma pela qual o tráfico de drogas se organizou, pode ser internalizada pelos indivíduos a ponto de serem reconhecidos e de reconhecerem a si mesmos como sujeitos intrinsecamente violentos e, nesse contexto e por esse motivo, aptos para a vida de bandido ou naturalmente bandidos? Trarei um caso que escutei durante o trabalho de campo, que pode nos ajudar a esboçar resposta a esta questão. É o caso contado por André, extraficante que atuava no morro da Madeira. André, cujo codinome no tráfico era Fumaça, foi gerente do preto 5 e homem de confiança do patrão. Certo dia, houve um assalto no morro e Fumaça foi solicitado para resolver a situação. A partir daqui, deixemos que ele mesmo nos conte sua história. (...) A senhora falou assim: meu filho não solta ele agora não porque se ele sair ele pode me pegar ali. Aí eu falei: senhora, pode ir tranqüila, pode ficar tranqüila que ele vai resolver outra situação. Aí eu peguei e falei: ó, você vai conversar com o cara [o dono] lá dentro lá, reza pro cara ta de bom humor pra poder só te dar uns tapas e te liberar. Falei assim pra ele. Aí ele pegou, entrou pra dentro do carro, pegou e fomos. Aí chegando no patrão lá, o cara era usado mesmo pelo diabo, era usado mesmo. Aí ele me chamou e perguntou: qual foi? O que que houve lá dentro? Aí eu falei, esse cara morador lá de cima, cria do morro e roubando morador lá na entrada da favela. Aí ele falou, ah, não isso não. Aí ele falou assim: já to um tempão sem matar, esse eu vou pegar ele. Eu ainda tentei aliviar: falei, pô dá só uma coça nele, é cria do morro, daqui a pouco a família dele vai ficar procurando ele aí. Aí ele: ta tranqüilo. Aí pegou o maluco, e eu só ouvindo, e falou assim: por causa de que que tu roubou a moça na entrada da favela? Aí ele falou: pô é que eu sou viciado, pá. Aí ele: ah, é? Tu roubou ela porque você é viciado? Queria usar droga? Aí ele: queria pô, eu uso. Aí ele: Então tu vai usar droga agora. Pegou, foi lá e mandou vim a droga pro cara. Eu até pensei que ele ia liberar o cara. O cara 5 Termo utilizado para se referir à maconha. 8

usou a droga. E ele: e você roubou ela mais porquê? Aí ele: pô, porque eu tava com fome. Tava com fome? Toma aí comida. Comeu a comida e eu lá pensando né, o cara vai liberar. Daqui a pouco ele me chamou num canto assim e ó: pode levar, pode levar pra matar irmão. Pode levar que eu to ligado legal que vai continuar roubando. Pode levar, não dá mole não. Aí eu peguei e... caraca. Peguei assim e: vou levar mais alguém, valeu? Aí ele, pode levar. Aí eu: então já é. Chamei só os carniceiros. Falei assim: vamo ali comigo ali. Peguei e fui. Levei. Era quatro e pouca já da manhã. Nós subimos de carro lá pra dentro de uma mata lá onde os cara matava e ali desceu. Eu parei o carro mais pra baixo e falei: leva ele lá em cima lá, leva ele lá em cima lá que eu vou parar o carro aqui. Pode ir pegando, ainda falei assim pros moleque, pode ir pegando, é com vocês mesmo. Vou deixar o carro aqui em baixo e vou ali pra arrumar a gasolina [provavelmente pra queimar o corpo]. Aí eu fui lá em baixo, dei um rolezinho de carro e, escutei os tiro, depois voltei. Voltei e falei: e aí? Cadê o cara? Aí eles: ué, tu não mandou matar o cara? Aí eu falei assim: que isso mané, aí eu disfarçando, você não deixou eu dar nem um tiro cara!? Pô, vocês é ruim mesmo heim! [risos]. Aí os cara: pô, mas tu não falou nada, se eu soubesse eu deixava aí pra tu matar o cara. Então já é. Aí eu falei assim, ó: enterra ele aí ó. Enterra ele aí que não tem gasolina não. Aí não dava pra queimar ele. Aí eu peguei pra mim mesmo e falei: pô, me livrei de uma. (André, entrevista realizada em outubro de 2008). André nos conta em outros momentos da entrevista que nunca foi uma pessoa violenta, apesar de estar naquela vida. Eu o questionei perguntando como ele agia quando tinha que tomar atitudes. Foi neste contexto que ele me contou essa história. Ela é bastante relevante para pensarmos a articulação possível entre a organização do tráfico e a formação da subjetividade do bandido. A princípio, podemos, com este caso, negar tal hipótese afirmando que André não se considera uma pessoa violenta e que, como ele mesmo conta, armou uma situação para parecer um carniceiro, um bandido. Uma possibilidade de interpretação do caso de André consiste em dizer que ele pode estar tentando neutralizar a sua condição de desviante. Em um artigo clássico sobre técnicas de neutralização, Matza e Sykes (1988) nos mostram 9

