O mundo lá fora oficinas de sensibilização para línguas estrangeiras Ligia Paula Couto (Universidade Estadual de Ponta Grossa) Introdução Este artigo relatará a experiência de um grupo de alunos e professores da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) em um projeto de extensão para o ensino de língua estrangeira (LE) para as séries finais do Fundamental I. Um projeto de extensão universitária objetiva a aproximação da universidade à comunidade e a possibilidade de fazer com que seus alunos vivenciem, na prática, o que está sendo estudado nas salas de aula. Portanto, um de seus princípios é explorar a práxis, que é a união do pensamento e da ação, ou seja, é fazer com que a teoria e a prática caminhem juntas na solução dos problemas, de forma tal que esse processo possa transformar a realidade. Nesse caso, foi desenvolvido um projeto para o ensino de LE em uma escola da rede municipal da cidade de Ponta Grossa, no estado do Paraná. Esse projeto iniciou-se no ano letivo de 2006, focando três LEs: Espanhol, Francês e Inglês. A escolha dessas três LEs não foi aleatória, elas fazem parte do currículo do curso de Letras da UEPG, portanto, o desenvolvimento desse projeto foi uma oportunidade de promover um trabalho conjunto dessas três licenciaturas para a reflexão a respeito do ensino de LE. A equipe do projeto é formada por uma professora de espanhol, duas professoras de francês e dois professores de inglês; sendo que há dois professores da UEPG que acompanham o andamento das aulas e das demais atividades. Os 2867
professores que ministram as aulas são acadêmicos e ex-acadêmicos da UEPG. Eles são responsáveis pelo planejamento das aulas e pela elaboração de todos os materiais didáticos utilizados. Os professores coordenadores, dessa forma, auxiliam na elaboração dos planos de aula, assistem às aulas e promovem discussões a respeito da metodologia de ensino para LEs; além disso, verificam os materiais didáticos elaborados e, por vezes, elaboram os materiais juntamente com os acadêmicos. Atualmente, em vista da grande produção de materiais didáticos para as aulas, objetiva-se também a compilação de um livro didático, que se constitua como uma coleção de ensino de LE para o Fundamental I e que tenha a mesma proposta tanto na língua espanhola, francesa e inglesa. É exatamente por esse motivo que também contamos com a colaboração de três desenhistas e um historiador. A escola onde o projeto é desenvolvido se localiza em uma região periférica da cidade e atende a uma comunidade carente. As aulas acontecem no período matutino e vespertino, no entanto, o projeto ocorre pela manhã. Nesse período da manhã, há salas de 1 a e 2 a séries do segundo ciclo do Fundamental I, com uma média de trinta alunos por sala. As línguas espanhola e francesa são lecionadas na 1 a série do 2 o ciclo; e a língua inglesa, por sua vez, na 2 a série do 2 o ciclo. Essa divisão foi feita respeitando um pedido da diretora da escola, pois ela acredita que seus alunos estarão mais bem preparados para prosseguirem seus estudos de LE se trabalharem com o inglês no último ano do Fundamental I, já que essa disciplina passa a fazer parte do currículo no Fundamental II. Referencial teórico Como dissemos no início, o projeto de extensão promove a práxis, a aproximação da teoria com a prática. A teoria que embasa a fundamentação desse projeto são os PCNs para o ensino de línguas estrangeiras (1998), as Diretrizes 2868
Curriculares (DCEs) do Paraná para o Ensino de Línguas Estrangeiras (2006) e, conseqüentemente, as teorias da pedagogia crítica. Além da pedagogia crítica, esse documento (2006, p. 19) se baseia na corrente sociológica e nas teorias do Círculo de Bakhtin, que concebem a língua como discurso, como espaço de produção de sentidos. Dessa forma, essas DCEs afirmam que a aula de LE é o momento para que o aluno (2006, p. 19) reconheça e compreenda a diversidade lingüística e cultural [...] e perceba possibilidades de construção de significados em relação ao mundo em que vive. Além disso, a língua é vista como um fenômeno histórico e social e que passa por constantes transformações, não se limitando assim a suas características sistêmicas e estruturais. Portanto, são as nossas sociedades e nossas culturas que conferem sentido às mais diferentes línguas. De acordo com as DCEs (2006, p. 20): [...] a língua concebida como discurso, não como estrutura ou código a ser decifrado, constrói significados e não apenas os transmite. O sentido da linguagem está no contexto de interação verbal e não no sistema lingüístico. [...] Nesse raciocínio, a cultura é concebida como