RAFAELA APARECIDA DA SILVA



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Transcrição:

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS - RIO CLARO ECOLOGIA RAFAELA APARECIDA DA SILVA LEVANTAMENTO SÓCIO-AMBIENTAL DO ACAMPAMENTO ELISABETE TEIXEIRA, LIMEIRA/SP: SUBSÍDIO AO INCENTIVO DE PRÁTICAS AGROECOLÓGICAS Rio Claro 2008

RAFAELA APARECIDA DA SILVA LEVANTAMENTO SÓCIO-AMBIENTAL DO ACAMPAMENTO ELISABETE TEIXEIRA, LIMEIRA/SP: SUBSÍDIOS AO INCENTIVO DE PRÁTICAS AGROECOLÓGICAS Orientador: BERNADETE AP. C. C. OLIVEIRA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Câmpus de Rio Claro, para obtenção do grau de Ecólogo. Rio Claro 2008

630 Silva, Rafaela Aparecida da S586L Levantamento sócio-ambiental do acampamento Elisabete Teixeira, Limeira SP / Rafaela Aparecida da Silva. Rio Claro: [s.n.], 2008 104 f. : il., figs., tabs. Trabalho de conclusão (Ecologia) Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro Orientador: Bernadete Aparecida C.C. Oliveira 1. Agricultura. 2. Agroecologia. 3. Assentamento e acampamento rural. 4. Conhecimento local. 5. Preservação da natureza. I. Título. Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP

AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, gostaria de agradecer à professora Bernadete Castro pela sua orientação neste trabalho. Mais do que isso, agradecê-la pela amizade, conselhos, incentivos, oportunidades e cafés durante todo este tempo em que trabalhamos juntas. Ela sempre foi paciente e sempre esteve disposta a me ajudar. Bernadete, muito obrigado de coração! E que o trabalho não pare por aqui... Sou eternamente grata também à professora Dalva Bonotto, que foi minha primeira orientadora na universidade. Dalva, você foi essencial à minha formação como ecóloga. Porém, nada disso estaria acontecendo se não fosse pelos meus pais. Foram eles que sempre me apoiaram e incentivaram durante toda a graduação, tornando este sonho possível. Agradeço também a minha irmã, que é a IRMÃ e a Aninha, que é a SOBRINHA. Agradeço à turma de 2004. Meu, vocês foram incríveis, e vou levá-los pela vida. Por isso que eu digo: vamo lá, vamo lá, vamo lá galera vamo lá. Força, coragem e fé!!!! e logicamente: 1, 2, 3, quaaaaaaaatro, 4, 4, 4, 4...2004! Meus queridos amigos, obrigado por existirem: But (Príncipe!), Julia (Julião), Claudia, Jana, Mari (Japa), Pacífico, Yuri, Sayuri, Lika, Pavão, Savana, Monique, Maria Alice, Juliana, Natália (Ingrates), Soraya, Chewbaquinha, Hélio Hermínio, EEEEEElson, Nativo, Marina, Pablo, Déa, Pituxa, Zeca, Capote, Ivo, Meire, Dedê, e todos os outros que eu não coloquei o nome. Com vocês, a UNESP é muito mais legal! E como poderia ficar sem falar do Fórum: Jane, a amiga mais louca que já tive nesta vida e acho que em outras também, te adoro menina! Manu, a carioca que já está falando o rioclarense melhor do que eu, você sabe que mesmo a gente não pensando igual em quase nada, eu adoro você! Thaís, a minha irmã gêmea (segundo alguns loucos), você é muito especial, gosto de você para mais de metro, até porque você é uma das únicas que acredita nos meus dotes como goleira. Carla, a mais centrada das 7, no entanto, tão louca quanto, mas com o agravante de transmitir muita segurança. E é amiga, e não é pouco não, é muito!