como os indivíduos reconhecidos como desviantes conseguem justificar suas ações transgressoras ao mesmo tempo em que negam o rótulo que lhes é atribuído. André, para neutralizar a sua condição de traficante, de bandido, diz: (apesar de estar no tráfico) eu não sou como eles. Todavia, para além da possibilidade da utilização de uma técnica de neutralização, André nos mostra que sabia perfeitamente como um bandido deveria agir, como um bandido deveria se comportar em tais circunstâncias. Assim, a tentativa de neutralização da condição de desviante, embora vise a minimizar os efeitos da acusação social, evidencia o que seria a normalidade. E neste caso, a normalidade está referida à condição de bandido. A armação se deu por diversos motivos: 1) André afirma não ser como os outros, não ser violento; 2) André conta em outros momentos da entrevista que sabia que era preciso agir assim: tanto para não perder o respeito e a consideração com os demais parceiros de quadrilha, quanto pela possibilidade de ser castigado pelo chefe caso este soubesse que ele não queria matar o ladrão que desrespeitou as leis do tráfico. Ou seja, André conhece as regras do jogo e sabe exatamente como um bandido deve agir e, para agir corretamente, de acordo com a condição na qual se encontra, André simula a situação acima descrita. André ainda justifica a não participação ao seu patrão. Segundo ele, (...) e eu cheguei lá depois com os moleque de carro e cheguei pro cara e ele e aí, qual foi? E eu falei: já foi! Os cara nem deixaram eu pegar o cara! E ele: e o que tu foi fazer? Eu falei, pô eu fui arrumar uma gasolina. Aí ele falou: também só levou esses carniceiro aí, esses cara não deixa passar nada. A gente riu. Eu sempre metia uma dessa, escolhia os mais carniceiro, os mais ruim(...) (André, entrevista realizada em outubro de 2008). Para nos ajudar a compreender melhor esta situação, trago para a discussão as idéias de Goffman (1975) acerca da manipulação da identidade deteriorada. Segundo Goffman, o estigma pode ser manipulado através de técnicas de controle da informação, de encobrimento ou de acobertamento. A manipulação do estigma pode reforçar a representação social sobre a normalidade, pois, de alguma forma, a manipulação do estigma diz respeito à 10

simulação de uma normalidade na qual o indivíduo estigmatizado não se encontra. Caso o estigma que um indivíduo possui não possa ser reconhecido visualmente, por exemplo, a pessoa pode simplesmente ocultar a informação sobre seu estigma e agir como uma pessoa normal. Este tipo de manipulação do estigma evidencia e reforça a idéia de normalidade vigente. Parece ser exatamente isso que André, o ex-fumaça, faz, quando nos conta sua história. Ele, uma vez na condição de bandido, precisava agir de determinada maneira: assassinar o ladrão que descumpriu as leis locais, a mando do patrão. Afinal de contas, ele era gerente do tráfico, um bandido, é assim que devia agir. Porém, embora fosse essa a sua identidade virtual, ela, de acordo com ele, não correspondia à sua identidade real. Seu estigma, nesse caso consiste em atuar como traficante mas não querer punir violentamente alguém que de acordo com as leis do tráfico deveria ser castigado. Ele não quis agir de acordo com a posição que ocupava, de acordo com a condição em que se encontrava. Desta forma, ele arma uma situação na qual ele não estaria presente quando outros estivessem fazendo o serviço. Quando retorna, simula uma insatisfação por não ter participado do assassinato. Assim, mesmo que André não se considere uma pessoa violenta, ainda que traficante, sua ação reforça a atitude que seria normal naquela situação. Em vez de negar a idéia de que