REFLEXÃO SOBRE A DIMENSÃO HUMANA E O NOVO PARADIGMA EM EDUCAÇÃO



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REFLEXÃO SOBRE A DIMENSÃO HUMANA E O NOVO PARADIGMA EM EDUCAÇÃO Carmen Ivanete D Agostini Spanhol 1 RESUMO: O professor enquanto sujeito da história tem a responsabilidade de agir com princípios éticos que promovam o bem estar da civilização. O objetivo desse trabalho é apresentar uma reflexão sobre a necessidade de se resgatar a dimensão humana na educação. Para tanto, defende-se a importância de um paradigma que possibilite abarcar as demandas do contexto metamorfose civilizatório atual e as suas relações com a educação. Concluí-se que para formar o outro é preciso primeiro formar a si mesmo. PALAVRAS CHAVE: professor; metamorfose civilizatória; dimensão humana; paradigmas. ABSTRACT: The teacher, while subject to history, has the responsibility to act with ethical principles that promote the welfare of civilization. The aim of this work is to reflect the need to restore the human dimension in education. Thus, it defends the importance of embracing paradigms that acknowledge the current civilizational metamorphosis and its relation to education. We conclude that in order for one to form another, it is first required to form oneself. KEYWORDS: teacher; civilizational metamorphosis; human dimension; paradigms. INTRODUÇÃO As sociedades contemporâneas se deparam com um paradoxo frente ao desenvolvimento técnico científico e às condições de vida e de sobrevivência da humanidade. Se por um lado, a ciência e a tecnologia possibilitaram grandes avanços, especialmente, nas áreas da saúde e das comunicações, por outro, encontram-se com as crises que abalam o planeta: fortes ondas de violência, miséria, injustiças sociais e desequilíbrio ecológico. Todos esses aspectos se refletem também na educação. Vive-se num continuum dinâmico, no qual tudo influencia e é também influenciado. Portanto, para analisar os problemas da atualidade, o modelo cartesiano, predominante nos três 1 Professora assistente Universidade Estadual do Paraná - FAP., Ms. em Psicologia Psicologia Social e da Personalidade pela PUCRS, Especialização em Psicologia/Ontopsicologia Universidade Estatal São Petersburgo, Participante do Grupo de Pesquisa Arte, Educação e Formação Continuada na linha de pesquisa Arte e Ensino da Universidade Estadual do Paraná - Faculdade de Artes do Paraná.

2 últimos séculos, torna-se insuficiente para explicar a complexidade da vida e das relações. Em outras palavras, não se pode mais avaliar a realidade atual com os mesmos recursos mentais do passado. Em decorrência desse fato, observa-se que o paradigma cartesiano está retrocedendo em todos os setores e, em escala mundial. Gradativamente, é substituído por um paradigma sistêmico, baseado no pensamento da complexidade e em visões de mundo integrado. Esse novo paradigma também se sente na área da educação e da formação docente como encontrado nos estudos de Rauli (2009) ao trabalhar com professores de graduação da área da saúde. No entanto, observa-se que a dimensão humana na relação professor, aluno, conteúdo, nem sempre é considerada no meio acadêmico. Atualmente, enfrenta-se um aluno com um novo modo de ser, de pensar e de agir e, um professor, muitas vezes, arraigado a velhos modelos. A mudança nos comportamentos humanos é lenta e não acompanha a metamorfose social. Defende-se que mudar programas e currículos não resolve os problemas da academia. Há necessidade de mudanças no modo de ser do profissional da educação. Inicialmente, considera-se que os jovens estudantes de hoje precisam aprender a ser no sentido atribuído por Delors (2001), que envolve o desenvolvimento integral do ser humano; ter capacidade para elaborar pensamentos autônomos e críticos; e, tomar decisões sobre situações conflitantes da vida cotidiana. A possibilidade do desenvolvimento integral é despertada e mediada pela prática pedagógica dos professores. Neste sentido, o objetivo deste trabalho é apresentar uma reflexão sobre a necessidade de se resgatar a dimensão humana na educação. Para subsidiar esse estudo consultaram-se referenciais teóricos de Capra (1996; 2002), Morin (2002), Behrens (1999; 2006), Tescarolo (2005), Delors (2001), Freire (1980), Nóvoa (2009), entre outros. Com base nas leituras realizadas, apresentam-se, inicialmente, considerações sobre o paradigma sistêmico, a complexidade e a educação, em contraposição ao paradigma mecanicista positivista. Na sequência, volta-se a atenção aos desafios constantes que implicam num novo sujeito para pensar a dimensão humana na educação. NOVO PARADIGMA E A EDUCAÇÃO Durante um longo período histórico, segundo Capra (1996) a cultura foi dominada pelo modelo mecanicista cartesiano com implicações em toda a sociedade ocidental. No entanto, esse paradigma está retrocedendo e dá espaço a um modelo sistêmico, pois, não é mais possível ver os