um processo dinâmico e conflituoso de produção de significados sobre a realidade em que se dá em contextos sociais. A partir dessas premissas, o documento das DCEs (2006, p. 21-22) especifica que, no ensino de uma LE, a língua, objeto desta disciplina, contempla as relações com a cultura, o sujeito e a identidade. Dessa forma, o processo de ensinoaprendizagem de uma LE se refere também a ensinar e aprender percepções de mundo e maneiras de construir sentidos, independentemente do grau de proficiência atingido, ou seja, objetiva-se a superação da idéia de que ensinar uma LE é ensinar somente aspectos lingüísticos. A aula de LE passa a ser vista como uma oportunidade para professores e alunos interagirem e refletirem sobre as visões de mundo, dessa forma, acredita-se que identidades são construídas e que os alunos podem desenvolver uma consciência crítica com relação à função das línguas em nossas 2869
sociedades. Ademais, a aprendizagem de uma LE deve auxiliar na formação de alunos críticos e transformadores. Para as aulas, então, buscamos fazer um planejamento e elaborar materiais que privilegiassem essas questões. Para elaborarmos nossos materiais didáticos, pesquisamos livros didáticos para o ensino de LEs nas séries iniciais e constatamos, na maioria dos casos, uma distância significativa entre os postulados teóricos que nos fundamentavam e as propostas desses livros. Assim, o projeto foi tomando novos contornos e rumos; o que a princípio tinha como objetivo levar a LE para uma comunidade carente e fazer com que o acadêmico vivenciasse a teoria (relacionada ao ensino de LE embasado nas DCEs) na prática, passou também a ter outras metas, como a de elaborar livros didáticos mais coerentes com nossos fundamentos teóricos. Método O objetivo deste artigo é tratar o processo investigativo que um grupo de extensão da UEPG realizou a respeito da relação teoria e prática para o ensino de LE, mais especificamente o espanhol, no Fundamental I; da elaboração do material didático para o ensino do espanhol; e os resultados alcançados no final de nossa pesquisa. Como já mencionamos anteriormente, os PCNs (1998) e as DCEs do estado do Paraná para o ensino de LEs (2006) constituem nossa base teórica. Dessa maneira, buscamos em nosso planejamento das aulas, na elaboração dos materiais didáticos e na prática em sala de aula, um trabalho com a LE que não se limitasse aos aspectos lingüísticos, mas que tratasse também os culturais. Quando nos referimos a aspectos culturais, consideramos as possibilidades de variação da LE e sua diversidade, as manifestações artísticas de todas as ordens e os costumes do(s) 2870
povo(s) falante(s) da língua estudada. No entanto, uma parte de nosso referencial teórico não foi considerada no momento do planejamento das aulas e da análise dos livros didáticos, pois acreditamos que alunos entre 7 e 10 anos de idade não tenham maturidade suficiente para compreender e discutir as funções das línguas estrangeiras nas sociedades. Por outro lado, se esse projeto futuramente estender-se aos níveis Fundamental II ou Médio, essa problemática seguramente será abordada. As aulas de espanhol acontecem uma vez por semana e são dadas por uma acadêmica do curso de Letras (Espanhol/ Português), que está no terceiro ano. Essa acadêmica, além de ministrar as aulas, é responsável pelo planejamento de todo o curso e de todo o material didático que é utilizado. Para que a acadêmica pudesse iniciar o trabalho de elaboração de materiais didáticos a serem usados em suas aulas, ela analisou algumas coleções de livros didáticos, avaliou as abordagens presentes nesses materiais e se o ensino da língua estrangeira aparecia de maneira coerente com as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná e os PCNs para o ensino de LE. À professora da universidade cabe o papel de supervisionar o trabalho da acadêmica. Sendo assim, há a observação semanal das aulas seguida de discussão; esse processo de observação e discussão das aulas objetiva uma reflexão crítica sobre a prática de ensino de LE. Além disso, o material didático elaborado pela acadêmica também é avaliado e comentado pela professora. Esse material está sendo compilado de forma a ser, posteriormente, organizado em um livro didático. A princípio, para elaborarmos os materiais didáticos, houve a seleção dos livros a serem avaliados. Após essa seleção, foi feita uma leitura minuciosa de todo o material, incluindo as orientações para o professor. Assim que essa primeira leitura foi feita, houve a necessidade de destacar todas as atividades que tratavam aspectos culturais para, em seguida, classificá-las em uma das três categorias: a língua em sua variação e diversidade, manifestações artísticas e costumes do povo. O critério de seleção dos livros didáticos de Língua Espanhola foram basicamente dois, os livros 2871