a organização do tráfico tem grande impacto na formação de uma subjetividade de bandido, na qual a ação violenta é uma componente fundamental, a história de André, quando ele simula um comportamento natural de acordo com a sua condição de bandido, reforça aquele que seria o comportamento natural, ao menos naquela situação. O objetivo aqui, para já me esquivar de possíveis críticas, não consiste em provar que a organização do tráfico determina o surgimento do bandido violento ou que, uma vez no tráfico, as pessoas se transformam mecanicamente em sujeitos violentos. O objetivo consiste em indicar que a maneira pela qual o tráfico se organiza pode ter impactos bastante relevantes na formação da subjetividade daqueles que com ele se envolvem ou dele fazem parte: os bandidos. Bandido, desta forma, consistira não apenas num rótulo acusatório, mas numa representação social passível de ser assimilada como um tipo de personalidade. Entretanto, no caso de André não há uma 11

assimilação subjetiva da sujeição criminal. Vejamos alguns casos em que isto ocorre. IV Nesta seção, trarei três casos de assimilação subjetiva da sujeição criminal. A idéia é mostrar, com base nas situações narradas pelos entrevistados, como se dá a subjetivação da identidade de criminoso. Os entrevistados constroem conexões entre certas situações de violência vividas no contexto do tráfico de drogas e a transformação do self. Eu nasci numa periferia chamada Parque Imperador, lá no Rio. Tive uma infância pobre mesmo, sabe. Perdi minha mãe com um ano de idade. Só sei que era negra. Meus irmãos que me contavam alguma coisa sobre ela. Sou o caçula de uma família de cinco irmãos, três homens e duas mulheres. Minha juventude foi difícil à beça. Pai? Foi embora de casa quando eu tinha 5 anos. Uma das minhas irmãs tinha 14 anos na época e meu irmão mais velho, que tinha 15 (inclusive ele hoje é pastor), tiveram que abandonar os estudos cedo pra poder sustentar a gente. Vida de miséria irmão. Morava em barraco de pau-a-pique. E digo pra você: até cinco anos foi o pior período da minha vida. Aí a gente começamos a evoluir depois... nessa época a cocaína tava chegando ainda. A gente comia quando tinha. Tinha uma feira, e eles esperavam a feira terminar pra poder pegar o resto que sobrava. E quando eu completei uma idade que a gente começa a entender o que é certo e o que é errado, comecei a sentir uma certa revolta, porque eu via assim... que crianças da minha idade que cresceram com seus pais, mesmo lá no Parque Imperador, tinha aquele que podia proporcionar um carinho, um afeto e um alimento. E a gente nunca tivemos. Vida sofrida. Brinquedo, então? Nem se fala. Quando eu ganhei meu primeiro carrinho, parecia que eu tinha ganhado o mundo. (Alex, entrevista realizada em março de 2008) Este trecho de entrevista realizada com Alex alude à pobreza e à miséria como fatores importantes para explicar a entrada do indivíduo na vida do crime. Segundo o entrevistado, este é o ponto de partida, o chão sobre o qual se erige a revolta que o leva a praticar crimes. Esta revolta (tão bem 12

estudada por Alba Zaluar), por sua vez, não aparece imediatamente e nem mesmo parece estar colada ao estado de pobreza. Mais que isso, há também um contexto de desigualdade dentro da própria comunidade em que Alex fora criado. E é a partir da constatação desse fato, mas isso não quer dizer que haja uma ligação causal entre desigualdade e entrada para o crime, que a revolta esta sim, que o leva a cometer crimes torna-se presente nele. Então a primeira coisa que me veio foi usar cocaína, aos 13 anos. Aí eu comecei a fazer alguns furtos pra poder comprar droga e manter o vício. Nessa época o dono era o Nandão. E eu comecei a andar com eles. Comprava quentinha, manda o menor. Começamos como office boy do crime. Ô menor, vai lá embaixo comprar bermuda e chinelo pra mim, toma aqui, compra pra você também. Comprava só de marca. Todo mundo queria usar. Katina surf, redley, alternativa. (Alex, entrevista realizada em março de 2008) A prática de crimes não aparece diretamente ligada à