3 fatos de forma isolada. Desde o surgimento da mecânica quântica, a idéia da mera simplificação tornou-se, por conseguinte, insustentável, abrindo à ciência um mundo de uma riqueza insuspeitada (TESCAROLO, 2005, p. 20). Os problemas que atingem a humanidade hoje, decorrente de um modelo mecanicista e reducionista não podem ser analisados de modo isolado. Cada situação interfere na outra e os processos se entrelaçam. Ao simples mover de cada folha, por exemplo, outras ações ocorrem como consequência dessa e assim sucessivamente: [...] problemas precisam ser vistos, exatamente, como diferentes facetas de uma única crise, que é, em grande medida, uma crise de percepção (CAPRA, 1996, p.23). A física, ciência que por um período histórico também se manteve limitada, tomando por base aquilo que era considerado cientifico, possibilita esse entendimento por se constituir em padrão de uma ciência cartesiana. Atualmente, no entanto, possibilita uma compreensão sistêmica. As teorias da relatividade e quântica implicam a necessidade de olhar o mundo como um todo indiviso (MORAES, 1997, p.70). Esse fato se evidencia nas colocações de Capra (1996, p. 24) quando afirma que as novas concepções da física tem gerado uma profunda mudança em nossas visões de mundo; da visão de mundo mecanicista de Descartes e de Newton para uma visão holística, ecológica. Caminhar para uma mudança de paradigmas requer da humanidade transformações que nem sempre são de aceitação unânime, ou num mesmo momento, pois, [...] requer uma expansão não apenas de nossas percepções e maneiras de pensar, mas também de nossos valores (CAPRA, 1996, p. 27). E, segundo esse autor, a mudança de paradigma na ciência, em seu nível mais profundo, implica uma mudança da física para as ciências da vida (CAPRA, 1996, p. 29). No livro, As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável, Capra (2002, p.13) se propõe a aplicar também ao domínio social a nova compreensão da vida que nasceu da teoria da complexidade. Ao tratar o tema da complexidade, Tescarolo (2005, p. 55), por sua vez, defende que ela constitui uma categoria lógica e ontológica. Descreve as propriedades gerais dos sistemas complexos: entropia, enação e teleologia. Em relação à teleologia, o autor argumenta que a reflexão sobre a propriedade teleológica dos sistemas complexos nos reporta à questão das finalidades na educação. Essa ideia se vincula a princípios e valores e a ética que os critica

4 que regem as experiências pessoais em sociedade, com seus interesses e aspirações, sofrimento e prazer (TESCAROLO, 2005, p.76). A chegada do tão esperado século XXI acarretou desconforto para aqueles que ainda não haviam percebido que tudo muda constantemente e que os seres humanos fazem parte dessas mudanças. Não só enquanto seres passivos que sofrem os processos de mudanças, mas também enquanto agentes desses processos. Somente o homem pode ajudar ao homem. E, ao pensar desse modo, entende-se que a educação é o instrumento para compreender as inúmeras situações com as quais a humanidade se depara nos dias atuais. Na atualidade, é indispensável repensar a educação e o modo como ela pode contribuir para o bem estar da humanidade. Delors (2001, p. 11) introduz o prefácio do relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, evidenciando que ante os múltiplos desafios do futuro, a educação surge como um triunfo indispensável à humanidade na sua construção dos ideais da paz, da liberdade e da justiça social. Os estudos na área da educação acompanharam o percurso característico das ciências naturais e físicas. Trataram-se os fenômenos educativos como se pudessem ser isolados e alcançados em laboratórios. Segundo Lüdke e André (1986, p. 3) durante muito tempo se acreditou na possibilidade de decompor os fenômenos educacionais em suas variáveis básicas, cujo estudo analítico, e se possível quantitativo, levaria ao conhecimento total desses fenômenos. Outra característica marcante dessa compreensão era a crença numa perfeita separação entre sujeito de pesquisa, e o pesquisador, e seu objeto de estudo (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p.4). A separação entre sujeito e objeto desdobrou-se em polaridades excludentes com as quais se aprendeu a pensar e a conceber as coisas, a natureza, a educação e o próprio ser humano de forma isolada. Os sinais de falência desse paradigma forçaram o surgimento do novo paradigma científico, ancorado numa racionalidade complexa e interdisciplinar, denominado paradigma da complexidade, ou teoria da complexidade. Ele representa a possibilidade de se encontrar caminhos para o desenvolvimento da humanidade de forma mais sustentável, justa e solidária. Behrens (1999) cita Boaventura Santos (1989, 105) ao delinear um novo paradigma para o ensino e para a aprendizagem salientando ser dele a denominação emergente. Ao tratar o tema: a busca de um novo paradigma da complexidade na educação superior, Behrens (2006, p. 20) salienta que o paradigma inovador que acompanha a Sociedade do Conhecimento exige

