A FAO E O BRASIL: POLÍTICAS ARTICULADAS VISANDO O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA



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Transcrição:

A FAO E O BRASIL: POLÍTICAS ARTICULADAS VISANDO O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA FAO AND BRAZIL ARTICULATED POLICIES AIMING THE HUMAN RIGHT TO ADEQUATE FOOD Anna Flávia Magalhães de Caux Barros 1 Flávia Souza Máximo Pereira 2 RESUMO: O presente artigo analisa as políticas da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e seus reflexos no Brasil concernente ao direito humano à alimentação adequada, mediante pesquisa filiada à vertente jurídico-teórica. Primeiramente, é examinada a proteção jurídica concernente ao direito humano à alimentação adequada, bem como o seu conceito. Sucessivamente, são analisadas as políticas articuladas entre a FAO e o Brasil, destacando a atuação do país na FAO e a atuação da referida organização no Brasil. Por fim, é elaborada uma breve conclusão, ressaltando o novo aspecto da relação entre o país e a FAO, na qual foi superada a dicotomia doador-receptor de assistência internacional. PALAVRAS-CHAVE: Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO); Direito humano à alimentação adequada; Políticas públicas. ABSTRACT: This article analyzes the policies of the Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO) and its consequences in Brazil concerning the human right to adequate food, through research focused on legal-theoretical aspects. First, is examined the legal protection concerning the human right to adequate food, as well as your concept. Afterwards, it is analyzed articulated policies between FAO and Brazil, highlighting the role of the country at FAO and the role of the organization in Brazil. Finally, is elaborated a brief conclusion, highlighting the new aspect of the relationship between Brazil and FAO, which has overcome the donor-receiver dichotomy of international assistance. KEYWORDS: Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO); Human right to adequate food; Public policies. 1 INTRODUÇÃO: O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA 1.1. Proteção jurídica ao direito humano à alimentação adequada Foi no contexto pós-segunda guerra mundial, em resposta às atrocidades cometidas durante sua ocorrência que surgiu um movimento de internacionalização dos direitos humanos, no qual o direito à alimentação encontrou seu primeiro reconhecimento. Em 1948, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948),consagrando a exigibilidade do direito à alimentação. Em 1966, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) reforçou o direito fundamental de todas as pessoas à alimentação e a obrigação dos Estados 1 Pós-Graduanda em Direito Público pelo IEC PUC/MINAS. Orientadora da Divisão de Assistência Judiciária (DAJ) da UFMG. Advogada. 2 Doutoranda em Direito Civil e Direito do Trabalho - Universidade de Roma Tor Vergata. Advogada.

em prover a subsistência dos cidadãos. Em 1996, na Cúpula Mundial da Alimentação, organizada pela FAO, buscou-se mobilizar todos os países membros a se engajarem na erradicação da fome no mundo, comprometendo-se a implementar o direito à alimentação adequada de forma gradativa, de modo a garantir a segurança alimentar para toda a população até o ano de 2015. Em 1999, foi adotado pela ONU o Comentário Geral nº 12, o qual ampliou a definição do direito à alimentação, tratando-o como indivisível e inter-relacionado à dignidade humana e indispensável para o cumprimento dos demais direitos humanos, concebido como inseparável da justiça social (PIOVESAN, 2007, p. 32). Ainda em 1999, o Pacto de San Salvador incluiu o direito à alimentação na Convenção Americana de Direitos Humanos. Ressalte-se que o Brasil é parte de todas as convenções internacionais relevantes sobre o direito humano à alimentação adequada. No Brasil, a CR/88 consagra a dignidade humana como um dos fundamentos da República (art. 1º, III). O art. 5º, 2º dispõe que os direitos fundamentais ali elencados não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte, adotando, portanto um sistema aberto de direitos. Além disso, a EC nº64/10 incluiu o direito à alimentação no rol dos direitos sociais do art. 6º da CR/88. Apesar de simbolizar uma vitória contra a fome no Brasil, a positivação do direito à alimentação encontrou críticas em parte da doutrina que considerou tal formalização uma inutilidade, haja vista sua congruência lógica com a dignidade da pessoa humana. Ademais, verifica-se ainda que a CR/88, em outros momentos, faz menção expressa ao direito à alimentação 3. Por fim, tal direito também é garantido pela Lei 11.346/06 (Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional), criadora do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) e pela Lei 10.683/03, criadora do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA). 1.2. Conceito do direito humano à alimentação adequada O Comentário Geral nº12 aprovado em 1999 pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, ao estabelecer disposições relativas ao direito à alimentação adequada, previsto no art. 11 do Pacto, dispôs em seu item nº 6 que o direito à alimentação adequada se exerce quando cada homem, mulher e criança, tem acesso físico e econômico, ininterruptamente, à alimentação adequada e aos meios para obtê-la. O direito à alimentação adequada não deve ser interpretado, portanto, de forma estreita ou restritiva, assimilando um conjunto de calorias, proteínas e outros elementos nutritivos e deverá ser alcançado 3 Vide art. 200, IV; art. 208, VII; art. 227; art. 7º, IV da Constituição da República de 1988.

