Do fato de estarmos conversando aqui no Skype ENTREVISTA COM MARTIN GROSSMANN



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Transcrição:

Do fato de estarmos conversando aqui no Skype ENTREVISTA COM MARTIN GROSSMANN Professor titular da Escola de Comunicação e Artes da USP (ECA-USP) e diretor do Centro Cultural São Paulo (CCSP), Martin Grossmann foi responsável por idealizar o Fórum Permanente de Museus (www.forumpermanente.org). Criado em 2004, como plataforma virtual para debater o papel das instituições e dos museus de arte contemporâneos, o Fórum se transformou num centro de referência sobre o assunto. Ao instaurar, por meio de sua página na internet, uma prática de transmissão em tempo real de seminários, palestras e outras discussões que acontecem em diversos locais do Brasil e, sobretudo, em São Paulo, o Fórum se tornou um exemplo de como se propor políticas de democratização e descentralização cultural. Abaixo, Grossmann conversa sobre como pensa estratégias de acesso, novas formas de trabalho em rede e o processo de institucionalização da arte. REVISPA De uns anos para cá, vemos uma ênfase grande na questão da descentralização da cultura. Virou uma bandeira não só da Prefeitura do Recife, por exemplo, mas principalmente do Ministério da Cultura (MinC). Por que isso tem se intensificado, na sua opinião, e como você enxerga essa frente, pensando como uma pessoa que está em um centro econômico e cultural do Brasil, ou seja, em São Paulo? MARTIN GROSSMANN Penso isso de uma maneira bem contextual e até existencial. Bem como por analogia. Quando pensamos hoje na situação da cultura, pensamos não só no Brasil, mas numa esfera conectada, numa relação muito mais global. Quando falo do global, falo desde a modernidade, de um deslocamento e de um princípio iluminista, o de se padronizar as ações culturais a partir de uma fonte unificadora: um universalismo cultural associado à Europa, a um eurocentrismo que controlou não só processos culturais, mas econômicos e sociais. Claro, processos de dominação de outras culturas, próprios do Colonialismo. Nós nos distanciamos deste centro, mas ainda há uma forte influência desta hegemonia. O processo de estruturação cultural no Brasil se diferencia dos nossos vizinhos, por exemplo. A nossa formação cultural é distinta. E isso é importante para pensarmos hoje por que políticas culturais estão tomando este rumo que a pergunta coloca. As nossas referências culturais têm uma grande relação com a Europa, sim, mas desde o início foram desvirtuadas por um multiculturalismo contextual, brasileiro. Por outro lado, fomos sempre bastante críticos com isso. Esse deslocamento único na história mundial de um rei vir a permanecer numa colônia e gerir este seu Império do ponto de vista deslocado, do outro... Isto tem uma grande importância para nós. Então, seria interessante ver como esse fato está relacionado também a este novo quadro que temos hoje aqui em nosso campo cultural. Esse exercício é superimportante para pensarmos que os

centros ainda existem, apesar de estarmos conectados. Ter a consciência dessa estrutura, desses centros, como isso influencia a formação cultural ou mesmo a produção cultural de outras áreas, é muito importante para quem pensa a cultura e atua dentro dela. E hoje estamos muito mais próximos... O fato de estarmos conversando aqui no Skype, por exemplo. REVISPA Por isso mesmo temos que pensar não só nos centros, não é? MARTIN Isso. E é isso que é o interessante da tecnologia, da aproximação mesmo e da possibilidade de não só ter mais informações desses outros lugares, mas como também poder até vivenciá-los. Por isso, por exemplo, hoje vemos como instituições e mesmo organizações públicas e privadas têm buscado trabalhar a residência. As residências aproximam, fazem com que os sujeitos se desloquem do seu lugar de trabalho e produzam nessa excentricidade. REVISPA A residência seria também uma das formas de descentralização? MARTIN Ah, sim, com certeza. Temos que buscar novas formas de trabalho. Até pouco tempo, como você conhecia o processo cultural ou a produção cultural de um outro lugar? Através de formatos muito iluministas. A exposição, por exemplo. Eu vejo o que é produzido em tal localidade no mundo através de uma mostra que chega ao meu País ou à minha localidade, mas não tenho contato com a experiência, só com o produto cultural final. A ideia da descentralização é interessante, porque pensa ações culturais ou processos de políticas culturais que não só vão incluir produtos culturais mais tradicionais, como também vão permitir o desenvolvimento de outras possibilidades, como a de agrupar pessoas que pensem diferente, com diferentes backgrounds. A ideia dos projetos coletivos promete. Não é só na geopolítica que isso vem acontecendo, a descentralização e a democratização do acesso à arte. É no próprio processo de pensamento e da formação de políticas culturais. E aí eu posso citar o exemplo do Centro Cultural São Paulo (CCSP). Nós temos essa mesma dificuldade. Como eu, que estou inserido no contexto da produção paulistana, me aproximo da produção pernambucana, ou mesmo da de Bélem do Pará ou do Rio Grande do Sul? É incrível pensar que por analogia isso também ocorre, de uma certa maneira, aqui dentro do Centro Cultural com seus 50 mil m², distanciamentos semelhantes e, assim, desafios de aproximação se apresentam. REVISPA E como é que essa questão é resolvida dentro do Centro (CCSP)? Que estratégias são utilizadas? MARTIN Em situações micro, essas estratégias nem sempre podem ser adequadas para situações macro às políticas, por exemplo, de um Governo Federal ou a políticas regionais. O Centro Cultural é multidisciplinar e bastante distinto de outros, porque possui quatro acervos e uma biblioteca de 10 mil m²... Mas é interessante ver que