subjetividade de Alex. Ele identifica na desigualdade, na pobreza e na desestruturação familiar (a mãe morreu quando ele ainda era muito pequeno e o pai logo foi embora de casa) aquilo que lhe motivaria a entrar para o crime. Aqui o que está em jogo é a justificação de uma prática criminal. Porém, a ligação entre, digamos, problemas sociais e familiares, e a prática criminal é mediada pelo vício em cocaína. A ligação que o entrevistado faz é a seguinte: por causa destes problemas ele acaba viciado em cocaína e, para poder consumir a droga, começa a fazer pequenos furtos e pequenos trabalhos para os traficantes. Até então, não há nenhuma referência de Alex a uma suposta subjetividade peculiar de criminoso. E nesse período, esse meu irmão que hoje é pastor era viciado, e eu comecei a fornecer drogas pra ele. No tráfico só eu me envolvi. Tinha irmão viciado, mas não traficante. Foi descoberto por um integrante da facção rival que eu fazia parte (fazia endolação, às vezes era lá em casa, guardava armas, droga). Eu era usuário e o jeito que eu conseguia era ceder pra ele um espaço dentro da minha casa. Era uma pequena fábrica. Quando eles descobriram, eu comecei a perder pequenos espaços no morro. Eu não podia freqüentar todos os lugares. Tinha ameaça de morte. Disparavam arma na gente. Pra eles eu já 13

era traficante do terceiro comando. Eu comecei a limitar, não podia sair daquele espaço, só podia estar onde eles estavam. Tem um lugar chamado Seu Lili, uma faixa de gaza. E eu não podia atravessar pra lá. E minha irmã morava do outro lado, eu não podia mais ir. E aí quando eu fiz 15 anos eu recebi a primeira proposta formal. Nandão me chamou ô Caveirinha, os caras do CV [Comando Vermelho] já sabem que você ta fechando com a gente, você não pode mais estar circulando em algumas áreas do morro, tão querendo te matar. Por que você não forma com a gente? Você já é bandido mesmo. Eu tinha receio pela minha família, de alguém fazer algo com a minha família. Aí eu recusei. Porque eu tenho família, etc. Mas aí ele disse, mas pra morrer por uma causa que não é a sua, é melhor morrer pela que é a sua, aí eu comecei a me envolver. (Alex, entrevista realizada em março de 2008) Alex nem mesmo se considerava um traficante. Isso acontece aos poucos. O envolvimento dele começa com o vício em cocaína, mas o leva para dentro das bocas-de-fumo. Ou melhor, para conseguir acesso à droga, permite que a boca-de-fumo vá até à sua casa: como ele conta, durante algum tempo, a endolação era feita lá. E diante desse comprometimento público com o tráfico e, por conseqüência, com uma facção determinada, o Terceiro Comando, Alex tem sua liberdade espacial limitada, pois os alemão do CV, já sabendo que ele tinha fechado com o TC, passam a persegui-lo como inimigo. Daí vem o convite formal de Nandão para Alex. Ele titubeia por causa da família mas aceita. Ganhou o apelido de Caveirinha. Assujeita-se. E a sujeição criminal lhe é revelada pelo próprio dono do morro em duas sentenças: 1) (...) os caras do CV já sabem que você ta fechando com a gente, voce não pode mais estar circulando em algumas áreas do morro, tão querendo te matar. Por que você não forma com a gente?. O comprometimento público de Alex com o tráfico transforma-o em Caveirinha. E para completar a sentença, Nandão aponta o crime dentro dele, atingindo sua subjetividade: Você já é bandido mesmo. A partir de agora ele estava no caminho sem volta, pois ele era assim: um bandido. Já não interessava o que ele fazia, mas sim quem ele era. A sua preocupação de entrar no tráfico e envergonhar a sua família não poderia ser um motivo de impedimento, pois aquilo já fazia parte dele e ele não poderia escapar. É então que Nandão lhe 14

