Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica

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Transcrição:

Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica PIBIC/CNPq - IBMEC-RJ Relatório Final 2012/2013 Título do Projeto: O Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro & a Ditadura Militar: memórias. Aluna: Mariana Macêdo Fernandes da Silva Curso: Direito Orientador: Jorge Luís Rocha da Silveira Professor Doutor Três Palavras-Chaves: Memória, Justiça, Ditadura. 2013

Introdução Numa tentativa de enfrentar aquilo que muitos estudiosos da cultura jurídica moderna já identificaram como uma crise na produção jurídica cujo fundo se relaciona, de um lado, com um saber formalista, abstrato e erudito ; e de outro, com formulações obscuras de jusfilósofos e institutos obsoletos e burocratizados (WOLKMER: 2012, 19), apresentou-se há um ano um projeto de pesquisa sobre um dos mais controversos períodos da história brasileira, foco de polêmicas e interpretações díspares: a chamada Ditadura Militar, que perdurou formalmente de 1964 a 1985. Sob seu jugo, o Judiciário nacional viveu os efeitos devastadores de atos jurídicos antidemocráticos, como o Ato Institucional n.º 2, de 27 de outubro de 1965. Segundo CASTRO (2010, 535), este o afetou especialmente porque, sendo composto por membros concursados oriundos do seio da sociedade civil, tinha como objetivo a manutenção da lei e do Estado de Direito; o que com certeza, não era o que interessava aos militares no poder. Os múltiplos reflexos da Ditadura sobre o Poder Judiciário e seus representantes podem ser sentidos através da história de vida daqueles que vivenciaram essa conturbada fase da história brasileira. A memória está sendo esquecida pelo desaparecimento de seus protagonistas e o sobrepor-se de outras lembranças. Por isso é preciso ouvir suas versões dos acontecimentos e reapresentá-las à sociedade.

Objetivos O objetivo geral desta pesquisa é apresentar um novo viés à interpretação de importantes acontecimentos históricos relacionados à Ditadura Civil-Militar que se instalou em nosso país, entre 1964-1985, e seus múltiplos reflexos sobre o Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro e seus membros, no período de 1965-79. Além de tudo, o que se intenta, especificamente, é recuperar um pouco da história de vida daqueles que viveram essa fase da história brasileira; ouvir suas versões dos acontecimentos e reapresentá-las à sociedade. A memória desse período está sendo perdida pelo desaparecimento de seus protagonistas. A história da Ditadura Militar é complexa e muito variada, com discussões e polêmicas impares que precisam ser mais bem definidas pelos que se debruçam sobre elas. Principalmente, quando o foco são as relações locais. Assim, é natural que o estudo se prolongue e abranja diferentes pontos de vista. Principalmente para aqueles que, iniciando suas atividades acadêmicas, ainda não têm experiência para abordar estes mesmos debates. Por isso, o consideramos apenas uma primeira etapa de um empreendimento muito maior. Espera-se, ao final, contribuir para o enriquecimento do processo de conhecimento do passado recente da história política e social do país e do Estado fluminense, ao mesmo tempo em que se possa estar acrescentando novas perspectivas às técnicas e métodos da pesquisa histórica das instituições jurídicas do país.

Metodologia utilizada Fontes Ciro Cardoso recomendava como uma das condições de realização da pesquisa histórica a sua viabilidade (1983, 74). O aspecto, talvez, mais difícil da pesquisa ora proposta - a tomada de depoimentos dos atores das passagens a serem abordadas -, já se encontra realizada. Em 1998, o Museu da Justiça do Estado do Rio de Janeiro lançou o Programa de História Oral & Visual com o objetivo de resgatar e preservar a memória história da Justiça estadual. Este programa criou um acervo com hoje 170 depoimentos. Do acervo constituído a partir das entrevistas daquele programa (MUSEU DA JUSTIÇA: 2000), aproximadamente trinta depoimentos têm o tema da Ditadura Militar entre seus tópicos. São magistrados, advogados, funcionários e políticos que testemunharam os acontecimentos relativos a ela e deixaram suas opiniões e lembranças. Outras fontes importantes são constituídas por documentos oficiais como os livros de atas das sessões do Tribunal Pleno e do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e das associações de magistrados, que podem nos oferecer um panorama dos conflitos. Além disso, temos, também, diversos órgãos da Imprensa como O Fluminense, O Globo, o Correio da Manhã e o Jornal do Brasil. Através deles é possível acompanhar os acontecimentos mais gerais. Procedimentos À exemplo da pesquisa realizada pela historiadora Marly Silva da Motta, utilizou-se as noções de enquadramento da memória e de memória dividida. Tais conceitos estão baseados nas propostas de Michael Pollak (1992) e Alessandro Portelli (FERREIRA & AMADO: 2002). Segundo estes, a memória coletiva é um campo de disputa e, assim, a necessidade de enquadrar e manter a memória enquanto quadro de referência capaz de estabelecer a coesão e a identificação de um grupo. Com este parâmetro se pretende