nessa situação, numa arquitetura maravilhosa, fundada em princípios democráticos de transparência, de fluidez, de abertura, as pessoas ainda operavam os processos de forma extremamente segmentada. Cada um tratando os seus assuntos dentro das suas centralidades. E aí você vê como é difícil, para todos, abrir mão de seus referenciais, de suas especialidades. Então, qual a estratégia? Em minha opinião, é trabalhar a mediação cultural. Não a mediação sob o ponto de vista genérico dos curadores, historiadores ou de pessoas que ainda lidam com a cultura dentro das suas especialidades, que entendem a mediação como um processo puro e simplesmente de transferência de informação de um emissor para um receptor. A mediação de que falo é uma mediação crítica e criativa. Sempre citei o Marcel Duchamp (1887-1968). Para mim, é um excelente exemplo de artista mediador. Ou mesmo o Velásquez (1599-1660), com sua pintura As Meninas (1656). São artistas que tiveram uma preocupação não só com seus produtos, seja uma pintura ou uma escultura, um objeto... Foram seres políticos, seres formadores, preocupados com a ação crítica de suas obras no contexto cultural. Então, há aí exemplos claros da mediação de que falo, criativa e crítica. Isso é fundamental para qualquer política cultural. No caso do Centro Cultural, trabalhamos algumas frentes em relação a este tipo de mediação. Trouxemos princípios de curadoria contemporânea, que são muito importantes para nós hoje. Não a curadoria só especializada, como foi tratada nas artes visuais, mas uma curadoria cujo princípio seja também a relação de lidar com a programação e com a produção contemporânea voltada ao seu uso, à sua apropriação pelo público. Além disso, é necessário criar e recriar pontes entre a produção contemporânea e os acervos que possuímos... Reforço, assim, a figura do curador como um mediador-crítico e propositivo... Criador de situações dialógicas: o curador precisa pensar simultânea e integralmente, na instituição e no público... REVISPA Embora isso não aconteça tanto na prática, não é? Pelo menos na arte contemporânea... MARTIN Mas aí há uma grande dificuldade, se pensarmos numa arte específica, na arte contemporânea de museus, galerias e feiras de arte. A prática é uma e o discurso é outro. Veja o caso da estética relacional ou mesmo de artistas cujo trabalho procura criar sentido social. Existem. Mas na hora de produzir para contextos expandidos, e até mesmo no processo de institucionalização, esse tipo de prática encontra muitas dificuldades. Há grandes desafios para quem atua hoje com arte, cultura e sociedade. REVISPA Falando agora do Fórum Permanente de Museus, dando voz a ele. Qual seria a sua estratégia, como uma plataforma de reflexão mesmo, no sentido da descentralização? MARTIN De certa maneira, também conceituo o fórum como uma plataforma de mediação, uma vez que foi idealizado como um dispositivo dialógico a ser operado principalmente na esfera da

