VI-010 - PRESENÇA DE CONTAMINAÇÃO EM ÁREAS DE CEMITÉRIO, APÓS SUA DESATIVAÇÃO: ESTUDO DE CASO DO CEMITÉRIO DO BENGUÍ. BELÉM - PARÁ.



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Transcrição:

VI-010 - PRESENÇA DE CONTAMINAÇÃO EM ÁREAS DE CEMITÉRIO, APÓS SUA DESATIVAÇÃO: ESTUDO DE CASO DO CEMITÉRIO DO BENGUÍ. BELÉM - PARÁ. Vera Nobre Braz (1) Química Industrial, Mestre em Geoquímica pelo Centro de Geociências da UFPA. Coordenadora do Curso de Ciências Ambientais do Centro Universitário do Pará CESUPA. Maria Do Socorro Bezerra Lopes Engenheira Sanitarista, Especialista em Eng. Ambiental da UEPA, Mestre em Eng. Química/Controle Ambiental da UFPA. Endereço (1) : R. Oliveira Belo, 488 - Belém - Pará - Brasil - CEP 66.050-380 - Tel: (091) 3242-5523 - e-mail: verabraz@cesupa.br RESUMO A implantação dos cemitérios no Brasil não tem levado em consideração aspectos geológicos e hidrogeológicos intrínsecos ao meio físico, podendo, dessa forma, ser fonte geradora de impactos ambientais e alterar a qualidade de vida das populações. Diversos são os exemplos em todo o pais deste tipo de impacto, principalmente no que diz respeito a contaminação das águas subterrâneas. Muitas ações vem sendo desenvolvidas no intuito de reverter tal situação, mas o processo se dá de forma muito lenta, devido aos entraves burocrático-políticos e a falta de verbas para o setor de saneamento. Um exemplo de implantação inadequada se deu em Belém, no cemitério São José, mais conhecido como Benguí, objeto deste estudo, onde a partir de denuncias feitas ao Ministério Público por pessoas da comunidade, intensificou-se uma série de pesquisas que comprovaram a contaminação das águas subterrânea e superficial da área periférica ao cemitério, o que resultou no fechamento da necrópole e na reelaboração do Termo de Referência proposto pela Secretaria de Ciência Tecnologia e Meio Ambiente-SECTAM, aprovado pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente (COEMA), através da Resolução Nº 011/96, cujo objeto é o de orientar e controlar a implantação dos cemitérios no Pará. Apesar de ter sido desativado em 1997, resultados de análises realizadas em 2000 no cemitério São José e áreas próximas, mostraram que mesmo após três anos, ainda foram encontrados níveis elevados de contaminação na água, permanecendo portanto, o risco de ocorrência de casos de doenças de veiculação hídrica na população usuária da água em questão. O fato comprova a importância do monitoramento de águas subterrâneas e superficiais em áreas de implantação de cemitérios, mesmo anos após sua desativação. PALAVRAS-CHAVE: Cemitério, desativação, contaminação, águas subterrâneas INTRODUÇÃO O termo "cemitério" é de origem grega (Koumeterian= onde eu durmo), assim como "necrópole" (necrópolis= cidade da morte ou dos mortos). Com o advento do cristianismo, o termo assumiu o sentido de local destinado ao repouso final pós-morte, com significado apenas para os lugares onde acontece o enterramento dos cadáveres (PACHECO, 1986). Os cemitérios podem ser fonte geradora de impactos ambientais, em especial físicos. A localização e operação inadequadas de necrópoles em meios urbanos podem provocar a contaminação de mananciais hídricos por microrganismos que proliferam no processo de decomposição dos corpos, chamado como fenômeno putrefativo de ordem físico-química, onde atuam vários microrganismos. No caso de morte por moléstia contagiosa ou epidemia, estão presentes: as algas, os protozoários, as bactérias e os vírus alguns sendo seus convivas ou predadores. (CARVALHO, 2000). A maioria das cidades brasileiras sofre com os impactos gerados pelos cemitérios, mesmo sem a comprovação científica. Os cemitérios foram construídos antes da existência de legislação sobre o assunto (isso onde ela existe) e até as necrópoles construídas mais recentemente, nas formas tradicionais ou de cemitérios-parque, não realizam o monitoramento ambiental. O fato é constatado pelos trabalhos publicados sobre casos de contaminação de águas subterrâneas por cemitérios em São Paulo, Paraná, Ceará e Belém. (ABAS, 2001). ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 1