orientar a abordagem que se fará aos documentos orais em busca dos efeitos da Ditadura Militar sobre o Judiciário estadual. No entanto, apesar de ser extremamente rica, a metodologia da história oral é insuficiente para dar conta de todas as necessidades da pesquisa proposta. Por isso, se confrontará o discurso dos entrevistados com as informações advindas da análise dos documentos que demonstram as ações dos agentes históricos - decisões, acórdãos, atas etc. Como já afirmou o historiador francês Jacques Le Goff (1996, 547), os documentos são resultado de uma colagem, consciente ou não, da história, da época, da sociedade que os produziram, mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver (...). Assim sendo, a subjetividade não é característica exclusiva da história oral, pois também está presente nas fontes escritas, iconográficas e tantas outras. Isto não deve ser encarado como obstáculo ao conhecimento. Pelo contrário, ao desvendarmos o código que constitui essa subjetividade, os esquecimentos, os silêncios, dos entrevistados tornar-se-ão - eles mesmos -, fonte de novos conhecimentos. Acreditamos que, ao lançar mão de novos enfoques e metodologias, é possível romper por um lado com os pressupostos tradicionais que orientam as pesquisas histórico-jurídicas sobre a Ditadura. Por outro, ajuda a construir uma abordagem que permita ampliar o entendimento do sistema jurídico brasileiro como um produto cultural; ligado ao processo histórico, econômico e social.

Desenvolvimento da pesquisa Meses Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro Janeiro Fevereiro Março Abril Maio Junho Julho Correção e adaptações no projeto Coleta de dados Atividades Crítica e elaboração dos dados Redação Correção do texto e apresentação

Resultados alcançados O resultado final que se pretendeu atingir com a pesquisa foi a elaboração de um texto monográfico que reunisse, sobre o período focado, tanto a discussão conceitual como a histórica. Um material que destacasse a memória dos que participaram dos eventos mencionados, no âmbito dos chamados operadores do Direito. Apresentar os reflexos da arbitrariedade na vida dos indivíduos que compunham a Justiça, resgatando através das memórias dos mesmos, as lembranças desse período. Assim, apresentamos a seguir o texto resultado de nossos esforços.

Bibliografia CARDOSO, Ciro F. Uma introdução à história. 3.ª Ed. São Paulo: Brasiliense, 1983. CASTRO, Flávia L. História do direito: geral e do Brasil. 8.ª Ed. Rio de Janeiro; Editora Lúmen Júris, 2010. FERREIRA, Marieta M. & AMADO, Janaína (org.) Usos & abusos da história oral. 5.ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2002. LE GOFF, Jacques. História e memória. 4.ª ed. São Paulo: Ed. UNICAMP, 1996. MUSEU DA JUSTIÇA. Subsídios para a história da justiça do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Gráfica do TJERJ, 2000. POLLAK, Michel. Memória e identidade social. Em: Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro: S/ed., 1992, n.º 3, p. 3-15. WOLKMER, Antônio C. História do direito no Brasil. 5.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