aplica a segunda sentença: 2) Mas aí ele disse, mas pra morrer por uma causa que não é a sua, é melhor morrer pela que é a sua, aí eu comecei a me envolver. Não foi porque Alex entrou para o tráfico de drogas que ele se tornou um bandido. Ao contrário, por já se ver como um bandido que ele topou a proposta de Nandão. Era a causa dele. E já que ele era um bandido, não adiantava ficar de fora e lutar por uma causa que não era dele (a família dele) e acabar morrendo (como o bandido que ele realmente era) por ela; era melhor entrar de vez, assumir a causa dele (ele próprio, a sua subjetividade, a sua sujeição criminal) e morrer por ela justamente. Alex, simplesmente, com essa atitude, sai do armário e assume a sua verdadeira natureza. A atenção é, a partir de então, deslocada da prática para o praticante, da ação rotulada como criminosa para o agente que possui uma subjetividade intrinsecamente criminosa. Não nos interessa muito neste trabalho as supostas reais ou verdadeiras motivações que o indivíduo tem para ingressar na vida do crime. Como lembra Misse (1999:165): [para se pensar a sujeição criminal] o que mais importa não é a entrada, nem a adesão ou mesmo a opção pelo crime, mas, na sua reiteração, tornar-se passível de incorporação numa identidade social negativa e sua conseqüente acomodação a um tipo social (no estudo em questão, ao tipo social bandido ). Pensar sobre a sujeição criminal é, em outras palavras, pensar sobre o processo de ajustamento do indivíduo a uma identidade negativa que lhe é imputada socialmente seja através da elaboração de uma autojustificação ou através da recusa de uma autojustificação. Entretanto, isto nos remeteria aos estudos de Becker (1963) sobre o rótulo: os rotulados também elaboram justificativas para as suas práticas consideradas desviantes. Porém há diferenças entre a idéia de rótulo e a sujeição criminal. A diferença principal, neste ponto, residiria exatamente no fato de que os rotulados procuram justificativas para suas práticas consideradas desviantes, e através disso compreendem (e permitem aos outros compreender) a sua condição de desviante, que pode ser assimilada subjetivamente; enquanto os sujeitos criminais procuram, antes de tudo, justificativas para a sua subjetividade peculiar, criminosa, que permitem (a si mesmos e aos outros) compreender suas práticas consideradas desviantes. 15

Desse modo, podemos dizer que estas narrativas podem ser lidas como mitos de origem dos bandidos. Nelas, observamos o momento a partir do qual o indivíduo aponta para a sua transformação subjetiva ; o momento a partir do qual o indivíduo se torna um bandido. Num outro caso, podemos perceber como a narrativa aponta para uma mudança de comportamento conforme o envolvimento gradual do indivíduo com o movimento. No caso a seguir, veremos como, mesmo que o indivíduo esteja participando diretamente de uma atividade criminosa, ele não se vê automaticamente como um bandido (como no caso de André). Tal transformação assimilação subjetiva da sujeição criminal - ocorre em determinada situação de violência vivenciada no contexto do tráfico de drogas. É William quem nos conta esta história. Ele nasceu e cresceu na favela de Nova Parada, numa cidade da Baixada Fluminense. Ele nos conta que sua infância foi como a de qualquer criança normal, pois ele sempre estudou e, embora sua família não fosse rica, sua mãe sempre batalhou muito, trabalhando numa loja de roupas no próprio bairro que era propriedade dela para dar aos seus filhos boas condições de vida. Entretanto, ele construiu relações de amizade com os rapazes da boca-de-fumo que ficava próxima à sua casa. E aos poucos foi se envolvendo com o tráfico. O envolvimento com o comércio ilegal de drogas e com os bandidos rendia a William uma certa fama no local. Para os outros, a vizinhança, ele era mais um bandido, alguém que havia perdido o rumo e que era exatamente como os outros com quem andava. Mas o próprio narrador não se percebia como um bandido. O que William nos conta sobre isso é extremamente interessante para pensarmos como o indivíduo pode lidar com a identidade sem necessariamente assimilá-la. Deixemos que ele fale mais da sua história: Aqui eu não tinha muito serviço ainda, até porque eu não tinha muita experiência e as pessoas me viam assim: ele cresceu, ta andando com os caras e agora ta matando as pessoas. Essa era a visão deles. A minha visão, no meu ponto de vista era assim: caramba, agora eu sou o cara. Os outros garotos da minha idade tavam jogando bola, brincando de outras paradas e na minha visão eu tava acima deles. Mas até então nem tinha parado de estudar 16