cultura na virtualidade. O Fórum Permanente (FP) é híbrido por natureza. Nessa liquidez dos meios digitais, você não tem um formato único, ou seja, o formato também pode ser modelado. Num momento anterior, na história, há formatos muito fechados: a pintura, o desenho, o papel, a escultura, o museu, a biblioteca, o arquivo, cada um tem o seu campo delineado de atuação e ação. No caso do ferramental hoje das novas mídias, principalmente da telemática, sobretudo a ferramenta disponível no protocolo do HTML, existe um universo de possibilidades. Chegou a um momento que comecei a ficar muito crítico de estar na ponta da tecnologia. Para mim, é um pensamento muito modernista. Por exemplo, pensando no Picasso (1881-1973) como um artista que sempre vai acompanhar a sua atualidade, a inovação das coisas. Eu sou mais duchampiano neste caso, ou seja, preso mais ao processo, ao estabelecimento de interfaces entre os vários produtores do sistema da arte; entre eles o próprio público: o sujeito e a multidão. Foi assim, em busca de uma infra-estrutura mínima que possibilitasse a democratização e o acesso descentralizado da informação gerada pelo sistema da arte, que encontramos o ferramental básico que utilizamos hoje. A facilidade de uso de uma plataforma CMS (Content Management System) mais os recursos de webcast permitem a operação do Fórum Permanente. Produzimos, incentivamos encontros em lugares específicos (centros culturais, museus, galerias), mas os registros desses encontros estão todos disponibilizados no site do Fórum Permanente, acessíveis a qualquer hora para qualquer um. REVISPA Uma coisa antivanguarda? Ou antimoderna? MARTIN É meio por aí. A vanguarda está associada à ideia de você estar diante do tempo. Mas prefiro voltar para a comparação entre a produção do Picasso e a produção do Duchamp, que está baseada no livro de Octávio Paz: Marcel Duchamp, ou o Castelo da Pureza. O Picasso de fato inovou na plástica, nas linguagens da pintura, da escultura, mas ainda trabalhou dentro dos formatos existentes. O Duchamp foi um artista de fato muito mais questionador do suporte. Por isso é que ele criou não só os ready mades como o Grande Vidro (1915-1923), que ele denominou como algo além da pintura. Claro que há uma relação com os outros meios existentes. Com o ready made é a mesma coisa. É um dispositivo que permite uma nova ação no campo da arte, mas muito mais voltada para o processo, para a interação com o receptor. É por isso que entendo o Fórum Permanente como um processo indiferente no sentido que o Duchamp falava do objeto indiferente (em particular o caso dos ready mades). É uma plataforma que precisa ser questionadora, que opera também como uma espécie de espelho do sistema da arte. E não posso dizer que é ela apolítica; ela é política, é crítica, mas ela não tende a definir um posicionamento. Não é ideológica. Inspirada no ready made, no Grande Vidro. Quem no fundo interage com o objeto ready made é aquele receptor inquieto com aquela indiferença do objeto. O objeto no fundo é quase que um não-símbolo, um não-objeto. Acho que a

plataforma criada e mantida pelo Fórum Permanente faz isso. Permite que as pessoas se inquietem com a informação que recebem. REVISPA Você falou na mediação como um ponto fundamental nessa questão do acesso e mesmo da descentralização. Em que medida o Fórum foi pensado dentro dessa estratégia? MARTIN Há uma intenção clara nisso. Nesse sentido, não tem como eu não fazer uma referência à minha experiência institucional. A minha primeira experiência institucional foi com a Bienal de São Paulo, como monitor e assistente de curadoria do professor Walter Zanini, em 1983. A experiência da bienal é para mim uma experiência democrática, só que é um evento. Há ali a possibilidade do convívio com o que se apresenta como sendo o mais atual na produção contemporânea, disponível não só para especialistas, mas para o público de uma grande cidade. Produção esta acompanhada de seminários, palestras e pela própria presença de alguns dos artistas e de pensadores contemporâneos. Mas o que ficou muito claro para mim naquele momento, e depois no MAC-USP (trabalhei no Museu de Arte Contemporânea de 1985 a 1987), quando fui convidado pela Aracy Amaral a implementar o serviço educativo do museu, era que, muitas vezes, o que fazíamos encontros e palestras, vinham especialistas de fora etc. tudo isto, tinha pouca reverberação. O que nos demandava um grande esforço ficava para aquele público que estava ali... geralmente, muito minguado; ou seja, era difícil, o museu não tinha dinheiro para pagar correio, poucas pessoas podiam ver e vir, enfim. E São Paulo, com essa centralidade cultural, tem uma condição privilegiada, porque atrai pessoas das mais diferentes regiões... Então como isso ficaria registrado, como ampliaríamos esse universo? Por que as instituições não davam conta de trabalhar a memória dessas atividades complementares, mas de grande importância? Tendo como contexto essa experiência anterior, surge a partir de 1989 um pensamento crítico em relação ao museu de arte com as novas mídias e com a virtualidade, desenvolvido de forma sistemática durante um longo período de pesquisa e elaboração de produção acadêmica, mestrado e doutorado, que somados perfazem oito anos (1985-1993). O Fórum Permanente é, assim, resultante desse processo, e em teoria, é um híbrido de museu, arquivo, centro de referência, de documentação. Com os ferramentais disponíveis hoje na internet é possível criar e disponibilizar acesso imediato a processos como os que descrevi. Ou seja, ficou mais fácil não só fazer pesquisa aplicada, como também criar utilidade pública quase que instantânea a produções acadêmicas. REVISPA Por isso a internet seria um caminho possível? MARTIN A internet já é isso. É claro que ainda não é totalmente acessível. Para o FP ser o que é hoje, ele construiu uma rede mantida por vários parceiros. A ideia de trabalhar em parceria é fundamental. Quando digo parceria, é parceria mesmo, é comprometimento. O Fórum não tem muitos recursos. Praticamente não temos dinheiro. Se