Conclusão Apresentação de Monografia Introdução Parte 1 História (Golpe e Ditadura) Coube ao general Humberto Castelo Branco buscar saídas que dessem ao novo governo uma proposta de ação contra a crise econômica. Tal resposta se expressou pelo controle de crédito, aumento dos salários e também dos gastos públicos. A economia foi aberta ao capital estrangeiro. Mas, não houve avanços importantes naquele momento (QUADRAT, 2006, 132). Segundo a autora, formalmente foram as forças políticas que apoiaram o golpe, mas o papel principal ficou por conta dos militares. Melhor organizados, eles estavam reunidos em torno do Comando Supremos da Revolução (idem, 128). Nossa democracia sempre excluiu do poder amplos contingentes da população brasileira, através de mecanismos excludentes e autoritários: patrimonialismo, clientelismo, racismo (ARAÚJO, 2006, 153). O novo governo se destacou a repressão política, pelo furor e a profundidade; especialmente contra o trabalhismo e outras organizações de esquerda. Em claro desrespeito à Constituição então em vigor (1946) e aos direitos e garantias individuais, sindicatos trabalhistas, a União Nacional dos Estudantes (UNE); e a Universidade, bem como jornais e rádios, tiveram suas sedes ocupadas e destruídas (...) (SILVA, F., 1990, 293). Ao mesmo tempo, inúmeras lideranças sindicais e camponesas eram mortas ou fugiram. Governadores eleitos foram simplesmente depostos. Suas características também foram marcadas por uma preocupação excessiva com a elaboração de uma estrutura legal que lhe desse apoio e legitimidade, como por exemplo, os Atos institucionais. A explicação para tal ênfase deve-se ao fato de os militares nunca realmente terem assumido que foi com a participação de civis que instalaram a Ditadura no Brasil. Faltava ao

novo governo uma identidade e uma justificativa para tais ações (QUADRAT, op. cit., 130). A chegada de Costa e Silva ao poder correspondeu ao fracasso do projeto de Castelo Branco e as disputas internas das Forças Armadas. Em sua gestão, o regime militar aumentou o uso da violência política e das leis coercitivas. No campo econômico, manteve as tentativas de recuperação do país que, no início de seu mandato, obteve sinais positivos (id., 136). Sua gestão foi marcada pelo Ato Institucional n.º 5 (AI-5). Símbolo do regime e da violação de direitos civis e arbitrariedade governamental. O Ato deu amplos poderes ao governo e tinha como principal preocupação: tornar as arbitrariedades institucionalizadas. Com o seu amparo ficou mais fácil negar o caráter ditatorial do regime. Segundo ROLLEMBERG (ibidem, 143), há muitos mitos surgidos em torno de possíveis interpretações e justificativas para a edição da norma, como por exemplo: o crescimento da luta armada; a disputa entre moderados e radicais no meio militar e a ameaça dos movimentos social e estudantil. Mas, à época, defendia-se a ideia de que, em defesa da democracia se justificava a violação da Constituição ainda em vigor (1946) e de toda a legislação mesma a autoritária existente. Como bem observou SKIDMORE (1988, 166), a edição do ato institucional resumia o que se considera hoje parte preponderante da opinião militar à época, externada por Costa e Silva em um discurso público: a Revolução de 1964 era irreversível. O período de maior repressão da ditadura, entretanto, é identificado ao governo Emílio G. Médici. Foi o que, também, contou com maior apoio popular. A aparente contradição é explicada por muitos através do milagre econômico. Embora as desigualdades regionais e sociais tivessem aumentado gravemente com a concentração de renda, as boas condições internacionais propiciaram criação de empregos para a população de baixa renda e melhoria do padrão de vida da classe média (...) (ROLLEMBERG, op. cit., 146). Alguns estudiosos, como Daniel Aarão Reis, entendem que o governo atendia minimamente as necessidades da população e isto permitiu que esta deixasse a questão da liberdade em segundo plano. Outros, porém, defendem a ideia de que, para a aceitação do regime durante este governo, foi importante