Carol RA, filha minha, sem palavras para falar de você, amiga de danças esquisitas, a minha co-orientadora não oficial, e amiga para toda a hora, e o melhor: besta como eu, no melhor sentido da palavra. Limps, (Letícia), eu sempre pude contar com você. Até quando estava na Alemanha! Você sabe, eu adoro a sua pessoa, porque além de minha amiga do coração, é a mamis que você escolheu para mim. E já está sabendo, filho a gente nunca abandona. Meninas vocês são para sempre!!!!!!!!!!! Faço também um agradecimento a uma pessoa que foi muito importante para a conclusão deste trabalho, dando força nos momentos em que eu achava que nada iria dar certo, que me mandava parar de enrolar e me concentrar e também pelas correções, que não foram poucas: Helena, muito obrigada! Você tem me dado muita força. Ah, você sabe...valeu mesmo! Pessoas que me ajudaram nas entrevistas, agradeço muito a vocês. Não só pela ajuda, mas, principalmente, por serem meus amigos: Caramelo, Frei, Biz, Issa, Say, Natasha, Xena, Tertúlio, Beraba... Gente, sem vocês eu nunca teria feito esse TCC em um ano, talvez em dez, vinte, mas em um jamais!!!! Além destas pessoas, tiveram outras três que, na verdade, nem sei como expressar a importância que tiveram nesse trabalho: Marina (Japa), mas que para mim é a Rédea, Thaisão, minha seguidora (até parece!) e Baiano. Vocês foram muito importantes e tiveram participação essencial, especial, inenarrável!!!! Em todo o processo, gente, eu estou falando da graduação toda. Para vocês o meu muito obrigado e aquele abraço! Agradeço também a Bete, do Deplan, que sempre está disposta a ajudar a todos os desesperados. E por fim, agradeço a todos os acampados do Acampamento Elisabete Teixeira, sem o apoio e a colaboração de vocês esse projeto seria inviável. Espero, realmente, que nosso trabalho não se limite a esse TCC! Vocês foram os personagens principais disso tudo.

SUMÁRIO Página RESUMO...6 1. INTRODUÇÃO... 7 1.1. Agricultura convencional ou moderna...7 1.2. Agroecologia...11 1.3. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)...13 1.4. O Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS)...15 1.5. Experiências do MST com a agroecologia...17 2. OBJETIVOS... 18 3. MATERIAIS E MÉTODOS... 19 3.1. Área de Estudo... 19 3.2. Acampamento Elisabete Teixeira... 20 3.3. Levantamento Sócio-Ambiental... 23 3.4. Público alvo... 25 4. RESULTADOS OBTIDOS... 26 4.1. Caracterização dos sujeitos da pesquisa e dos moradores do Elisabete Teixeira... 26 4.2. O sustento atual... 34 4.3. Problemas... 35 4.4. Vantagens e/ou facilidades... 38 4.5. Culturas e criações... 39 4.6. O sustento e a propriedade no futuro... 43 4.7. Agroecologia e agricultura... 46

4.8. Natureza e meio ambiente... 47 4.9. Lixão : o aterro sanitário de Limeira... 56 4.10. Solos...57 4.11. Pragas e Doenças... 62 4.12. Agrotóxicos...63 4.13. Algumas práticas agroecológicas...63 4.14. Sonho...67 5. OFICINAS REALIZADAS NO ACAMPAMENTO ELISABETE TEIXEIRA...68 5.1. A mulher na zona rural...72 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS...74 7. REFERÊNCIAS...76 8. ANEXOS... 81 8.1 Anexo A - Roteiro das entrevistas... 82 8.2. Anexo B - Cartilha da Oficina 1: Agricultura e Meio Ambiente... 94 8.3. Anexo C - Cartilha da Oficina 3: Solos...100