progressivamente (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1999). Portanto, o direito humano à alimentação adequada destina-se, indistintamente, a todas as pessoas e liga-se ao acesso físico e econômico de forma permanente, livre e regular a um alimento nutritivo, adequado e saudável, em quantidade e qualidade suficiente, que observe as tradições culturais e que seja obtido de maneira sustentável, sem prejuízo das gerações futuras, assegurando a todos os cidadãos uma vida digna. Ademais, é preciso salientar que o direito à alimentação não se resume ao direito de estar livre da fome. A mera satisfação da fome, isto é, o direito de estar livre da fome compreende o consumo de alimentos por si só, sem observância das quantidades e qualidades nutricionalmente consideradas adequadas. O direito humano à alimentação adequada liga-se ainda ao acesso aos recursos produtivos, como água e terra. Desse modo, obrigam-se os Estados a garantir o acesso à terra, em especial por meio de políticas de reforma agrária. Neste sentido, foram elaboradas as Diretrizes Voluntárias da FAO, com a finalidade de apoiar os Estados a realizar progressivamente o direito à alimentação adequada no contexto da segurança alimentar nacional. 2- A FAO E O BRASIL: POLÍTICAS ARTICULADAS 2.1 A atuação do Brasil na FAO A FAO foi fundada em 1945 com o objetivo de erradicar a fome, a desnutrição e a insegurança alimentar ao redor do mundo, mediante o desenvolvimento agrícola e rural sustentável e a redução da pobreza rural. Sediada em Roma, a FAO é a maior agência especializada no seio da ONU e é composta por 191 países além da Comunidade Europeia, representando uma espécie de fórum neutro. Membro da FAO desde sua criação, apenas a partir de 2003, verificou-se uma participação ativa do Brasil na organização, reflexo da mudança da política nacional que anteriormente era predominantemente neoliberal na política de alimentos. O desenvolvimento de uma democracia social no Brasil demonstra a relação direta entre participação política e soberania alimentar, o que também se reflete na sua política externa, redirecionada para abordar os princípios de participação e intersetorialidade. Assim, em 2005, o Brasil presidiu o Comitê do Conselho para avaliação externa independente, com o objetivo de formular propostas para reforma da FAO. A atuação do Brasil contribuiu para a reformulação do plano imediato de ação da FAO, redefinindo a estratégia de atuação especialmente em relação ao Comitê de Segurança Alimentar. A experiência brasileira adquirida com o sucesso dos