o total controle sobre os meios de comunicação. Isto, somado aos baixos níveis de instrução, a má qualidade do sistema educacional e a manutenção dessas condições (id., 147). Entre 1964 e 1981, 341 pessoas desapareceram. Alguns casos foram chocantes: o caso das mãos amarradas, em 1966; Rubens Paiva, em 1971; Stuart Angel e sua mãe (Zuzu), morta em misterioso acidente em 1976; Wladimir Herzog, em 1975. Artistas, intelectuais e estudantes também foram perseguidos; peças teatrais e músicas proibidas (SILVA, F., op. cit., 297). O Congresso Nacional havia sido reaberto para dar feição legal à escolha do comandante do III Exército e ex-chefe do SNI como presidente. A intenção era criar uma aproximação com a sociedade para que esta funcionasse simultaneamente à repressão política. Os serviços de informação aperfeiçoaram os órgãos de polícia política e, de modo geral, foram estruturados numa lógica de rede articulada e ampla. Durante seu governo foi montada a Operação Bandeirantes (Oban), que serviu de modelo para a criação do sistema DOI/CODI (ROLLEMBERG, op. cit., 146). Empossado em quinze de março de 1974, Ernesto Geisel pode ser tido como o exemplo do conspirador de 64. Quase sempre com as mesmas pessoas, planejara derrubar o então presidente João Goulart sem saber como. As intermináveis conversas em seu apartamento, com os generais Cordeiro de Farias, Ademar de Queiroz e Antonio Carlos Muricy, eram irrelevantes, pois (...) não tinham plano para o levante ou projeto para o novo governo. Nem sequer data para a rebelião (GASPARI, 2003, 88). Após várias hesitações, o general Geisel acelerou a abertura política, afastando militares identificados com a tortura e com a corrupção. Esta foi consolidada pela Emenda Constitucional, editada em 1978, que revogou os atos discricionários e restabeleceu eleições (SILVA, F., op. cit., 300). Idealizado pelo presidente e o general Golbery do Couto e Silva, chefe de Gabinete Civil, o projeto de distensão teve como objetivo responder a questões e conflitos internos às Forças Armadas. Porém, só foi efetivado mesmo sob a influência dos movimentos sociais e dos grupos políticos (ARAÚJO, op. cit., 154). Entre 1974-85, a formação de uma ampla frente de lutas foi básica para o processo de redemocratização. Participaram desse processo: militantes,

organizações de esquerda, partidos e parcelas importantes da sociedade civil organizada (id., 155). O governo do general João Figueiredo encerra o ciclo de dirigentes militares percebido, por muitos, como uma continuidade da gestão Geisel. De acordo com SKIDMORE (op. cit., 410), ele era visto como uma ponte entre castelistas e os amigos de Médici. Alguém mais adequado a um momento em que o governo passaria a depender menos da coerção e mais da habilidade política. Assim é que, o fim da ditadura, ocorreu após uma negociação conduzida entre as principais forças políticas que limitaram ao máximo o peso das esquerdas e mantiveram o controle sobre a população. Aconteceu, novamente, a reprodução das características elitistas, autoritárias e excludentes da democracia brasileira (ARAÚJO, op. cit., 163).

Parte 2 Os juízes e o Estado Há várias maneiras de se abordar o Direito. Há, por exemplo, a forma tradicional, a partir das próprias referências lógico-formais dessa ciência. É o que BIAVASCHI (op. cit., 50) chamou de abordagem interna. Nesta, costumase defender a ordem jurídica estatal sem questionar o conteúdo valorativo ou legitimidade dessa normatividade; o que reproduz a ordem jurídica vigente. De acordo com essa visão, o Estado, enquanto legislador, estrutura a ordem jurídica vigente e formula as leis destinadas ao desenvolvimento de todos os aspectos da vida na sociedade. O juiz de direito aplica essa legislação para realizar a ordem jurídica enquanto exercício de sua função administrativa, de garantia daquilo que foi definido como bem-comum pelo legislador (Estado). Em outras palavras: mediante a invocação dos interessados, dizer o direito; aplicar seus preceitos aos casos concretos, exercer a chamada tutela jurisdicional. E, para tal, não pode eximir-se de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. Inexistindo normas recorre à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do Direito. É, portanto, uma das funções da soberania do Estado (MILHOMENS & ALVES: 1999, 7 e 9). Enquanto instrumento técnico de resolução das contradições secundárias para a classe dominante (como repartir uma herança, como e a quem atribuir um direito de propriedade etc.), o Judiciário é uma justiça de classe. Não se reconhece como ferramenta ideológica de afirmação dos valores dessa classe (o respeito ao direito de propriedade e a autoridade) frente aquelas que são exploradas 1. Decorre essa situação, em grande parte, da cultura jurídica brasileira, de forte inspiração francesa do período napoleônico (1799-1815). Esta é marcada pela visão formalista do Direito que garante a manutenção dos valores de determinada classe social ao reproduzir um saber jurídico retórico; pronto à perpetuação do sistema político hodierno. No dizer do professor José E. Faria, seus princípios fundamentais se identificam com um dogmatismo que pressupõe verdades perenes e imutáveis, que se tornam capazes de exercer 1 Argumento elaborado a partir das afirmações do juiz francês, CHARVET: 1975, 246.