A implantação dos cemitérios no Brasil não considerava, até bem pouco tempo, aspectos geológicos e hidrogeológicos intrínsecos ao meio físico, o que se tornava fonte geradora de impactos ambientais e alteravam a qualidade de vida das populações. Diversos são os exemplos em todo o pais deste tipo de impacto, principalmente no que diz respeito a contaminação das águas subterrâneas. O problema do comprometimento das águas subterrâneas por cemitérios não é específico, mas é característico dos países subdesenvolvidos. Casos históricos de contaminação já foram registrados em Berlim, Paris e até na Alemanha Ocidental, em 1972. Como nos países desenvolvidos, as questões ambientais são levadas a sério e a legislação é respeitada, provavelmente os riscos de contaminação são bem menores (FONSECA, 1994). Na Figura 1 são identificadas algumas rotas de contaminação das águas subterrânea, por cemitérios: Figura 1: Rotas de contaminação da água subterrânea por cemitérios Fonte: FONSECA, 1994. A partir de maio de 2003 o CONAMA através da Resolução nº 335, definiu critérios mínimos para o processo de licenciamento de cemitérios, concedendo um prazo de 180 dias para que os existentes e licenciados se adequassem às exigências junto aos órgãos ambientais competentes. Um exemplo de implantação inadequada se deu em Belém, no cemitério São José, mais conhecido como Benguí, onde a partir de denuncias feitas, em 1995, ao Ministério Público, por pessoas da comunidade, intensificou-se uma série de estudos que comprovavam a contaminação das águas subterrânea e superficial da área periférica ao cemitério, o que resultou no fechamento da necrópole e na elaboração do Termo de Referência para Implantação de Cemitérios Horizontais, proposto pela Secretaria de Ciência Tecnologia e Meio Ambiente-SECTAM, aprovado pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente (COEMA), através da Resolução Nº 011/96 cujo objeto é o de orientar e controlar a implantação dos cemitérios no Pará. O cemitério do Benguí foi implantado em local de antiga atividade de extração de minério classe II resultando, portanto, na presença do lençol freático bem próximo à superfície. Como os depósitos quaternários se encontram na parte superior da estratigrafia, o risco de contaminação é maior, devido sua composição ser mais arenosa, permitindo uma percolação maior do liquido oriundo da decomposição dos cadáveres ou necrochorume. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 2