6 RESUMO Esta pesquisa teve como objetivo o levantamento sócio-ambiental dos moradores do Acampamento Elisabete Teixeira, localizado no município de Limeira (SP), identificando a trajetória de vida, as relações com a terra e com o meio ambiente, as pretensões futuras, entre outros aspectos. Através dos dados obtidos foi possível elaborar oficinas que subsidiaram o incentivo às práticas da agroecologia, valorizando o conhecimento local e a preservação ambiental. Também foram elaboradas cartilhas com a intenção de difundir, entre os acampados, os conhecimentos e os temas abordados nas oficinas. As metodologias utilizadas foram a pesquisa-ação participativa e entrevistas semi-estruturadas. Os resultados deste trabalho mostram que os acampados têm sua origem relacionada ao campo e que antes da vinda para o acampamento residiam em municípios vizinhos à cidade de Limeira. No Elisabete Teixeira as atividades prioritárias estão relacionadas à produção e à criação agrícola, com o intuito da soberania alimentar da família. Com relação aos desejos futuros, o maior deles é a conquista da terra, para a produção e a reprodução familiar. Esta pesquisa também apontou um fato importante durante as oficinas, a participação efetiva das mulheres no acampamento. Nas oficinas também houve um reconhecimento por parte destas mulheres com relação aos seus conhecimentos e práticas na agricultura e no meio ambiente. Esta pesquisa apontou a importância de se investigar os saberes e práticas camponesas, atrelando-os aos conhecimentos científicos advindos dos estudos e pesquisas acadêmicas, e abriu possibilidades para a construção de novas propostas de trabalhos entre acampados e pesquisadores no sentido da consolidação da reforma agrária. Palavras-chave: agroecologia, assentamento e acampamento rural, conhecimento local, preservação da natureza.

7 1. INTRODUÇÃO 1.1. Agricultura convencional ou moderna A partir do século XIX a lógica existente em cultivar respeitando as leis da natureza foi deixada de lado em virtude da disseminação dos conhecimentos da química agrícola. Começou-se a pensar, portanto, que a agricultura moderna seria necessária e que a prática de algumas ações conservacionistas poderia contornar o impacto negativo que ela causaria na natureza (ASSIS, 2005). Esse autor afirma que houve um evidente aumento na produção de alimentos e na disponibilidade desses por habitante entre os anos de 1950 e 1984. Porém, a partir daí observou-se um declínio na produtividade agrícola mundial, com o agravante da ocorrência de problemas ambientais. No Brasil, esta agricultura moderna ou convencional acarretou o surgimento e/ou o agravamento de diversos problemas, principalmente de ordem social e ambiental. À medida que tais questões ganharam importância, foram percebidas em toda sua extensão. As estratégias da agricultura convencional, segundo Altieri (2001), são limitantes em sua capacidade de promover um desenvolvimento sustentável. Por isso, não são capazes de atingir os mais pobres e nem de resolver problemas de fome, desnutrição e as questões ambientais. O modelo agrícola convencional visa o lucro e a produção máxima, não se importando com suas conseqüências a médio e longo prazo e desconsiderando a dinâmica ecológica dos agroecossistemas. Para atingir seus objetivos, utiliza práticas que contribuem com a perda da biodiversidade, tornando o ambiente mais susceptível ao ataque de pragas. Acarretando um uso mais intenso de fertilizantes e outras formas de energia externa. Constitui-se assim um ciclo vicioso, já que os agricultores tentam remediar os problemas causados, sem perceber que cada vez mais ficam dependentes destes produtos (FERNADES, RIBEIRO e AGUIAR- MENEZES, 2005; FORNARI, 2002). Dentre as práticas convencionais, merecem destaque:

8 Cultivo intensivo do solo Prática que permite uma melhor drenagem do solo, com crescimento rápido das raízes que facilitam a aeração e a semeadura, além de controlar as ervas adventícias. Quando o cultivo intensivo é combinado com rotações de curta duração, as regiões aradas ou cultivadas diversas vezes no ano podem ficar longos períodos sem cobertura. Ocorre então um comprometimento da fertilidade do solo, devido à perda de matéria orgânica. O uso constante de máquinas pesadas acelera a compactação do solo, aumentando a erosão (GLIESSMAN, 2005). Monocultura Permite ao agricultor plantar a mesma cultura em escalas muito extensas, obtendo economia na compra de sementes, fertilizantes e equipamentos, além de favorecer o uso de máquinas para preparar o solo. O agricultor gasta menos com mão-de-obra, permitindo um maior investimento em tecnologias que potencializem a produção. Por existir apenas uma cultura, a área torna-se mais suscetível aos ataques de pragas e doenças específicas, o que incentiva o uso de agrotóxicos (GLIESSMAN, 2005). Fertilizantes Sintéticos: A aplicação destes produtos supre as necessidades nutricionais das plantas em curto prazo, já que seus componentes minerais são lixiviados com certa facilidade. Desta forma, os agricultores desconsideram a fertilidade do solo e os processos que o mantém (GLIESSMAN, 2005). Quando a plantação é irrigada, o problema torna-se mais grave, pois os componentes minerais destes fertilizantes podem atingir os corpos d água (causando a eutrofização) e chegar ao lençol freático. Irrigação: Quando a quantidade de água disponível é insuficiente para o desenvolvimento máximo da planta, a irrigação é recomendada. A utilização de um sistema de irrigação permite uma produção regular durante o ano, evitando problemas com a sazonalidade das chuvas. Com isso, além da maior garantia de safra, a produtividade da planta aproxima-se de seu máximo potencial e ainda há a melhoria na qualidade dos produtos colhidos (ROQUE, 2007).

9 Ainda segundo esse autor, os diversos projetos de irrigação não apresentam planejamento apropriado e, depois de implantados, são conduzidos sem a devida preocupação com o manejo e com as operações adequadas, acarretando numa baixa eficiência, que compromete a expectativa de aumento da produtividade. Assim, se realizada de forma errada, a irrigação, como já explicitado anteriormente, contribui com a lixiviação de fertilizantes da lavoura para os corpos d água, além de aumentar a taxa de erosão do solo. Também é prejudicial ao se utilizar água subterrânea, já que quando retirada em quantidade maior do que reposta pela chuva, o nível do lençol freático diminui. Conforme Gliessman (2005), a agricultura é uma das maiores consumidoras de água do mundo. Tal fato deve-se ao desperdício, já que grande parte da água utilizada não é absorvida pelas plantas. Em locais com irrigação intensa, há mudanças na hidrografia e no microclima, prejudicando a vida animal. Uso de agrotóxicos para o controle de pragas e de ervas adventícias: Os agrotóxicos podem baixar a população de pragas que atacam uma lavoura, matando também os predadores naturais dessas. No entanto, as pragas que sobrevivem podem recuperar-se e chegar a uma população maior e mais resistente à anterior, obrigando o agricultor a fazer uso mais intenso do produto em questão. Segundo Gliessman (2005), quando aplicados na plantação, os agrotóxicos são lavados e lixiviados para a água superficial e subterrânea. Entram na cadeia alimentar afetando os animais em todos os níveis tróficos, podendo persistir por décadas. O uso do agrotóxico mantém o desequilíbrio - seja ele causado pelo metabolismo das plantas, pela constituição físico-química e biológica do solo ou pelas cadeias tróficas - que originou o ataque destes organismos. Portanto, mantendo a causa, os efeitos prejudiciais voltarão, exigindo aumento na freqüência e na dose aplicada (FERNANDES, RIBEIRO e AGUIAR-MENEZES, 2005). Manipulação de genomas de plantas: A manipulação de genomas de plantas gerou sementes híbridas mais produtivas do que suas variedades semelhantes não híbridas. As variedades híbridas são mais exigentes para seu sucesso reprodutivo, necessitando de intensa aplicação de fertilizantes inorgânicos. Em contrapartida, são menos resistentes e exigem maior quantidade de agrotóxicos para protegê-