5 mudanças profundas no que se refere à visão de mundo, de homem, de tempo, de espaço, entre outras. Acrescenta que a mudança afeta especialmente a Educação Superior. Esse fato implica numa postura ética dos envolvidos no processo educacional, comprometidos com o futuro da humanidade em relação à dignidade humana e à sustentabilidade ecológica. Assim, concebe-se que a sociedade do conhecimento demanda repensar a educação superior, e, em especial, a prática pedagógica dos professores (BEHRENS, 2006 p. 29). Nesse sentido, propõe que as dimensões que precisam compor a educação do século XXI devem contemplar uma visão ampla e holística e com abrangência critica e reflexiva (BEHRENS, 2006, p. 30). A preocupação com uma educação que envolva uma consciência planetária requer a participação ativa de toda a sociedade. Essa inquietação global com a humanidade se vislumbra em diversos segmentos. A UNESCO apresenta o Relatório, coordenado por Delors (2001) que tem como fruto os quatro pilares para educação do século XXI: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. Eles servem de parâmetros para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem na contemporaneidade. Werthein, ao apresentar a edição brasileira do livro, Os sete saberes necessários à educação do futuro, de Edgar Morin afirma que [...] uma educação só pode ser viável se for uma educação integral do ser humano. Uma educação que se dirige à totalidade aberta do ser humano e não apenas a um de seus componentes (WERTHEIN apud MORIN, 2002, p.11). No Relatório Delors (2001, p. 99) encontra-se que aprender a ser é visto pela comissão como princípio fundamental. Assim, a educação tem a missão de trabalhar para o desenvolvimento total da pessoa. espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal, espiritualidade. Essa incumbência comporta preparar [...] para elaborar pensamentos autônomos e críticos e para formar os seus próprios juízos de valor, de modo a poder decidir, por si mesmo, como agir nas diferentes circunstâncias da vida (DELORS (2001, p. 99). A aprendizagem deve ser continua ao longo da vida. Com os constantes progressos da sociedade há uma exigência de atualização dos saberes, que ao se penetrarem, se enriquecem. A comissão entende ainda que a educação, nesse sentido, deve ultrapassar esses objetivos, pois Deve fazer com que cada indivíduo saiba conduzir o seu destino, num mundo onde a rapidez das

6 mudanças se conjuga com o fenômeno da globalização para modificar a relação que homens e mulheres mantêm com o espaço e o tempo (DELORS, 2001, p.105). A proposta descrita por esse autor contempla o homem integral e desse modo, reflete os princípios do paradigma da complexidade. Segundo Gadotti (2006) a educação do homem integral, conhecida como Paidéia, foi o marco da educação para a Grécia porque os gregos valorizavam a Arte, a Literatura, as Ciências e a Filosofia. A formação incluía o corpo, a mente, a moral e os sentimentos. Nesse viés, realizavam a síntese entre educação e cultura. Arroyo (2008, p. 9) esclarece que trabalhar com a educação é tratar de um dos ofícios mais perenes da formação de espécie humana. E, que na prática, os docentes se orientam por saberes e artes aprendidas desde o berço da história cultural e social. No artigo Aprendizagem e conhecimento: conexões planetárias, Darós e Tescarolo (2007, p.113) salientam que cabe à escola, mediante uma aprendizagem transformadora e em colaboração estreita, com as demais instâncias da sociedade, criar e alimentar essa nova consciência planetária, que deve resultar na promoção de um desenvolvimento sustentável e integrado. PENSAR A DIMENSÃO HUMANA NA EDUCAÇÃO Diante de tantas novidades, num mundo tão complexo, não se crê que exista uma única verdade ou teoria para explicar todos os aspectos. Tescarolo (2005, p.45) defende que estamos apenas no inicio da viagem rumo ao entendimento da natureza e de nós mesmos. A teoria que explica tudo não está à nossa espera na curva da próxima descoberta e o fim do risco e da incerteza é apenas uma referência ideal no término da estrada. Assim, o desafio de ser professor nos dias de hoje impõe uma constante reflexão sobre a ação enquanto docente, em relação ao conhecimento, à metodologia e às práticas-pedagógicas empregadas para ensinar. Estar comprometido com essa ação requer do profissional a capacidade de promover em si e nos seus alunos a novidade do aprender a aprender (BEHRENS, 1999, p.123). Essa tarefa não é fácil, pois requer do professor um se desacomodar dos seus princípios, estereótipos e modelos arraigados ao longo dos anos na sua vida profissional, pessoal, social, afetiva e familiar. Pelo fato da pessoa do professor ser uma só, precisa ser una e transmitir essa