Os poços que possuem mais de 80m de profundidade atingem a formação Pirabas que é composta por materiais mais coesos os quais não permitem a infiltração das águas contaminadas, a não ser que sejam perfurados por pessoal técnico não qualificado, o que vem ocorrendo com grande freqüência na região. Apesar de ter sido desativado em 1997, resultados de análises realizadas em 2000 no cemitério do Benguí, mostraram que mesmo após alguns anos, ainda foram encontrados níveis elevados de contaminação permanecendo, portanto, o risco de ocorrência de casos de doenças de veiculação hídrica nas pessoas que utilizam água captada através de poços rasos. O fato comprova a importância do monitoramento das águas subterrâneas e superficiais nas áreas de implantação de cemitérios após sua desativação. Este trabalho tem como objetivo avaliar a presença de contaminação em áreas de cemitério, mesmo após a sua desativação, com enfoque no Cemitério Municipal de São José ou do Benguí (Belém-Pará), pelo fato de ter sido implantado em local com características inadequadas e por ter sido interditado pelo Ministério Público. MATERIAIS E MÉTODOS Para o desenvolvimento deste trabalho foram realizados levantamentos bibliográficos referentes a estudos geofísicos e de qualidade da água, realizados na área, antes e após a desativação do cemitério. O cemitério São José, também conhecido como do Benguí, por estar localizado no limite do bairro do Benguí com o Aeroporto Internacional de Val-de-Cães, foi inaugurado em 1983 e desativado em 1997 por ordem do Ministério Público, que no ano de 1995 recebeu várias denúncias sobre as péssimas condições nas quais ocorriam os sepultamentos. A área do bairro do Benguí não possuía abastecimento público de água potável, mas era servida por poços artesianos e amazonas sem qualquer tipo de tratamento, podendo prever-se o dano causado a saúde da população devido ao consumo dessa água. No cemitério do Benguí não era permitida a construção de jazigos de tijolos. Todos eram feitos com barro e cimento, pois as sepulturas tinham caráter temporário. Cerca de 16 enterros eram realizados diariamente, de modo que sua capacidade de pouco mais de 30 mil sepulturas, foi esgotada cerca de duas vezes. Por isso, as exumações passaram a ser feitas na mesma proporção dos sepultamentos. Principalmente no inverno, havia a inundação de boa parte das sepulturas ali cavadas. Com isso, aos coveiros coube com freqüência o trabalho duplo de cavar as covas e de retirar a água de dentro das mesmas, para que os defuntos pudessem ser enterrados. Como os corpos ficavam a maior parte do tempo encharcados, sua decomposição era retardada, devido ao fenômeno da saponificação. Por isso, nas exumações, os coveiros encontravam corpos quase que inteiros (O LIBERAL, 1995). Se não bastasse o excesso de água e a superlotação, a existência de diversas aberturas nos limites do cemitério, muitas delas feitas pela própria comunidade, favorecia o acesso de bandidos e vândalos ao local (O LIBERAL, 1995). A figura 2 mostra a localização do cemitério de São José na região Metropolitana de Belém, onde se pode observar a sua proximidade com uma área densamente povoada fazendo limite com o aeroporto como já foi citado. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 3

Figura 2: Localização do Cemitério São José ou Bengui (Belém-PA) Fonte: CODEM, 1996 No ano de 1995 foi feito um mapeamento tridimensional dos lençóis e da direção do fluxo da água através de métodos geofísicos, mostrado na Figura 03, onde se verificou que o primeiro lençol está a menos de dez metros, e tem fluxo no sentido das casas onde moram centenas de pessoas, as quais provavelmente consumiam água contaminada pela decomposição dos corpos, extraída dos rasos poços particulares (CARVALHO, 1997). Através do método geofísico de potencial espontâneo (SP), simples e de baixo custo, foi verificado além do fluxo da água subterrânea o alto grau de alagamento da superfície do terreno. Através da utilização de uma segunda técnica, a eletrorresistividade, que consiste em injetar corrente em dois pontos do terreno e medir a diferença de potencial entre eles, determinou-se a direção, o sentido e a profundidade da água subterrânea no cemitério igualmente observados na Figura 03 (CARVALHO, 1997), na qual também se observa a representação dos pontos de coleta. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 4

Figura 3: Mapa de Contorno de Potencial Espontâneo da área do Cemitério do Bengui Fonte: CARVALHO, 1997 A área azul da figura é relativa aos locais onde foram obtidos os mais baixos potenciais, que representam a porção do aqüífero livre mais baixa topograficamente e mais próxima à superfície, enquanto que a amarela, é a de mais altos valores, ou seja, aquela topograficamente mais alta e mais distante da superfície. A área em azul é, portanto, a mais provável de ter sofrido contaminação. A delimitação do cemitério está em branco. (CARVALHO, 1997) Os pontos de coleta de 1 a 3, foram utilizados inicialmente no primeiro período da pesquisa (1993-1995). Os demais pontos de 4 a 6, foram adicionados nas coletas realizadas no ano de 2000, além dos três iniciais que foram repetidos. A descrição dos mesmos se encontra na Tabela 1. Tabela 1: Descrição dos pontos de coleta Pontos Descrição 1 Poço com profundidade de 50m no interior do cemitério; 2 Poço freático com profundidade de 7m a cerca de 100 metros em frente ao cemitério. 3 Córrego de drenagem no interior do cemitério 4 Poço freático com profundidade de cerca de 4m em frente ao cemitério 5 Córrego 100 m em frente ao cemitério 6 Poço tubular, atrás do cemitério A maior preocupação dos pesquisadores foi com o aqüífero livre ou freático, o qual está sujeito à contaminação por microrganismos derivados da decomposição dos cadáveres. A água deste primeiro lençol é captada pela população em poços rasos, tipo amazonas, escavados no quintal das casas próximas ao cemitério. Na época das chuvas, principalmente nos quatro primeiros meses do ano, o problema tende a se agravar, pois ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 5