e era tudo normal, normal. Pra você ver como a coisa assim na minha cabeça não era tão séria. Não tinha pegado a coisa legal. Na escola então era uma maravilha. Tinha um colega, que até então eu estudava normal, só tirava nota boa e tal, e na hora do recreio a gente embarreirava o banheiro. Só entrava quem a gente deixava. E como eles tinham uma visão de: pô, William ta com os caras, ele mata também, William é ruim. Só que eu não me via assim, eu era mais um zoando no colégio. (William, entrevista realizada em setembro de 2008). William, procurando neutralizar a sua condição de desviante (Matza e Sykes, 1988), diz que apesar de estar com os caras não se via exatamente como igual a eles principalmente por causa do comportamento violento associado ao grupo. Entretanto, ele lidava positivamente com essa fama e com o estereótipo que lhe era atribuído, ao mesmo tempo em que ele afirma ter consciência de que não era assim que ele mesmo se via. Mesmo lidando positivamente com uma identidade virtual, para usar os termos de Goffman (1975), de bandido (diziam sobre ele: anda com bandido, mata como bandido e é ruim como bandido ) ele não a assimilava enquanto uma identidade real. Como ele conta: a coisa não era tão séria ainda. Tudo corria de maneira bastante segura e a carreira de William se desenvolvia sem maiores problemas. Até o momento em que algo acontece e ele se vê cada vez mais dentro do grupo e tem de adotar certas atitudes, não somente por estar envolvido no comércio ilegal das drogas, mas por fazer parte de outras ações. Até o momento em que acontece um problema aqui e aí eu ia me dar conta do que tava acontecendo de verdade. Tinha um cara que fazia bandalha aqui dentro e ele errou com os caras aí e até hoje eu não sei o que foi. Só que os caras me chamaram e ó: a gente vai pegar o cara hoje e você vai fazer o seguinte: você chamar fulana, vai mandar ela dar mole pro cara, pra ela levar ele lá pro campo pra gente poder matar ele. Então tudo bem. E quando eu saí dali minha mão tava tremendo. E no meio do caminho eu fiquei pensando no que tava acontecendo e falei: rapá os cara vão matar o cara. E eu to... e eu tenho parte nisso. Só que o cara, ele sempre quis pegar essa menina e nunca conseguiu. Aí vem a mulher dizendo que quer sair com ele e ele foi e 17

desconfiou disso. Só que ela queria sair com ele pra um lugar que ela escolhesse e não ele. Ele se preocupou com isso e não foi. Passou uns três, quatro dias o cara virou pra minha mãe e falou, ó colocaram uma carta dentro do meu carro falando que os cara tava querendo me matar aqui dentro. Pô conversa com teu filho e tal, pô fiz nada pra eles, não sei quê. Aí minha mãe falou ta bom. E eu não fui interceder por ele, fui falar com os caras que ele já tava sabendo disso. Só que aí veio acontecer uma coisa: os próprios amigos meus acharam que fui eu que fiz isso, que eu que falei com o cara, que não tinha nada de história de carta não. Aí teve uma festa de rua ali em cima perto da escola, e eles tavam armando pra me matar. Aí chegou o pai da minha irmã, não é meu pai é pai dela, e chegou e falou assim: ó os cara tão ali na linha do trem esperando a boa pra te matar. Tão querendo me matar, então ta bom. Aí eu cheguei pro meu primo e falei: ó os cara tão querendo me matar aí, preciso de uma arma porque vou ter que tomar uma atitude. Aí eu assumi à vera [de verdade], aí eu tive que mudar de opinião. Aí que eu fui entender que não adianta ser o bonzinho da história. Tem que ser um cara ruim mesmo. Ou você se transforma num bandido ou você sai fora. Não fica porque certamente você vai morrer. Isso aí é certo. Aí eu tive que tomar uma atitude séria. Coisa que eu não fazia: andar armado de dia, eu já tava andando; já tava tomando atitude contra outras pessoas que eram meus amigos, tipo assim: ser mais grosso, mais sério, coisas que eu não era, entendeu. Eu era muito