o controle social sem sacrifício de sua segurança e aparente neutralidade (apud WOLKMER: op. cit., 139). Outro caminho é aquele em que o Direito é percebido como produto cultural, inserido no processo da história e de suas lutas concretas. Aquilo que mais uma vez, recorrendo a BIAVASCHI (op. cit.) se chamou de processo de conhecimento externo, que vai buscar na sociologia, na política e na história bases para suas reflexões. Desse modo, por exemplo, apreende-se a magistratura como parte do aparelho repressivo do Estado, em sentido estrito - ao lado das forças policiais e do sistema penitenciário. Se for a função social dos aparelhos que os definem e não suas estruturas organizacionais como bem colocou o professor grego, naturalizado francês, Poulantzas, não há porque disfarçar o papel repressor, mantenedor da ordem, do Poder Judiciário. Os aparelhos são o efeito da dominação e dos poderes de classes, mas materializam e encarnam, ao mesmo tempo a reprodução induzida das relações dominantes no interior de cada classe (1975, 26, 29, 34 e passim) 2. A força policial, a magistratura e as prisões enfim, a Justiça burguesa tem, pelos seus papéis na materialização e na reprodução das relações ideológicas, função importante na multiplicação dos lugares das classes sociais. Com isso contribuindo à reprodução ampliada das relações sociais, isto é: da luta de classes - na existência do modo de produção -, mantendo a unidade e a coesão da formação social que concentra e consagra a dominação de classe. Como reforço às suas atribuições, secundariamente, possuem até papel ideológico. Neles se concretizam as relações políticas e ideológicas. A dominação de classes é consagrada e reproduzida pelos aparelhos do Estado, que também a organizam ao instaurar um consenso ideológico naquelas dominadas com relação ao poder político das classes dominantes (POULANTZAS: 1977, 27). 2 Lembremos que o aparelho repressivo é apenas um de vários outros. Há o aparelho ideológico, como o aparelho escolar, o religioso, constituído pelas igrejas; o cultural, formado pelo cinema, o teatro etc.; o de informação rádio, televisão, imprensa -; o sindical de colaboração de classe e os partidos políticos burgueses e pequeno-burgueses e tal; e, de certo modo, a família (idem, 26).

Parte 3 Depoimentos Começaremos pela entrevista do desembargador Abeylard Pereira Gomes (1998), que pode ser considerada curiosa pelo fato do entrevistado dizer que, na época da Ditadura Militar, tinha independência para julgar. Tanto que chegou a condenar um general do Exército. Disse que não tinha relação com os militares, mas admitiu que, aconselhado por um colega, foi uma vez à residência de um oficial da Marinha que queria informações sobre o famoso esquadrão da morte. Termina dizendo que em sua vida não houve interferência direta dos militares. A questão da independência funcional do magistrado também foi mencionada pelo juiz aposentado Carlos Augusto Lopes Filho (2003): Eu nunca recebi pressão para nada, nunca. Nem como promotor, nem como juiz. Não sei... Tem um ditado que diz que as pessoas encostam e sabem em quem podem encostar... Não é? Eu sei que comigo nunca encostaram para fazer: "olha, eu quero que você faça isso. Eu quero que você faça aquilo. Pedido se recebe sempre. Aceita-se, atende-se ou deixa-se de atender. Esse é outro problema, mas pressão eu nunca recebi. Olha que eu peguei uma época até meia... A palavra é vulgar, mas eu acho que é a que melhor define: meio-braba. Ao ler esta entrevista pode-se pensar que, talvez, a Ditadura Militar não tivesse pressionado tanto assim as pessoas influentes da época para apoiá-la. Mas, sim, tenha juntado os que, antes mesmo do Golpe, já a apoiavam. É um dado curioso o fato se considerar que há liberdade em uma Ditadura. Ainda nesse sentido, a entrevista do Desembargador Dalmo Silva (1998) é bastante reveladora da interferência militar nas atividades profissionais do magistrado: Eu disse, anteriormente, que essa foi a parte mais marcante, porque acho que o cerne da dignidade da magistratura repousa na independência do juiz. Aí é que está tudo. Sem independência não há magistratura. E, não havendo magistratura boa, não há nem democracia... Bom, um temperamento como o meu, de juiz independente, como tantos colegas bons que tem por aí... Mas eu me tinha como um juiz dos mais independentes a vida inteira. Com isso, tive que dar um tropeço, um esbarrão com os militares, evidentemente. Porque eu não admitia que se intrometessem na minha