o nível do lençol sobe e as águas invadem as sepulturas, tornando o risco de contaminação ainda maior, provocando danos a saúde da população que se utiliza dessa água. Há ainda o risco de contaminação de lençóis mais profundos, devido a fendas no terreno e/ou má construção dos poços tubulares (CARVALHO, 1997). RESULTADOS E DISCUSSÃO Nos estudos de BRAZ (1995) foram realizadas três campanhas anuais nos três pontos iniciais (Pontos 1, 2 e 3), no período de maio de 1993 a setembro de 1995. A metodologia das análises foi realizada de acordo com APHA(1995). As médias dos resultados das análises estão apresentadas na Tabela 2. Tabela 2: Resultados médios obtidos de maio/93 a setembro/95 Parâmetros Pt. 01 Pt. 02 Pt. 03 Coli Totais (NMP/100 ml) 13,0 7,2 x 10 2 6,3 x 10 5 Coli Fecais (NMP/100 ml) 2,0 4,3 x 10 2 1,3 x 10 5 Estreptococos (UFC/100 ml) Ausente 2,3 4,4 x 10 4 Salmonella Ausente Ausente Grupo D Bact. Heterotrófica (UFC/100 ml) Ausente 1,51 x 10 4 2,11 x 10 5 Clostrídios(NMP/100 ml) 2,0 1,32 x 10 2 6,81 x 10 2 Fonte: BRAZ, 1995 As águas superficiais (ponto 3) apresentaram maiores índices de contaminação, o que pode ser observado pelos resultados de Coliformes totais, Coliformes fecais, Estreptococos e Bactérias Heterotróficas. Foi verificada no mesmo ponto a presença de Salmonella, caracterizando assim a patogenicidade da contaminação. Estes resultados estão relacionados às características do local, tais como: a lixiviação do solo do cemitério e sua periferia, ao elevado índice pluviométrico da região, o que muitas vezes provoca transbordamento dos córregos e a ausência de saneamento ambiental no local. Os pontos 1 e 2, que são poços raso e profundo, respectivamente, apresentaram valores de Coliformes Totais e Fecais que chegaram a atingir a ordem de 10 3 NMP/100 ml, tendo, no entanto, médias mais baixas. Em ambos, foram encontrados Clostridios, que como indicadores de contaminação antiga, sugerem a infiltração do material em decomposição para os lençóis subterrâneos, provavelmente desde a implantação do cemitério, até o período recente, este último comprovado pela presença de coliformes. O fato da saponificação dos corpos, decorrente da umidade do terreno, justifica a continuidade do processo de contaminação na área estudada. No ano de 1995 foi efetuado mapeamento tridimensional dos lençóis e da direção do fluxo da água através de métodos geofísicos de Potencial Espontâneo (SP) e Eletroresistividade, onde se verificou que o primeiro lençol está a menos de dez metros, e tem fluxo no sentido das casas onde moram centenas de pessoas, as quais provavelmente consumem água contaminada pela decomposição dos corpos (CARVALHO, 1997). No ano de 2000 foram realizadas novas análises na água do cemitério, nos pontos já analisados em 1993 e 1995, sendo acrescentados mais três pontos (pontos 4, 5 e 6) (BRAZ, 2000). Os resultados da campanha de 2000 constam da Tabela 3. Tabela 3:: Resultados médios obtidos em 2000 Pontos Coli.Total Coli. Fecal Bact.Heterotroficas Estreptococos (NMP/100mL) (NMP/100mL) (UFC/100mL) (UFC/100mL) 01 3 x 10 3 1.7 x 10 3 0.96 x 10 3 235 02 1.3 x 10 3 0.5 x 10 3 >30 x 10 3 3,3 03 8 x 10 3 8 x 10 3 0.3 x 10 3 3,3 04 13 x 10 3 13 x 10 3 0.11 x 10 3 125 05 13 x 10 3 13 x 10 3 0.7 x 10 3 40 06 0,2 x 10 3 - <30 - ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 6