programas nacionais contribuiu para o desempenho de um novo papel internacional do Brasil, superando a dicotomia doador-receptor de assistência internacional, a qual foi transformada em uma relação de recíproca colaboração, redefinindo o diálogo com a ONU. Dessa forma, o Brasil assumiu a liderança na América latina perante a FAO, participando da construção da paz no Haiti, ligada à execução do programa de segurança alimentar naquele país e tornandose também protagonista na iniciativa continental da FAO América Latina e Caribe sem fome: 2025, adotada em 2006. Com a mudança de paradigma de política interna e externa, a atuação do Brasil na FAO é cada vez mais intensa, mediante maior participação nos fóruns políticos e na defesa de mais espaço para países em desenvolvimento e para a sociedade civil. 2.2 A atuação da FAO no Brasil A FAO iniciou suas atividades no Brasil em 1949. Apesar se seus esforços, até o final dos anos 90, os resultados obtidos no combate à fome e à pobreza no Brasil eram tímidos, vez que a insegurança alimentar no país já não era mais causada somente por condições objetivas, como baixa tecnologia, mas por elementos que estavam sob o controle humano, ou seja, fruto das políticas econômicas nacionais. Somente em 2003, a hegemonia neo-liberal começou a modificada, com elaboração de políticas que privilegiavam a segurança alimentar interna com enfoque intersetorial, mediante um quadro descentralizado (SISAN, CONSEA), resgatando a territorialidade, permitindo a pluralidade de modelos produtivos sacrificados pela globalização. Tendo em vista tal transformação, a FAO iniciou a elaboração de políticas complementares às iniciativas do governo nacional. Atualmente, a FAO segue duas linhas temáticas principais no Brasil: segurança alimentar, redução da pobreza e desenvolvimento rural e gestão sustentável dos recursos.na primeira linha temática, o principal projeto da FAO é o apoio à implementação e ao alcance dos resultados do Programa Fome Zero, em parceria com o Ministério da Educação, iniciando uma proposta de educação ambiental/alimentar, que inclui o uso de hortas escolares na aplicação do conhecimento e complementação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Na mesma linha temática, a FAO instaurou o projeto Nova organização produtiva e social da agricultura familiar brasileira uma necessidade, que tem o intuito de promover uma evolução na organização produtiva e social da agricultura familiar e o projeto Segurança Alimentar e Nutricional de Mulheres e Crianças indígenas no Brasil, que visa garantir a segurança alimentar de crianças e mulheres indígenas vulneráveis no Mato Grosso do Sul e Amazonas. Na segunda linha temática, a FAO conta

com os projetos de desenvolvimento de comunidades costeiras, no qual o objetivo principal é reduzir a pobreza destas comunidades e assegurar a utilização mais sustentável dos recursos marinhos; o projeto de consolidação do programa nacional de florestas,que visa promover a recuperação de ecossistemas degradados; o projeto de manejo florestal, apoio à produção sustentável e fortalecimento da sociedade civil na amazônia brasileira, que incentiva o desenvolvimento sustentável no Pará, mediante o fortalecimento da sociedade civil e mediação de conflitos (FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION, 2009). 3 CONCLUSÃO Apesar da FAO atuar no Brasil desde a sua criação em 1949, os grandes resultados na redução da pobreza e da fome foram obtidos somente a partir de 2003, quando houve uma mudança na política nacional, superando-se o paradigma neo-liberal. A experiência brasileira adquirida com o sucesso dos programas nacionais redefiniu sua relação com a FAO, que aqduiriu uma perpectiva de recíproca colaboração, superando a dicotomia doadorreceptor de assistência internacional. O país assumiu um papel de liderança internacional na concretização do direito humano à alimentação adequada. As políticas elaboradas pela FAO para o Brasil deixaram de ser pioneiras e assumiram um caráter de complementariedade às iniciativas já elaboradas pelo governo nacional. Tal colaboração já demonstra resultados concretos 4, mediante projetos que buscam o resgate à territorialidade, o que não significa o isolamento do país no cenário internacional,vez que é indispensável a conjugação entre políticas de desenvolvimento sustentável agro-alimentar local e nacional e o dever de cooperação internacional para concretizar tais fins. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, Saraiva, 2010. FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION (FAO), Projetos da FAO no Brasil, 2009. Disponível https://www.fao.org.br/listaproj.asp>. Acesso em 28 jul. 2013 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, Genebra, 1999. Disponível em <http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf>. Acesso em 15 ago. 2013. PIOVESAN, Flávia; CONTI, Irio Luiz (Coord.). Direito Humano à Alimentação Adequada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. 4 Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 2003 e 2005, a pobreza recuou em 19,2%. (FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION, 2009)