independência, no meu livre convencimento. E eles quiseram se intrometer no meu livre convencimento. Para mim é tudo - a independência do juiz. Aí eu tive que dar uma trombada, eu tive que ser chamado até para depor. Evidentemente que, para mim, o período militar não foi bom, porque dei uma trombada. Mas me saí muito bem, porque eles não tiveram como me pegar. Eu fui até o final. Tudo bem. O entrevistado foi um dos poucos a dizer que sofreu interferência em sua vida profissional por parte dos militares. Em razão de uma sentença desfavorável aos militares, inclusive, chegou a ser chamado para depor: É, o problema é que tinha dado uma sentença contra um oficial da Marinha ligado ao CENIMAR. Ele era um homem de prestígio, o irmão era Secretário de Estado. Eu fui chamado a depor. Eu passei a ser acompanhado - vamos dizer... - por um funcionário que era do serviço secreto dos militares. Então, me chamaram para depor e lá cheguei e fiquei revoltado de ver um juiz, porque deu uma sentença contrária a um oficial da Marinha, ser tratado daquela maneira. Tratado daquela maneira, não. Eles me respeitaram, mas querendo me colocar no CENIMAR e até, possivelmente, me cassar... Eu sei lá o que eles queriam? Porque eu tinha dado uma sentença e na sentença eu citei um grande juiz - que se chamava Aguiar Dias. Eles disseram que esse grande juiz era comunista e que eu era comunista também. Tem umas coisas que acontecem na vida da gente! Aquilo lá me irritou. Eu fui encima desse comandante Baltazar, que foi o autor da denúncia... Esse Comandante Baltazar era Secretário e deu uma denúncia anônima. Eles permitiam, eu soube no CENIMAR, que eles permitiam o anonimato na época da Revolução. Até isso aconteceu. Eu, então, entrei com uma representação no Conselho da Magistratura contra esse Comandante, dizendo que ele tinha envergonhado a farda, pedindo que a conclusão dessa apuração fosse levada à Marinha; para ele ser cassado na Marinha. Lá tem outro termo que eles usam, né? Mas aconteceu isso e acabou que não houve nada comigo e ele teve que arranjar um pistolão para não perder a patente na Marinha. Graças a Deus, também nessa eu me saí bem, defendendo a dignidade da magistratura. Outros depoimentos podem ser arrolados para corroborar que o novo regime político interferia sim nas atividades judicantes. Como externada pelo desembargador aposentado Hilário Duarte de Alencar (2000): Olha, realmente, aquele período foi um período bastante preocupante. Principalmente para nós magistrados porque

