A EXPERIÊNCIA PÓS-COLONIAL NA ORDEM RUINOSA DO MUNDO: O ESPLENDOR DE PORTUGAL



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Transcrição:

A EXPERIÊNCIA PÓS-COLONIAL NA ORDEM RUINOSA DO MUNDO: O ESPLENDOR DE PORTUGAL 1 Fernanda Fátima da Fonseca Santos (USP) Orientadora: Prof a. Dr a. Salete de Almeida Cara (USP) RESUMO: Na elaboração do pôster que expusemos no XIV Congresso Internacional da ABRALIC, tivemos a intenção de apresentar, resumidamente, os objetivos e o andamento de nossa pesquisa de mestrado, que consiste, de maneira geral, na elaboração de uma análise, pautada na observação das interações entre literatura e sociedade, do romance O esplendor de Portugal, de António Lobo Antunes. Trata-se da investigação acerca da visão crítica do colonialismo português e do pós-colonialismo que é traçada no livro. Visão essa que, em nosso entender, abrange uma dinâmica histórica mundial complexa, da qual Angola e Portugal são parte, e ilumina uma rede de rupturas e continuidades relacionadas às certas formas sociais que permeiam essa dinâmica. Além do mapeamento dos contextos objetivos que são, a um só tempo, pano de fundo e sustentáculo da narrativa, buscamos reconhecer alguns dos procedimentos formais que regem a construção da obra e que correspondem às formas sociais sobre as quais ela lança luz. Aqui, portanto, apresentaremos um brevíssimo comentário acerca do romance e o andamento da nossa pesquisa, de uma forma um tanto mais abrangente do que aquela que nos foi possível por meio do pôster. Palavras-chave: António Lobo Antunes. Colonialismo. Pós-colonialismo. Literatura portuguesa. Introdução O foco de nossa pesquisa de mestrado é o romance O esplendor de Portugal, de António Lobo Antunes, publicado em 1997. No centro dessa narrativa, está uma família de colonos portugueses que viveram, durante os anos do colonialismo, em Malanje, no norte de Angola. Quanto à posição que essa família ocupava no contexto colonial, ela pode ser aferida por meio de diversas referências fragmentárias dos narradores, que nos permitem perceber que ela pertencia a uma camada da burguesia colonial que, embora rica, era subordinada às grandes empresas e ao Estado, e cujas atividades econômicas pautavam-se nos interesses dos monopólios portugueses e internacionais, como o cultivo do algodão e do girassol.

O núcleo familiar de destaque no romance é composto por Eduardo e Eunice, Isilda (sua filha) e Amadeu, e por seus três filhos: Carlos, Rui e Clarisse. Todos esses personagens atuam como narradores, sendo que Isilda e seus três filhos são os narradores principais, cujos discursos intercalam-se ao longo das três partes de que é composto o livro. Essa multiplicidade de narradores que transitam em O esplendor de Portugal, entre outras coisas, relativiza a abordagem de determinadas questões levantadas no livro, apresentadas sempre por diferentes perspectivas. O eixo do livro é, então, a história desses narradores, intimamente relacionada ao colonialismo em Angola e ao contexto pós-independência naquele país e, no caso dos filhos de Isilda, em Portugal. Subjacente a essa história que nos vai sendo apresentada pelos diversos narradores, entrevemos uma representação muito abrangente do colonialismo e do pós-colonialismo, que abarca diversas temporalidades: a chegada dos primeiros colonos portugueses ao interior de Angola, passando pelas relações sociais que se estabeleceram entre eles e os angolanos e entre eles e o Estado português e as grandes companhias internacionais estabelecidas na colônia, as primeiras revoltas dos camponeses angolanos, o contexto pós-independência, a instauração da guerra civil em Angola e a sua internacionalização, o retorno dos colonos a Portugal e, finalmente, o presente da narrativa, situado em 1995. Quanto à organização formal, de maneira geral, podemos afirmar que existe no romance em questão um acentuado jogo de sobreposições, que se manifesta nos níveis temporal, espacial e da construção fragmentária do discurso dos narradores. Na composição da narrativa, esses movimentos uma espécie de vaivém de tempos, espaços, situações, imagens e discursos são desencadeados sempre por imagens do presente vivido pelos personagens e que, de alguma maneira, ligam esses personagens ao seu passado colonial em Angola. A partir dessas imagens, as rememorações surgem em fragmentos diluídos ao longo do texto e com uma força tal que o passado, mais do que ser lembrado, faz-se absolutamente presente, de forma que o distanciamento do sujeito em relação a ele é praticamente anulado. O efeito geral que se obtém a partir disso é a impressão intensa de que os personagens estão pairando numa espécie de vácuo entre o passado e o presente, sem condição de apreender nenhum dos dois e, 2