brincalhão. Notaram a diferença, se afastaram de mim. Até que eu comecei a puxar uns cara pra mim. Montar um bonde meu. Eu fiz isso. (William, entrevista realizada em setembro de 2008). William descreve como se tornou um bandido com muita clareza. A passagem fala por si só. É interessante apenas observarmos que a assimilação da identidade virtual que William já possuía se dá de maneira involuntária no sentido de que isso acontece dentro de um episódio em sua narrativa em que ele é acusado de traição e, para se defender, torna-se um bandido. Como ele mesmo nos contou, para os outros ele já era esse bandido. Essa situação é importante, porque é nesse momento que ele assume isso para si mesmo. E tornar-se bandido significa, em linhas gerais, na própria história de William: o uso mais intenso da arma de fogo e a mudança de comportamento, tendendo a 18

um comportamento mais agressivo e violento. Mas, o importante aqui consiste em perceber que a assimilação dessa identidade não consistia num plano ou projeto individual: ele nos conta que não queria ser bandido e que não gostava da violência deles. Entretanto, uma vez no grupo, sujeito a situações de desconfiança, como ele nos descreve, termina, assim, assumindo uma identidade de bandido, incorporando a sujeição criminal. Pois, nas palavras dele: ou você vira um bandido ou você sai fora. Porque se não você morre. E isso é certo. Porém, há histórias diferentes destas, na qual o indivíduo não aprende a ser bandido nem mesmo se reconhece como alguém que já nasceu apto para tal. Histórias que mostram como certos momentos podem ser interpretados como rituais nos quais os indivíduos passam de uma categoria a outra. É o caso de Altair, ex-traficante, que hoje se encontra no Centro de Recuperação Salvando Almas. Aos 13 anos ele começa a assaltar em bairros da Zona Sul do Rio de Janeiro, mas não se considerava bandido. Até que resolve fazer algo para se transformar: de ladrão a bandido. Como ele conta: Eu trabalhava desde pequeno. Trabalhava na feira. Mas aí fui trabalhar num negócio de pintura com um colega e acabei conhecendo as drogas. Aí de 13 pra 14 anos eu já fui da maconha pra cocaína já. Eu queria cocaína. Aí começamo a roubar. Época de praia, época de arrastão, Copacabana, eu ia muito. Aí comecei a fazer roubo armado, perigoso. Aí não me contentei. Eu botei na mente, que tinha os meus colega que tinha uns tio que já era bandido, traficante, que eu queria me envolver no meio do tráfico. Que eu queria ter fama e ter a facilidade das drogas, que lá tem droga a hora que tu quiser. Aí só roubava. Aí que que aconteceu: fiquei lá roubando, fazendo um ganhinho aqui e outro ali, já tinha duas armas já, com 14 anos eu comprei uma pistola. (...) Eu e uns colega meu de tanto roubar, de tanto roubar nós arrumamos um jeito de ir pro tráfico. (...) Aí veio esse negócio da gente querer ser vagabundo, ser bandido, tem que ser bandido, tem que ser bandido. Aí nós fomos pedir o chefe da comunidade pra deixar nós ser bandido. Porque ele sabe que nós rouba. Vamos pedir a eles. Aí falavam: vamos falar com o chefe do grupo, mas o chefe do grupo não vai deixar não, ele é o mais ruim. Aí que que nós fizemos. (...)Teve uma guerra. (...) Aí nós tava lá na comunidade querendo ser 19

vagabundo, mas eles não deixaram nós ser traficante de droga, vagabundo, que nós fala muito vagabundo lá, virar bandido, bandido, nós quer virar bandido. Eu era um ladrão, ladrãozinho, nem assaltante era... porque tem os assaltante mesmo do tráfico que roubava caminhão e roubava coisas importantes para o tráfico. (...) Aí fomo lá pra onde tava tendo a guerra. Minha mãe ficou me procurando. Fiquei uns três dias com a mesma roupa, sem dormir. Tinha uns 14 pra 15 anos já. (...). Aí chegamo na guerra. Aí na guerra tudo que vem é lucro. Aí: vocês são da comunidade, então pode ficar aí. Fica aí perto de nós. Aí ficamo lá perdido. Acho que eu e mais cinco. Um ficou com uma pistola, outro de oitão, outro ficou com a 12. Tinha colega que nunca tinha dado tiro. E o cara: dá teu jeito, aperta o gatilho e sai