10 las de pragas, além de não produzirem sementes com o mesmo genoma que as plantas que lhe deram origem, fazendo com que os agricultores dependam de produtos comerciais (GLIESSMAN, 2005). Impacto na biodiversidade Pode-se constatar que a biodiversidade não foi e não é levada em conta em nenhum aspecto no processo produtivo convencional, sendo ignorados também seus aspectos positivos na agricultura. Altieri (2002) afirma que deve-se manter e aumentar a biodiversidade nos agroecossistemas, pois ela desempenha importantes funções ecológicas, como: reciclagem de nutrientes; controle microclimático; controle de processos hidrológicos e da população de organismos indesejáveis. De acordo com esse autor, a biodiversidade é importante nos limites entre as áreas cultivadas, pois possibilita hábitat favorável e alimento à fauna e aos insetos benéficos, além de modificar a velocidade do vento e o microclima local. Impacto nas relações sociais A desigualdade social também se intensifica neste modelo de produção agrícola, pois os benefícios não são distribuídos igualmente. Os agricultores de subsistência são deslocados pelos grandes produtores de exportação para terras marginais, resultando em desmatamento, erosão e danos sociais e ecológicos severos. De acordo com Gliessman (2005), este sistema de agricultura também é responsável pelo aumento das relações de dependência aos países desenvolvidos. A mão-de-obra humana é trocada por máquinas, levando a população rural para as cidades. Desta forma, a população que antes era capaz de produzir o próprio alimento e ainda vender algum excedente para a população urbana, torna-se dependente de outras fontes de alimentação. E, para suprir as necessidades da crescente população urbana, aumentam as importações de produtos, principalmente de países desenvolvidos. A solução seria o emprego de uma agricultura sustentável que utilizasse práticas agrícolas baseadas nos processos ecológicos (nas áreas produtivas e ao seu redor), gerando lucro e produtividade suficientes para suprir as necessidades dos agricultores (GLIESSMAN, 2005).

11 1.2. Agroecologia Segundo Gliessman (2005), uma agricultura sustentável é aquela que tem menores efeitos negativos no ambiente; preserva e recompõe a fertilidade do solo (prevenindo-o da erosão e mantendo suas características ecológicas); conserva a biodiversidade e dependa dos recursos internos dos agroecossistemas. Dessa forma, é garantida a igualdade de acesso às práticas, conhecimentos e tecnologias agrícolas adequadas, que possibilitam o controle local dos recursos agrícolas. Ainda segundo esse autor, estes aspectos podem ser encontrados na agroecologia que é a aplicação de conceitos e princípios ecológicos no desenho e manejo de agroecossistemas sustentáveis. A agroecologia proporciona o conhecimento e metodologia, necessários para desenvolver uma agricultura que é ambientalmente consistente, altamente produtiva e economicamente viável (...), ela valoriza o conhecimento local e empírico dos agricultores, a socialização desse conhecimento e sua aplicação ao objetivo comum da sustentabilidade (pág. 54). Para Altieri (2002), os modelos de agricultura sustentável devem combinar elementos da agricultura tradicional com o conhecimento científico moderno. É necessário, também, o reconhecimento dos governos de que o conhecimento da população rural é o principal recurso. Esta agricultura deve contribuir com o desenvolvimento rural e com a igualdade social, sendo seu objetivo principal a estabilidade de produção em longo prazo. Conforme Altieri (2001), a agroecologia incentiva os pesquisadores a conhecer as técnicas dos agricultores e a desenvolver agroecossistemas com a mínima dependência de insumos externos. Ela trabalha com as interações entre os componentes biológicos para aumentar a fertilidade do solo e sua produtividade, além da proteção das culturas. No entanto, as complicações sociais e os preconceitos políticos mais do que os de ordem técnica, são as principais barreiras na transição para sistemas agrícolas de baixo consumo de energia e uso intensivo da mão-de-obra (ALTIERI, 2002). Um dos obstáculos que pode ser encontrado para a prática agroecológica é que as grandes empresas agrícolas não têm interesse em tecnologias que preservem o meio ambiente e não lhes retornem o lucro estimado após os altos investimentos nas atuais tecnologias. Outros fatores, apontados por Altieri (2002), que agravam este quadro são que as técnicas sustentáveis devem ser específicas para cada local. Durante a fase de transição, a produção e a qualidade do produto podem variar e gerar irregularidades na colheita, inibindo