sabe que deságua sempre no Poder Judiciário todas as dificuldades porque o povo passa. Nós é que, às vezes, procuramos solucionar os conflitos de interesses e verificar as irregularidades que ocorrem em outros Poderes ou algumas injustiças que são praticadas. Realmente houve muitas injustiças, muitos funcionários que foram afastados injustamente. Nós recordamos de alguns magistrados, inclusive membros do Ministério Público e magistrados brilhantes como: Evandro Lins e Silva, Hermes Lima, Vítor Nunes Leal, do Supremo Tribunal Federal. Apenas porque discordavam das autoridades então constituídas, foram afastados de suas funções. Alguns juízes também no nosso Estado (...) tivemos o João Luís Pinaud. Apenas porque, como professor da Faculdade de Direito, emitia opiniões de magistério, de professor, foi afastado da função. É também a opinião do desembargador Luiz Fernando Withaker Tavares da Cunha (2002), que em seu depoimento destacou: Foi um período difícil, porque as garantias da Magistratura foram suspensas e outras garantias constitucionais foram suspensas. Os juízes foram cassados injustamente como o Aguiar Dias, como o Carlos Aroldo Porto Carreiro de Miranda... E então, evidentemente, lutamos contra esse período de exceção... Depois tinha uma coisa: essas cassações não eram produtos de reflexão, de pesquisas. Às vezes eram vinganças pessoais, não é? Muitos políticos foram cassados por vinganças pessoais! Evidentemente, as acusações contra o Porto Carreiro, que era um homem admirável. (...) Era professor de Economia Política, livre docente da Faculdade Nacional de Direito, autor de livros importantíssimos! Eu tive a honra, quando ele voltou à Magistratura, de recebê-lo no Tribunal de Alçada... Evidentemente, em período de exceção todos nós sofremos perigo do alfanje, do facciosismo em cima de nossas cabeças. Eu, várias vezes, estive ameaçado de ser cassado. Inclusive, quando absolvi o jornalista Hélio Fernandes de um crime de grande repercussão, crime contra a honra. Mas... É como dizia um poeta: "ao juiz, não importa a posteridade, importa é a sua consciência. O julgamento dos pósteros para ele pouco interessa. Nós julgamos no momento histórico, nós julgamos numa época. Se tem nas mãos a rosa da consciência não interessa nada. Não interessa o julgamento do futuro ou do presente ou até de pessoas que não compreendem isso. Já a percepção do golpe e do regime por alguns magistrados pode ser exemplificada pelo trecho do depoimento que se segue: Olha, eu teria que abordar a coisa sob dois aspectos: político e jurídico. Quero dizer, a influência política e a jurídica. No ponto

de vista político, eu realmente me envergonho muito dessa fase da história do Brasil. Eu lecionei nessa época na faculdade e vi, eu soube, não assisti fisicamente, mas vi muito aluno ser tirado de sala de aula porque havia militares ou alguns traidores denunciantes dentro da sala de aula e que fazia com que esses colegas que eventualmente tivessem se manifestado contra o regime militar, fossem afastados, presos, execrados e por isso mesmo antidemocraticamente atingida a faculdade. Eu tenho duas lembranças muito fortes que posso relatar: uma de magistrado, quando foi preso o juiz da vara criminal, Porto Carreiro, que era considerado comunista e foi preso em casa e o presidente do tribunal, o (...) Murta Ribeiro, foi procurado pelos colegas para dar apoio moral e jurídico e o Murta Ribeiro, lamentavelmente, se esquivou dizendo que o problema não era do tribunal, mas era problema pessoal das ideias dele e deixou vilmente o desembargador, aliás, na época não era desembargador era juiz ou magistrado, ficar acorrentado numa jaula da polícia política e social sem dar a ele o menor socorro, a menor atenção, o menor apoio. Foi um ato de extrema covardia, não só da parte da polícia como da parte do próprio presidente do tribunal (...) Mas eu realmente do ponto de vista institucional, eu tenho pra mim que a revolução foi altamente danosa pra todos, sobretudo porque nós estamos vendo agora e essas eleições, mais uma, refletem bem isso. Ela ceifou da geração toda uma liderança política. Hoje nós não temos líderes políticos, quem são nossos líderes políticos que estão aí nas eleições? Há uma defasagem entre os antigos e os novíssimos. Você vê Antônio Carlos Magalhães e outros estão lá na estratosfera da antiguidade e outros novíssimos como Aécio Neves e outros de vinte e poucos anos de idade que estão surgindo agora. Então, nesse interregno, nesse entremeio, não existem líderes políticos formados na labuta, na liderança diária, na movimentação diária da política, porque eles foram mortos pela revolução. Eu acho que a revolução fez muito mal a esse país (MAGALHÃES: 2002). A entrevista da Juíza (aposentada), Denise Camolez (2003) foi selecionada, primeiro por ter sido a única mulher entrevistada e segundo porque iniciou a sua carreira de magistrada na época em que a Ditadura Militar estava em declínio e a nova Constituição estava sendo votada, disse: Eu acho que houve uma grande modificação depois da constituição, sobretudo quanto à relação do Judiciário, dos juízes com o público em geral. A ideia que se tinha antes era que o juiz não podia dar entrevistas, o juiz tinha de ficar encastelado e houve uma grande modificação depois disso. Quem falasse muito sobre seus casos poderia... A opinião da maioria era a de que estava querendo aparecer e tal, quando, na verdade, o juiz, quando está exercendo as suas funções, ele é, antes de tudo, um servidor público sobre qualquer aspecto, ainda com todas as características que tenha por