muito menos, de vislumbrar alguma possibilidade de futuro. Em consequência desse posicionamento volátil, os discursos de todos os narradores apresentam-se também fragmentados e diluídos. Disso decorrem as interrupções abruptas de frases e parágrafos, a quase total ausência de vírgulas e pontos-finais dentro dos capítulos e a repetição obsessiva de certas imagens motivadoras das rememorações. Tudo isso exige um esforço grande do leitor no sentido de conseguir estabelecer uma lógica narrativa que lhe permita apreender a totalidade dos fatos que ali estão sendo contados e, sobretudo, o seu significado geral. A verificação minuciosa dos procedimentos formais empregados em O esplendor de Portugal tem nos levado a constatar a existência, no livro, da representação de uma visão muito peculiar e complexa a respeito da História do colonialismo e do contexto pós-colonial em que Angola e Portugal inserem-se. Tal visão caracteriza-se, antes de tudo, pelo seu distanciamento em relação a qualquer tipo de maniqueísmo que possa incidir sobre o tratamento das tensões internas e externas às sociedades portuguesa e angolana coloniais e pós-coloniais. Dessa forma, os objetivos de nossa pesquisa de mestrado são, primeiro, explicitar a dinâmica social representada n O esplendor de Portugal, bem como a condução que o desígnio autoral dá a essa representação. Isso quer dizer que, por meio da análise do romance, procuraremos identificar as correspondências entre os seus elementos estruturadores e aqueles que regem a realidade que nele se representa. Nosso esforço interpretativo é guiado pela noção, proposta por Antonio Candido (2000), de que, na obra literária, os fatores sociais alinham-se entre os fatores estéticos. Assim, investigaremos esses fatores (sociais e estéticos) para compreender a significação do romance ou o que ele nos aponta sobre os impasses surgidos no cerne das experiências históricas nele abarcadas. 3 Método Para alcançarmos os objetivos expostos, nossos estudos teóricos têm caminhado, concomitante e indissociavelmente, em dois sentidos paralelos. Um deles refere-se a questões relacionadas à análise literária pautada na ideia de redução estrutural, de

Antonio Candido, isto é, o processo por cujo intermédio a realidade do mundo e do ser se torna, na narrativa ficcional, componente de uma estrutura literária [...] (CANDIDO, 2010, p. 9). Paralelamente, para que consigamos atingir esse nível de análise, fazem-se necessários também o estabelecimento do chão histórico sobre o qual se desenvolve a narrativa e, por conseguinte, o estudo dos contextos históricos que nela são abrangidos. Tendo em vista a perspectiva do romance que intentamos abarcar em nossa dissertação, nós a dividiremos em quatro capítulos, cujos títulos (ainda passíveis de alteração) e resumos expomos em seguida. No capítulo I, Colonialismo e pós-colonialismo no romance de António Lobo Antunes, localizaremos o autor no âmbito da literatura portuguesa contemporânea que privilegia as questões relativas ao colonialismo e ao pós-colonialismo. Para isso, apresentaremos um panorama geral dessa literatura e, depois, a posição que a obra de Lobo Antunes ocupa dentro desse panorama, ou seja, quais as questões comumente levantadas por ele e o modo como essas questões são trabalhadas em seus romances. Nesse sentido, observaremos, por exemplo, a evolução de sua narrativa entre Os cus de Judas, romance publicado em 1979, ainda muito próximo à experiência da guerra colonial em Angola, e O esplendor de Portugal, publicado em 1997, já com um relativo distanciamento histórico em relação à realidade do colonialismo. Além disso, no encalço da abordagem acerca dos dois romances citados, apresentaremos detalhadamente nossa visão acerca d O esplendor de Portugal e a sua paráfrase, organizada de maneira a expormos os principais aspectos do enredo e de sua organização e de modo a ratificarmos desde logo nossa leitura. Paralelamente, também estabeleceremos um diálogo com a fortuna crítica do livro, pontuando os principais aspectos observados por ela. O capítulo II intitula-se A rede narrativa de O esplendor de Portugal e será dedicado à análise do romance. Aqui, descreveremos alguns dos aspectos formais que participam da construção da visão de mundo que acreditamos ser traçada no livro. No capítulo III, intitulado O pós-colonialismo visto a partir de Portugal no final dos anos de 1990, recolheremos nossas leituras a respeito da conjuntura de Portugal pós-revolução dos Cravos, portanto, dos anos pós-coloniais. Nossa intenção, com isso, 4