os investimentos, comprometendo os lucros dos produtores e suas relações com os atacadistas. 12 Importância da população rural Altieri (2001) afirma que o conhecimento de grupos locais com relação ao meio ambiente pode ser bastante detalhado, resultando na criação de estratégias produtivas de uso da terra e, dentro de alguns limites ecológicos e técnicos, na auto-suficiência alimentar das comunidades locais. Agroecologia e saber local são propostas de vários movimentos sociais no campo, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e a Via Campesina. Numa agroecologia participativa, os objetivos econômicos, sociais e ambientais devem ser definidos pela comunidade rural local e implementados às tecnologias de baixo uso de insumos externos, para que haja o crescimento econômico, a igualdade social e a preservação ambiental (ALTIERI, 2001). Uma característica dos plantios realizados por agricultores tradicionais é a grande diversidade de culturas, o uso de sistemas agroflorestais (SAF s) e a prática de rotação de culturas. Esses produtores utilizam seus conhecimentos e os recursos disponíveis para obter uma colheita farta e diversificada e para não correr o risco de perder todo o plantio devido ao ataque de pragas. É uma atividade que exige tecnologia e gasto mínimo, além de garantir uma boa qualidade do solo. Para manter esta diversidade, também realizam trocas de sementes com outros produtores. De forma geral, Altieri (2001) aponta quatro aspectos dos sistemas tradicionais relevantes para a agroecologia: os conhecimentos sobre o meio ambiente local; o nome tradicional de determinada espécie (pode apontar sua importância ou função naquela comunidade); a natureza experimental do conhecimento tradicional (que não é resultado apenas de observações) e o conhecimento de práticas agrícolas. Policultivo na agroecologia O policultivo contribui com a saúde do solo. A tendência de algumas culturas em gastar todo o nutriente por ele oferecido é compensada pelo cultivo intercalado com outras espécies, o que o enriquece com matéria orgânica e garante uma produção regular e variada. Esta diversidade também pode reduzir a disseminação de pragas e modificar as

13 condições ambientais, como temperatura e luminosidade. Dessa forma, torna-as menos favoráveis à proliferação de doenças. O rendimento por hectare é mais alto em policultivos do que em monocultivos, mesmo se a produção individual de cada um dos componentes for reduzida. O consórcio entre leguminosas e outras espécies contribui para a preservação da fertilidade do solo, já que o nitrogênio contido nas leguminosas incrementa o existente no solo. O consórcio de diferentes espécies cria habitats para os inimigos naturais de pragas e patógenos. Há também a manutenção das relações ecológicas entre os seres vivos da lavoura, em virtude da diversidade de funções ecológicas (ALTIERI, 2001; FERNANDES, RIBEIRO e AGUIAR-MENEZES, 2005). Segundo Altieri (2001), o policultivo minimiza a sobreposição de nichos entre as espécies associadas, diminuindo a competição por recursos. 1.3. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) A agricultura convencional favorece principalmente os grandes latifundiários, que monopolizam a produção e concentram a terra. No caso da estrutura fundiária brasileira, herdada do regime de capitanias/sesmarias e pouco alterada durante esses anos, a concentração de terras nas mãos de poucos foi intensificada (OLIVEIRA, 1994). Esse fato deu origem aos movimentos sociais que buscam a reforma agrária, que de acordo com Bittencourt (1998), visa além da distribuição da terra, necessariamente o acesso a políticas de infra-estrutura básicas e agrícolas, que permitam a implantação de um sistema produtivo viável, e o acesso a benefícios sociais, que promovam a justiça social e a cidadania. Na luta pela reforma agrária surgiu o MST, que atualmente age em diversos estados brasileiros. Para atingir seu objetivo, enfrenta problemas relacionados ao interesse de grandes proprietários e a sua imagem perante a sociedade (questão existente devido ao favorecimento ocasional dado aos latifundiários pelos meios de comunicação). O MST é a principal forma de organização social na luta pela terra e pela reforma agrária no país (FERNANDES, 1996). Segundo esse autor, a propriedade da terra é uma relação social que envolve trocas, conflitos e movimentos. Caracterizada por processos desiguais e conflitantes, já que em