integrar o Poder Judiciário, mas é um servidor público no sentido de estar servindo o público. Então, tem que se dar satisfação ao público. Diria que a frase de destaque nesta entrevista é o juiz, quando está exercendo as suas funções, ele é, antes de tudo, um servidor público sobre qualquer aspecto, isso diz muito sobre as atuais discussões que temos sobre o Poder judiciário, sobre as interferências políticas que o STF sofre, enfim, de certa forma a entrevistada disse algo fundamental em uma entrevista que tinha como tema central a Ditadura Militar.

Conclusão Para estudar como as memórias coletivas são montadas, desmontadas e remontadas é preciso considerar o processo de enquadramento das memórias de seus agentes e suas linhas concretas. Ou seja, é forçoso entender os mecanismos que conduziram certos indivíduos, e consequentemente suas memórias, a se adaptarem aos de outros. Essa questão, embora tenha limites impostos pelas relações humanas, que estabelecem fronteiras à reprodução do grupo e do próprio sistema social, alimenta a formação da história que se quer contar. O Poder Judiciário, como toda organização política, por exemplo, propaga seu próprio passado e as imagens que forja de si. Esta memória veiculada envolve a identidade individual e do grupo judiciário, mas é criada pela negociação, através da hegemonia. Alessandro Portelli (2002, 12) argumentou que a pressão da memória coletiva sobre a individual se materializa no domínio social, na pressão para não esquecer e para extrair memórias de um único grupo. O poder da noção de pertencimento como elemento formador da lembrança, não deve ser menosprezado. Ecleá Bosi (op. cit., 462) afirmou: a identificação nasce de uma comunidade afetiva e ideológica entre indivíduos e o grupo local dominante, comunidade que a ação conjunta só poderia reforçar. O Tribunal de Justiça fluminense, com seus vínculos profissionais e pessoais ou seja, de classe -, estabelecendo os limites de pertencimento entre seus membros, demarcou a memória a ser lembrada da Ditadura. O próprio esprit de corps municiou as lembranças. A existência de limites bem definidos, estabelecidos no controle das funções administrativos, das instâncias disciplinadoras, da ética dos comportamentos etc., a partir das quais se tornou possível forjar um conjunto específico de relações sociais, ditou o que poderia ser lembrado ou deveria ser esquecido pelo menos, em público. A visão jurídica tradicional sobre o Estado, percebido como um complexo de instituições e normas - sua aparência institucional -, não consegue abarcar os múltiplos significados do confronto entre as classes sociais que o compõem.

Os estudos de MARX (1986 e 1996), POULANTZAS (1977) e GRAMSCI (2000), utilizados na pesquisa, nos levaram a concluir que, ao longo do processo histórico de formação e, posterior, dissolução da ditadura Militar, o Estado aplicou os mecanismos de coação a disposição de seus aparelhos para estabelecer o relacionamento com o Judiciário e seus membros. Já o Judiciário, ainda que operando aparentemente acima dos anseios de determinados grupos, criou a memória coletiva dessa relação. Tal relação pode ser fixada porque a memória individual não está inteiramente fechada ou isolada, mas recorre muitas vezes as lembranças de outros até tomá-las, por empréstimo, como suas. Há, portanto, uma memória pessoal e outra, social; uma memória autobiográfica e outra histórica (HALBWACHS: op. cit., 73). Há muitas respostas ainda a serem alcançadas. Ao longo desse trabalho ficou claro, através dos depoimentos, dos documentos e da historiografia consultados acredita-se - que a relação entre militares e juízes, e consequentemente entre Executivo e Judiciário, no período da chamada Ditadura Militar, foi muito mais complexa e rica em seus detalhes do que até agora se expunha. Novas pesquisas poderão abrir este caminho, que agora apenas se insinua.

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