é montar um panorama das condições históricas específicas em que o romance foi elaborado e que, portanto, atuaram em sua composição. Finalmente, no capítulo IV, Diálogos críticos, destacaremos as teorias críticas que servem de base ao nosso trabalho. 5 Resultados e discussões A respeito dos objetivos expostos em nossa Introdução, desde já podemos afirmar, no que se refere à visão da realidade arquitetada em O esplendor de Portugal, que ela se assenta, em primeiro lugar, na abrangência, dentro do romance, de diversas temporalidades situadas nos anos do colonialismo e no contexto pós-colonial em Portugal e Angola. A partir dessa estratégia formal, focalizam-se na narrativa questões latentes relacionadas ao colonialismo português, como a exploração do trabalho dos camponeses angolanos, a violência nas relações sociais e a posição subalterna dos colonos do norte de Angola em relação ao Estado português e ao grande capital estrangeiro atuante na então colônia. Por outro lado, no que se refere ao contexto pós- -colonial, destacam-se a condição dos colonos retornados em Portugal e, no caso de Angola, a permanência de formas sociais manifestas durante o colonialismo, a saber: a exploração e a violência, agora complexificadas, por estarem imbricadas no contexto do capitalismo global, cujos interesses influenciaram sobremaneira a condução da guerra civil nos anos pós-independência. Conclusões Uma das principais conclusões que obtivemos até o presente estágio de nossa pesquisa é a localização do pilar sobre o qual se assenta a construção de O esplendor de Portugal. Cremos que esse pilar seja a composição, subjacente à complexa rede narrativa do romance, de uma rede não menos complexa de relações causais entre as temporalidades abrangidas no livro, na qual se destacam as linhas de ruptura e de continuidade históricas que sustentam essa rede e que confluem irremediavelmente para o presente catastrófico que se apresenta na narrativa.

Nesse sentido, a primeira grande ironia do livro é o seu próprio título, uma referência ao hino nacional português, cujos versos abrem o romance: 6 Heróis do mar, nobre povo Nação valente e imortal, levantai hoje de novo o esplendor de Portugal! Dentre as brumas da memória ó Pátria sente-se a voz dos teus egrégios avós que te há-de levar à vitória. Às armas, às armas, sobre a terra e sobre o mar! Às armas, às armas, pela Pátria lutar! Contra os canhões marchar, marchar. 1 O peso desses versos de abertura reside no fato de que aquilo que lemos nas páginas seguintes caminha justamente na contramão dos discursos exaltadores do projeto colonial português, entre eles, o hino nacional da Pátria. Referências ANTUNES, António Lobo. O esplendor de Portugal. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. ARANTES, Paulo. Extinção. São Paulo: Boitempo, 2007. BASTOS, Jorge. História do hino nacional. Ensina RTP. 2010. Disponível em: <http://ensina.rtp.pt/artigo/o-hino-nacional/>. Acesso em: 25 jul. 2015. 1 A letra do hino nacional português foi escrita em 1890 por Henrique Lopes de Mendonça.

CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. 8ª ed. São Paulo: T. A. Queiroz, 2000; Publifolha, 2000. (Grandes nomes do pensamento brasileiro) 7. O discurso e a cidade. 4ª ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2010. SCHWARZ, Roberto. Que horas são? : ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. VECCHI, Roberto. Excepção atlântica. Pensar a literatura da guerra colonial. Porto: Edições Afrontamento, 2010. WHELLER, D. e PÉLISSIER, R. História de Angola. Lisboa: Tinta-da-china, 2009.