14 contrapartida à dominação, expropriação e exploração realizada pelos latifundiários, há subordinação, resistência e libertação por parte dos trabalhadores rurais. A luta pela reforma agrária não visa apenas à distribuição de terras. Envolve a construção de organizações sociais, que possibilitam a conquista da terra, a propriedade coletiva dos meios de produção e o desenvolvimento de novas experiências (FERNANDES, 1996). O surgimento dos movimentos sociais no Brasil Durante os governos militares pós-64, houve o incentivo do desenvolvimento capitalista no campo. As condições necessárias para uma política agrária que favorecesse grandes empresas através de incentivos financeiros foram criadas. Segundo Fernandes (1996), a política agrária da ditadura possuía um projeto de reforma agrária que se transformou no Estatuto da Terra. O Estado manteve a questão agrária sob o controle do poder central, e o Estatuto impediu o acesso à terra aos camponeses, sendo ele estratégico para o controle das lutas sociais. Em 1970, o governo militar criou o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), fortalecendo grandes grupos econômicos. Iniciaram, também, as campanhas do Projeto Rondon, no qual a sociedade foi fortemente influenciada pelos meios de comunicação em massa, que escondiam em suas propagandas a verdadeira intenção do governo de não interferir no processo de aquisição de terras por estrangeiros e ainda incentivá-la através da política dos projetos agropecuários (FERNANDES, 1996). Os governos ditatoriais reprimiram as lutas pela terra. Assim, o governo militar realizou sua política agrária promovendo a modernização técnica no campo, sem alterar a estrutura fundiária. De acordo com Fernandes (1996), no início dos anos 70, os trabalhadores encontravam-se nas Comunidades Eclesiais de Base (CEB s) para se organizar na luta contra as injustiças e por seus direitos. Mesmo tendo apoiado o golpe de 64, a Igreja mudou de posição, e o envolvimento de alguns sacerdotes com a realidade dos trabalhadores (assim como o surgimento das CEB s como lugar de reflexão), modificou as relações políticas em diversas localidades. As CEB s tornaram-se um espaço de socialização política, onde as famílias reuniam-se para se conhecerem e pensar sobre o seu papel na sociedade. O crescimento da luta e da organização dos trabalhadores rurais era notado em todo o país. As várias ocupações de terra realizadas resultaram na fundação do MST, em 1984, na

15 cidade de Cascavel, no Paraná. Como objetivos principais: o combate a todas as formas de discriminação social e a busca pela participação igualitária da mulher. De acordo com Fernandes (1996, p. 121), a presença da família, durante toda a luta, possibilitava a criação de novas e ricas experiências, especialmente pelo grau de união e de integração da luta, por meio da criação de comissões na organização do acampamento, além da participação das mulheres como lideranças, fortalecendo o movimento. Os movimentos sociais no Estado de São Paulo Entre 1970 e 1980, a política econômica provocou mudanças no campo paulista. Houve um aumento na taxa de êxodo rural, diminuição do trabalho familiar e crescimento do trabalho assalariado. O aumento do número de posseiros, nos anos 80, relacionou-se ao avanço da luta pela terra e ao crescimento do número de ocupações. Nesse período, as conquistas aconteceram em terras públicas, já que o governo instalou assentamentos rurais em terras do Estado. A maior parte das conquistas resultou da organização dos movimentos sociais, que ocuparam diversas áreas, obrigando os governantes a regularizar suas situações. Em São Paulo pode-se observar uma grande diversidade nas políticas fundiárias, que originaram os assentamentos rurais devido a uma conflituosa origem política (BERGAMASCO e NORDER, 1999). A gênese do MST em São Paulo está registrada na luta dos posseiros da Fazenda Primavera contra a expropriação e a exploração. São características básicas das lutas que contribuíram para a formação do MST no estado: a superação das relações de dependência e a conquista de um espaço próprio. 1.4. O Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) O PDS é uma modalidade de projeto de assentamento de interesse sócio-econômicoambiental destinado às populações que desenvolvem ou estejam dispostas a desenvolver atividades de baixo impacto ambiental, baseando-se na aptidão da área (INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA, 2008). Nesta modalidade, o assentamento, segundo Goldfarb (2007), é constituído por pessoas que viveram muitos anos em grandes centros urbanos (ou nas cidades vizinhas), não possuindo um passado recente ligado a terra. Além de ser implantado em áreas próximas aos grandes centros urbanos, utiliza a agroecologia e a cooperação como diretrizes na produção.

