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Transcrição:

Pt nº. 028.961/095 1. Trata-se de representação que o ilustre Promotor de Justiça Dr. João Estevam da Silva dirigiu a este E. Conselho Superior do Ministério Público, sugerindo a discussão institucional sobre a conveniência de criar-se a Promotoria de Justiça de Defesa do Idoso. Anota o digno autor da representação inicial que criou e vem coordenando um grupo de assistência e proteção ao idoso, junto à 1ª Promotoria de Justiça da Capital. Diz que o grupo vem atuando intensamente na fiscalização de asilos, casas e clínicas de repouso, do que resultou a visita a mais de uma centena de entidades, o fechamento de dezenas de outras, várias prisões em flagrante e requisições de inquéritos policiais, em vista de graves violações a direitos fundamentais. 1

Destaca o reconhecimento que esse trabalho tem encontrado na coletividade, bem como nos próprios meios de comunicação e até junto à Organização das Nações Unidas. Sustenta, porém, que esse trabalho supõe dedicação exclusiva, que só pode ser obtida com a criação de Promotoria especializada na chamada terceira idade, para viabilizar providências como a propositura de ações de anulação de escrituras e testamentos fraudulentos, interdição, tutela, curatelas, bem como ações preventivas contra o Estado e Município, pois a questão é tanto mais importante quanto o envelhecimento é condição natural. (fls. 1 e s.). Com a representação, juntou diversos documentos O expediente foi distribuído ao eminente Conselheiro Dr. Marino Pazzaglini Filho, que no voto de fls. 86/8 sustentou que, embora digna de elogios a preocupação institucional com a defesa da pessoa idosa, não haveria necessidade da criação de tal Promotoria especializada, porque: a) a fiscalização das entidades que abrigam idosos já é atividade-fim da Instituição, reservada aos Promotores de Justiça do Cidadão; b) a especialização sugerida não garantiria, por si mesma, melhor proteção aos direitos fundamentais dos idosos, pois que sua efetiva defesa supõe providências diversificadas na área do consumidor, do meio ambiente, da habitação e urbanismo ou da pessoa portadora de deficiência, cujas atribuições competem a outras Promotorias já criadas; c) a criação de uma Promotoria especializada centralizaria os problemas e assoberbaria os respectivos promotores, 2

prejudicando seu escopo; d) além disso, a especialização levará a maior burocracia para atendimento ao idoso; e) por fim, a seu ver a tendência mundial está a distanciar-se da especialização, tanto que em Tóquio se criou uma universidade da ONU, que oferece cursos mais genéricos do que as tradicionais áreas especializadas do conhecimento humano, para melhor visão global da realidade. Assim, sugeriu maior entrosamento entre as Promotorias já existentes, sem criação de nova Promotoria. 2. Pedi vista dos autos, para melhor estudo, principalmente porque, ao ouvir atentamente o resp. voto do eminente Conselheiro Relator, pareceu-me que, a rigor, os mesmos argumentos u- sados em seu r. voto, poderiam ter sido usados contra a criação da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, ou da do Consumidor, ou até mesmo e principalmente da Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude, ou da Pessoa Portadora de Deficiência. Por essa teoria, deveríamos abandonar toda a proveitosa experiência de especialização do Ministério Público na área do meio ambiente, do consumidor, da infância e da juventude, de falências, de acidentes do trabalho, do júri e tantas outras. Ora, sem negar a importância de conhecimentos gerais dos grandes temas do conhecimento humano, a par disso, a especialização é útil e em certas matérias indispensável, como nos ensinam as diversas áreas da ciência. Mesmo dentro de nossa Instituição, a especialização é uma regra geral, que começa nos grandes campos (criminal e cível) e perpassa, como se sabe, dentro de cada um deles, 3

por diversas áreas de atuação mais específica (júri e crimes comuns; falências e família; consumidor e meio ambiente, etc.). 3. A propósito, cabe aqui invocar a experiência institucional para dela hoje tirar talvez algum proveito. O presente expediente guarda especial similitude com um precedente desta mesma Instituição. Em 1988, tivemos ocasião de apresentar o estudo pioneiro no Ministério Público do País sobre a criação de uma Coordenadoria de Proteção às Pessoas Portadoras de Deficiência (Pt. n. 4.773/88-PGJ), estudo esse que foi a seguir publicado em RT, 629/64, e em meus livros Curadoria de ausentes e incapazes, ed. APMP, 1988, p. 91 e s., e Manual do Promotor de Justiça, 2ª ed., Saraiva, 1991, p. 429/444. 4. Da mesma forma que um dia ocorreu com a pessoa portadora de deficiência, hoje chega a vez de o Ministério Público paulista voltar sua atenção para a tutela jurídica das pessoas idosas, até porque à sociedade convém intensamente que menores, incapazes, acidentados e pessoas portadoras de algum déficit sejam defendidos, mesmo porque todos nós poderemos um dia encontrar-nos nessas situações (MS 107.639-1-São Paulo, 7ª Câm. Civ. do TJSP, v. u., j. 17-08-1988, Rel. Des. Rebouças de Carvalho). 5. Como sabemos, são inúmeras as chamadas condições marginalizantes. Diversos desvios segregam as pessoas; não 4