metralhando. Aí ele deu o primeiro tiro, jogou a arma pro alto e foi embora. Eu fiquei. Eu e mais dois só. É horrível. Aquilo é um vale da morte. Tudo apagado. Ninguém vê ninguém. Toque de recolher. Ninguém na rua. (...) Fiquei lá no meio lá no tiroteio. Eu fiquei com um oitão na época. Fiquei na linha de tiro. E nós discutindo com os cara do outro lado. E bala batendo no poste e nós na linha de tiro. (...) E você vê nego caído de um lado, nego sem braço vindo, e vão bora, vão bora. Aquela confusão toda. Coisa muito horrível. Eu queria ser bandido fui pra lá. (...) Aí voltei pra minha comunidade. Aí os cara falaram: depois a gente te dá uns presente aí, uns presente era droga, fica com a arma da guerra, fica com a munição, porque você ajudou lá na guerra lá. Cheguei lá na minha comunidade me sentido: aê, sou bandido agora hein, sou do bonde do cara [diz o nome do chefe], agora sou bandido, comecei a andar armado no meio da rua (...). (Altair, entrevista realizada em outubro de 2008). A experiência da guerra aparece como uma espécie de rito de passagem através do qual o indivíduo se transforma em bandido. O narrador nada nos informa sobre o reconhecimento público de sua nova condição, após o retorno da guerra. Portanto, não temos informações para saber se tal rito tem essa eficácia. Todavia, interessa-nos a perspectiva que Altair tem sobre si próprio: após a experiência da guerra, um misto de aprendizado e rito, ele retorna à comunidade agora já percebendo a si mesmo como um bandido : foi aceito na quadrilha, ganhou presentes, passa a fazer parte do bonde do cara, mudou certos hábitos. Passou, por exemplo, a andar armado na rua o 20

que nos sugere que bandido não é somente aquele que possui arma de fogo, mas que a exibe publicamente. Diferente da história de Alex e de William, aqui é a participação num determinado evento que o transforma em bandido. Não se trata da perspectiva de envolvimento público do primeiro, nem da aprendizagem do segundo. Mas de uma espécie de rito através do qual ele experimenta a guerra, estabelece contatos com outros bandidos em atividade, e de ladrão é transformado, através desta experiência, em vagabundo. Adaptando as idéias de Misse (1999) sobre o processo macrohistórico, que metamorfoseia o marginal em vagabundo, a este caso individual, podemos dizer que, numa mesma biografia, o indivíduo experimenta parte do processo de acumulação social da violência, transformando-se de ladrão (praticante de crime) em bandido (sujeito criminal). Obviamente, não se trata de realizar um inventário sobre diferentes casos que nos contam como os indivíduos se tornam bandidos. Estes casos empíricos não esgotam as possibilidades. Eles apenas nos auxiliam na reflexão sobre a categoria em questão nesta comunicação: o bandido. Eles nos sugerem que tal categoria é extremamente complexa pois com base nesses casos, observamos: há algo no bandido que ultrapassa as atividades ilícitas que ele pratica. Há algo que ele traz consigo, que ele aprende ou que lhe é atribuído após passar por determinada situação, algo que está dentro dele : em seus hábitos e atitudes, em sua maneira de ser. Estas histórias nos sugerem que o bandido não se define somente por algo que ele faz, mas, principalmente, por algo que ele acredita que é. Quando falamos em sujeição criminal, portanto, não estamos falando somente em processos de rotulação, em disputas por classificação, mas na construção social de uma natureza, de um sujeito. Neste sentido, a sujeição criminal consistiria numa abordagem teórica que tenta dar conta da naturalização da acusação, não no sentido de que a acusação torna-se banal no cotidiano das camadas populares, mas no sentido de que a acusação pode ser absorvida e compreendida como natureza individual. Não se trataria apenas de um processo de aceitação da acusação, mas de um processo em que o indivíduo se transforma na acusação, de um processo de construção de bandido como sujeito: indivíduo reconhecido como portador de uma subjetividade peculiar, criminosa. 21

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