7 unidade no seu fazer. Portanto, o compromisso com a profissão de educador hoje, requer um educador em constante novidade de ser. Para isso, é necessário fazer metanóia, ou seja, mudar a mente. Pela etimologia, a palavra metanóia vem do grego, meta, que significa além; para além; nous: mente no sentido de intelecto. Por conseguinte, para uma humanidade sustentável necessita-se de um professor sustentável. Portanto, trabalhar com educação pressupõe um profissional capaz de romper os paradigmas que o impedem de encontrar as alternativas para a aprendizagem. Em conferência proferida na sede da UNESCO, Meneghetti (2006, p.17), ao abordar o tema Una nouva pedagogia per la società futura, diz que: o escopo da pedagogia é realizar um adulto capaz de ser verdadeiro para si e funcional para a sociedade. Refere também que a solução para melhorar o fato democrático é a educação: iniciar o quanto antes nas técnicas do conhecimento, da racionalidade, da responsabilidade e, em particular, da estética em si: o belo sempre é verdadeiro e bom (MENEGHETTI, 2006, p.19). No ofício de mestre, o professor tem a missão de articular o ser, saber e fazer, no convívio com os demais, num contexto de compromisso, responsabilidade e ética em relação à vida, à humanidade e imbuída de um comprometimento com a sustentabilidade planetária. Portanto, ser, saber e fazer devem se harmonizar para refletir a estética da vida que se transforma em ação na sociedade. Ser um professor na Educação Superior exige do profissional não apenas conhecimento teórico com competência em determinada área do conhecimento. Acima de tudo, exige-se conforme Masetto (1998, p.13) [...] um profissionalismo semelhante aquele exigido para o exercício de qualquer profissão. Já no entender de Behrens (2006, p.24) A ênfase na educação precisa recair na paixão pela investigação do conhecimento e na postura ética que torne os alunos e professores envolvidos e comprometidos com os destinos da humanidade. Desse modo, a busca por uma formação continuada está diretamente ligada ao desenvolvimento do professor enquanto pessoa e profissional. [...] professor é a pessoa, e que a pessoa é o professor. É desse modo que Nóvoa (2009, p.15) refere ser impossível separar as dimensões pessoais e profissionais. Que ensinamos aquilo que somos e que, naquilo que somos se encontra muito daquilo que ensinamos. Do mesmo

8 modo, cabe aos professores se prepararem para um trabalho sobre si próprio, para um trabalho de auto-reflexão e de auto-análise (NÓVOA, 2009, p.15). Para se comprometer com a vida do planeta é preciso que a educação esteja [...] adaptada ao fim que se persegue: permitir ao homem chegar a ser sujeito, construir-se como pessoa, transformar o mundo, estabelecer com os outros homens relações de reciprocidade, fazer a cultura e a história [...] (FREIRE, 1980, p.39). O homem, para não ser arrastado pela história precisa fazê-la, afirma Paulo Freire. E, para fazê-la é necessário que na sua existência possa compreender que faz parte dela. Só por meio da consciência de si e de sua ação no mundo poderá contribuir com um momento do tempo e participar das gerações futuras. Assim sendo, formar formadores requer uma responsabilidade e compromisso com o futuro da humanidade. A busca por um ser humano eticamente comprometido e responsável com a própria vida e com a vida do planeta é colocar cuidado em tudo (BOFF, 2000, p.102). Esse ato requer da Educação a busca por uma pedagogia que favoreça o equilíbrio como sugerido por Gasque e Tescarolo (2008). Conseqüentemente, faz-se necessário que o humano esteja ciente da sua ação nesse espaço de tempo e resgatá-lo enquanto sujeito da história, pois cabe-lhe a responsabilidade de agir com princípios éticos que promovam o bem estar da civilização. CONSIDERAÇÕES FINAIS O paradoxo entre os avanços técnico-científicos e os persistentes problemas de guerras só existem porque existem homens neste planeta. A vida continua sempre e são os seres humanos e não humanos que passam por ela. Se os humanos não estivessem nesse tempo e nesse espaço, isso tudo não existiria. Posto isso se faz necessário que o humano esteja ciente da sua ação nesse espaço tempo. Por isso, defende-se, que cada vez mais se faz necessário resgatar o humano enquanto sujeito da história, pois a ele cabe a responsabilidade de agir com princípios éticos que promovam o bem estar da civilização. Tomando por base os autores referendados neste texto, constata-se que não é possível deixar para amanhã a preocupação com o humano. Tratar das questões que o afligem faz parte