só os intelectuais, os motores, os sensoriais, os funcionais, os orgânicos, os de personalidade e os sociais, como até mesmo os problemas decorrentes da idade avançada questão muito grave e que só tende a aumentar, com a elevação da média etária, que felizmente vem o- correndo nos últimos anos. Com efeito, como disse Otto Marques da Silva (A e- popéia ignorada a pessoa deficiente na história do mundo de ontem e de hoje, São Paulo, CEDAS, 1986, p. 21), anomalias físicas ou mentais, deformações congênitas, amputações traumáticas, doenças graves e de conseqüências incapacitantes, sejam elas de natureza transitória ou permanente, são tão antigas quanto a própria humanidade. Através dos muitos séculos da vida do homem sobre a Terra, os grupos humanos de uma forma ou de outra tiveram que parar e analisar o desafio que significavam seus membros mais fracos e menos úteis, tais como as crianças e os velhos de um lado, e aqueles que, vítimas de algum mal por vezes misterioso ou de algum acidente, passavam a não enxergar mais as coisas, a não andar mais, a não dispor da mesma agilidade anterior, a se comportar de forma estranha, a depender dos demais para sua movimentação, para alimentação, para abrigo e agasalho. O problema dos que ostentam alguma condição deficitária, como é o caso da velhice, pelas limitações físicas e às vezes até mentais porque todos passam, acaba encontrando profundas raízes na sociedade, mais fundas que as próprias condições deficitárias em si mesmas. São marginalizadas pessoas em razão do sexo, 5

da raça e ainda em função de inúmeros outros preconceitos. Uma pessoa que já tenha deixado há uma década a juventude, já é recusada no mercado de trabalho, e logo passa a receber aposentadoria que não raro não lhe conservam o padrão de qualidade de vida, e com muita freqüência é discriminada na sociedade. Sem dúvida, trata-se de problema diz respeito com todo tipo de pessoas que são socialmente marginalizadas e passam a sofrer algum tipo de restrição ou de discriminação. Afora alguns já conhecidos instrumentos que o Ministério Público já exercita na defesa de hipossuficientes, na luta, até no campo penal, contra todas as formas de discriminação, certamente há um grande campo novo, a explorar, muito mais amplo do que aquele sugerido na representação inicial, como bem o sabe o zeloso e dedicado Promotor de Justiça que a subscreveu, principalmente na área da defesa metaindividual dos interesses de toda uma categoria de pessoas. As pessoas de idade mais avançada podem atingir limitações físicas, mentais e sociais tão graves, que sem dúvida passam a ser alcançadas na condição deficitária assim definida pela Resolução 33/3447, de 1975, da ONU: O termo pessoas deficientes refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência, congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais. 6

Acertadamente a Constituição de 1988 preocupou-se em evitar discriminações em razão da idade (art. 5º, XXX), e atentou especialmente para as pessoas idosas, quando impôs à família, à sociedade e ao Estado o dever de ampará-las, assegurando-lhes participação na comunidade, e defendendo a dignidade, o bem estar, e o direito à vida (art. 230). 6. Evidentemente não é nova a preocupação com as pessoas de idade mais avançada; não deixa de ser recente, entretanto, a melhor conscientização jurídica do problema. Pode-se dizer que tal conscientização teve um incremento especial a partir da atenção que ao problema tem sido emprestado pela comunidade internacional, de forma que hoje se pode sustentar, sem risco de erro, que as pessoas portadoras de idade mais avançada têm direito de ter suas necessidades especiais levadas em consideração em todos os estágios de planejamento econômico e social. De certa forma, a necessidade de um sistema de proteção especial, inclusive jurídica, deve alcançar todo tipo de pessoa que sofra de alguma forma acentuada de inferioridade, ou seja, deve cobrir não apenas as hipóteses clássicas dos incapazes e acidentados do trabalho, mas as de todas as pessoas que ostentem alguma forma de grave déficit físico, mental ou social. 7. Grande parte das medidas que podem ser almejadas na defesa das pessoas idosas depende de uma política governa- 7