que ainda estão em circulação no mercado editorial e os livros que conseguimos ter acesso gratuitamente, seja porque já tínhamos o material, seja porque nos foi ofertado pela editora quando solicitado. Dentre todos os livros de ensino de espanhol/ LE para o Fundamental I, escolhemos Hola e Recreo, ambos da Editora Moderna/ Santillana; e Bienvenidos, da Editora FTD. Resultados O projeto de extensão tratado neste artigo objetivou o ensino da língua espanhola no fundamental I a partir dos PCNs e das DCE do Paraná. Ao realizar o planejamento das aulas, buscou-se orientar o acadêmico no sentido de explorar os aspectos culturais da LE, isto é, as possibilidades de variação da língua espanhola e sua diversidade, as manifestações artísticas de todas as ordens e os costumes do(s) povo(s) falante(s) da língua estudada. Como as instituições da rede pública municipal do Estado do Paraná não possuem línguas estrangeiras em seu currículo, esse projeto proporciona a inserção e a sensibilização do aluno na língua e cultura estrangeira e promove a diversidade cultural. Durante as aulas, pudemos comprovar que a professora pode falar em espanhol todo o tempo. No início, a acadêmica dava a aula mesclando o português com o espanhol, mas resolvemos começar uma aula falando somente em espanhol. Para a nossa surpresa, nenhum aluno pediu para que ela falasse em português ou disse que não estava entendendo, pelo contrário, todos continuaram participando e realizando as atividades com o mesmo desempenho. Além de falar somente em espanhol, a acadêmica realiza uma série de atividades lúdicas com o intuito de motivar os alunos a aprenderem espanhol. 2872
Paralelamente, há um trabalho de formação pedagógica da acadêmica envolvida, pois ela estuda os PCNs e as DCEs do Paraná e desenvolve um processo de reflexão crítica a respeito de sua prática pedagógica com base nesses documentos. Além disso, a acadêmica teve que lidar com a elaboração de todo o material didático de suas aulas, sendo assim, precisou selecionar e analisar livros didáticos. No que se refere aos livros didáticos avaliados, pudemos constatar uma discrepância do que é postulado nos documentos oficiais e do que aparece nesses livros com relação ao tema da cultura. Encontramos uma maior incidência do tema cultura na coleção Recreo, mas ainda assim, em nossa avaliação, trata-se de um trabalho muito simples e de pouco recorrência, por exemplo, no livro 1, há somente uma menção no manual do professor sobre o Día de San Valentín e Día Internacional del Libro. No livro 2, aparece o vocabulário dos dias da semana e a explicação da relação de seus nomes com os planetas. Há algumas comidas típicas de Brasil, Paraguai, Argentina e Espanha. Há também a Fiesta de la Hispanidad (12 de octubre) e o Dia das Crianças celebrado no Brasil, Argentina, Colômbia, México, Paraguai, Venezuela, Uruguai, Chile e Peru. No livro 3, há as datas comemorativas no Brasil e na Espanha: Natal, dia das mães, férias, dia dos pais, dia da mentira e dia das crianças. No livro 4, aparecem os costumes de alguns países com relação a comidas, roupas típicas e festas; e, por fim, a diferença entre o recreio brasileiro e o espanhol. Na coleção Hola, somente encontramos a referência à cultura nos livros 1 e 3. No livro 1, há uma atividade com países e bandeiras (Brasil, Argentina, Espanha, México e Paraguai). No livro 3, por sua vez, há um exercício com música e ritmos latino-americanos (Panamá, Peru, Argentina, Brasil, México e Colômbia). Por fim, na coleção Bienvenidos, identificamos no 4 o livro/ 5 o ano, um texto em que as personagens viajam para Machu Picchu e outro texto que menciona os países que falam espanhol. 2873
Esse projeto de extensão que tinha como objetivos iniciais a inserção e sensibilização dos alunos de uma escola da rede pública do ensino fundamental I na língua estrangeira e o desenvolvimento da formação pedagógica da acadêmica responsável por essas aulas, acabou também desenvolvendo um trabalho de elaboração de um livro didático que trate a questão da cultura de maneira mais sistemática e coerente com os pressupostos dos documentos oficiais. Referências BRASIL. Secretaria de educação fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua estrangeira. Brasília, 1998. PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes curriculares de língua estrangeira moderna. Curitiba, 2006. 2874