Fonte: Braz, 2000 Pelos resultados da Tabela 02 pode ser observado que, mesmo após três anos de interdição, os valores encontravam-se elevados, levando-se em consideração que os moradores da área utilizavam a água dos poços para diversos fins, inclusive para banho. Na Figura 4, estão ilustrados os valores de coliformes totais, coliformes fecais, bactérias heterotróficas e estreptococos, nos anos de 1995 e 2000, bem como os seus respectivos comportamentos após a desativação do Cemitério do Benguí. Figura 4: Gráficos de comparação dos parâmetros analisados em 1995 e 2000 no cemitério do Benguí A partir da Figura 4, observa-se que houve aumento dos valores de Coliformes Totais, Fecais, Estreptococos e Bactérias Heterotróficas nos pontos 1 e 2. Porém no ponto 3, que se trata de um córrego, esses parâmetros apresentaram valores inferiores, demonstrando que a maior contaminação está a nível subterrâneo. Com relação aos pontos avaliados em 2000 (4,5 e 6), nota-se que os valores dos pontos 4 e 5 permaneceram elevados devido a permanência da fonte de contaminação, mesmo após o fechamento do cemitério. A ausência de Coliforme Fecal e Estreptococos no ponto 6 justifica-se por este ficar localizado a montante da direção do fluxo da água subterrânea e pela distância da área de risco de contaminação do cemitério. Os dados demonstram a importância do monitoramento da qualidade da água, mesmo após a desativação de necrópoles. CONCLUSÕES As características geológicas e hidrogeológicas do terreno do cemitério do Benguí favorecem a passagem de bactérias do solo e dos túmulos para as águas subterrâneas e, além disso, o alto índice pluviométrico da região contribui para a presença elevada de bactérias nas águas superficiais, o que pôde ser comprovado pelos resultados dos parâmetros analisados. A contaminação ainda vem ocorrendo, mesmo depois da interdição do cemitério, não só por ainda existirem alguns túmulos com cadáveres, mas também pela permanência da contaminação já existente. De acordo com o demonstrado pelos métodos geofísicos, o terreno tem sua área quase que totalmente encharcada, favorecendo a saponificação, que prolonga o tempo de decomposição dos corpos, impactando a área de entorno, pela continuidade do processo de contaminação. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 7

É indispensável o monitoramento das águas, nas áreas interna e periférica a cemitérios, mesmo após sua desativação, para que haja o acompanhamento do processo de remediação, natural ou não, dos impactos ambientais presentes em tais áreas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. APHA. Standard Methods for the Examination of Walter and Wastewater. 18 th ed. American Public Health. New York. 1985 2. BRAZ, V.N.; et al. Estudo da Deterioração da Qualidade da Água em Áreas Periféricas à Cemitérios da Cidade de Belém-Pa. Relatório Final do Projeto de Pesquisa. UFPA/DEQ, Belém. 1995 3. BRAZ, V.N., MENEZES, L.B.C., SILVA, Lucia Costa. Integração de Resultados Bacteriológicos e Geofísicos na Investigação da Contaminação de Águas por Cemitérios. Anais do 1st. Joint World Congress on Groundwater. 2000 4. CARVALHO, Milberto Antônio Falcão Junior. Aplicação de Métodos Geofísicos ao Estudo de Águas Subterrâneas na Grande Belém (Caso Cemitério do Benguí). Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade Federal do Pará/Departamento de Geociência e Geofísica. Belém. p.64.1997. 5. CARVALHO Jr, M.A.F; SILVA, L.M.C. Métodos geofísicos aplicados ao estudo do fluxo da água subterrânes sob cemitério. I workshop de geofísica aplicada ao meio ambiente. Belém. 1996. p.47. 6. O Liberal- O Cemitério do Benguí virou um Pântano. Belém, O Liberal. Cidades (06/02/95), p.8. 1995 7. FONSECA, Devanilda Ranieri Martins; BRAZ, Vera Maria Nobre. Contaminação das Águas Periféricas a Cemitérios de Belém. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade Federal do Pará/ Departamento de Hidráulica e Saneamento. Belém. p.25.1994 ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 8