não fosse o apoio de um centro de computação eletrônica da USP, por exemplo, que tem uma IPTV desde o início fazendo a transmissão dos principais eventos online, em tempo real, e abrigando em seus servidores todos esses registros, não estaríamos hoje sendo considerados como um centro de referência para o sistema da arte. REVISPA Então aqueles dois anos limites para o Fórum, citados no seu texto de apresentação do site, era só um medo que deixou de existir? MARTIN É um texto que tem que ser atualizado. Estamos num novo momento, o Fórum está virando uma associação cultural. Precisamos dar um pulo, porque hoje ele é um patrimônio público. Existe uma preocupação nossa de institucionalizar esta empreitada. Não podemos viver na informalidade. O site depende, sim, de uma organização e precisamos garantir que esse patrimônio informacional não se perca. Estamos trabalhando no sentido de institucionalizar o FP de maneira positiva, construtiva. REVISPA Vai existir um espaço físico para a associação? MARTIN Não, nesse momento não estamos pensando num espaço, porque ainda estamos muito atrelados à origem do Fórum, que é o projeto de pesquisa que eu desenvolvo na USP. Mas quando adquirirmos essa independência como associação, vamos ter que buscar, sim, um espaço. Nesse momento não há recursos nem necessidade para tanto. REVISPA Qual o custo para manter o Fórum? MARTIN Hoje o Fórum possui um formato que tem garantido a continuidade do trabalho que fazemos. A equipe é pequena, nós somos quatro. Mas para que consigamos dar conta de fazer o registro dos eventos, nós temos que ter uma certa rede de colaboradores. Quando fazemos a cobertura de um evento, precisamos de uma pessoa que opere a câmera, uma pessoa que dê conta também tecnicamente da transmissão, uma pessoa que faça os subsites dos eventos etc. Também convidamos jovens escritores de arte para fazerem relatos críticos sobre os eventos produzidos. Isso tem um custo. Cada situação/evento custa minimamente por volta de R$ 2 mil para ser transmitida e registrada dentro desses moldes. É bom lembrar que a Secretaria do Estado da Cultura de São Paulo vem desde 2005, através de convênio, contribuindo para a edição do site. Estas são as únicas fontes de renda no momento. REVISPA Você falou que quer que o Fórum se institucionalize de maneira positiva e também falou um pouco, quando criou o próprio Fórum, da necessidade do fortalecimento da institucionalização da arte no Brasil. Defende a institucionalização da arte? MARTIN Vou ser bem objetivo aqui: defendo. É claro que uma institucionalização dentro de um regime democrático. Geralmente, existe um preconceito quando se fala de institucionalização, porque

se pensa aquela forma que é feita de cima para baixo, de forma autoritária. A genealogia, principalmente das instituições de arte, está inevitavelmente atrelada ao poder. Sabemos muito bem disso, acho que não precisamos entrar aqui na teoria, falar do Foucault, da crítica institucional que critica esses processos orquestrados pelo poder... O FP se inspira obviamente no legado da crítica institucional. Só que não podemos esquecer que a crítica institucional europeia e americana se deu num momento em que havia uma estrutura institucional muito bem montada no eixo cultural do Hemisfério Norte. Por outro lado, a crítica institucional do Brasil sempre foi operada dentro de uma precariedade institucional, e quando olhamos hoje a nossa estrutura cultural vemos que finalmente há mudanças, transformações positivas. Temos problemas? Temos muitos problemas, mas veja os processos de descentralização. Como no Recife, por exemplo, com o Mamam, a partir de um pensamento pautado pelo Moacir dos Anjos para a constituição mesmo de uma instituição museológica numa cidade que é um dos centros culturais do Nordeste. Hoje o Mamam participa até de políticas globais nas artes visuais. Quando falo da institucionalização, penso mesmo como é importante que tenhamos, no nosso contexto cultural, instituições. Por exemplo, em São Paulo. Da Bienal, eu defendo a manutenção, a sobrevivência e a recuperação da instituição, porque ela é fundamental, sempre foi, não só para São Paulo como para o Brasil e até para a América do Sul. É uma instituição que está na base da construção de um contexto cultural das artes plásticas no Brasil e no mundo. Agora, precisamos só das instituições? Não. O Fórum para mim já se institucionalizou na sua permanência, mas temos que ver que a instituição hoje também tem outros modelos. Entrevistado por Clarissa Diniz e Olivia Mindêlo / Julho 2009