9 também do contexto histórico da universidade, que tem a responsabilidade de formar os profissionais que atuarão em uma sociedade a qual não foi devidamente prevenida. Os desafios constantes implicam num novo sujeito da educação. O novo paradigma indica a busca, por parte dos professores, de um repensar suas práticas. Um repensar que envolva todo o seu fazer enquanto professor e o seu fazer enquanto pessoa. Estar imbrincado daquilo que faz, coloca o professor como o protagonista responsável com a sua vida e com a sua profissão. Por isso, cabe esclarecer que a palavra protagonista, vem do grego e compõe-se de outras duas palavras: protos = primo e gonista = atleta, ator. (CUNHA, 2001) e (FERREIRA, 2010). No teatro, protagonista é o primeiro ator, o primeiro que age. Na educação, o professor deve ser o primeiro que faz. Tem uma tarefa precisa, deve realizar no plano social. Por isso, tem a responsabilidade de formar. A palavra responsável, vem do Latim, res + pondere: podere = colocar na balança e pesar. Pesar o bem comum, no sentido de comunhão. Então, ser protagonista responsável significa, responder ponderar o bem - em primeira pessoa, todas as ações que faz aquele que faz provocar os eventos. (FERREIRA, 2010). Assim, se o professor é o protagonista responsável com a sua profissão, nesse contexto atual requer que esteja em constante revisão do seu fazer. É o primeiro a responder ao bem comum - no que tange a educação para que por meio da sua prática e suas ações mobilizem a ação dos seus alunos. Num fazer com responsabilidade e comprometidos com o bem comum frente à vida nesse planeta. É no cotidiano de suas ações enquanto educadores, formadores de formadores, que reflete aquilo que compreende enquanto profissional da Educação. Nesse sentido, se requer de cada professor, a exatidão enquanto profissional e pesquisador. Para se alcançar esta dimensão, é preciso compreender primeiro que, aquilo que o constrói enquanto pessoa, o forma enquanto profissional. Os princípios propostos aos estudantes, primeiro precisam ser absorvidos pelo professor. Conhecer, fazer, conviver e ser, implicam em compromisso ético com o humano. Ao responder com a ética própria de cada ser, ética da vida produz-se a ética para a sociedade mais humana e sustentável nesse planeta. Cabe então, aos professores provocar a si mesmo com preocupação frente suas práticas. Preocupação - no sentido de pré-ocupar com aquilo que fazem em suas atividades como profissionais da educação. Pré-ocupar no sentido de ser capaz de provocar em si e nos pares as

10 suas necessidades de refletir o ser um formador de futuros professores. E dividir com eles algumas questões que sejam o eixo de reflexões emancipatórias frente às constantes mudanças e exigências do processo civilizatório atual. REFERÊNCIAS ARROYO, Miguel, G. Ofício de mestre: imagens e auto-imagens. 10. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. BEHRENS, Marilda A. O Paradigma emergente e a prática pedagógica. Curitiba: Champagnat, 1999.. Paradigma da complexidade: metodologia de projetos, contratos didáticos e portfólios. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006. BOOF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano - compaixão pela terra. 6. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2000. CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 1996.. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. São Paulo: Cultrix, 2002. CUNHA, Antonio Geraldo da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 2.ed. 14.imp., 2001. DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: MEC: UNESCO, 2001. DARÓS, L.; TESCAROLO, R. Aprendizagem e conhecimento: conexões planetárias. Diálogo Educação. Curitiba, v.7, n.20, p.133-141, jan./abr. 2007. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Disponíivel em: http://www.dicionarioaurelio.com. Acesso em: 23/11/2010. FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação. Uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. 3 ed. São Paulo: Moraes, 1980. GADOTTI, Moacir. História das idéias pedagógicas. São Paulo: Ática. 2006. GASQUE, K. G. D.; TESCAROLO, R. Por uma pedagogia do equilíbrio. Educação e Pesquisa. São Paulo, v.34, n.1.p.139-150, jan./abr. 2008.

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