16 No PDS, a propriedade permanece sempre com a União, não sendo permitida a sua divisão em títulos individuais. Os beneficiários garantem o direito de acesso a terra através da Concessão de Direito Real de Uso, a qual é sempre firmada de forma coletiva (INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA, 2008; GOLDFARB, 2007). Há também um termo de compromisso ambiental característico para cada PDS. De acordo com seu Plano de Utilização (PU), são estabelecidas as obrigações do assentado relativas ao meio ambiente. De acordo com Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (2008), esta modalidade é planejada através de um processo participativo entre INCRA, assentados e outros parceiros. Os assentados discutem e planejam suas necessidades e prioridades com o apoio e consentimento dos parceiros. Assim, o assentamento não é apenas uma unidade produtiva, mas também um espaço onde é possível unificar as práticas agrícolas ao desenvolvimento social e econômico das famílias, visando também à preservação da natureza. Ainda segundo este autor, o PU é o documento definidor dos rumos do desenvolvimento do PDS, e aborda e define diferentes aspectos, como os prazos e o processo de transição agroecológica na produção do assentamento. Nesse documento serão igualmente estabelecidas as áreas de uso, coletivas e individuais, a serem aprovadas pela comunidade e parceiros. Com relação à legislação, há um contrato de concessão real de uso que será renovado a cada 5 anos, para garantir o cumprimento das atividades previstas no PU; e um termo de compromisso ambiental, assinado pelo coletivo das famílias, responsabilizando-o pelo gerenciamento da área total do PDS (INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA, 2008). Os lotes dos assentamentos do PDS geralmente são menores do que os dos assentamentos convencionais. De acordo com Goldfarb (2007), isso ocorre devido a dois fatores: O primeiro estipula o recebimento das parcelas de uso individual e coletivo pelas famílias; e o segundo, que as áreas serão reduzidas, devido à proximidade dos grandes centros urbanos. Entretanto, esse fato favorece o trabalho com hortifrutigranjeiros, o que permite uma maior agregação de valor aos produtos, compensando a menor área explorada.

17 1.5. Experiências do MST com a agroecologia O MST participa ativamente de encontros que abordam a reforma agrária, a agroecologia e a soberania alimentar dos povos. Para alcançar essa última, acredita-se ser necessário realizar a reforma agrária, ter acesso a produtos saudáveis (livres de produtos químicos), sendo fundamental a implementação da agroecologia. (STEFANO, 2007). Além disso, estimula a participação dos assentados nos Encontros Nacionais de Agroecologia e das crianças em eventos que a promovam (MST, 2006). Através desse envolvimento, os assentados notaram a importância das trocas de experiências e o sucesso daqueles que optaram pela produção orgânica (sem agrotóxicos). Além das plenárias, oficinas temáticas e seminários, os participantes organizam a Feira de Saberes e Sabores, onde podem expor a produção realizada por meio de técnicas agrícolas sem o uso de agrotóxicos e organismos geneticamente modificados (MST, 2007). Além dos incentivos do próprio movimento, os agricultores contam com a ajuda de instituições para a realização das práticas agroecológicas. A Embrapa, por exemplo, realiza treinamentos, capacitações e técnicas a fim de desenvolver plantas especiais para a agricultura familiar em assentamentos (EMBRAPA, 2005; EMBRAPA, 2006) e através do Projeto Embrapa Arroz e Feijão (FEIJÕES, 2002); O Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ) auxilia com o Projeto Café com Floresta (O PROJETO, 2007).

18 2. OBJETIVOS Este trabalho tem como objetivos: Levantamento sócio-ambiental dos acampados, identificando a trajetória de vida, relações com a terra, com o meio ambiente, pretensões futuras, entre outros aspectos; Elaboração de oficinas, através da análise dos dados, que subsidiem o incentivo às práticas da agroecologia, valorizando o conhecimento local e a preservação ambiental; Elaboração de cartilha, com a intenção de difundir, entre os acampados, os conhecimentos e os temas abordados nas oficinas.