mental fundada em sólidos investimentos. Não raro, as medidas supõem alterações legislativas e, sobretudo, severa fiscalização de seu efetivo cumprimento. Contudo, antes mesmo de advirem todas as mudanças estruturais e legislativas que são desejáveis, mesmo em face das leis ora em vigor de proteção às pessoas idosas, desde já, e especialmente à vista da Lei n. 7.347/85, pode entrar e certamente entra o papel do Ministério Público, no que diz respeito à efetiva aplicação e à respectiva fiscalização das respectivas normas tuitivas, em termos de providências judiciais e extrajudiciais. Já tem o Ministério Público tradição na defesa de pessoas atingidas por alguma forma de hipossuficiência: é o que se dá quando atua protetivamente aos incapazes, às crianças e adolescentes (CPC, art. 82, I; Estatuto da Criança e do Adolescente), aos acidentados do trabalho (CPC, art. 82, III; LC estadual n. 304/82, art. 43), aos trabalhadores em geral (Lei n. 5.584/70, art. 17), aos silvícolas (CF, arts. 129, V e 232; CC, art. 6º, III; e CPC, art. 82, I), aos favelados (CPC, art. 82, III; cf. RT, 602:81), aos consumidores (Lei n. 7.347/85; Código de Defesa do Consumidor), e às pessoas portadoras de deficiência (Lei n. 7.853/89). Perfeitamente pertinente é que o Ministério Público, constitucionalmente destinado a zelar pelo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, seja colocado, de forma institucional e direta, no zelo 8

das normas constitucionais e ordinárias que já dispõem sobre a proteção à pessoa idosa. Deve-se-lhe descortinar um campo amplo, muito maior do que aquele hoje efetivamente desenvolvido, de forma diluída pelas várias e praticamente estanques Promotorias. Trata-se de um crescimento natural, muito bem entrevisto pelo zeloso Promotor de Justiça autor da representação inicial. Assim, como mero exemplo, em qualquer ação em que se discutam interesses coletivos ou difusos relacionados com toda a categoria das pessoas de idade avançada, deverá estar presente o Ministério Público, seja como autor, seja como órgão interveniente. O fundamento legal para a atuação pode ser encontrado no inc. III do art. 82 do estatuto adjetivo civil, afora a natural incidência das normas genéricas dos arts. 127, caput, e 129, II e III, da Constituição Federal, e do art. 1º, IV, da Lei n. 7.347/85. Com efeito, a um só tempo, como bem deixa claro a Lei Maior, o zelo dos direitos globais das pessoas de idade avançada passa a inserir-se entre os princípios fundamentais da organização do Estado, sendo seu substrato último o princípio fundamental da igualdade de oportunidades e a dignidade do ser humano. Outrossim, é matéria inserida dentro das atribuições do Ministério Público zelar, por exemplo, para que os Poderes Públicos e os serviços de relevância pública observem os princípios constitucionais de proteção aos idosos, 9

especialmente nas questões de caráter coletivo e até difuso, a justificar não apenas a intervenção, como até mesmo a iniciativa ministerial. A natureza jurídica de tal atuação é nitidamente protetiva. 8. Como se viu, para que o Ministério Público assuma papel mais efetivo na defesa das pessoas idosas, nada mais natural que se especialize. Sem prejuízo das já existentes providências na área da cidadania, na área criminal, de família ou de incapazes, outras providências existem para as quais o Ministério Público, enquanto Instituição, jamais se tinha efetivamente voltado, por falta de especialização. Prova disso é que, não fosse o zeloso e pioneiro trabalho do grupo coordenado pelo dedicado Promotor de Justiça Dr. João Estevam da Silva, e o Ministério Público paulista ainda não tivera a atuação institucional vocacionada efetiva e diretamente para esse grave e relevante problema, que diz respeito tão de perto com nossa condição humana. 9. É por isso que, concessa venia, não se podem subscrever as impugnações constantes do voto do eminente Conselheiro Relator. Desta forma, pelo meu voto, o expediente deve ser encaminhado à E. Procuradoria-Geral de Justiça, com nosso apoio à feliz iniciativa do digno Dr. Promotor de Justiça autor da representação inicial. 10

Estamos certo de que, com instituir-se uma Promotoria de Justiça para a Pessoa Idosa, estaremos caminhando em direção a uma sociedade mais justa, agora com o especial zelo daquelas pessoas que um dia cuidaram de nós, e que hoje, desfavorecidas pelo passar do tempo, não raro são esquecidas e abandonadas pelos seus próprios familiares, pela sociedade e pelo Estado. São Paulo, 20 de setembro de 1995. HUGO NIGRO MAZZILLI PROCURADOR DE JUSTIÇA CONSELHEIRO 11